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CONCLUSÕES DO ADVOGADO-GERAL

YVES BOT

apresentadas em 13 de Setembro de 2007 1(1)

ProcessoC-401/06

Comissão das Comunidades Europeias

contra

República Federal da Alemanha

«Incumprimento de Estado – IVA – Prestação de serviços – Testamenteiro – Lugar de execução da prestação – Sexta Directiva – Artigo 9.°, n.os 1 e 2, alínea e)»





1.     A presente acção por incumprimento tem por objecto as disposições de direito alemão que determinam o lugar de execução das prestações de serviços fornecidas por um testamenteiro, para efeitos da sua tributação em imposto sobre o valor acrescentado (a seguir «IVA»). O direito alemão prevê que essas prestações são efectuadas no lugar onde o testamenteiro exerce as suas actividades.

2.     A Comissão das Comunidades Europeias considera, por sua vez, que se deve considerar que as referidas prestações são fornecidas no lugar de estabelecimento ou de instalação do destinatário, de acordo com as disposições do artigo 9.°, n.° 2, alínea e), da Sexta Directiva n.° 77/388/CEE do Conselho (2), e que o destinatário das prestações é o herdeiro.

3.     Na presente acção, a Comissão pede ao Tribunal de Justiça que declare que, não tendo fixado o lugar de conexão fiscal das prestações efectuadas por um testamenteiro em conformidade com essas disposições, a República Federal da Alemanha não cumpriu as obrigações que lhe incumbem.

I –    Quadro Jurídico

A –    Direito comunitário

4.     A Sexta Directiva harmoniza as condições de aplicação do IVA na União. Nos termos do artigo 2.°, ponto 1, dessa directiva, o IVA aplica-se às prestações de serviços de um sujeito passivo agindo nessa qualidade, efectuadas no interior de um Estado-Membro.

5.     O lugar em que uma prestação de serviços é fornecida para efeitos da sua tributação em IVA está fixado pelo artigo 9.° da referida directiva. Esse artigo tem por objecto evitar tanto os conflitos de competência entre Estados-Membros, susceptíveis de conduzirem a uma dupla tributação, como a não tributação.

6.     O artigo 9.°, n.° 1, da Sexta Directiva contém uma regra geral segundo a qual o lugar de uma prestação de serviços é o lugar onde o prestador tiver estabelecido a sede da sua actividade profissional. Assim, nos termos dessa disposição, «por lugar da prestação de serviços entende-se o lugar onde o prestador dos mesmos tenha a sede da sua actividade económica ou um estabelecimento estável a partir do qual os serviços são prestados ou, na falta de sede ou de estabelecimento estável, o lugar do seu domicílio ou da sua residência habitual».

7.     O artigo 9.°, n.° 2, da Sexta Directiva prevê igualmente outros critérios de conexão. Esses critérios podem ser agrupados em duas categorias.

8.     A primeira categoria corresponde a prestações que podem ser localizadas materialmente. Trata-se das prestações que conexas com um bem imóvel, das prestações de transporte, das actividades culturais, artísticas, desportivas, científicas e outras e, por fim, da locação de bens móveis corpóreos. Estas prestações estão localizadas, respectivamente, no lugar onde se situa o bem imóvel, no local onde o transporte é efectuado, no lugar onde são executadas e no lugar de utilização do bem móvel corpóreo objecto de locação.

9.     A segunda categoria de prestações tem como critério de localização o país do destinatário. Assim, nos termos do sétimo considerando da Sexta Directiva, embora o lugar das prestações de serviços deva ser fixado, em princípio, no lugar onde o prestador de serviços tem a sede da sua actividade profissional, convém, no entanto, fixar esse lugar no país do destinatário, designadamente no que se refere a certas prestações de serviços, efectuadas entre sujeitos passivos e cujo custo esteja incluído no preço dos bens.

10.   Essas prestações estão indicadas no artigo 9.°, n.° 2, alínea e), da Sexta Directiva. De entre as prestações previstas constam, por exemplo, as cessões ou as concessões de direitos de propriedade intelectual, as prestações de serviços de publicidade, as operações bancárias, financeiras e de seguros e ainda a colocação de pessoal à disposição.

11.   Nesse artigo também são referidas, no terceiro travessão, as prestações de advogados e outras prestações semelhantes. O artigo 9.°, n.° 2, da Sexta Directiva dispõe assim:

«Todavia:

[…]

e)      Por lugar das prestações de serviços a seguir referidas, efectuadas a destinatários estabelecidos fora da Comunidade ou a sujeitos passivos estabelecidos na Comunidade, mas fora do país do prestador, entende-se o lugar onde o destinatário tenha a sede da sua actividade económica ou um estabelecimento estável para o qual o serviço tenha sido prestado ou, na falta de sede ou de estabelecimento estável, o lugar do seu domicílio ou da sua residência habitual:

[…]

–       prestações de serviços de consultores, engenheiros, gabinetes de estudo, advogados, peritos contabilistas e demais prestações similares e, bem assim, o tratamento de dados e o fornecimento de informações;

[…]»

12.   Por fim, o artigo 9.°, n.° 3, da Sexta Directiva prevê:

«A fim de evitar casos de dupla tributação, de não tributação ou de distorções de concorrência, os Estados-Membros podem considerar, no que diz respeito às prestações de serviços referidas na alínea e) do n.° 2, bem como às locações de bens móveis corpóreos:

a)      O lugar das prestações de serviços, que, nos termos do presente artigo, se situa no território do país, como se estivesse situado fora da Comunidade, sempre que a utilização e a exploração efectivas se realizem fora da Comunidade;

b)      O lugar das prestações de serviços que, nos termos do presente artigo, se situa fora da Comunidade, como se estivesse situado no território do país, sempre que a utilização e a exploração efectivas se realizem no território do país.»

B –    Direito nacional

13.   O § 3a da lei relativa ao imposto sobre o volume de negócios (Umsatzteuergesetz, a seguir «UStG») tem a seguinte redacção:

«1)      A prestação de serviços é efectuada no lugar onde o empresário exerce a sua actividade, sem prejuízo dos §§ 3b e 3f […]

3)      Se o destinatário de uma das outras prestações referidas no parágrafo 4 for uma empresa, a prestação é considerada como efectuada no lugar em que o destinatário exerce a sua actividade, por derrogação ao parágrafo 1 […]

4)      No parágrafo 3, entende-se por ‘outras prestações’:

[…]

3.      as outras prestações no âmbito das actividades de um advogado, […], de um consultor fiscal […] e nomeadamente o fornecimento de consultoria jurídica, económica e técnica;»

14.   A secção 33 das Orientações relativas ao imposto sobre o volume de negócios (Umsatzsteuer-Richtlinien) dispõe que o § 3a, parágrafo 1, da UStG se aplica às prestações do testamenteiro.

15.   Nos termos dessas disposições e da sua interpretação pelo Bundesfinanzhof (Alemanha), as prestações de um testamenteiro, inclusive quando essas prestações são fornecidas por um advogado, um consultor fiscal ou um revisor oficial de contas, são consideradas como efectuadas no local onde o mesmo exerce as suas actividades.

II – Tramitação processual e pedidos das partes

16.   A Comissão considera que o lugar de execução das prestações de serviços fornecidos na qualidade de testamenteiro a destinatários instalados fora da Comunidade ou a sujeitos passivos estabelecidos num Estado-Membro diferente da Alemanha deve ser fixado de acordo com as disposições do artigo 9.°, n.° 2, alínea e), terceiro travessão, da Sexta Directiva. Disso informou as autoridades alemãs através de uma notificação de incumprimento de 19 de Abril de 2005.

17.   Por carta de 23 de Junho de 2005, a República Federal da Alemanha, contestou essa apreciação com fundamento em que as prestações de serviço de um testamenteiro não são comparáveis às de um advogado nem às outras prestações mencionadas no artigo 9.°, n.° 2, alínea e), terceiro travessão, da Sexta Directiva.

18.   A Comissão reiterou a sua análise quanto à não conformidade da legislação alemã com o direito comunitário num parecer fundamentado de 19 de Dezembro de 2005.

19.   A República Federal da Alemanha confirmou a sua posição por carta de 2 de Março de 2006.

20.   A Comissão intentou a presente acção por petição entrada na Secretaria em 27 de Setembro de 2006. A República Federal da Alemanha deu a conhecer a sua contestação por articulado entrado na Secretaria em 20 de Novembro de 2006. A Comissão apresentou réplica e a República Federal da Alemanha apresentou tréplica.

21.   As partes não solicitaram a realização de audiência. O Tribunal de Justiça considerou também que não era necessária uma audiência.

22.   A Comissão pede ao Tribunal de Justiça que declare que a República Federal da Alemanha não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 9.°, n.° 2, alínea e), da Sexta Directiva, ao não ter fixado o lugar das prestações de serviços de um testamenteiro nos termos dessas disposições quando as prestações de serviços são efectuadas a destinatários estabelecidos fora da Comunidade ou a sujeitos passivos estabelecidos na Comunidade mas fora do país do prestador.

23.   Conclui também pela condenação da demandada nas despesas.

24.   A República Federal da Alemanha conclui pela improcedência destes pedidos e pela condenação da Comissão nas despesas.

III – Argumentos das partes

25.   A Comissão sustenta que a posição alemã é infundada e que o lugar de execução das prestações de um testamenteiro deve ser fixado nos termos das disposições do artigo 9.°, n.° 2, alínea e), terceiro travessão, da Sexta Directiva pelas seguintes razões.

26.   Segundo a jurisprudência, a fim de verificar se uma actividade é abrangida por essas disposições, não importa ter em consideração as profissões aí enunciadas, mas as prestações efectuadas habitualmente no seu âmbito.

27.   O testamenteiro tem por função executar a vontade expressa pelo falecido. A sua tarefa pode ser assim equiparada à defesa dos interesses de um mandante. Ele regulariza a situação jurídica de outrem e a sua actividade apresenta também carácter económico. Esta actividade necessita igualmente de conhecimentos específicos de direito das sucessões. É exercida principalmente por advogados especializados nesta matéria.

28.   As prestações do testamenteiro podem também ser consideradas «demais prestações similares» visadas no artigo 9.°, n.° 2, alínea e), terceiro travessão, da Sexta Directiva. Basta para isso que a actividade do testamenteiro prossiga a mesma finalidade que uma das actividades referidas expressamente nessa disposição. As actividades de um advogado e de um testamenteiro têm em comum assegurar a representação dos interesses de alguém. Em ambos os casos, o conteúdo dessas actividades é determinado por outrem.

29.   A Comissão invoca a linha de orientação adoptada por unanimidade pelo comité consultivo do IVA, segundo a qual o lugar das prestações efectuadas por uma pessoa encarregada de encontrar os sucessores deve ser fixado nos termos do artigo 9.°, n.° 2, alínea e), terceiro travessão, da Sexta Directiva. Essa linha de orientação, mesmo não tendo carácter vinculativo, deve ser tomada em consideração, uma vez que exprime a vontade do legislador. As considerações que levaram a essa posição no que respeita ao lugar das prestações de uma pessoa encarregada de encontrar os sucessores valem a fortiori para o das prestações de um testamenteiro.

30.   A Comissão alega também que a sua posição é corroborada pela economia e a finalidade do artigo 9.°, n.° 2, da Sexta Directiva. Esta disposição tem por objecto situar o lugar da tributação da prestação de serviços no local onde essa prestação é efectivamente realizada. As prestações de um testamenteiro são efectuadas no lugar em que o herdeiro se encontra, uma vez que incumbe a esse prestador diligenciar no sentido de que a herança entre na posse deste último.

31.   Por fim, a Comissão explica que as dificuldades práticas que a aplicação da sua posição pode implicar, quando o falecido tem vários herdeiros domiciliados em países diferentes, não constituem um argumento pertinente nem são menores no que respeita à actividade da pessoa encarregada de encontrar sucessores.

32.   A República Federal da Alemanha contesta esta análise pelas seguintes razões.

33.   Segundo esse Estado-Membro, a actividade do testamenteiro pode ser exercida por um parente, um herdeiro, o cônjuge, ou ainda um advogado, uma associação, uma pessoa colectiva como uma sociedade fiduciária ou um banco. O testamenteiro pode ser designado por testamento ou por contrato sucessório. Cabe-lhe dar execução à vontade do falecido.

34.   A designação de um testamenteiro pode responder a diferentes objectivos. Pode ter por fim proteger herdeiros pouco ou nada experientes, preservar o património de menores até à sua maioridade, prevenir diferendos entre herdeiros ou executar encargos e legados.

35.   O testamenteiro é assim susceptível de realizar dois tipos de funções, seja a liquidação do património nos termos das disposições testamentárias do falecido, de forma que a sua tarefa termina uma vez concluída essa liquidação, seja a gestão do património sucessório durante determinado período, por exemplo, até à maioridade do herdeiro.

36.   A República Federal da Alemanha deduz desta enunciação que as actividades efectuadas por um testamenteiro não constituem prestações de advogados nem demais prestações similares, na acepção do artigo 9.°, n.° 2, alínea e), terceiro travessão, da Sexta Directiva.

IV – Apreciação

37.   Não estamos convencidos da procedência da acção por incumprimento intentada pela Comissão.

38.   É certo que, como afirma essa instituição, as disposições do artigo 9.°, n.° 2, alínea e), da Sexta Directiva, não devem ser lidas como uma excepção à regra geral contida no artigo 9.°, n.° 1, dessa directiva e ser, assim, objecto de uma interpretação estrita. É jurisprudência assente que o artigo 9.°, n.° 2, da referida directiva contém critérios de conexão específicos, pelo que o lugar de conexão fiscal de uma actividade económica deve ser fixado nos termos dessa disposição e não segundo a regra geral enunciada no artigo 9.°, n.° 1, da Sexta Directiva, se essa actividade se inserir no âmbito de aplicação de um desses critérios (3).

39.   Além disso, também é pacífico que o artigo 9.°, n.° 2, alínea e), da Sexta Directiva, não visa profissões enquanto tais, mas as prestações principal e habitualmente fornecidas nos Estados-Membros no seu âmbito (4).

40.   A questão que se coloca no caso vertente é, portanto, saber se as prestações efectuadas por um testamenteiro entram no âmbito de aplicação do critério de conexão específico enunciado no artigo 9.°, n.° 2, alínea e), terceiro travessão, da Sexta Directiva, como sustenta a Comissão.

41.   Essa disposição, recorde-se, refere como lugar de conexão fiscal das prestações que enumera o lugar em que o destinatário tem o seu domicílio ou a sua residência habitual, quando essas prestações tenham sido fornecidas, por um lado, a um destinatário que não seja sujeito passivo estabelecido fora da Comunidade e, por outro, a um destinatário sujeito passivo estabelecido na Comunidade mas fora do país do prestador.

42.   Segundo a tese defendida pela Comissão, o destinatário das prestações fornecidas por um testamenteiro é o herdeiro ou os herdeiros do falecido. Entendemos que esta tese não pode ser acolhida pelas seguintes razões.

43.   O conceito de «destinatário», previsto no artigo 9.°, n.° 2, alínea e), da Sexta Directiva, exige, em nosso entender, a existência de uma relação jurídica entre o destinatário e o prestador desse serviço.

44.   Essa exigência decorre, desde logo, da própria natureza do IVA, que constitui, recorde-se, um imposto sobre o consumo. É a compra de um bem ou de um serviço que constitui o facto gerador deste imposto e que a torna exigível ao adquirente desse bem ou desse serviço, tanto no caso de o adquirente realizar essa aquisição para o exercício da sua actividade económica, na qualidade de sujeito passivo, como no caso de a realizar para satisfação das suas próprias necessidades, na qualidade de consumidor final.

45.   Assim, no sistema do IVA, este imposto aplica-se a todas fases do processo de produção ou de distribuição de um bem ou de um serviço e é devido, em cada etapa desse processo, sempre que exista uma relação jurídica entre duas partes diferentes durante a qual são transaccionadas prestações recíprocas (5).

46.   A exigência de uma relação jurídica entre o destinatário e o prestador de serviços decorre, em seguida, em nosso entender, do sistema previsto no artigo 9.°, n.° 2, alínea e), da Sexta Directiva. Segundo esse sistema, é o objecto do contrato celebrado com o prestador que permite determinar se a prestação prevista corresponde a uma das enumeradas nessa disposição. O destinatário, na acepção da referida disposição, é portanto necessariamente, em nosso entender, aquele que é parte no contrato celebrado com o prestador.

47.   Ora, quando examinamos as relações que ligam o herdeiro ou os herdeiros do falecido ao testamenteiro, impõe-se concluir que os mesmos não celebraram qualquer acordo. Foi com o objectivo de executar as disposições tomadas pelo falecido que o testamenteiro se vinculou e foi o falecido quem determinou as prestações a efectuar assim como o respectivo custo. A única decisão que cabe ao herdeiro tomar quando o mandante falece e as prestações do testamenteiro se tornam exigíveis é aceitar ou não a sucessão do falecido. No entanto, esta manifestação de vontade não faz dele destinatário das prestações fornecidas pelo testamenteiro, uma vez que não determina nem conteúdo nem o preço das mesmas.

48.   A este respeito, sublinhamos que a Comissão, na sua argumentação destinada a demonstrar que as prestações de um testamenteiro se assemelham às de um advogado, refere que esse testamenteiro defende, também ele, os interesses de um mandante. Admite, no entanto, nos seus articulados, que a missão do testamenteiro é, prioritariamente, defender os interesses do de cujus.

49.   Por esta razão, a situação do herdeiro relativamente ao testamenteiro é diferente, parece-nos, daquela em que se encontra relativamente a um prestador de serviços de procura de sucessores, para a qual a Comissão remete nos seus articulados. A respeito deste prestador de serviços, o herdeiro surge como um destinatário. Com efeito, quando é notificado pela pessoa encarregada de encontrar os sucessores de que tem direitos sucessórios, o herdeiro é convidado por esse prestador a celebrar com ele um acordo que fixa o montante da retribuição em troca da qual o referido prestador lhe dará a conhecer, precisamente, o conteúdo desses direitos e o meio de os exercer. Existe pois, nesse caso, um contrato entre o herdeiro e o prestador de serviços.

50.   Por conseguinte, o facto de o comité consultivo do IVA ter considerado, numa linha de orientação, que o lugar de conexão fiscal das prestações de serviços de uma pessoa encarregada de encontrar os sucessores deve ser fixado nos termos do artigo 9.°, n.° 2, alínea e), da Sexta Directiva não é susceptível de demonstrar a procedência da posição defendida pela Comissão no que respeita ao testamenteiro.

51.   Seguidamente, ao contrário da Comissão, não estamos convictos de que a localização das prestações de um testamenteiro no país terceiro onde se encontra o herdeiro que, por hipótese, não pode ser um consumidor final, tem por consequência situá-la no lugar de utilização ou de exploração efectiva das prestações fornecidas.

52.   É verdade que o herdeiro surge como o beneficiário das prestações fornecidas pelo testamenteiro, uma vez que, como recordou a República Federal da Alemanha, o mandato deste último consiste em transmitir ao herdeiro os direitos que lhe cabem relativamente ao património do falecido. Ele suporta também o respectivo preço, porquanto, salvo admitindo que o de cujus tenha optado por pagar os custos das prestações do testamenteiro por acto entre vivos, esse custo é deduzido do activo sucessório. No entanto, estes elementos não são suficientes, a nosso ver, para concluir que, quando o herdeiro tem o seu domicílio ou a sua residência habitual num país terceiro, as prestações do testamenteiro são efectivamente utilizadas ou exploradas fora da Comunidade.

53.   Com efeito, nesta relação triangular que liga o de cujus ao testamenteiro, o papel que cabe ao herdeiro é, salvo disposições específicas do de cujus, completamente passiva. Regra geral, não foi o herdeiro quem decidiu recorrer a esse prestador de serviços nem quem determinou a missão deste. O herdeiro limita-se a aceitar os direitos que lhe cabem, nos termos da missão precisada pelo de cujus, sem sequer estabelecer necessariamente relações com o testamenteiro. É por isso que não cremos que esta situação seja comparável, por exemplo, à de um consumidor final residente fora da Comunidade, que confie a defesa dos seus interesses a um advogado estabelecido num Estado-Membro para o representar perante um órgão jurisdicional nacional de um país terceiro.

54.   Por outras palavras, a nosso ver, só pode haver utilização ou exploração efectiva de uma prestação, da parte de uma pessoa que tenha decidido recorrer às prestações de um sujeito passivo e que possa recorrer a essas prestações para o exercício da sua actividade profissional, nomeadamente a produção de bens, como o legislador comunitário estabeleceu no sétimo considerando da Sexta Directiva (6)

55.   Por fim, a Comissão não demonstra em que medida a conexão das prestações de um testamenteiro com o lugar do estabelecimento desse prestador, nos termos do artigo 9.°, n.° 1, da Sexta Directiva, é contrária aos objectivos desta disposição.

56.   Como referimos anteriormente, o artigo 9.° dessa directiva tem por objecto, nomeadamente, evitar a não tributação. A localização das prestações fornecidas por um testamenteiro no lugar em que esse prestador exerce as suas actividades, como prevê a legislação alemã em causa, tem por consequência tributar, na Alemanha, as prestações fornecidas por advogados estabelecidos nesse Estado-Membro que exercem essas actividades, independentemente do lugar em que residem os herdeiros. A tese defendida pela Comissão, por sua vez, leva a excluir do imposto as prestações de um testamenteiro quando o herdeiro do falecido reside num país terceiro.

57.   Face ao exposto, consideramos que a Comissão não demonstrou que a República Federal da Alemanha não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 9.°, n.° 2, alínea e), da Sexta Directiva, ao não ter fixado o lugar das prestações de serviços de um testamenteiro em conformidade com essas disposições, quando as prestações de serviços são efectuadas a destinatários estabelecidos fora da Comunidade ou a sujeitos passivos estabelecidos na Comunidade mas fora do país do prestador.

58.   Nos termos das disposições do artigo 69.°, n.° 2, do Regulamento do Processo, se o Tribunal de Justiça aceitar as nossas conclusões, a Comissão suportará as despesas.

V –    Conclusão

59.   Tendo em conta as observações precedentes, propomos que o Tribunal de Justiça julgue improcedente a presente acção por incumprimento e condene a Comissão das Comunidades Europeias nas despesas.


1 – Língua original: francês.


2 – Directiva de 17 de Maio de 1977, relativa à harmonização das legislações dos Estados-Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios – Sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado: matéria colectável uniforme (JO L 145, p. 1; EE 09 F1 p. 54, a seguir «Sexta Directiva»).


3 – Acórdão de 6 de Março de 1997, Linthorst, Powels en Scheres (C-167/95, Colect., p. I-1195, n.os 10 e 11 e jurisprudência aí referida).


4 – Acórdão de 16 de Setembro de 1997, Von Hoffmann (C-145/96, Colect., p. I-4857, n.º 17).


5 – Acórdão de 23 de Março de 2006, FCE Bank (C-210/04, Colect., p. I-2803, n.º 34 e jurisprudência aí referida).


6 – É por este motivo que também não entendemos que o de cujus possa ser considerado o destinatário das prestações do testamenteiro, na acepção do artigo 9.º, n.º 2, alínea e), da Sexta Directiva, uma vez que as prestações só são efectuadas após a sua morte.