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CONCLUSÕES DO ADVOGADO-GERAL

M. POIARES MADURO

apresentadas em 7 de Março de 2006 (1)

Processo C-106/05

L. u. P. GmbH

contra

Finanzamt Bochum-Mitte

[pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Bundesfinanzhof (Alemanha)]

«Sexta Directiva IVA – Isenções – Artigo 13.º, A, n.os 1, alíneas b) e c), e 2 – Assistência médica – Assistência efectuada no âmbito de actividades médicas – Análises clínicas efectuadas por um laboratório mediante prescrição médica»





1.     Com o presente pedido de decisão prejudicial, o Bundesfinanzhof (Alemanha) submete ao Tribunal de Justiça uma questão relativa à interpretação da Sexta Directiva 77/388/CEE do Conselho, de 17 de Maio de 1977, relativa à harmonização das legislações dos Estados-Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios – Sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado: matéria colectável uniforme (2) (a seguir «Sexta Directiva»).

2.     Mais concretamente, a questão incide sobre a interpretação do artigo 13.º, A, n.os 1, alíneas b e c), e 2, da Sexta Directiva, a fim de determinar as condições a que os Estados-Membros podem submeter a isenção de imposto sobre o valor acrescentado das análises clínicas efectuadas, mediante prescrição médica, por laboratórios externos privados.

I –    Factos, quadro jurídico e questão submetida ao Tribunal de Justiça

3.     A L. u. P. GmbH (a seguir «L. u. P.») é uma sociedade de responsabilidade limitada de direito alemão que tem como único sócio o especialista em medicina laboratorial Dr. Ingo Scharmann. A L. u. P. efectuou análises clínicas requisitadas por duas associações de laboratórios, às quais se tinham coligado médicos generalistas. Estes prescreveram essas análises no âmbito das suas prestações de assistência médica.

4.     O Finanzamt Bochum-Mitte (a seguir «Finanzamt») considerou que os serviços prestados pela L. u. P. às associações de laboratórios estavam sujeitos a imposto sobre o volume de negócios (a seguir «IVA»). A decisão de recusa de isenção do IVA foi confirmada pelo Finanzgericht, em virtude de, segundo o § 4, n.º 16, alínea c), da Umsatzsteuergesetz 1980/1993 (lei do imposto sobre o volume de negócios, a seguir «UStG»), não obstante a L. u. P. ser «outra entidade que efectua exames médicos», as suas prestações não terem sido realizadas, na medida necessária, «sob controlo médico». Além disso, a L. u. P. não tinha provado que, no último ano civil, pelo menos 40% das suas prestações tinham sido realizadas a favor das pessoas beneficiárias referidas no § 4, n.º 15, alínea b), da UStG.

5.     O § 4, n.º 16, alínea c), da UStG dispõe, com efeito, que:

«Das operações mencionadas no § 1, n.° 1, pontos 1 a 3, estão isentas as operações estreitamente relacionadas com a exploração de hospitais, de clínicas especializadas em exames de despistagem e de outros estabelecimentos de assistência médica, de diagnóstico ou de exames médicos, quando

[…]

c) no que se refere a clínicas especializadas em exames preventivos e outras instituições de assistência médica, de diagnóstico ou de exames médicos, as prestações sejam fornecidas sob controlo médico e, no último ano civil, pelo menos 40% das prestações tenham sido prestadas às pessoas referidas no n.° 15, alínea b) [...]»

6.     As pessoas mencionadas nesta última disposição são os beneficiários de um organismo de segurança social, os beneficiários de apoio social e os titulares (ou vítimas de guerra) beneficiários de uma pensão de reforma (paga por uma instituição de segurança social).

7.     O § 4, n.º 14, primeiro período, da UStG dispõe, por sua vez, que estão isentas «as operações resultantes da actividade de médico, de dentista, de fisioterapeuta, de cinesiterapeuta, de parteira ou de qualquer outra actividade médica análoga na acepção do § 18, n.° 1, ponto 1, da Einkommensteuergesetz [lei do imposto sobre o rendimento], ou o exercício da actividade de químico clínico».

8.     Segundo o Bundesfinanzhof, um laboratório médico com a forma jurídica de uma sociedade de responsabilidade limitada também pode ser abrangido pelo âmbito de aplicação da isenção fiscal do § 4, n.º 14, da UStG. Isto em virtude de, segundo o Bundesverfassungsgericht, o princípio da igualdade de tratamento se opor a toda e qualquer diferença de tratamento em matéria de isenção de IVA, exclusivamente fundada no critério da forma jurídica da empresa.

9.     A L. u. P. interpôs recurso da decisão do Finanzgericht para o Bundesfinanzhof, que, por sua vez, decidiu colocar ao Tribunal de Justiça a seguinte questão:

«O artigo 13.°, A, n.° 1, alínea b), e n.° 2, da Sexta Directiva 77/388/CEE do Conselho, de 17 de Maio de 1977, relativa à harmonização das legislações dos Estados-Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios – Sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado: matéria colectável uniforme, permite que se subordine a isenção de análises clínicas laboratoriais prescritas por um médico generalista à observância das condições referidas nesta disposição, mesmo quando a assistência médica prestada pelo médico esteja em qualquer caso isenta?»

10.   Através desta questão, o Tribunal de Justiça é chamado a interpretar a Sexta Directiva, nomeadamente o artigo 13.º, A, n.º 1, o qual prevê que:

«Sem prejuízo de outras disposições comunitárias, os Estados-Membros isentarão, nas condições por eles fixadas com o fim de assegurar a aplicação correcta e simples das isenções a seguir enunciadas e de evitar qualquer possível fraude, evasão e abuso:

[…]

b)      A hospitalização e a assistência médica, e bem assim as operações com elas estreitamente conexas, asseguradas por organismos de direito público ou, em condições sociais análogas às que vigoram para estes últimos, por estabelecimentos hospitalares, centros de assistência médica e de diagnóstico e outros estabelecimentos da mesma natureza devidamente reconhecidos;

c)      As prestações de serviços de assistência efectuadas no âmbito do exercício das actividades médicas e paramédicas, tal como são definidas pelo Estado-Membro em causa;

[…]»

11.   Nos termos do artigo 13.°, A, n.° 2, alínea a), da Sexta Directiva, os Estados-Membros podem subordinar, caso a caso, a concessão, a organismos que não sejam de direito público, das isenções previstas na alínea b) do n.º 1 «à observância de uma ou mais das» condições que a seguir especifica (3).

II – Análise

12.   O Tribunal de Justiça teve já oportunidade de interpretar os preceitos da Sexta Directiva que estão na base do presente reenvio prejudicial feito pelo Bundesfinanzhof. De qualquer modo, a questão de saber qual o enquadramento exacto das prestações de serviços de análises clínicas no âmbito do artigo 13.º, A, n.º 1, da Sexta Directiva e os termos em que os Estados-Membros podem subordinar a isenção de análises efectuadas em circunstâncias como as do presente caso, não foi ainda objecto de uma análise específica pelo Tribunal.

13.   Primeiramente, importa verificar se tais análises podem ser isentas de IVA. Para tal, é preciso determinar se correspondem a alguma das categorias previstas no artigo 13.º, A, n.º 1, alínea b) [a seguir «alínea b)»], ou no artigo 13.º, A, n.º 1, alínea c) [a seguir «alínea c)»], da Sexta Directiva. Num segundo momento, na medida em que as prestações de análises em causa integrem alguma destas duas alíneas referidas, debruçar-me-ei sobre o problema da determinação das condições a que os Estados-Membros podem sujeitar essas isenções.

A –    A qualificação das prestações de serviços de análises clínicas efectuadas pela L. u. P.

14.   Cabe averiguar, primeiramente, se análises clínicas como as que estão em causa no presente caso podem ser qualificadas como integrando o conceito de «assistência médica» ou o conceito de operações «estreitamente conexas» com a assistência médica, previstos na alínea b).

15.   Para este efeito, importa recordar que, segundo uma jurisprudência constante do Tribunal, as exonerações previstas nas alíneas b) e c) assentam em noções autónomas de direito comunitário que têm por objecto evitar divergências na aplicação do regime do IVA (4). Além disso, «os termos utilizados para designar as isenções visadas pelo artigo 13.º da Sexta Directiva são de interpretação estrita, dado que constituem derrogações ao princípio geral segundo o qual o IVA é cobrado sobre qualquer prestação de serviços efectuada a título oneroso por um sujeito passivo» (5).

16.   A razão de ser dos regimes de isenção de IVA previstos nas alíneas b) e c) tem então de ser considerada a fim de se determinar quais as prestações susceptíveis de beneficiarem da isenção nos termos destas alíneas. A este respeito, é ponto assente que o objectivo comum quer às isenções previstas na alínea b) quer às previstas na alínea c) é reduzir o custo dos cuidados de saúde e tornar esses cuidados mais acessíveis aos particulares (6). Atendendo a esta razão de ser, o problema que se coloca não é tanto o de saber se as prestações de análises clínicas podem, em geral, ser isentas de acordo com alguma destas duas alíneas, mas mais o de saber qual o regime concreto de isenção a que ficarão sujeitas.

17.   Importa, com efeito, determinar se as prestações de serviços de análises clínicas devem ser classificadas como integrando alguma das categorias da alínea b) ou da alínea c). Na realidade, não só a alínea c) não contempla no seu âmbito operações estreitamente ligadas à assistência médica como também a concessão da isenção prevista na alínea b), diferentemente do que sucede com a alínea c), pode ser facultativamente submetida a determinadas condições pelos Estados-Membros, nos termos do artigo 13.º, A, n.º 2, quando os prestadores em causa não sejam organismos de direito público.

18.   Para a resolução do problema específico de enquadramento das prestações de serviços de análises clínicas na alínea b) ou na alínea c), a consideração da finalidade em geral subjacente às duas alíneas não é, por si só, suficiente. Permite apenas afirmar, como foi já dito pelo Tribunal, que os termos utilizados nas alíneas b) e c) não sejam sujeitos a «uma interpretação particularmente restritiva» (7).

19.   Quanto a uma possível aplicação da alínea b), é necessário determinar, primeiramente, se as prestações de análises clínicas em apreço fazem parte integrante da noção de «assistência médica», na acepção dessa alínea. Importa depois determinar se laboratórios de análises clínicas como a L. u. P. podem integrar essa mesma alínea b) quando esta se refere a «estabelecimentos hospitalares, centros de assistência médica e de diagnóstico e outros estabelecimentos da mesma natureza devidamente reconhecidos».

20.   Relativamente ao primeiro aspecto, o Tribunal teve já a oportunidade de se pronunciar sobre uma questão próxima no acórdão Comissão/França, já referido. Tratava-se aí de determinar se operações de transmissão de colheitas para um laboratório que procederia seguidamente à realização das análises clínicas estavam sujeitas ao regime de isenção previsto na alínea b). O Tribunal considerou que «o acto de colheita e a transmissão da colheita a um laboratório especializado constituem prestações estreitamente conexas com a análise, de tal forma que devem seguir o mesmo regime fiscal desta e, portanto, não estar sujeitos a IVA» (8) enquanto operações estreitamente conexas à assistência médica nos termos da alínea b). As prestações de análises clínicas, propriamente ditas, cabiam, portanto, segundo o Tribunal, nessa alínea b).

21.   Como resulta do acórdão Comissão/França, já referido, é decisiva, para a qualificação de uma actividade como integrando o regime de isenção da alínea b), a consideração do objectivo prosseguido por essa actividade (9). Paralelamente e de modo idêntico, o Tribunal tem afirmado, em relação à alínea c), que «é a finalidade de uma prestação médica que determina se esta deve estar isenta do IVA» (10).

22.   Deste modo, segundo o Tribunal, as prestações de serviços de «assistência médica», a que se refere a alínea b), bem como as «prestações de serviços de assistência», na alínea c), são aquelas que «tenham como finalidade diagnosticar, tratar e, na medida do possível, curar as doenças ou anomalias de saúde» (11). Quer isto dizer que a prestação em causa, para poder ser isenta, tanto ao abrigo da alínea b) como ao abrigo da alínea c), tem de prosseguir um objectivo terapêutico (12).

23.   Importa ainda sublinhar que, mais recentemente, em particular nos acórdãos, já referidos, Unterpertinger e D’Ambrumenil e Dispute Resolution Services, relativos à aplicação da alínea c), o Tribunal tem explicitado que, em virtude de a finalidade terapêutica não dever entender-se de forma demasiado estrita, as prestações médicas para efeitos de prevenção também podem ser isentas (13): «mesmo quando se revele que as pessoas que se submeteram a exames ou outras intervenções médicas com carácter preventivo não sofrem de qualquer doença ou anomalia de saúde, a inclusão das referidas prestações no conceito de ‘prestações de serviços de assistência’ está em conformidade com o objectivo de redução do custo dos cuidados de saúde, que é comum tanto à isenção prevista no artigo 13.º, n.º 1, alínea b), da Sexta Directiva como à prevista no mesmo número, alínea c)» (14).

24.   Nada justifica, a meu ver, uma ruptura relativamente à leitura unitária e coerente que o Tribunal tem vindo a fazer destas duas alíneas, no que respeita à natureza das actividades que nelas se integram. A interpretação dada pelo Tribunal da noção de «prestações de serviços de assistência efectuadas no âmbito do exercício das actividades médicas», prevista na alínea c), deve portanto corresponder à interpretação da noção de «assistência médica», na alínea b). Recordo, a este respeito, que, por um lado, o Tribunal afirmou expressamente que o conceito de «assistência médica» que figura no artigo 13.º, A, n.º 1, alínea b), abrange a totalidade das «prestações de serviços de assistência» previstas no mesmo número, alínea c) (15). Por outro lado, ambas as alíneas visam «regulamentar a totalidade das isenções das prestações médicas em sentido estrito», com base numa teleologia comum (16).

25.   Certamente que as duas alíneas têm âmbitos distintos. Mas «o critério para delimitar o âmbito de aplicação dos dois casos de isenção previstos no artigo 13.º, A, n.º 1, alíneas b) e c), é menos o tipo da prestação do que o local da sua realização» (17). Isto é, segundo a alínea b), «devem ser isentas as prestações que compreendem um conjunto de serviços de assistência médica em estabelecimentos com objectivos sociais, como a protecção da saúde humana, ao passo que, nos termos do mesmo número, alínea c), são isentas as prestações efectuadas fora de organismos hospitalares e no quadro de uma relação de confiança entre o paciente e o prestador de serviços» (18).

26.   A noção de «assistência médica» que se encontra prevista na alínea b) referida incluirá, portanto, tal como a alínea c) do mesmo número, «as prestações médicas efectuadas com o objectivo de proteger, incluindo manter ou restabelecer a saúde das pessoas» (19). Por outras palavras, abrangerá tanto as prestações de assistência médica curativa como as de assistência preventiva.

27.   No âmbito da assistência médica preventiva, não há diagnóstico de doenças (20) nem actos terapêuticos, em sentido estrito, a realizar. Elemento central é a observação e o exame do utente, tendo precisamente em vista prevenir a necessidade futura de diagnosticar e tratar eventuais doenças.

28.   Ora, a realização de análises clínicas solicitadas por um médico faz parte integrante da observação médica do utente (21), sem a qual não pode obviamente haver protecção da saúde das pessoas, incluindo tanto a sua manutenção como o restabelecimento. Por outras palavras, a assistência médica, enquanto conjunto de actividades que funcionalmente se destinam a manter ou a restabelecer a saúde, é um processo constituído por actos que visam a manutenção ou o restabelecimento da saúde, que incluem, desde logo, actos de observação e de exame e, depois, eventualmente, de diagnóstico e de tratamento. Neste sentido, as análises clínicas, quando prescritas por um médico, constituem prestações de assistência médica.

29.   Posto isto, prestações de análises clínicas como as realizadas pela L. u. P. integram, dada a sua finalidade, a noção de assistência médica, no sentido do artigo 13.º, A, n.º 1, alíneas b) e c), da Sexta Directiva.

30.   Questão diferente é saber se essa actividade de assistência médica levada a cabo por um laboratório externo de análises integra, mais precisamente, a alínea b) ou a alínea c). A resposta a esta questão passa, como já foi dito, por saber se as prestações em causa são efectuadas fora de estabelecimentos hospitalares ou similares, no quadro de uma relação de confiança entre o paciente e o prestador de serviços no seu consultório ou ao domicílio (22). Isto é, assenta mais na consideração do local onde a actividade é desenvolvida do que na natureza da própria actividade.

31.   A este respeito, contrariamente à posição sugerida pela Comissão nas suas observações escritas, penso que um laboratório que realize análises clínicas prescritas por médicos – e, portanto, nos termos que descrevi, que efectua prestações de «assistência médica» na acepção da alínea b) – integra também esta alínea quando ela se refere a «centros de assistência médica e de diagnóstico e outros estabelecimentos da mesma natureza devidamente reconhecidos».

32.   A razão de ser da isenção prevista quer na alínea b) quer, aliás, na alínea c) é a mesma, independentemente de as análises serem realizadas num estabelecimento hospitalar ou até por um médico no seu consultório (se para isso for qualificado e dispuser de meios técnicos), ou, pelo contrário, serem realizadas noutros estabelecimentos especialmente vocacionados para a realização de análises clínicas. Do ponto de vista do objectivo de fazer baixar os custos da assistência médica, seria incompreensível uma tal disparidade de tratamento. A orientação interpretativa aqui preconizada é também a mais compatível com o princípio da neutralidade fiscal, segundo o qual operadores económicos que efectuem as mesmas operações não devem ser tratados diferentemente em matéria de cobrança do IVA (23).

33.   Importa ainda referir que uma actividade de prestação de análises clínicas poderá integrar a alínea c), em vez da alínea b), se a prestação for efectivamente realizada no quadro de uma relação de confiança entre o prestador de serviços e o paciente. Como parece resultar da decisão de reenvio, as análises no presente caso não são, no entanto, realizadas num tal quadro de relacionamento de confiança entre paciente e prestador de serviços, no sentido da jurisprudência do Tribunal, de modo a permitir que sejam qualificadas como integrando a alínea c) (24).

34.   A Comissão sustentou, por outro lado, nas suas observações escritas e na audiência, a tese segundo a qual seria necessário distinguir os laboratórios de análises clínicas que mantêm relações contratuais directas com os pacientes dos laboratórios que apenas mantêm relações com o médico que pediu a análise. Só na primeira situação é que as prestações de análises clínicas poderiam ser abrangidas pela isenção, por se destinarem aos beneficiários finais dessas prestações. Na segunda situação, estariam apenas em causa prestações realizadas a montante das prestações de assistência médica. Isto é, teriam como destinatário o prestador de serviços de assistência médica e não o destinatário final desses serviços e, assim sendo, não deveriam beneficiar do regime de isenção de IVA. A Comissão ancora a sua tese nos acórdãos do Tribunal de Justiça, Comissão/Alemanha (25), Skandia (26), CSC Financial Services (27) e Arthur Andersen Consulting (28), nos quais foram consideradas sujeitas a imposto determinadas prestações realizadas no âmbito de uma subcontratação de operações anexas a prestações de serviços isentas de IVA. Não concordo com este entendimento da Comissão.

35.   Trata-se, desde logo, de uma tese que colide com a posição expressa pelo Tribunal no acórdão Comissão/França, já referido. Neste acórdão, afirmou-se claramente o carácter irrelevante, para a aplicação do regime de isenção previsto na alínea b), do facto de «que o laboratório que efectua a colheita proceda igualmente à análise ou que recorra a outro laboratório para o efeito, permanecendo responsável perante o doente, ou ainda que, atendendo à natureza da análise efectuada, seja obrigado a transmitir a colheita a um laboratório especializado» (29). Isto é, a subcontratação da realização de uma análise clínica de um laboratório a outro não implica que a realização dessa análise pelo laboratório subcontratado deixe de estar sujeita ao regime de isenção previsto na alínea b).

36.   A jurisprudência evocada pela Comissão respeita a outros regimes de isenção de IVA distintos das isenções em benefício de actividades de interesse geral. Essa jurisprudência trata, além disso, de regimes de isenção de imposto ditados por razões diferentes das que estão na base das isenções previstas nas alíneas b) e c) relativas a actividades de assistência médica (30).

37.   Não me parece, portanto, que se deva restringir mais a interpretação, até agora realizada, dos regimes de isenção previstos nas alíneas b) e c) – e bem patente, desde logo, no acórdão Comissão/França, já referido –, para assegurar uma hipotética necessidade de maior coerência e unidade com a jurisprudência que a Comissão menciona, relativa à subcontratação de certas actividades anexas a prestações de serviços isentas. A partir do momento em que prestações de análises clínicas, como as do caso em apreço, constituem, em si mesmas, nos termos que descrevi, prestações de «assistência médica» levadas a cabo por «outros estabelecimentos da mesma natureza» na acepção da alínea b), não vejo, nem na letra nem na ratio deste preceito, que haja fundamento para se impor uma restrição adicional à isenção dessas prestações, como aquela que a Comissão sugere. As condições que podem ser estabelecidas são as que resultam do artigo 13.º, A, n.os 1, alínea b), e 2.

B –    A conformidade com o artigo 13.º, A, n.os 1, alínea b), e 2, das condições a que os Estados-Membros podem facultativamente sujeitar a isenção de prestações levadas a cabo por organismos que não sejam de direito público

38.   Os Estados-Membros dispõem da faculdade de fazerem observar uma ou várias das condições descritas no artigo 13.º, A, n.º 2, alínea a), quando estejam em causa prestações levadas a cabo por organismos que não sejam de direito público. Ora, como resulta claramente do artigo 13.º, A, n.º 2, essas condições facultativas podem apenas ser estabelecidas em relação às prestações de serviços previstas na alínea b), e não às previstas na alínea c). Assim, a Sexta Directiva não trata da mesma maneira os dois regimes de isenção diferentes, previstos nas alíneas b) e c), sujeitando as prestações cobertas pela alínea b) a um regime de isenção de imposto, a priori, menos favorável do que aquele que se encontra previsto para as prestações que integram a alínea c). Deste modo, as prestações realizadas por laboratórios privados de análises clínicas que integrem a alínea b) poderão ser sujeitas pelos Estados-Membros, para beneficiarem da isenção de imposto, a uma ou mais das condições previstas no artigo 13.º, A, n.º 2, alínea a), o que não acontece com as prestações dos médicos que prescrevem as análises no âmbito da alínea c).

39.   Convém referir igualmente – porque me parece ser uma dúvida subjacente à questão colocada pelo Bundesfinanzhof – que, relativamente às prestações previstas na alínea b), a faculdade de que dispõem os Estados-Membros, de condicionarem a concessão do regime de isenção, não os deve obrigar a tratar da mesma maneira as prestações de «assistência médica» e as prestações «estreitamente conexas» àquelas, levadas a cabo por organismos que não sejam de direito público. Os Estados-Membros dispõem de uma faculdade, caso a caso, de subordinar a concessão da isenção prevista na alínea b) a organismos que não sejam de direito público à observância de determinadas condições, no respeito, naturalmente, do princípio geral da não discriminação. Neste sentido, não me parece que sejam obrigados a sujeitar os dois tipos de prestações exactamente às mesmas condições. Desde logo um Estado-Membro pode, simplesmente, optar por não sujeitar a nenhuma das condições previstas no artigo 13.º, A, n.º 2, alínea a), a isenção das prestações de serviços de saúde previstas na alínea b), efectuadas por entidades que não sejam de direito público. Deverá então ter igualmente a faculdade de estabelecer condições apenas para as prestações de serviços de saúde levadas a cabo por operadores privados, que estejam estreitamente relacionadas com a hospitalização e a assistência médica. Neste sentido, penso que deverão ser afastadas as dúvidas quanto a uma possível incompatibilidade do regime previsto no § 4, n.º 16, da UStG com o regime de isenção previsto no artigo 13.º, A, n.os 1, alínea b), e 2, alínea a), da Sexta Directiva, em virtude de aquele regime nacional, aparentemente, apenas fixar condições para a isenção de IVA das operações «estreitamente relacionadas» com a hospitalização ou a assistência médica.

40.   Na eventualidade de o direito alemão aplicável sujeitar à verificação das condições previstas no § 4, n.º 16, alínea c), da UStG a isenção das próprias prestações de «assistência médica» realizadas por «outros estabelecimentos da mesma natureza» na acepção da alínea b) da Sexta Directiva, será útil analisar a conformidade com o direito comunitário das duas condições estabelecidas pela legislação alemã para a concessão da isenção.

41.   Quanto à condição prevista no § 4, n.º 16, alínea c), da UStG, que impõe que «as prestações sejam fornecidas sob controlo médico», trata-se de uma condição contrária ao direito comunitário. Com efeito, nenhuma das condições descritas no artigo 13.º, A, n.º 2, alínea a), é susceptível de ser interpretada no sentido de que os Estados-Membros podem subordinar a concessão da isenção prevista no artigo 13.º, A, n.º 1, alínea b), a organismos que não sejam de direito público, a uma condição de controlo médico como a que a legislação alemã prevê.

42.   Importa relembrar, a respeito desta condição, que, no acórdão Dornier, já referido, o Tribunal afirmou explicitamente que «a exigência de as prestações serem fornecidas sob controlo médico, na medida em que visa excluir do benefício de isenção as prestações efectuadas apenas sob responsabilidade de profissionais paramédicos, ultrapassa os limites do poder de apreciação permitido aos Estados-Membros pelo artigo 13.°, A, n.° 1, alínea b), da Sexta Directiva. Com efeito, o conceito de‘assistência médica’ que figura nesta disposição abrange não só as prestações fornecidas directamente pelos médicos ou outros profissionais da saúde sob controlo médico mas também as prestações paramédicas fornecidas no meio hospitalar sob a única responsabilidade de pessoas que não têm a qualidade de médico» (31).

43.   Quanto à outra condição imposta pelo § 4, n.º 16, alínea c), da UStG, segundo a qual pelo menos 40% das prestações devem ter sido prestadas, no ano civil transacto, a beneficiários de um organismo de segurança social, a beneficiários de apoio social e a titulares (ou vítimas de guerra) beneficiários de uma pensão de reforma (paga por uma instituição de segurança social), penso que, apesar de não estar explicitamente prevista na Sexta Directiva, pode considerar-se instrumental relativamente à condição facultativa prevista no artigo 13.º, A, n.º 2, alínea a), terceiro travessão, nos termos da qual, para poderem beneficiar do regime de isenção, os organismos que não sejam de direito público «devem praticar preços homologados pela Administração Pública, ou que não excedam os preços homologados». Com efeito, se uma parte dos utentes da entidade em causa forem beneficiários da segurança social, isto permitirá eventualmente assegurar que os preços praticados por essa entidade sejam compatíveis com os preços homologados pela Administração Pública. Ainda que não seja claro, a meu ver, por que razão será necessário, para este efeito, que pelo menos 40% dos utentes desse organismo sejam beneficiários da segurança social, penso que tal condição será compatível com o direito comunitário, na medida em que permita efectivamente aferir a compatibilidade dos preços praticados por essa entidade com os preços homologados pela Administração Pública. Cabe aos tribunais nacionais apreciar se essa condição constitui um instrumento adequado para aferir a compatibilidade dos preços praticados pela L. u. P. com os preços homologados pela Administração Pública.

III – Conclusão

44.   De acordo com as considerações expostas, sugiro que o Tribunal de Justiça responda da seguinte forma à questão colocada pelo Bundesfinanzhof:

«O artigo 13.º, A, n.º 1, alínea b), da Sexta Directiva 77/388/CEE do Conselho, de 17 de Maio de 1977, relativa à harmonização das legislações dos Estados-Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios – Sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado: matéria colectável uniforme, deve ser interpretado no sentido de que prestações de análises clínicas como as que estão em causa no presente caso constituem actos de ‘assistência médica’ assegurados por ‘outros estabelecimentos da mesma natureza’ na acepção da referida alínea b).»


1 – Língua original: português.


2 – JO L 145, p. 1; EE 09 F1 p. 54.


3 – Essas condições são as seguintes: «– os organismos em questão não devem ter como objectivo a obtenção sistemática de lucro; os eventuais lucros não devem em caso algum ser distribuídos, devendo antes ser destinados à manutenção ou à melhoria das prestações fornecidas; – devem ser geridos e administrados essencialmente a título gratuito por pessoas que não detenham, por si mesmas ou por interposta pessoa, qualquer interesse directo ou indirecto nos resultados da exploração; – devem praticar preços homologados pela Administração Pública, ou que não excedam os preços homologados, ou, no que diz respeito às actividades não susceptíveis de homologação de preços, preços inferiores aos exigidos para actividades análogas por empresas comerciais sujeitas ao imposto sobre o valor acrescentado; – as isenções não devem ser susceptíveis de provocar distorções de concorrência em detrimento de empresas comerciais sujeitas ao imposto sobre o valor acrescentado».


4 – V., recentemente, o acórdão de 1 de Dezembro de 2005, Ygeia, ainda não publicado na Colectânea, n.º 15, e os acórdãos de 25 de Fevereiro de 1999, CPP (C-349/96, Colect., p. I-973, n.º 15), e de 15 de Junho de 1989, Stichting Uitvoering Financiëlle Acties (348/87, Colect., p. 1737, n.º 11).


5 – Acórdãos, já referidos, Ygeia, n.º 15, e Stichting Uitvoering Financiëlle Acties, n.º 13.


6 – Acórdãos de 6 de Novembro de 2003, Dornier (C-45/01, Colect., p. I-12911, n.º 43), de 11 de Janeiro de 2001, Comissão/França (C-76/99, Colect., p. I-249, n.º 23), e de 10 de Setembro de 2002, Kügler (C-141/00, Colect., p. I-6833, n.º 29).


7 – Acórdãos, já referidos, Comissão/França, n.º 23, e Dornier, n.º 48.


8 – Acórdão Comissão/França, já referido, n.º 30.


9 – V. acórdão Comissão/França, já referido, n.º 24, destacando a necessidade de se considerar «a finalidade com que estas colheitas são efectuadas», e acórdão Ygeia, já referido, n.º 22.


10 – Acórdão de 20 de Novembro de 2003, Unterpertinger (C-212/01, Colect., p. I-13859, n.º 42), e conclusões da advogada-geral C. Stix-Hackl nesse processo (n.os 66 a 68, para as quais o acórdão expressamente remete).


11 – Acórdãos Dornier, já referido, n.º 48; de 14 de Setembro de 2000, D. (C-384/98, Colect., p. I-6795, n.º 18); Kügler, já referido, n.º 38; e, mais recentemente, Ygeia, já referido, n.º 24.


12 – Acórdãos, já referidos, D., n.º 19; Kügler, n.º 39; Unterpertinger, n.º 40; e acórdão de 20 de Novembro de 2003, D’Ambrumenil e Dispute Resolution Services (C-307/01, Colect., p. I-13989, n.º 58).


13 – Acórdãos, já referidos, Unterpertinger, n.º 40, e D’Ambrumenil e Dispute Resolution Services, n.º 58. V. as conclusões da advogada-geral C. Stix-Hackl nestes processos (n.os 72 a 75), nas quais se defende, precisamente, o alargamento das actividades com objectivo terapêutico, de modo a incluir «também actividades que não têm como objecto directo uma cura, mas que visam a mera prevenção» (n.º 72). V., em certa medida, já neste sentido, o acórdão Kügler, já referido, n.º 40.


14 – Acórdãos, já referidos, Unterpertinger, n.º 40, e D’Ambrumenil e Dispute Resolution Services, n.º 58.


15 – Acórdão Dornier, já referido, n.º 50.


16 – Acórdão Kügler, já referido, n.º 36. V. as conclusões da advogada-geral C. Stix-Hackl no processo Unterpertinger, já referido, n.º 71, assinalando que, «em conjugação, ambas as isenções visam promover o acesso a cuidados médicos em geral».


17 – Acórdão Dornier, já referido, n.º 47, na linha do acórdão de 23 de Fevereiro de 1987, Comissão/Reino Unido (353/85, Colect., p. 817, n.os  32 e 33). V., também, no mesmo sentido, o acórdão Kügler, já referido, n.º 35.


18 – Acórdãos, já referidos, Dornier, n.º 47; Comissão/Reino Unido, n.° 33; e Kügler, n.os  35 e 36.


19 – Acórdãos, já referidos, Unterpertinger, n.º 41, e D’Ambrumenil e Dispute Resolution Services, n.º 59.


20 – O diagnóstico é, com efeito, o acto pelo qual o médico distingue uma doença através do conhecimento das manifestações próprias da mesma.


21 – Isto independentemente de ser o próprio médico a realizar esses exames ou análises no âmbito da sua observação, ou de requerer a sua realização por terceiros, designadamente, em função do carácter especializado dessas análises.


22 – V., supra, n.º 25.


23 – V. acórdão Kügler, já referido, n.º 30.


24 – V. a jurisprudência referida no n.º 25, supra.


25 – Acórdão de 11 de Julho de 1985, Comissão/Alemanha (107/84, Recueil, p. 2655, n.º 20), no qual se estabeleceu que apenas as prestações realizadas pela Deutsche Bundespost ficavam sujeitas ao regime de isenção previsto no artigo 13.º, A, n.º 1, alínea a), da Sexta Directiva, e não as prestações de serviços efectuadas a montante, a título oneroso, por empresas de transporte, para a Deutsche Bundespost.


26 – Acórdão de 8 de Março de 2001, Skandia (C-240/99, Colect., p. I-1951, n.os  40 e 41), no qual se considerou que a administração de contratos de seguro por uma entidade que actua por conta de uma companhia de seguros não é isenta enquanto «prestações de seguro», na acepção do artigo 13.º, B, alínea a), da Sexta Directiva, em virtude de essa entidade não ter relações contratuais com os segurados e não assumir os riscos decorrentes das actividades de seguro.


27 – Acórdão de 13 de Dezembro de 2001, CSC Financial Services (C-235/00, Colect., p. I-10237, n.os  39 e 40). O Tribunal afirmou, quanto à interpretação da noção de «negociação» relativa a títulos, na acepção do artigo 13.°, B, alínea d), n.º 5, da Sexta Directiva, que um intermediário apenas beneficiará dessa isenção se «não ocupa o lugar de uma parte num contrato relativo a um produto financeiro». Assim sendo, não se «está perante uma actividade de negociação quando uma das partes no contrato confia a um subcontratante uma parte das operações materiais ligadas ao contrato, como a informação à outra parte, a recepção e o processamento dos pedidos de subscrição dos títulos que são objecto do contrato. Neste caso, o subcontratante ocupa o mesmo lugar que o vendedor do produto financeiro e não constitui, assim, um intermediário que não ocupa o lugar de uma das partes no contrato na acepção da disposição em causa».


28 – Acórdão de 3 de Março de 2005, Arthur Andersen (C-472/03, Colect., p. I-1719), no qual se considerou que determinadas actividades de «back office» normalmente desenvolvidas no seio da própria seguradora, que foram subcontratadas a um prestador externo que, por sua vez, não assumia o risco de seguro nem actuava como corretor ou mediador de seguros, não poderiam beneficiar da isenção de imposto prevista no artigo 13.º, B, alínea a), da Sexta Directiva.


29 – Acórdão Comissão/França, já referido, n.º 28. Também, em sentido semelhante, no acórdão D’Ambrumenil e Dispute Resolution Services, já referido (n.º 67), se considerou que o facto de serem terceiros, nomeadamente entidades patronais, a controlarem e a requererem a realização de exames médicos para um trabalhador, não obsta a que essas análises tenham por objectivo a protecção da saúde e possam, portanto, beneficiar da isenção de imposto.


30 – V., por exemplo, em relação à finalidade da isenção das operações de seguro e das prestações efectuadas por corretores e intermediários de seguros: o acórdão CPP, já referido, n.º 23; as conclusões do advogado-geral A. Saggio no processo Skandia, já referido, n.º 23; e o n.º 13 das minhas conclusões no processo Arthur Andersen, já referido.


31 – Acórdão Dornier, já referido, n.os 70 e 71.