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CONCLUSÕES DA ADVOGADA-GERAL

ELEANOR SHARPSTON

apresentadas em 22 de Junho de 2006 1(1)

Processo C-228/05

Stradasfalti Srl

contra

Agenzia delle Entrate Ufficio di Trento






1.     Com o presente pedido de decisão prejudicial, a Commissione Tributaria di Primo Grado (tribunal tributário de primeira instância), Trento, Itália, pretende saber essencialmente se as normas nacionais que impedem a dedução do IVA a montante sobre os veículos automóveis que não sejam utilizados na actividade empresarial específica do sujeito passivo ou sobre o combustível para tais veículos se podem justificar com base no artigo 17.°, n.° 7, da Sexta Directiva IVA (2), que permite a exclusão total ou parcial de determinados bens do regime das deduções, por razões conjunturais e sob reserva da consulta do Comité do IVA, em circunstâncias em que as normas foram mantidas em vigor durante 25 anos e o Comité do IVA se limitou a tomar conhecimento da sua adopção.

 Disposições pertinentes da Sexta Directiva

2.     Nos termos do artigo 17.°, n.° 2, da Sexta Directiva, o IVA a montante relativo a bens ou serviços adquiridos por um sujeito passivo é, em princípio, dedutível do imposto a jusante, na medida em que esses bens e serviços sejam utilizados para os fins das suas próprias operações tributáveis.

3.     O artigo 17.°, n.° 6, dispõe, porém, que:

«O mais tardar antes de decorrido o prazo de quatro anos a contar da data da entrada em vigor da presente directiva, o Conselho, deliberando por unanimidade, sob proposta da Comissão, determinará quais as despesas que não conferem direito à dedução do imposto sobre o valor acrescentado. Serão excluídas do direito à dedução, em qualquer caso, as despesas que não tenham carácter estritamente profissional, tais como despesas sumptuárias, recreativas ou de representação.

Até à entrada em vigor das disposições acima referidas, os Estados-Membros podem manter todas as exclusões previstas na legislação nacional respectiva no momento da entrada em vigor da presente directiva.»

4.     Na verdade, essas disposições não foram ainda adoptadas. A Sexta Directiva entrou em vigor na Itália em 1 de Janeiro de 1979 (3).

5.     O artigo 17.°, n.° 7, da Sexta Directiva dispõe:

«Sem prejuízo da consulta prevista no artigo 29.°, os Estados-Membros podem, por razões conjunturais, excluir parcial ou totalmente do regime das deduções alguns ou todos os bens de investimento ou outros bens. [...]»

6.     O artigo 27.° estabelece uma derrogação de outro tipo e de carácter mais permanente. À data dos factos (4), esta disposição tinha a seguinte redacção:

«1.   O Conselho, deliberando por unanimidade, sob proposta da Comissão, pode autorizar os Estados-Membros a introduzirem medidas especiais derrogatórias da presente directiva para simplificar a cobrança do imposto ou para evitar certas fraudes ou evasões fiscais. [...]

2.     O Estado-Membro que deseje introduzir as medidas referidas no n.° 1 delas informará a Comissão, fornecendo-lhe todos os elementos de apreciação úteis.

3.     A Comissão informará desse facto os outros Estados-Membros no prazo de um mês.

4.     A decisão do Conselho considerar-se-á tomada se, no prazo de dois meses a contar da informação referida no n.° 3, nem a Comissão nem um dos Estados-Membros submeter o assunto à apreciação do Conselho.

[...]»

7.     O artigo 29.°, mencionado no artigo 17.°, n.° 7, dispõe:

«1.   É instituído um Comité Consultivo do Imposto sobre o Valor Acrescentado, a seguir denominado ‘comité’.

2.     O comité será composto por representantes dos Estados-Membros e da Comissão. O comité será presidido por um representante da Comissão. O Secretariado do comité será assegurado pelos serviços da Comissão.

3.     O comité estabelecerá o seu regulamento interno.

4.     Para além dos assuntos que sejam objecto de consulta por força da presente directiva, o comité examinará as questões suscitadas pelo seu presidente, seja por iniciativa deste seja a pedido do representante de um dos Estados-Membros, relativas à aplicação das disposições comunitárias em matéria de imposto sobre o valor acrescentado.»

 O acórdão Metropol e Stadler

8.     No acórdão Metropol e Stadler (5), o Tribunal de Justiça foi chamado a apreciar as disposições do artigo 17.°, n.° 6 e, especialmente, do artigo 17.°, n.° 7, no contexto de um pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Verwaltungsgerichtshof austríaco (tribunal administrativo), relativamente a uma disposição nacional introduzida depois de a Sexta Directiva ter entrado em vigor na Áustria. Essa disposição nacional redefinia uma categoria de miniautocarros de modo muito mais restrito do que a prática administrativa anterior, excluindo, assim, a dedução do IVA a montante sobre determinados veículos que anteriormente conferiam direito à dedução.

9.     Depois de determinar que a alteração da definição não se podia justificar nos termos do artigo 17.°, n.° 6, da Sexta Directiva, porque constituía uma alteração substancial de regras vinculativas relativamente à situação existente antes de a directiva entrar em vigor na Áustria, o Tribunal de Justiça passou a examinar se o artigo 17.°, n.° 7, autorizava um Estado-Membro a excluir bens do regime das deduções do IVA: a) sem consulta prévia do comité do IVA e b) sem limitação no tempo, tendo em vista consolidar o seu orçamento.

10.   Em primeiro lugar, o Tribunal de Justiça observou que o direito à dedução faz parte integrante do regime do IVA, garantindo a neutralidade deste imposto. Em princípio, portanto, não pode ser limitado. As derrogações só são autorizadas nos casos expressamente previstos pela Sexta Directiva, que são de interpretação estrita. O artigo 17.°, n.° 7, é um desses casos, reconhecendo aos Estados-Membros a faculdade de excluir bens do regime das deduções, sem prejuízo da consulta prevista no artigo 29.°

11.   Esta consulta permite à Comissão e aos outros Estados-Membros controlar a utilização por um Estado-Membro da possibilidade de derrogar o regime geral das deduções do IVA, verificando nomeadamente se a medida nacional em questão satisfaz a condição de ser adoptada por razões conjunturais.

12.   O artigo 17.°, n.° 7, prevê, assim, uma obrigação processual que os Estados-Membros devem cumprir para poderem invocar a regra derrogatória nele contida. A consulta do comité do IVA é uma condição prévia à adopção de qualquer medida fundada nessa disposição. Quando uma exclusão do regime das deduções não tenha sido estabelecida em conformidade com essa condição, as autoridades fiscais nacionais não podem prevalecer-se dessa exclusão em detrimento de sujeitos passivos (6).

13.   Em segundo lugar, o primeiro período do artigo 17.°, n.° 7, da Sexta Directiva autoriza os Estados-Membros a excluir bens do regime das deduções por «razões conjunturais», ou seja, a adoptar medidas de carácter temporário destinadas a fazer face a uma situação conjuntural em que se encontre a sua economia num dado momento. Portanto, a aplicação das medidas referidas por esta disposição deve ser limitada no tempo e, por definição, estas não podem ser de natureza estrutural. Conclui-se que o artigo 17.°, n.° 7, não autoriza um Estado-Membro a adoptar medidas relativas à exclusão de bens do regime das deduções do IVA que não contenham a indicação da sua limitação no tempo e/ou que façam parte de um pacote de medidas de adaptações estruturais tendo por objectivo reduzir o défice orçamental e permitir o pagamento da dívida do Estado (7).

 Disposições nacionais pertinentes

14.   As disposições em litígio no caso em apreço constam do artigo 19.° bis, n.° 1, do Decreto del Presidente della Repubblica N.° 633, de 26 de Outubro de 1972 (a seguir «DPR 633/1972»).

15.   Nos termos do n.° 1, alínea c), desse artigo, em derrogação da regra geral da dedutibilidade do imposto a montante ao imposto a jusante, o IVA sobre a aquisição ou importação de certos tipos de veículos a motor que não se destinem a uso público e que não se destinem à actividade profissional específica do sujeito passivo (8) só pode, em princípio, ser deduzido por agentes comerciais ou representantes, embora se verifique que, até 1983, podia ser deduzido pelo valor de 50%. Desde 1 de Janeiro de 2001 (9), pode novamente ser deduzido o imposto a montante sobre os veículos adquiridos em regime de leasing pelo valor de 10% e o imposto sobre veículos que não sejam movidos por combustão interna (10) pelo valor de 50%. O Governo italiano declarou na audiência que a dedução de 10% tinha sido aumentada para 15% com efeitos a partir de 1 de Janeiro de 2006.

16.   Nos termos do n.° 1, alínea d), o IVA sobre a aquisição ou importação de combustível e de lubrificantes para qualquer veículo só pode ser deduzido na medida em que o IVA sobre a aquisição ou importação dos próprios veículos seja dedutível.

17.   O actual artigo 19.° bis, n.° 1, foi inserido no texto original do DPR 633/1972 (como a nova redacção do artigo 19.°) em 1979, depois de a Sexta Directiva ter entrado em vigor em Itália (11). Tem desde então sido alterado e o seu prazo de validade (inicialmente até 31 de Dezembro de 1983) tem sido prorrogado por várias vezes – 24, segundo a Comissão – daí resultando que está ainda em vigor nesta data.

18.   Decorre das observações e dos documentos apresentados ao Tribunal de Justiça que a medida em questão foi objecto de várias consultas do comité do IVA. Foi ainda declarado na audiência que a Comissão decidira, relativamente a essa medida, enviar à República Italiana uma notificação para cumprir, nos termos do artigo 226.° CE, em 12 de Outubro de 2005 – já depois, portanto, da apresentação de todas observações escritas no presente processo – e que a Itália tinha seguidamente dado início ao procedimento para obter a autorização do Conselho, nos termos do artigo 27.° da Sexta Directiva.

 O pedido de decisão prejudicial

19.   A Stradasfalti Srl (a seguir «Stradasfalti») é uma sociedade que se dedica a obras rodoviárias. Adquiriu veículos automóveis (de tipo «particular» e não de tipo «comercial») para utilização pelo pessoal, para deslocações entre as obras e os escritórios, para deslocações a várias administrações, bem como para seu uso como «benefício em espécie».

20.   A Stradasfalti opõe-se à limitação da dedutibilidade do imposto a montante sobre estes veículos e sobre o combustível para os mesmos. Em 2004 decidiu, portanto, solicitar o reembolso desse IVA relativamente aos anos de 2000, 2001, 2002, 2003 e 2004, no total de 31 337,21 EUR.

21.   Em 15 de Julho de 2004, a administração fiscal local indeferiu esses pedidos. A Stradasfalti recorreu das decisões de indeferimento para o órgão jurisdicional de reenvio.

22.   Tendo em conta os argumentos que lhe foram apresentados – em que a Stradasfalti alega que as disposições em litígio são contrárias à Sexta Directiva e a administração fiscal sustenta que os Estados-Membros estão autorizados a excluir da dedução os bens que não sejam utilizados especificamente na actividade empresarial do sujeito passivo – e o acórdão do Tribunal de Justiça no caso Metropol, o órgão jurisdicional nacional apresentou um pedido de decisão prejudicial quanto às seguintes questões:

«1.      O artigo 17.°, n.° 7, primeiro período, conjugado com o n.° 2 do mesmo artigo da Sexta Directiva 77/388/CEE, do Conselho, de 17 de Maio de 1977, relativa à harmonização das legislações dos Estados-Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios, deve ser interpretado no sentido de que:

a)      Se opõe a que se considere que a simples notificação por parte de um Estado-Membro da adopção de uma disposição legislativa nacional, como a prevista no actual artigo 19.° bis, n.° 1, D.P.R., n.° 633/72, alíneas c) e d), e nas sucessivas prorrogações, que limita o direito de dedução do IVA relativo ao uso e manutenção dos bens a que se refere o n.° 2 do artigo 17.°, constitui uma ‘consulta ao comité do IVA’ na acepção do artigo 29.° da directiva referida, com base no facto de o comité do IVA se ter limitado a tomar conhecimento da notificação?

b)      Se opõe igualmente a que se considere como medida que cai no seu âmbito de aplicação qualquer limitação do direito a beneficiar da dedução do IVA relacionado com a aquisição, uso e manutenção dos bens mencionados na alínea a), adoptada antes de ser consultado o comité do IVA e mantida em vigor mediante numerosas prorrogações legislativas, repetidas em cadeia e sem solução de continuidade durante mais de 25 anos?

c)      Em caso de resposta afirmativa à primeira questão, alínea b), solicita-se ao Tribunal de Justiça que forneça orientações para se determinar a eventual duração máxima dessas prorrogações por razões conjunturais referidas no artigo 17.°, n.° 7, da Sexta Directiva ou que precise se a inobservância do carácter temporário das derrogações (reiteradas no tempo) confere ao contribuinte o direito a beneficiar da dedução.

2.      No caso de entender que não foram observados os requisitos e condições do procedimento estabelecido no artigo 17.°, n.° 7, solicita-se ao Tribunal de Justiça que declare se o artigo 17.°, n.° 2, da directiva já referida se deve interpretar no sentido de que se opõe a uma disposição legislativa nacional ou a uma prática administrativa adoptada por um Estado-Membro depois da entrada em vigor da Sexta Directiva (1 de Janeiro de 1979) que, objectivamente e sem limitação de tempo, limita a dedução do IVA relativo à aquisição, uso e manutenção de determinados veículos.»

23.   Foram apresentadas observações escritas pela Stradasfalti, pelo Governo italiano e pela Comissão, tendo todos apresentado também alegações orais na audiência de 6 de Abril de 2006.

 Apreciação

 Admissibilidade

24.   O Governo italiano sustenta que as questões 1b) e 2 não são pertinentes para o litígio no processo principal, na medida em que se referem a legislação diferente da que estava em vigor durante os anos relativamente aos quais a Stradasfalti solicita o reembolso do imposto a montante (2000 a 2004), e que a primeira parte da questão 1c) é hipotética, na medida em que pressupõe uma resposta afirmativa à questão 1b).

25.   Estas questões são, portanto, na sua opinião, inadmissíveis, em conformidade com o acórdão do Tribunal de Justiça no caso Längst (12), uma vez que o Tribunal de Justiça pode recusar-se a decidir sobre uma questão submetida por um órgão jurisdicional nacional se a interpretação solicitada não tem qualquer relação com a realidade ou com o objecto do litígio do processo principal ou quando o problema for de natureza hipotética.

26.   O que está subjacente à questão prévia da admissibilidade da questão 1b) é a afirmação da Itália de que, embora em anos anteriores a legislação que previa a medida em causa possa ter sido adoptada ou readoptada antes da consulta do comité do IVA, todas as alterações ou prorrogações desde 1999 (portanto, relativamente ao período de 2000 a 2004) foram adoptadas depois da consulta do comité.

27.   Observo, todavia, que a questão é formulada em termos muito genéricos. Não há no despacho de reenvio qualquer referência a períodos específicos nem nele se menciona qualquer consulta específica do comité do IVA, nem antes nem depois da adopção da medida. Pelo contrário, a Stradasfalti, o Governo italiano e a Comissão referiram-se a várias consultas e apresentaram actas de reuniões do comité, umas anteriores e outras posteriores à adopção da medida em questão.

28.   Parece-me manifesto que a questão do cumprimento pela Itália dos requisitos de consulta do comité do IVA deve ser decidida com base nos passos concretos seguidos em cada ocasião. Trata-se, porém, de uma questão de facto que só pode, portanto, ser decidida pelo órgão jurisdicional nacional. Não compete ao Tribunal de Justiça apurar a matéria de facto no contexto de um pedido de decisão prejudicial, mesmo quando esses factos respeitem a um procedimento comunitário.

29.   Nesta perspectiva, parece-me perfeitamente admissível que o órgão jurisdicional de reenvio solicite uma decisão prejudicial em termos genéricos, à luz da qual apreciará tais factos, que venha a apurar ou que já tenha apurado, relativamente à consulta do comité do IVA (13).

30.   Do mesmo modo, uma vez que esse órgão jurisdicional necessita de saber o que constitui ou não uma consulta válida, é legítimo, na minha opinião, que o Tribunal de Justiça tome em consideração as diferentes situações reveladas pelos documentos apresentados, abstendo-se, porém, de chegar a qualquer conclusão de facto que possa determinar a solução do processo principal com base nesses documentos.

31.   A questão 1b) também não pode ser julgada inadmissível, por irrelevante, simplesmente por se referir a «numerosas prorrogações legislativas, repetidas em cadeia e sem solução de continuidade durante mais de 25 anos», quando no processo principal se requer a dedução relativamente a um período mais curto.

32.   Independentemente de os requisitos de consulta terem ou não sido respeitados, a repetição «em cadeia e sem solução de continuidade» indicada pode ser relevante para determinar se foi respeitado o requisito do artigo 17.°, n.° 7, da Sexta Directiva, segundo o qual qualquer exclusão do regime das deduções deve assentar em «razões conjunturais».

33.   Assim, sendo a questão 1b) admissível – como me parece que é – a alegação do Governo italiano de que a questão 1c) é hipotética não tem fundamento.

34.   No que respeita à admissibilidade da questão 2, a objecção da Itália baseia-se no seu argumento de que, no que respeita ao período posterior a 1999, a validade das medidas em litígio não era «sem limitação de tempo», sendo antes prorrogada de ano para ano, enquanto se aguardava a adopção de uma directiva sobre as normas que devem reger o direito à dedução. A Itália sustenta, portanto, que a questão não é pertinente para o litígio no processo principal.

35.   É certo que, em 1998, a Comissão apresentou uma proposta de directiva do Conselho para alteração da Directiva 77/388/CEE no que diz respeito ao regime do direito à dedução do imposto sobre o valor acrescentado (14). Essa proposta foi retirada muito recentemente (15), aparentemente na sequência de dificuldades em se obter consenso no Conselho. O artigo 1.°, n.° 2, dessa proposta teria inserido um artigo 17.°-A na Sexta Directiva, relativo, nomeadamente, à dedução do IVA sobre as «despesas relativas aos veículos de turismo que não tenham uma utilização unicamente profissional», relativamente à qual os Estados-Membros poderiam ter estabelecido um limite máximo igual ou superior a 50% do imposto em questão. É certo também que se faz referência a essa proposta nas actas do comité do IVA apresentadas pelo Governo italiano.

36.   Parece-me, porém, que resulta do contexto do pedido de decisão prejudicial que a questão 2 não deve ser entendida de modo estrito, no sentido de apenas respeitar a situações em que não seja estabelecido um verdadeiro limite temporal para a validade de uma medida, mas antes no sentido de respeitar a todas as situações em que a validade é prorrogada de tal modo que se torne susceptível de violar o requisito de que a derrogação se deve justificar por «razões conjunturais».

37.   Por conseguinte, não vejo razões para que qualquer das questões apresentadas seja julgada inadmissível.

38.   Ao responder a estas questões, seguirei uma abordagem semelhante à que foi proposta pela Comissão. Tratarei assim, em primeiro lugar, dos requisitos processuais da validade duma derrogação ao abrigo do artigo 17.°, n.° 7, da Sexta Directiva [questão 1a) e parte da questão 1b)], seguidamente dos requisitos materiais dessa validade [parte restante da questão 1b) e primeira parte da questão 1c)] e, por fim, das consequências jurídicas do desrespeito de qualquer desses tipos de requisitos [parte restante da questão 1c) e questão 2].

 Requisitos processuais – questões 1a) e1b)

39.   O órgão jurisdicional nacional pretende saber essencialmente se a «simples notificação da adopção de uma disposição» pode constituir uma «consulta» do comité do IVA, quando este se tenha limitado a «tomar conhecimento» da mesma, e qual o efeito eventual de uma consulta posterior à adopção da medida em questão.

40.   Numa certa perspectiva, pode dar-se uma resposta muito directa à primeira destas questões.

41.   O comité do IVA é um órgão consultivo. Embora possa adoptar «directrizes», não está obrigado a fazê-lo, excepto no caso de a questão ser de interesse geral e de existir uma determinada posição partilhada por uma clara maioria dos Estados-Membros (16). O artigo 17.°, n.° 7, da Sexta Directiva impõe a obrigação de consulta do comité aos Estados-Membros que pretendam introduzir exclusões do regime de deduções, nos termos dessa disposição. Pelo contrário, não são impostas condições quanto ao resultado da consulta. Se, além disso, o comité do IVA, depois de ser consultado, não está obrigado a adoptar qualquer posição específica (e não está), a validade da medida derrogatória não pode ser posta em questão pelo simples facto de o comité apenas ter «tomado conhecimento» da mesma.

42.   Acresce que o artigo 12.°, n.° 3, do Regulamento Interno do Comité do IVA prevê especificamente que o comité «toma conhecimento» de uma consulta que um Estado-Membro esteja obrigado a fazer nos termos da Sexta Directiva. O facto de o comité o fazer – e resulta das actas apresentadas ao Tribunal de Justiça que em diversas ocasiões tomou conhecimento da consulta da Itália relativamente à medida em litígio – não pode, portanto, em si, afectar a validade dessa consulta.

43.   Todavia, a questão 1a) refere-se à «simples notificação [...] de uma disposição legislativa nacional». Poderá então talvez ser entendida no sentido de perguntar se se pode considerar que houve uma consulta quando o comité apenas toma conhecimento da notificação de uma medida já adoptada.

44.   Tal questão levanta, por sua vez, mais duas questões: a de saber o que é necessário numa «notificação» para constituir uma «consulta»; e a de saber se a consulta após a adopção de uma medida é uma consulta válida ou pode ter quaisquer efeitos [assunto também referido na questão 1b)].

45.   Quanto à primeira dessas questões, parece-me que a Comissão tem razão ao afirmar, essencialmente, que o Estado-Membro deve transmitir ao comité informações suficientes para que os outros Estados-Membros e a Comissão possam exprimir uma opinião quanto à conformidade da medida com os critérios substantivos estabelecidos no artigo 17.°, n.° 7. Tal como o Tribunal de Justiça declarou no acórdão Metropol, a «consulta permite à Comissão e aos outros Estados-Membros controlar a utilização por um Estado-Membro da possibilidade de derrogar o regime geral das deduções do IVA, verificando nomeadamente se a medida nacional em questão satisfaz a condição de adopção por razões conjunturais» (17). Menor exigência quanto ao conteúdo ou extensão da notificação exigida privaria o procedimento de todo o seu efeito útil.

46.   A questão de saber se foi fornecida informação suficiente nas consultas em causa é uma questão de facto, a apurar pelo órgão jurisdicional nacional. É de observar, todavia, que vários dos documentos que tanto o Governo italiano como a Comissão anexaram às observações que apresentaram ao Tribunal de Justiça indicam que se procedeu no comité à discussão da consulta da Itália e que a Comissão pôde exprimir a sua opinião quanto às medidas em causa.

47.   No que respeita à segunda questão, o acórdão Metropol afirma claramente que a consulta do comité do IVA é uma «condição prévia» à adopção de uma medida derrogatória (18).

48.   O Governo italiano invoca, todavia, a posterior afirmação do Tribunal de Justiça no acórdão Sudholz (19), segundo a qual «a redacção do artigo 27.° da Sexta Directiva não exclui que a decisão seja tomada posteriormente. O simples facto de a mesma ser posterior à medida derrogatória não implica a invalidade da referida decisão».

49.   A este respeito, há que observar que o procedimento de consulta estabelecido no artigo 17.°, n.° 7, difere do procedimento de autorização previsto no artigo 27.° (20). Consequentemente, pode não ser possível ou adequado estabelecer uma total analogia entre os mesmos. O objectivo da consulta é, de um modo geral, mais susceptível de ser atingido se a consulta preceder a adopção de uma linha de conduta, porque pode, assim, influenciar as medidas que venham efectivamente a ser tomadas. Em contrapartida, a autorização pode ainda servir para validar a linha de conduta, tal como tenha sido seguida, mesmo no caso de ser adoptada retroactivamente.

50.   Além disso, mesmo que a analogia seja adequada, há que observar que no acórdão Sudholz o Tribunal de Justiça não aceitou, de facto, que a autorização prevista no artigo 27.° pudesse ser concedida com efeitos retroactivos. Declarou, sim, que a autorização então em causa, concedida após a adopção da medida em questão, não era inválida em razão da sua data, mas só podia legitimar a medida a partir do momento da sua concessão.

51.   Além disso, o trecho citado pelo Governo italiano respeitava à data da autorização do Conselho, e não à do pedido dessa autorização – a qual, parece-me claro, deve preceder a adopção da medida derrogatória. O Tribunal de Justiça declarou que «o artigo 27.° prevê diferentes etapas no procedimento que conduz à adopção de uma decisão pelo Conselho e, designadamente, a informação prévia (21) da Comissão pelo Estado-Membro em causa que deseje introduzir uma medida derrogatória, mas não está previsto qualquer limite temporal quanto à data em que se deve verificar a decisão do Conselho» (22).

52.   A estabelecer-se uma analogia, portanto, parece-me sensato considerar que o início da consulta nos termos do artigo 17.°, n.° 7, corresponde ao pedido de autorização nos termos do artigo 27.°, tendo, portanto, que preceder a adopção da medida em questão. A posição que o comité do IVA eventualmente tome pode, todavia, ser posterior à adopção, sem afectar a validade da medida por razões de ordem processual.

53.   A Comissão alega ainda que a própria natureza do requisito de que as medidas sejam conjunturais implica normalmente que estas têm que ser tomadas com rapidez, e as reuniões do comité do IVA são relativamente pouco frequentes. Consequentemente, uma derrogação pode ter que ser adoptada antes de o comité a poder discutir.

54.   Não me parece, porém, que a necessidade de excluir determinados bens do regime de deduções possa ser tão urgente que impossibilite que, pelo menos, se inicie primeiro o procedimento de consulta, notificando o comité do IVA da intenção do Estado-Membro. De qualquer modo, o regulamento interno do comité dispõe (23) que o comité se reúne em princípio quatro vezes por ano; e a Comissão admitiu na audiência que era possível (pelo menos teoricamente) convocar uma reunião extraordinária do comité em caso de urgência.

55.   Também não me parece, com efeito, que tenha sido sugerido no caso em apreço que a Itália alguma vez adoptou qualquer disposição legislativa pertinente entre o momento do início da consulta do comité do IVA e o momento em que este comité pôde discutir a questão, ou que alguma vez se viu obrigada a agir com urgência antes de se poder realizar uma reunião do comité.

56.   Se o comité do IVA deve, em princípio, ser consultado antes da adopção da medida em questão, haverá circunstâncias em que uma consulta posterior pode, apesar disso, produzir algum efeito?

57.   O órgão jurisdicional nacional refere-se na questão 1b) a uma restrição adoptada antes da consulta do comité. A Stradasfalti afirma que, embora a medida em litígio tenha sido adoptada pela primeira vez em 1979, a primeira consulta do comité só teve lugar em 1981. A Itália observa que a medida tem sido readoptada em várias ocasiões desde então.

58.   Parece-me claro que, mesmo que a consulta seja uma condição prévia à adopção de qualquer medida com base no artigo 17.°, n.° 7, o desrespeito desta condição num determinado caso não pode impedir para sempre a eventual adopção posterior de uma medida idêntica ou semelhante, após a devida consulta.

59.   Na minha opinião, é necessário, portanto, considerar cada acto legislativo (quer seja de adopção, readopção, prorrogação da validade ou alteração de uma medida) e determinar: a) se o comité do IVA foi consultado antes da sua adopção e b) se nessa altura foi fornecida informação suficiente quanto ao conteúdo específico da medida, para que os outros Estados-Membros e a Comissão pudessem formar uma opinião quanto à conformidade dessa medida com os critérios substantivos estabelecidos no artigo 17.°, n.° 7.

60.   Com base nesta análise, será possível ao órgão jurisdicional nacional determinar quais dos vários actos legislativos que incorporam a medida em litígio, nas suas formas sucessivas, respeitaram os requisitos processuais do artigo 17.°, n.° 7, e quais não os respeitaram.

61.   Entendo, portanto, que a consulta do comité do IVA por um Estado-Membro é uma condição prévia à adopção de cada acto legislativo (sucessivo) que contenha uma exclusão do direito à dedução, nos termos do artigo 17.°, n.° 7, da Sexta Directiva. A consulta deve incluir o fornecimento de informação suficiente quanto ao conteúdo específico da exclusão, para que os outros Estados-Membros e a Comissão possam formar uma opinião quanto à conformidade dessa medida com os critérios substantivos estabelecidos no artigo 17.°, n.° 7.

 Requisitos substantivos – questões 1b) e 1c)

62.   O órgão jurisdicional nacional pretende, essencialmente, saber se uma medida mantida em vigor durante 25 anos se pode justificar com base no artigo 17.°, n.° 7, da Sexta Directiva e, em caso de resposta negativa, durante quanto tempo pode uma medida derrogatória ser validamente prorrogada por razões conjunturais.

63.   Resulta claramente do acórdão Metropol e Stadler (24) – e mesmo da letra da disposição – que o artigo 17.°, n.° 7, da Sexta Directiva apenas pode autorizar medidas temporárias de resposta a uma situação económica conjuntural temporária (25).

64.   Além disso, parece-me muito difícil, se não francamente impossível, descrever uma medida aplicável durante 25 anos como «temporária», ou uma situação económica que dura 25 anos como temporária, de curto prazo ou conjuntural. Este período de 25 anos corresponde a mais de metade da duração da Comunidade (Económica) Europeia, e praticamente à totalidade do período de vigência da Sexta Directiva na Itália.

65.   O Governo italiano pretende, todavia, limitar a apreciação do Tribunal de Justiça ao período de cinco anos de 2000 a 2004.

66.   Não posso aceitar que a validade de uma medida alegadamente justificada por «razões conjunturais» deva ser determinada apenas por referência ao período pertinente para a sua aplicação aos factos no processo principal. A totalidade do período em que a medida se mantém em vigor é também manifestamente relevante para determinar a existência da justificação. Na minha opinião, um período de 20 ou 25 anos é também claramente demasiado longo para respeitar esse critério.

67.   A situação seria, evidentemente, diferente se fosse implementada uma série de medidas sucessivas, cada uma respondendo de modo diferente a uma série de circunstâncias económicas conjunturais diferentes. Tendo em conta o facto de que a medida em questão no caso em apreço foi renovada de várias maneiras, desde a data em que foi inicialmente adoptada, em 1979, o órgão jurisdicional nacional deve assegurar-se de que não é esse o caso. Trata-se de uma questão de facto que compete a esse órgão jurisdicional decidir, mas o Tribunal de Justiça pode, todavia, fornecer alguma orientação.

68.   Em primeiro lugar, verifica-se que foram introduzidas muito poucas alterações na medida em litígio. O Tribunal de Justiça só foi informado da existência de um direito parcial à dedução em determinados períodos – 50% entre 1979 e 1983, 10% de 2001 a 2005 (50% quanto a uma categoria limitada de veículos) e agora 15%, desde o início de 2006. Verifica-se que não houve qualquer direito à dedução durante o período de 18 anos de 1983 a 2000 inclusive. Por conseguinte, a proporção do IVA que podia ou não ser deduzido variou ocasionalmente, mas verifica-se que a natureza da medida como exclusão da dedução se manteve inalterada ininterruptamente desde a sua adopção inicial.

69.   Em segundo lugar, embora se possa imaginar em teoria uma série de situações económicas sucessivas de curto prazo, cada uma das quais exigindo uma limitação – numa percentagem diferente – do direito de deduzir o IVA a montante sobre veículos automóveis, não se alegou que tal série de situações se tenha verificado no caso em apreço.

70.   Parece-me razoável concluir, portanto, salvo apresentação de prova em contrário pelas autoridades fiscais perante o órgão jurisdicional nacional, que a medida em litígio não é de natureza temporária nem se baseia em razões económicas temporárias, de curto prazo ou conjunturais e, por conseguinte, não pode preencher os requisitos substantivos para ser justificada nos termos do artigo 17.°, n.° 7, da Sexta Directiva.

71.   O órgão jurisdicional de reenvio pretende também obter orientações quanto ao período máximo de prorrogação de uma exclusão da dedução justificada ao abrigo dessa disposição.

72.   Embora um período de 20 ou 25 anos se revele manifestamente longo demais, não me parece que seja sensato (nem possível) propor um prazo específico. O critério relevante assenta na natureza da situação económica que dá origem à necessidade de exclusão do direito à dedução e não na duração específica da situação. (É claro que a própria exclusão não pode, manifestamente, justificar-se por um período que ultrapasse a duração das circunstâncias que a tornam necessária.)

73.   A Stradasfalti evoca a afirmação da Comissão no acórdão Metropol, segundo a qual só são visados «os períodos em que surgem importantes diferenças relativamente ao curso normal da conjuntura» (26), e a opinião do advogado-geral L. A. Geelhoed no mesmo processo, segundo a qual «[a] exigência de razões conjunturais significa que a medida fiscal deve ter por objectivo impedir flutuações de conjuntura. Assim, deve fazer parte da política conjuntural do Estado que é o seu autor. Quando falo da política conjuntural, neste contexto, pretendo dizer que as autoridades procuram influenciar a curto prazo, através do orçamento do Estado, os dados macroeconómicos tais como a produção, o consumo, e o volume das importações e das exportações. Tais políticas frequentemente são relativas a um período de dois anos» (27).

74.   Ambas estas explicações me parecem dar uma interpretação adequada e útil à declaração do Tribunal de Justiça no seu acórdão, segundo a qual o artigo 17.°, n.° 7, «autoriza, pois, um Estado-Membro a adoptar medidas de carácter temporário destinadas a fazer face a uma situação conjuntural na qual se encontra a sua economia num dado momento. Portanto, a aplicação das medidas referidas por esta disposição deve ser limitada no tempo e, por definição, estas não podem ser de natureza estrutural» (28). Os critérios indicados podem ser utilizados por um órgão jurisdicional nacional ao examinar se uma medida preenche os requisitos substantivos para que se justifique ao abrigo do artigo 17.°, n.° 7, mesmo que não se possa fixar um prazo exacto para o que deve ser considerado «temporário» neste contexto.

75.   Gostaria de acrescentar que um certo grau de flutuação em torno de uma tendência subjacente é uma característica normal do comportamento da economia. Parece-me que o redactor do artigo 17.°, n.° 7, não pretendeu que esse fenómeno normal pudesse permitir a um Estado-Membro derrogar o direito básico de um sujeito passivo de deduzir o imposto a montante, nos termos do artigo 17.°, n.° 2, da Sexta Directiva. Pelo contrário, parece-me que o artigo 17.°, n.° 7 – que é, afinal, de interpretação estrita (29) – deve referir-se a divergências bastante mais sérias ou significativas em relação a essa tendência, que legitimamente levem à adopção de medidas no sentido de impedir o agravamento do ciclo económico.

76.   Entendo que o artigo 17.°, n.° 7, da Sexta Directiva deve ser interpretado no sentido de que apenas pode autorizar medidas temporárias que respondam a circunstâncias económicas de curto prazo. Uma medida mantida em vigor durante um período que exceda a duração dessas circunstâncias, sem alterações substanciais para dar resposta a uma situação económica modificada, não pode ser autorizada ao abrigo desta disposição.

 Efeitos jurídicos da inobservância dos requisitos – questões 1c) e 2

77.   O órgão jurisdicional nacional pergunta se o facto de não ter sido tomada em conta a natureza temporária de uma exclusão da dedução assente no artigo 17.°, n.° 7, da Sexta Directiva, pode conferir aos sujeitos passivos o direito à dedução, e se a aplicação da exclusão é impedida pelo artigo 17.°, n.° 2.

78.   É evidente que, se uma medida nacional que prevê a exclusão de certos bens do direito a deduzir o IVA a montante não foi validamente adoptada, em conformidade com os requisitos da Sexta Directiva, as normas contidas em tal medida não podem sem aplicadas. Que normas devem, então, ser aplicadas em seu lugar?

79.   A Sexta Directiva, tal como todas as directivas de harmonização, exige aos Estados-Membros que aprovem certas disposições, mas não é, em si, directamente aplicável. Todavia, segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, os particulares podem invocar as disposições que sejam claras, precisas e incondicionais. Já foi decidido, em especial, que as disposições do artigo 17.°, n.os 1 e 2, que estabelecem o direito à dedução, conferem aos particulares direitos que estes podem invocar perante o juiz nacional (30).

80.   Além disso, um sujeito passivo que «preencheu a sua declaração de IVA segundo o método previsto pela legislação nacional que transpõe para o direito interno a Sexta Directiva, pode recalcular a sua dívida de IVA de acordo com o método considerado conforme com o direito comunitário pelo Tribunal de Justiça, nas condições previstas pelo seu direito nacional, que deverão respeitar os princípios da equivalência e da efectividade» (31) – «isto é, não devem ser menos favoráveis do que as condições relativas a reclamações semelhantes baseadas em disposições de direito interno, nem organizadas de modo a impossibilitar na prática o exercício dos direitos conferidos pela ordem jurídica comunitária» (32).

81.   Deste modo, se uma medida nacional que exclui determinados bens do regime de deduções não tiver sido validamente adoptada, um sujeito passivo afectado pela exclusão pode recalcular a sua dívida de IVA em conformidade com o artigo 17.°, n.° 2, o que implica um direito imediato à dedução.

82.   O artigo 17.°, n.° 2, contém, todavia, a restrição «desde que os bens e os serviços sejam utilizados para os fins das próprias operações tributáveis». Tendo em conta que, no caso em apreço, se afirma especificamente que a Stradasfalti permitiu que os automóveis em questão fossem utilizados pelo pessoal, como «benefício em espécie», há também que tomar em consideração:

–       O artigo 17.°, n.° 5, que dispõe: «No que diz respeito aos bens e aos serviços utilizados por um sujeito passivo, não só para operações com direito à dedução, previstas nos n.os 2 e 3, como para operações sem direito à dedução, a dedução só é concedida relativamente à parte do imposto sobre o valor acrescentado proporcional ao montante respeitante à primeira categoria de operações» (a conjugar com o artigo 19.°, que estabelece normas detalhadas para o cálculo da parte dedutível); e

–       O artigo 5.°, n.° 6, que dispõe: «É equiparada a entrega efectuada a título oneroso a afectação, por um sujeito passivo, de bens da própria empresa a seu uso privado ou do seu pessoal, ou a disposição de bens a título gratuito, ou, em geral, a sua afectação a fins estranhos à empresa, sempre que, relativamente a esses bens ou aos elementos que os compõem, tenha havido dedução total ou parcial do imposto sobre o valor acrescentado.»

83.   Consequentemente, numa situação como a da Stradasfalti, o direito à dedução deve, em qualquer caso, limitar-se à parte em que os veículos em questão (e o combustível por eles consumido) tenham sido utilizados para a realização de operações tributáveis a jusante. Os cálculos que eventualmente sejam necessários devem ser efectuados de acordo com as condições estabelecidas pelo direito nacional, que devem respeitar os princípios da equivalência e da efectividade.

 Eventual limitação dos efeitos temporais do acórdão

84.   Por fim, o Governo italiano pediu ao Tribunal de Justiça que, no caso de proferir um acórdão de onde decorra que a norma nacional em litígio é inválida, limite os efeitos temporais desse acórdão.

85.   O Tribunal de Justiça expôs muito recentemente a sua posição quanto a pedidos deste tipo, no acórdão Skov (33), nos termos seguintes:

«Em conformidade com jurisprudência assente, a interpretação que o Tribunal de Justiça faz de uma norma de direito comunitário, no exercício da competência que lhe é conferida pelo artigo 234.° CE, esclarece e precisa, sempre que seja necessário, o significado e o alcance dessa norma, tal como deve ou deveria ter sido entendida e aplicada desde o momento da sua entrada em vigor. Donde se conclui que a norma assim interpretada pode e deve ser aplicada pelo juiz mesmo às relações jurídicas nascidas e constituídas antes de ser proferido o acórdão que se pronuncie sobre o pedido de interpretação, se, desde logo, se encontrarem reunidas as condições que permitam submeter aos órgãos jurisdicionais competentes um litígio relativo à aplicação da referida norma [...]

[S]ó a título excepcional o Tribunal de Justiça pode, em aplicação do princípio geral da segurança jurídica inerente à ordem jurídica comunitária, ser levado a limitar a possibilidade de qualquer interessado invocar uma disposição interpretada pelo Tribunal para pôr em causa relações jurídicas estabelecidas de boa-fé. Para que se possa decidir por esta limitação é necessário que se encontrem preenchidos dois critérios essenciais, ou seja, a boa-fé dos meios interessados e o risco de perturbações graves [...]» (34).

86.   Para poder dar provimento ao pedido do Governo italiano é necessário, portanto, em primeiro lugar, que esteja preenchido o critério da «boa-fé». É o que se indica, mais explicitamente, no acórdão Bidar (35), que se refere aos casos em que existia um «grande número de relações jurídicas constituídas de boa-fé com base na regulamentação considerada validamente em vigor e quando [...] se verificava que os particulares e as autoridades nacionais tinham sido levados a um comportamento não conforme com a regulamentação comunitária em virtude de uma incerteza objectiva e importante quanto ao alcance das disposições comunitárias, incerteza para a qual tinham eventualmente contribuído os próprios comportamentos adoptados por outros Estados-Membros ou pela Comissão».

87.   Pergunto-me se a «incerteza objectiva e importante» é a expressão mais adequada neste contexto. Não deveria a existência de uma incerteza importante levar o Estado-Membro a agir com prudência, em vez de adoptar uma suposição conveniente quanto à correcta interpretação do direito comunitário?

88.   Parece-me que seria preferível indicar «razões objectivas e importantes para crer que a interpretação seguida era correcta», ou mesmo aplicar critérios semelhantes aos indicados pelo Tribunal de Justiça na sua jurisprudência sobre a responsabilidade dos Estados, tais como o carácter intencional ou involuntário do incumprimento, o carácter desculpável ou não de um eventual erro de direito ou o facto de as atitudes adoptadas por uma instituição comunitária terem podido contribuir para o incumprimento (36).

89.   Tanto a limitação temporal dos efeitos de um acórdão como a verificação da responsabilidade de um Estado são, afinal, excepções à regra normal. Surgem em resposta a uma situação excepcional. Os critérios utilizados para verificar se são adequadas num determinado caso devem, portanto, reflectir este aspecto. Além disso, uma vez que as noções respeitam a situações que se encontram, respectivamente, no extremo «bom» e no extremo «mau» da escala de comportamento de um Estado-Membro, parece-me que pode ser apropriado estabelecer um certo paralelismo na formulação dos critérios de apreciação da conduta de um Estado-Membro.

90.   Seja como for, não me parece que a situação no caso em apreço suporte sequer a tese de que havia uma incerteza objectiva e importante quanto à correcta abordagem a seguir pela Itália.

91.   Por um lado, a necessidade de «razões conjunturais» e a necessidade de consulta do comité do IVA resultam claramente do texto do artigo 17.°, n.° 7, da Sexta Directiva.

92.   Por outro lado, a Comissão apresentou documentos do comité do IVA que indicam que este expressou repetidamente o seu desacordo quanto à medida em questão e explicou os motivos. A sua reacção favorável a certas observações que o Governo italiano salientou respeitava a compromissos de pôr termo à derrogação ou à introdução da dedutibilidade parcial em 2001. Não há qualquer indício de que a Comissão alguma vez tenha declarado que a medida em litígio parecia compatível com a Sexta Directiva ou que outros Estados-Membros alguma vez tenham aprovado expressamente a conduta da Itália ao adoptar ou readoptar essa medida.

93.   É certo que a Comissão só deu início a um processo por incumprimento contra a Itália, nos termos do artigo 226.° CE, relativamente à medida em litígio, depois de ter sido apresentado o pedido de decisão prejudicial no caso em apreço. Não me parece, todavia, que o mero facto de não dar início a tal processo (que o Tribunal de Justiça sempre tem declarado ser um poder discricionário da Comissão (37)) possa ser entendido no sentido de invalidar o seu desacordo expresso no Comité do IVA. Não se verificou em caso algum que o Tribunal de Justiça tenha admitido que o facto de a Comissão não ter iniciado um processo por incumprimento tenha bastado, por si só, para justificar um limite temporal dos efeitos de um acórdão, levando um Estado-Membro a manter, de boa-fé, uma interpretação incorrecta do direito comunitário. Uma situação deste tipo distingue-se claramente da do processo Legros, por exemplo, em que a Comissão deu início a um processo por incumprimento mas não lhe deu seguimento, propondo, em vez disso, uma decisão do Conselho que aprovava o imposto local em questão (38), ou da do processo EKW, em que se verificava que a Comissão tinha assegurado a Áustria de que o imposto em questão era compatível com direito comunitário (39).

94.   No que respeita ao segundo critério – existência de um risco de sérias dificuldades económicas para o Estado-Membro em causa – o Governo italiano alega que estariam em jogo 15 mil milhões de EUR, e a necessidade de reembolsar tal soma constituiria um considerável ónus para o Estado.

95.   Inclino-me a concordar que, a ser correcto, este valor – que estimo corresponder a cerca de 1,5% do produto interno bruto da Itália em 2004 – pode bem satisfazer o critério em questão.

96.   Porém, verificou-se na audiência que a Itália tinha chegado a este valor presumindo simplesmente que cada um dos seus 2 milhões de sujeitos passivos registados teriam direito a deduzir anualmente 1 500 EUR de IVA a montante, quanto à aquisição e utilização de um veículo, e poderiam exigir a dedução retroactiva por um período de cinco anos.

97.   A Comissão levanta dúvidas quanto à fiabilidade de tal cálculo. Partilho dessas dúvidas. O número de 2 milhões de sujeitos passivos pode provavelmente ser facilmente verificado, mas a Itália não apresentou a mais pequena prova que justificasse o seu cálculo da média de imposto a montante em causa. Muitos sujeitos passivos não utilizam veículos nas suas actividades profissionais. Muitos outros utilizam vários. A proporção da utilização profissional é susceptível de grande variação. O montante que pode efectivamente ser exigido deve ter em conta as disposições dos artigos 5.°, n.° 6, e 17.°, n.° 5, da Sexta Directiva (40). Além disso, tornou-se claro na audiência que o período de cinco anos em relação ao qual as deduções podiam ser exigidas era um máximo teórico, para os sujeitos passivos que tivessem agido com a maior diligência possível na apresentação dos seus pedidos. O período real pode ser consideravelmente mais curto em muitos dos casos, se não mesmo na maioria deles.

98.   Não considero que o Tribunal de Justiça possa decidir que o critério das sérias dificuldades económicas esteja preenchido com base em valores que, na melhor das hipóteses, não estão demonstrados e, na pior, são arbitrários e hipotéticos.

99.   Consequentemente, não vejo razões para um limite dos efeitos temporais do acórdão no caso em apreço.

100. Assim sendo, não tratarei das demais questões, relativas à data a partir da qual tal limite se deveria aplicar, ou ao âmbito das eventuais excepções ao mesmo, que foram também suscitadas sumariamente na audiência. Todavia, se o Tribunal de Justiça vier a considerar que o limite é adequado, sugiro que não decida dessas duas questões antes de ser proferido o acórdão em dois processos que estão pendentes perante a Grande Secção, o processo C-475/03, Banca Popolare di Cremona e o processo C-292/04, Meilicke, em que estas questões foram amplamente debatidas.

 Conclusão

101. À luz de todas as considerações anteriores, entendo que o Tribunal de Justiça deve responder às questões apresentadas a título prejudicial pela Commissione Tributaria di Primo Grado di Trento do seguinte modo:

1)      O artigo 17.°, n.° 7, primeiro período, da Sexta Directiva 77/388/CEE do Conselho não autoriza um Estado-Membro a excluir bens do regime das deduções do imposto sobre o valor acrescentado sem consulta prévia do comité previsto no artigo 29.° da mesma directiva. O Estado-Membro que consulte o comité deve fornecer, quanto a cada acto legislativo proposto, informação suficiente quanto ao conteúdo específico da exclusão, para que os outros Estados-Membros e a Comissão possam formar uma opinião quanto à conformidade da medida proposta com os critérios substantivos estabelecidos no artigo 17.°, n.° 7.

2)      O artigo 17.°, n.° 7, da Sexta Directiva só autoriza medidas temporárias que respondam a situações económicas conjunturais. Uma medida mantida em vigor durante um período que exceda a duração dessas circunstâncias, sem alterações substanciais para dar resposta a uma situação económica modificada, não pode ser autorizada ao abrigo desta disposição.

3)      Se uma medida nacional que exclui determinados bens do regime das deduções não tiver sido validamente adoptada nos termos do artigo 17.°, n.° 7, um sujeito passivo afectado pela exclusão pode recalcular a sua dívida de IVA em conformidade com o artigo 17.°, n.° 2, o que implica um direito imediato à dedução, limitado, todavia, à medida em que os bens em questão tenham sido usados pelo sujeito passivo para a realização de operações tributáveis a jusante. Os cálculos que eventualmente sejam necessários devem ser efectuados de acordo com as condições estabelecidas pelo direito nacional, que devem respeitar os princípios da equivalência e da efectividade.


1 – Língua original: inglês.


2 – Sexta Directiva 77/388/CEE do Conselho, de 17 de Maio de 1977, relativa à harmonização das legislações dos Estados-Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios – sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado: matéria colectável uniforme (JO L 145, p. 1; EE 09 F1 p. 54, alterada em várias ocasiões, a seguir «Sexta Directiva»).


3 – Artigo 1.° da Nona Directiva 78/583/CEE do Conselho, de 26 de Junho de 1978, relativa à harmonização das legislações dos Estados-Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios (JO L 194, p. 16; EE 09 F1 p. 102).


4 – Antes de ser alterada, com efeitos a partir de 19 de Fevereiro de 2004, pela Directiva 2004/7/CE do Conselho, de 20 de Janeiro de 2004, que altera a Directiva 77/388/CEE relativa ao sistema comum de imposto sobre o valor acrescentado em relação ao processo de aprovação de medidas derrogatórias e à atribuição de competências de execução (JO L 27, p. 44).


5 – Acórdão de 8 de Janeiro de 2002 (C-409/99, Colect., p. I-81).


6 – V. n.os 58 a 65 do acórdão.


7 – V. n.os 66 a 68 do acórdão.


8 – «che non formano oggetto dell’attività propria dell’impresa». Esta expressão parece abranger os veículos utilizados de modo acessório na prossecução de qualquer actividade empresarial, por oposição aos que constituem a própria base dessa actividade (tal como a locação de automóveis).


9 – Artigo 30.°, n.os 4 e 5, da Legge N.° 388 de 2000.


10 – Tal parece respeitar principalmente aos veículos de propulsão eléctrica.


11 – Através do artigo 1.° do Decreto del Presidente della Repubblica N.° 24, de 31 de Março de 1979 (a seguir «DPR 24/1979»), com efeitos a partir de 1 de Abril de 1979.


12 – Acórdão de 30 de Junho de 2005 (C-165/03, Colect., p. I-5637, n.os 30 a 33, em especial n.° 32).


13 – O despacho de reenvio não é explícito quanto aos factos que tenham eventualmente sido já apurados, mas o dossier enviado ao Tribunal de Justiça contém várias actas de reuniões do comité do IVA acima referidas.


14 – COM (1998) 377 final (JO C 219, p. 16).


15 – V. JO 2006, C 64, p. 3, em especial p. 9.


16 – Artigo 4.°, n.° 2, do regulamento interno do comité do IVA.


17 – N.° 61 do acórdão.


18 – N.° 63 do acórdão.


19 – Acórdão de 29 de Abril de 2004 (C-17/01, Colect., p. I-4243, n.° 23).


20 – V. n.° 6, supra.


21 _ A versão francesa deste acórdão, ao usar a palavra «préalable», torna ainda mais claro que a informação deve preceder a medida.


22 – N.° 22 do acórdão. V., também, o n.° 39 das primeiras conclusões do advogado-geral L. A. Geelhoed neste processo.


23 – Artigo 5.°, n.° 1.


24 – Em especial o n.° 67 do acórdão.


25 – Poder-se-ia, porém, questionar se a expressão «cyclical economic reasons» traduz exactamente em inglês o sentido das expressões «raisons conjoncturelles», «Konjunkturgründen», «konjunkturmaessige grunde», «motivi congiunturali», e «conjuncturele redenen» usadas nas outras línguas oficiais em que a Sexta Directiva foi adoptada em 1977. O termo «cyclical» pode ser entendido como referência ao ciclo económico normal, enquanto os outros termos poderiam sugerir simplesmente um conjunto de circunstâncias temporárias (e excepcionais). V. infra, n.° 75.


26 – V. n.° 57 do acórdão. Isto corresponde ao conceito reflectido na expressão «raisons conjoncturelles» e nas equivalentes noutras línguas, de uma significativa divergence entre a tendência normal e o desempenho económico, o que pode tornar implícito que o simples uso do termo «cyclical» se presta a equívocos na versão inglesa da Sexta Directiva.


27 – N.° 60 das conclusões. «Economic policy» na segunda e terceira frases corresponde a «conjunctuurpolitiek» no original, e «cyclical fluctuations» corresponde a «schommelingen in de conjunctuur».


28 – N.° 67 do acórdão.


29 – V. acórdão Metropol e Stadler, já referido na nota 5, n.° 59.


30 – V., por exemplo, os acórdãos de 6 de Julho de 1995, BP Supergaz (C-62/93, Colect., p. I-1883, n.° 36), e de 18 de Janeiro de 2001, Stockholm Lindöpark (C-150/99, Colect., p. I-493, n.° 32).


31 – Acórdão de 6 de Outubro de 2005, MyTravel (C-291/03, Colect., p. I-8477, n.° 18).


32 – Ibidem, n.° 17.


33 – Acórdão de 10 de Janeiro de 2006 (C-402/03, Colect., p. I-0000, n.os 50 e 51).


34 –      Ou seja, repercussões económicas graves para o Estado-Membro em questão [v. acórdão de 15 de Março de 2005, Bidar (C-209/03, Colect., p. I-2119, n.° 69)].


35 – Já referido na nota 34, n.° 69.


36 – V., por exemplo, o acórdão de 5 de Março de 1996, Brasserie du Pêcheur e Factortame (C-46/93 e C-48/93, Colect., p. I- 1029, n.° 56).


37 – V., por exemplo, o acórdão de 14 de Fevereiro de 1989, Star Fruit/Comissão (247/87, Colect., p. 291, n.° 11).


38 – Acórdão de 16 de Julho de 1992, Legros e o. (C-163/90, Colect., p. I-4625, n.° 32).


39 – Acórdão de 9 de Março de 2000, EKW e Wein & Co. (C-437/97, Colect., p. I-1157, n.os 56 e 58).


40 – V. n.° 82 supra.