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CONCLUSÕES DO ADVOGADO-GERAL

JÁN MAZÁK

apresentadas em 18 de Setembro de 2007 1(1)

Processo C-368/06

Cedilac SA

contra

Ministère de l’Économie, des Finances et de l’Industrie

[pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Tribunal administratif de Lyon (França)]

«Fiscalidade – IVA – Direito à dedução – Directiva 77/388/CEE do Conselho – Artigos 17.°, 18.°, 28.°, n.° 3, alínea d), e 28.°, n.° 4 – Supressão pela França da «regra da dilação de um mês» – Conversão num crédito sobre o Tesouro – Reembolso a prestações»





1.     No presente pedido de decisão prejudicial, apresentado nos termos do artigo 234.° CE, o órgão jurisdicional de reenvio pretende obter orientações quanto à interpretação dos artigos 17.°, 18.°, 28.°, n.° 3, alínea d), e 28.°, n.° 4, da Sexta Directiva 77/388/CEE do Conselho, de 17 de Maio de 1977, relativa à harmonização das legislações dos Estados-Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios – Sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado: matéria colectável uniforme (2) (a seguir «Sexta Directiva»).

I –    Legislação comunitária pertinente

2.     O artigo 17.°, n.° 1, da Sexta Directiva dispõe que «[o] direito à dedução surge no momento em que o imposto dedutível se torna exigível».

3.     O artigo 18.° da Sexta Directiva, intitulado «Disposições relativas ao exercício do direito à dedução», dispõe:

«[...]

2.      O sujeito passivo efectuará a dedução subtraindo do montante total do imposto devido num determinado período fiscal o montante do imposto em relação ao qual, durante o mesmo período, o direito à dedução surge [...]

[...]

4.      Quando o montante das deduções autorizadas exceder o montante do imposto devido num determinado período fiscal, os Estados-Membros podem operar o transporte do excedente para o período seguinte, ou proceder ao respectivo reembolso, nas condições por eles fixadas.

[…]»

4.     No título XVI da Sexta Directiva, o artigo 28.° estabelece determinadas disposições transitórias que autorizam os Estados-Membros a manter isenções e derrogações, com vista à sua supressão final. Assim, o artigo 28.°, n.° 3, alínea d), da Sexta Directiva dispõe que, durante o período transitório a que se refere o artigo 28.°, n.° 4, os Estados-Membros podem «[c]ontinuar a aplicar disposições derrogatórias do princípio da dedução imediata, prevista no n.° 2, primeiro parágrafo, do artigo 18.°».

5.     Nos termos do artigo 28.°, n.° 4, da Sexta Directiva, «[o] período transitório é inicialmente fixado em cinco anos a contar de 1 de Janeiro de 1978. O mais tardar seis meses antes do termo desse período, e, posteriormente, quando necessário, o Conselho, com base num relatório da Comissão, procederá à revisão da situação no que diz respeito às derrogações referidas no n.° 3 e, deliberando por unanimidade, sob proposta da Comissão, decidirá da eventual supressão de algumas ou de todas essas derrogações.»

II – Legislação nacional pertinente

6.     De acordo com a excepção contida no artigo 28.°, n.° 3, alínea d), da Sexta Directiva, a França continuou a aplicar, depois da entrada em vigor dessa directiva, a denominada regra da dilação de um mês. Nos termos da regra da dilação de um mês, os sujeitos passivos não podiam, em conformidade com o artigo 17.°, n.° 1, da Sexta Directiva, deduzir imediatamente ao imposto sobre o valor acrescentado (a seguir «IVA») de que eram devedores o IVA que tinham pago sobre bens que não constituíssem imobilizações e sobre serviços. A dedução só podia ser efectuada no mês seguinte.

7.     Com a adopção, em 22 de Junho de 1993, do artigo 2.°, I, da Lei n.° 93-859 de Finanças rectificativa para 1993 (3), a França suprimiu a regra da dilação de um mês. Assim, nos termos do artigo 271.°, n.° 3, do Código Geral dos Impostos (code général des impôts, a seguir «CGI»), que foi inserido pelo artigo 2.°, I, da Lei de Finanças n.° 93-859, os sujeitos passivos tinham o direito de deduzir o IVA que já tivessem pago sobre bens e serviços ao IVA por eles devido, durante o mês em que surgiu o direito à dedução.

8.     Além da supressão da regra da dilação de um mês, o artigo 2.°, II, da Lei n.° 93-859 de Finanças rectificativa para 1993, inseriu uma disposição transitória no CGI. A disposição transitória encontra-se no artigo 271.° A do CGI.

9.     O artigo 271.° A, n.° 1, do CGI prevê a subtracção de uma «dedução de referência» do imposto dedutível para os sujeitos passivos que tenham iniciado a sua actividade antes de 1 de Julho de 1993. A dedução de referência é, em geral, calculada com base na média mensal do montante do imposto dedutível durante o mês de Julho de 1993 e os onze meses anteriores.

10.   O artigo 271.° A, n.° 2, do CGI dispõe, designadamente, que quando o montante da dedução de referência não puder ser integralmente subtraído do imposto dedutível, o excedente será deduzido no mês seguinte. Se o montante do imposto dedutível obtido após a subtracção da dedução de referência for inferior ao imposto dedutível relativo ao mês anterior, o excedente da dedução de referência será transportado para as declarações seguintes.

11.   Segundo o artigo 271.° A, n.° 3, do CGI, o montante dos direitos de dedução que um sujeito passivo não tenha exercido ao abrigo do artigo 271.° A, n.° 1, tomando em conta as normas estabelecidas pelo artigo 271.° A, n.° 2, constitui um crédito do sujeito passivo sobre o Tesouro. O crédito não pode ser transmitido nem negociado. Pode, porém, ser dado em penhor ou garantia. Além disso, o crédito pode ser transferido em caso, designadamente, de fusão ou de venda da empresa. O crédito deve ser reembolsado, designadamente, ao longo de um prazo máximo de vinte anos.

12.   Nos termos do artigo 271.° A, n.° 5, do CGI, quando o montante da dedução de referência não ultrapassar os 10 000 FRF, os sujeitos passivos não têm, em princípio, que subtrair a dedução de referência nos termos do artigo 271.° A, n.° 1, do CGI.

13.   Ao abrigo dos Decretos n.° 93-1078, de 14 de Setembro de 1993 (4), n.° 94-296, de 6 de Abril de 1994 (5) e n.° 2002-179, de 13 de Fevereiro de 2002 (6), os créditos detidos pelos sujeitos passivos nos termos do artigo 271.° A do CGI foram reembolsados do seguinte modo:

–       em 1993, os créditos que não ultrapassavam os 150 000 FRF (22 867,35 euros) foram integralmente reembolsados. Nesse mesmo ano, os créditos que ultrapassavam esse montante foram reembolsados na proporção de 25%, com um pagamento mínimo de 150 000 FRF (22 867,35 euros);

–       em 1994, os créditos restantes foram colocados numa conta e foram reembolsados na proporção de 10% do montante inicial;

–       em cada um dos anos seguintes os créditos foram reembolsados na proporção de 5% do montante inicial;

–       em 2002, todos os créditos restantes foram totalmente reembolsados antecipadamente.

14.   A taxa de juro devida sobre os créditos em questão era de 4,5% para 1993, de 1% para 1994 e de 0,1% para cada um dos anos subsequentes.

III – O processo principal e o pedido de decisão prejudicial

15.   Em 26 de Dezembro de 2002, a sociedade Cedilac SA (a seguir «demandante») requereu à França o pagamento, designadamente, de 1 524 806,62 euros, acrescidos de juros, em reparação dos prejuízos sofridos de 1993 a 2002, resultantes da aplicação à mesma das medidas que acompanhavam a supressão da regra da dilação de um mês.

16.   Dado que o Ministro da Economia, das Finanças e da Indústria (Ministre de l’économie, des finances et de l’industrie) não respondeu ao pedido da demandante, indeferindo, assim, tacitamente, esse pedido, a demandante intentou uma acção no Tribunal Administratif de Lyon (França) em que impugnava essa decisão tácita.

17.   Por decisão de 15 de Novembro de 2005, o Tribunal Administratif de Lyon pediu um parecer ao Conseil d’État, com base no artigo L.113-1 do Código de Processo Administrativo (Code de Justice Administrative), sobre a questão de saber se «as normas adoptadas pela França para acompanhar a supressão da regra da dilação de um mês introduzida pelo artigo 271.° A do code général des impôts e pelos seus sucessivos decretos de execução é compatível com as disposições dos artigos 17.° e 18.°, n.° 4, da [Sexta Directiva]».

18.   Por parecer de 14 de Junho de 2006, o Conseil d’État considerou que a questão acima referida era de tal modo difícil que justificava a sua submissão, a título prejudicial, ao Tribunal de Justiça.

19.   Por decisão de 5 de Setembro de 2006, o Tribunal Administratif de Lyon decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça a seguinte questão:

«As normas adoptadas em França para acompanhar a supressão da regra da dilação de um mês são compatíveis com as disposições dos artigos 17.° e 18.°, n.° 4, da [Sexta Directiva]?»

20.   Na sua decisão de 5 de Setembro de 2006, o órgão jurisdicional de reenvio pedia também ao Tribunal de Justiça que analisasse esta questão em conformidade com a tramitação acelerada prevista no artigo 104.°-A do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça, «face ao número de acções já intentadas e aos consideráveis encargos financeiros para o orçamento do Estado [...]».

21.   Por despacho de 25 de Setembro de 2006, o Presidente do Tribunal de Justiça indeferiu o pedido de tramitação acelerada apresentado pelo órgão jurisdicional de reenvio.

22.   A demandante, o Governo francês e a Comissão apresentaram observações escritas. Não foi requerida nem realizada audiência.

IV – Principais argumentos das partes

23.   A demandante considera que as medidas adoptadas para acompanhar a supressão da regra da dilação de um mês, nos termos do artigo 271.° A do CGI, e que tiveram por efeito impedir a dedução imediata do IVA, violam o princípio da neutralidade do sistema do IVA e os artigos 17.° e 18.° da Sexta Directiva.

24.   A demandante invoca, em especial, o acórdão do Tribunal de Justiça Comissão/Itália (7). Neste processo, o Tribunal de Justiça decidiu que a República Italiana tinha violado as obrigações que lhe incumbiam por força dos artigos 17.° e 18.° da Sexta Directiva, uma vez que esse Estado-Membro tinha previsto o reembolso do excedente do IVA através da atribuição de títulos da dívida pública a uma categoria de sujeitos passivos. O Tribunal de Justiça considerou, neste processo, que as condições de reembolso estabelecidas por um Estado-Membro nos termos do artigo 18.°, n.° 4, da Sexta Directiva devem permitir ao sujeito passivo recuperar, em condições adequadas, a totalidade do crédito resultante desse excedente de imposto. Segundo a demandante, tal implica que o reembolso seja efectuado, num prazo razoável, por um pagamento em líquido ou equivalente. Em qualquer caso, o modo de reembolso escolhido não deve fazer correr nenhum risco financeiro ao contribuinte.

25.   Além disso, a demandante salienta que, ao contrário do que se passava no processo Comissão/Itália, em que os títulos emitidos pelo Governo italiano para reembolsar o excedente de IVA estavam cotados na bolsa, no caso em apreço os créditos sobre o Tesouro não podiam ser cedidos nem vendidos. Acresce que os créditos venciam juros a uma taxa insignificante e o sujeito passivo tinha que suportar o risco quase certo de desvalorização do crédito ao longo de um prazo de vinte anos. A demandante acrescenta que as medidas em questão violavam o princípio da igualdade entre os sujeitos passivos. Assim, na opinião da demandante, o Tribunal de Justiça deve responder em sentido negativo à questão submetida pelo órgão jurisdicional nacional.

26.   O Governo francês considera que a questão submetida pelo órgão jurisdicional nacional deve ser reformulada. A República Francesa alega que o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, na verdade, se as medidas adoptadas para acompanhar a supressão da regra da dilação de um mês violam o artigo 28.°, n.° 3, alínea d), da Sexta Directiva. A França considera que se deve responder à questão, reformulada nestes termos, em sentido negativo.

27.   A Comissão considera que não compete ao Tribunal de Justiça determinar, no contexto de um pedido de decisão prejudicial, se disposições de direito nacional são compatíveis com o direito comunitário. Esta competência é dos órgãos jurisdicionais nacionais, caso seja necessário, depois de obterem do Tribunal de Justiça, através de um pedido de decisão prejudicial, os esclarecimentos que sejam necessários quanto ao âmbito e à interpretação do direito comunitário.

28.   A República Francesa alega que a regra da dilação de um mês, que derrogou o princípio da dedução imediata do IVA estabelecido no artigo 18.°, n.° 2, da Sexta Directiva, era permitida ao abrigo do artigo 28.°, n.° 3, alínea d), dessa directiva. Em consequência da supressão da regra da dilação de um mês a partir de Julho de 1993, os sujeitos passivos podiam deduzir em Julho de 1993 os montantes cujo direito à dedução tinha surgido durante os meses de Junho e Julho de 1993. Esta reforma teria resultado num encargo para o orçamento de Estado de 80 a 100 mil milhões de FRF. Assim, foi adoptado um mecanismo destinado a repartir esta perda excepcional para as finanças estatais ao longo de um período de tempo. A República Francesa acrescenta que o mecanismo não afectou todos os sujeitos passivos. Nos termos do artigo 271.° A, n.° 5, do CGI, quando a dedução de referência de uma empresa fosse inferior a 10 000 FRF, não estava sujeita ao mecanismo de reembolso repartido. Assim, 82% das empresas não foram sujeitas a este mecanismo.

29.   A República Francesa e a Comissão consideram que as medidas que acompanharam a supressão da regra da dilação de um mês respeitam a jurisprudência do Tribunal de Justiça relativa ao artigo 28.°, n.° 3, da Sexta Directiva. Entendem que o raciocínio seguido pelo Tribunal de Justiça no acórdão Norbury Developments (8) deve ser aplicado por analogia ao caso em apreço. Assim, a República Francesa e a Comissão consideram que, embora um Estado-Membro não possa alargar o âmbito de uma derrogação prevista no artigo 28.°, n.° 3, alínea d), da Sexta Directiva, pode abdicar parcial ou progressivamente dessa derrogação.

30.   A Comissão sustenta que a supressão da regra da dilação de um mês e as medidas criticadas pela demandante no processo principal foram adoptadas pelo mesmo diploma legal. As medidas destinavam-se a facilitar a transição para as regras estabelecidas nos termos dos artigos 17.° e 18.° da Sexta Directiva e para o direito a deduzir imediatamente o IVA.

31.   Segundo a República Francesa e a Comissão, as circunstâncias do caso em apreço não são semelhantes às que se verificavam no processo Comissão/Itália (9).

32.   Nesse processo, o Tribunal de Justiça declarou que a República Italiana, que tinha previsto o reembolso do excedente do IVA através da atribuição de títulos da dívida pública a uma categoria de sujeitos passivos com créditos de imposto, não tinha cumprido as obrigações que lhe incumbiam por força do disposto nos artigos 17.° e 18.° da Sexta Directiva. O raciocínio seguido pelo Tribunal de Justiça nesse processo baseava-se, porém, no facto de a República Italiana, ao contrário da República Francesa no caso em apreço, não beneficiar de qualquer derrogação prevista na Sexta Directiva.

33.   A Comissão acrescenta que todos os sujeitos passivos se encontram manifestamente numa situação mais favorável desde a supressão da regra da dilação de um mês, apesar dos termos do artigo 271.° A do CGI.

V –    Apreciação

34.   Através do seu pedido de decisão prejudicial, o órgão jurisdicional de reenvio pede ao Tribunal de Justiça que se pronuncie sobre a questão de saber se as disposições adoptadas pela França para acompanhar a supressão da regra da dilação de um mês são compatíveis com os artigos 17.° e 18.°, n.° 4, da Sexta Directiva.

35.   Há que ter presente que o Tribunal de Justiça, ao aplicar o artigo 234.° CE, não tem competência para decidir da compatibilidade com o direito comunitário de disposições de direito nacional. O Tribunal de Justiça pode, todavia, inferir da redacção da questão formulada pelo órgão jurisdicional nacional, à luz da matéria de facto por este apurada, os aspectos que envolvem a interpretação do direito comunitário (10).

36.   Depreendo, portanto, da redacção da questão e do raciocínio seguido na decisão que a submete, que o órgão jurisdicional nacional pretende que se esclareça se os artigos 17.°, 18.°, 28.°, n.° 3, alínea d) e 28.°, n.° 4, da Sexta Directiva obstam à adopção de medidas do tipo das que estão em causa no processo principal.

37.   Segundo jurisprudência assente do Tribunal de Justiça, o direito à dedução previsto nos artigos 17.° e seguintes da Sexta Directiva faz parte integrante do sistema do IVA e não pode, em princípio, ser limitado. Deve ser imediatamente exercido em relação à totalidade dos impostos que incidiram sobre as operações efectuadas a montante (11). Acresce que toda e qualquer limitação do direito à dedução do IVA tem incidência no nível da carga fiscal e deve aplicar-se de modo semelhante em todos os Estados-Membros. Em consequência, só são permitidas derrogações nos casos expressamente previstos pela Sexta Directiva(12).

38.   Antes da entrada em vigor da Sexta Directiva, a República Francesa aplicava a denominada regra da dilação de um mês. Segundo as alegações das partes, nos termos desta regra, os sujeitos passivos em França só podiam deduzir do IVA que deviam pagar o IVA que tivessem pago sobre bens no mês seguinte ao momento em que surgia o direito à dedução. A República Francesa pôde manter a regra da dilação de um mês, que era anterior à Sexta Directiva, depois da entrada em vigor desta, ao abrigo de uma excepção expressa contida no artigo 28.°, n.° 3, alínea d), dessa directiva.

39.   A excepção expressa prevista no artigo 28.°, n.° 3, alínea d), da Sexta Directiva estava ainda em vigor em 1 de Julho de 1993 (13), data em que a França suprimiu a regra da dilação de um mês e adoptou medidas transitórias para acompanhar tal supressão. Considero, portanto, que as reformas decretadas pela França, com a adopção, em 22 de Junho de 1993, do artigo 2.°, I e II, da Lei de Finanças n.° 93-859, rectificativa para 1993, eram voluntárias, no sentido de que este Estado-Membro não era obrigado, por força do direito comunitário, a abdicar da excepção de que gozava ao abrigo do artigo 28.°, n.° 3, alínea d), Sexta Directiva.

40.   Parece resultar das observações do Governo francês que, em consequência da aplicação da regra da dilação de um mês, os sujeitos passivos eram sempre credores de um montante pecuniário relativamente ao Estado. O montante do crédito em questão variava de mês para mês, em função do IVA que o sujeito passivo tivesse direito a deduzir num determinado mês. O crédito parece não ter vencido juros.

41.   O órgão jurisdicional de reenvio indicou que, com a adopção da Lei de Finanças n.° 93-859, rectificativa para 1993, a França suprimiu a regra da dilação de um mês e, simultaneamente, adoptou as medidas transitórias contidas no artigo 271.° A do CGI. Parece resultar da legislação nacional pertinente, sob reserva de verificação por parte do órgão jurisdicional nacional, que a supressão em questão implicava que os sujeitos passivos que iniciassem a sua actividade depois de 1 de Julho de 1993 já não estavam submetidos à regra da dilação de um mês, sendo, assim, o IVA pago por estes sujeitos passivos imediatamente dedutível em conformidade com as regras estabelecidas nos artigos 17.° e 18.° da Sexta Directiva.

42.   A República Francesa, porém, não se limitou a suprimir a regra da dilação de um mês, uma vez que, segundo o Governo francês e o órgão jurisdicional de reenvio, tal teria gerado implicações orçamentais consideráveis. Estas implicações surgiram, segundo o Governo francês e a Comissão, em resultado do facto de os sujeitos passivos cujas actividades eram anteriores a 1 de Julho de 1993 poderem, em princípio, deduzir em Julho de 1993 o IVA pago tanto no mês de Junho como no mês de Julho de 1993 e poderem, nos meses seguintes, deduzir imediatamente o IVA, nos termos previstos nos artigos 17.° e 18.° da Sexta Directiva.

43.   O órgão jurisdicional de reenvio indicou que as medidas que acompanhavam a supressão da regra da dilação de um mês eram de natureza excepcional e tinham sido adoptadas com o objectivo de permitir que essa reforma fiscal se realizasse em condições suportáveis pelo orçamento de Estado. Com efeito, tal como resulta das alegações do Governo francês, os montantes que a supressão da regra da dilação de um mês implicava parecem ser bastante importantes (14). Segundo o órgão jurisdicional de reenvio, o artigo 271.° A do CGI foi, assim, concebido para repartir por vários anos as implicações financeiras da supressão em questão.

44.   Parece resultar do quadro legislativo nacional, tal como foi esboçado pelas partes nas suas alegações, que o artigo 271.° A do CGI exigia aos sujeitos passivos que calculassem uma dedução de referência que era, em geral, baseada no montante médio de IVA que podiam deduzir no mês de Julho de 1993 e nos onze meses anteriores. Quando a dedução de referência fosse superior a 10 000 FRF, era convertida num crédito sobre o Tesouro. Segundo o órgão jurisdicional nacional, o crédito vencia juros e era reembolsável ao sujeito passivo ao longo de um período de 20 anos, que foi depois reduzido para dez anos. O Governo francês indicou que, devido ao limite mínimo de 10 000 FRF, as medidas que acompanhavam a supressão da regra da dilação de um mês afectaram cerca de 18% dos sujeitos passivos (15).

45.   A demandante sustenta que as medidas que acompanharam a supressão da regra da dilação de um mês impediam a dedução imediata do IVA e são contrárias ao princípio da neutralidade do sistema do IVA, que exige a dedução da totalidade do IVA pago a montante, e aos artigos 17.° e 18.° da Sexta Directiva. Além disso, a demandante baseia as suas alegações, em grande medida, no acórdão do Tribunal de Justiça Comissão/Itália, em que se considerou que um regime semelhante instituído pela República Italiana violava os artigos 17.° e 18.° da Sexta Directiva.

46.   Na minha opinião, embora haja, com efeito, algumas semelhanças factuais entre o processo principal que pende perante o órgão jurisdicional de reenvio e o processo Comissão/Itália, o quadro jurídico aplicável a estes processos apresenta diferenças fundamentais. No processo Comissão/Itália, o Estado-Membro previu o reembolso do excedente do IVA através da emissão de títulos de dívida pública a favor de certos sujeitos passivos. A Itália não beneficiava, porém, de uma isenção semelhante à isenção de que a França beneficiava ao abrigo do artigo 28.°, n.° 3, alínea d), da Sexta Directiva e não podia, por isso, derrogar legalmente as disposições dos artigos 17.° e 18.° da Sexta Directiva, adoptando normas que impediam os sujeitos passivos de deduzir imediatamente o IVA. Consequentemente, a demandante não pode invocar o acórdão proferido nesse processo em apoio dos seus argumentos.

47.   Além disso, embora a República Francesa estivesse clara e inequivocamente autorizada a continuar a aplicar a regra da dilação de um mês após a entrada em vigor da Sexta Directiva, nos termos do seu artigo 28.°, n.° 3, alínea d), não estava, porém, autorizada a adoptar novas derrogações nem a alargar o âmbito das derrogações existentes ao abrigo dessa disposição.

48.   Considero, além disso, invocando por analogia o raciocínio exposto pelo Tribunal de Justiça no acórdão Norbury Developments, que a Sexta Directiva não impede um Estado-Membro de reduzir o âmbito de uma derrogação, tal como a prevista no artigo 28.°, n.° 3, alínea d), da Sexta Directiva, uma vez que a supressão dessas derrogações é o objectivo prosseguido pelo artigo 28.°, n.° 4, dessa directiva (16). No processo Norbury Developments, o Reino Unido tinha reduzido o âmbito de uma isenção de que beneficiava ao abrigo da Sexta Directiva (17). Neste processo, o Tribunal de Justiça considerou que uma interpretação restritiva do artigo 28.°, n.° 3, alínea b), da Sexta Directiva, no sentido de que um Estado-Membro pode manter uma isenção existente, mas não pode suprimi-la parcialmente, seria contrária ao referido objectivo. Além disso, tal interpretação teria, segundo o Tribunal de Justiça, efeitos nefastos para a aplicação uniforme da Sexta Directiva, uma vez que um Estado-Membro podia ver-se obrigado a manter uma isenção, mesmo quando considerasse possível, apropriado e desejável aplicar progressivamente o regime por esta previsto no domínio em questão.

49.   No acórdão Comissão/França (18), o Tribunal de Justiça considerou que, na medida em que a regulamentação de um Estado-Membro modifica, reduzindo-o, o âmbito de uma isenção e se aproxima, assim, do objectivo da Sexta Directiva, esta regulamentação deve ser abrangida pela derrogação prevista no artigo 17.º, n.º 6, segundo parágrafo, da Sexta Directiva. Nesse processo, que respeitava a uma acção intentada nos termos do artigo 226.° CE, o Tribunal de Justiça considerou que a República Francesa, que tinha reduzido o âmbito de uma isenção existente, substituindo uma exclusão total dos veículos de turismo do direito à dedução do IVA por uma exclusão mais limitada, que autorizava a dedução de IVA sobre os veículos afectos de modo exclusivo ao ensino da condução, não tinha faltado às obrigações que lhe incumbiam por força do artigo 17.°, n.° 2, da Sexta Directiva.

50.   Parece resultar da decisão do órgão jurisdicional de reenvio que, contrariamente à redução do âmbito de uma isenção adoptada pelo legislador francês no processo Comissão/França, e que se afigura bastante precisa e clara, as medidas legislativas que acompanhavam a supressão da regra da dilação de um mês eram extremamente complexas e afectavam, eventualmente, os sujeitos passivos em medidas diferentes, em função do montante das suas deduções de referência. Consequentemente, apesar da supressão da regra da dilação de um mês a partir de 1 de Julho de 1993, certos sujeitos passivos continuaram a ser credores do Tesouro do Estado até 2002.

51.   Todavia, parece resultar das observações da Comissão, sob reserva de verificação por parte do órgão jurisdicional nacional, que as reformas legislativas adoptadas voluntariamente (19) pela França, que levaram à supressão da regra da dilação de um mês, e as medidas que acompanhavam esta supressão, resultaram numa eliminação gradual dos efeitos de tal regra. Acresce que os efeitos das medidas que acompanhavam a supressão da regra da dilação de um mês parecem também ter sido progressivamente reduzidos, acabando por ser eliminados em 2002. Este processo levou, no período decorrido entre 1993 e 2002, a uma redução da carga de todos os sujeitos passivos resultante da aplicação das regras do IVA.

52.   Logo, os efeitos da reforma adoptada pela República Francesa parecem, com base nas observações da Comissão e do Governo francês, ter reduzido, ao longo de um período de dez anos, as disparidades que existiam entre o seu sistema fiscal, em resultado da aplicação da regra da dilação de um mês, e os artigos 17.° e 18.° da Sexta Directiva, adaptando-se assim este Estado-Membro a um dos princípios fundamentais da Sexta Directiva, a saber, a dedutibilidade imediata do IVA.

53.   Acresce que, sob reserva de verificação por parte do órgão jurisdicional nacional, parece que estas disparidades tinham já sido completamente eliminadas em 1993, em primeiro lugar quanto aos sujeitos passivos que iniciaram a actividade depois de 1 de Julho de 1993, em segundo lugar, nos casos em que a dedução de referência de um sujeito passivo era inferior a 10 000 FRF e, em terceiro lugar, nos casos em que o crédito do sujeito passivo sobre o Tesouro do Estado não ultrapassava os 150 000 FRF (22 867,35 euros). Com efeito, parece resultar das reformas legislativas, tal como foram explicadas pelas partes, que já em 1993, ano da adopção das reformas, tinha sido reembolsada uma parte considerável da dedução de referência, a saber, 25%, a todos os sujeitos passivos afectados pelas disposições transitórias que acompanhavam a supressão da regra da dilação de um mês. Em 1994, devia ser feito o reembolso de mais 10% da dedução de referência. No seu despacho de reenvio, o órgão jurisdicional nacional indica também que o crédito sobre o Tesouro vencia juros.

54.   Considero, portanto, que os artigos 17.°, 18.°, 28.°, n.° 3, alínea d), e 28.°, n.° 4, da Sexta Directiva não obstam, em princípio, à adopção de medidas do tipo das que estão em causa no processo principal.

VI – Conclusão

55.   Consequentemente, considero que o Tribunal de Justiça deve responder à questão submetida pelo Tribunal Administratif de Lyon do seguinte modo:

Os artigos 17.°, 18.°, 28.°, n.° 3, alínea d) e 28.°, n.° 4, da Sexta Directiva 77/388/CEE do Conselho, de 17 de Maio de 1977, relativa à harmonização das legislações dos Estados-Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios – Sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado: matéria colectável uniforme, não obstam, em princípio, à adopção de medidas do tipo das que estão em causa no processo principal.


1 – Língua original: inglês.


2 – JO L 145, p. 1; EE 09 F1 p. 54.


3 – JORF n.° 143, 23 de Junho de 1993, p. 8815.


4 – JORF n.° 214, de 15 de Setembro de 1993, p. 12883.


5 – JORF n.° 89, de 16 de Abril de 1994, p. 5646.


6 – JORF n.° 39, de 15 de Fevereiro de 2002, p. 2968.


7 – Acórdão de 25 de Outubro de 2001 (C-78/00, Colect., p. I-8195).


8 – Acórdão de 29 de Abril de 1999 (C-136/97, Colect., p. I-2491, n.° 19).


9 – Já referido na nota 7.


10 – V., por analogia, acórdão de 14 de Julho de 1971, Muller e o. (10/71, Colect., p. 251, n.° 7).


11 – V. acórdão de 8 de Janeiro de 2002, Metropol e Stadler (C-409/99, Colect., p. I-81, n.° 42).


12 – V., nomeadamente, o acórdão de 19 de Setembro de 2000, Ampafrance e Sanofi (C-177/99 e C-181/99, Colect., p. I-7013, n.° 34 e a jurisprudência aí referida).


13 – Apesar do período transitório inicial de cinco anos, a contar de 1 de Janeiro de 1978, estabelecido no artigo 28.°, n.° 4, da Sexta Directiva, a excepção contida no artigo 28.º, n.º 3, alínea d), não foi abolida pelo legislador comunitário. Embora tal não seja relevante para o caso em apreço, do ponto de vista temporal, a derrogação contida no artigo 28.°, n.° 3, alínea d), da Sexta Directiva parece ter sido mantida na chamada Directiva IVA reformulada; ver artigo 372.° da Directiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de Novembro de 2006, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado (JO L 347, p. 1).


14 – V. n.° 28, supra.


15 – V. n.° 28, supra.


16 – V., neste sentido, os acórdãos de 13 de Julho de 2000, Idéal tourisme (C-36/99, Colect., p. I-6049, n.° 32), e de 7 de Dezembro de 2006, Eurodental (C-240/05, Colect., p. I-11479, n.° 52).


17 – V. n.° 20 do acórdão (já referido na nota 8).


18 – Acórdão de 14 de Junho de 2001 (C-345/99, Colect., p. I-4493).


19 – V. n.° 39, supra.