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CONCLUSÕES DA ADVOGADA-GERAL

ELEANOR SHARPSTON

apresentadas em 9 de Outubro de 2008 1(1)

Processo C-407/07

Stichting Centraal Begeleidingsorgaan voor de Intercollegiale Toetsing

contra

Staatssecretaris van Financiën

[pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Hoge Raad (Países Baixos)]

«IVA – Isenções em benefício de certas actividades de interesse geral – Isenção das prestações de serviços efectuadas aos membros por agrupamentos de pessoas que exercem uma actividade isenta – Aplicabilidade aos serviços prestados individualmente aos membros e aos prestados ao conjunto destes»





1.        Certas actividades de interesse público, incluíndo a hospitalização e a assistência médica, e bem assim as operações com elas estreitamente conexas, estão isentas de IVA. E quando as pessoas cujas actividades estão isentas formem agrupamentos para prestar aos respectivos membros os serviços directamente necessários ao exercício dessas actividades, estes serviços também estão isentos se estes agrupamentos se limitarem a exigir dos seus membros «o reembolso exacto da parte que lhes corresponde nas despesas comuns» e se tal não for susceptível de provocar distorções de concorrência.

2.        A questão suscitada pelo presente pedido de decisão prejudicial do Hoge Raad (Supremo Tribunal) (Países Baixos) é essencialmente a de saber se esta última isenção se estende aos serviços prestados individualmente a um ou mais membros. Ou, por outras palavras, deve o direito comunitário relativo ao IVA orientar-se a este respeito pelo lema dos mosqueteiros: «Um por todos e todos por um»?

 Quadro jurídico relevante

3.        O processo pendente no tribunal nacional respeita a serviços prestados entre 1994 e 1998, pelo que as disposições comunitárias relevantes constam da Sexta Directiva (2).

4.        O artigo 13.º, A, desta directiva tem por epígrafe «Isenções em benefício de certas actividades de interesse geral». O seu n.º 1 prevê, na medida ora relevante:

«Sem prejuízo de outras disposições comunitárias, os Estados-Membros isentarão, nas condições por eles fixadas com o fim de assegurar a aplicação correcta e simples das isenções a seguir enunciadas e de evitar qualquer possível fraude, evasão e abuso:

[…]

b)      A hospitalização e a assistência médica, e bem assim as operações com elas estreitamente conexas, asseguradas por organismos de direito público ou, em condições sociais análogas às que vigoram para estes últimos, por estabelecimentos hospitalares, centros de assistência médica e de diagnóstico e outros estabelecimentos da mesma natureza devidamente reconhecidos;

[…]

f)      As prestações de serviços efectuadas por agrupamentos autónomos de pessoas que exercem uma actividade isenta, ou relativamente à qual não tenham a qualidade de sujeito passivo, tendo em vista prestar aos seus membros os serviços directamente necessários ao exercício dessa actividade, quando os referidos agrupamentos se limitem a exigir dos seus membros o reembolso exacto da parte que lhes corresponde nas despesas comuns, se tal isenção não for susceptível de provocar distorções de concorrência;

[…]» (3).

 Factos, tramitação processual e questão submetida

5.        A Stichting Centraal Begeleidingsorgaan voor de Intercollegiale Toetsing (a seguir «Stichting») é uma fundação cujos membros são várias instituições hospitalares e de seguros de doença e, em certos casos, os membros destas instituições, como os hospitais individuais. As actividades dos membros da Stichting estão isentas do IVA. O seu objectivo global consiste na promoção da qualidade no sector da prestação de cuidados de saúde. Para atingir este objectivo, presta vários serviços aos seus membros. A maior parte destes serviços (relacionados mais especificamente com a definição e a manutenção de padrões de qualidade para o pessoal médico e de enfermagem) são prestados a hospitais e os seus custos são repartidos entre estes de acordo com o número de camas. As autoridades fiscais concordam que estes serviços (que, em última análise, são pagos através de financiamento do governo) estão isentos nos termos das disposições nacionais que procederam à transposição do artigo 13.º, A, n.º 1, alínea f), da Sexta Directiva.

6.        A Stichting presta ainda, ocasionalmente, outros serviços a membros individuais. Sirva de exemplo a colocação à disposição de um membro do pessoal para dirigir um grupo de trabalho sobre um projecto relativo aos cuidados de saúde adequados para uma das instituições suas associadas e a delegação de pessoal para tomar a palavra num colóquio sobre os medicamentos antivirais e o colapso cardíaco organizado por outro organismo seu membro. Tais serviços são facturados individualmente à instituição sua associada em questão. De acordo com o despacho de reenvio, não é controverso o facto de estes serviços serem directamente necessários ao exercício das actividades isentas dos seus membros e de não se verificar nenhuma distorção da concorrência. Porém, as autoridades fiscais consideram que não está satisfeito o requisito do «reembolso exacto da parte que lhes corresponde nas despesas comuns».

7.        O litígio está ora pendente no Hoge Raad, o qual pretende que o Tribunal de Justiça se pronuncie a título prejudicial sobre a seguinte questão:

«O artigo 13.º, A, n.º 1, proémio e alínea f), da Sexta Directiva deve ser interpretado no sentido de que também abrange os serviços prestados pelos agrupamentos mencionados nessa disposição aos seus membros, directamente necessários à prestação, por esses membros, de serviços isentos ou pelos quais não é devido imposto, quando a remuneração cobrada pelos referidos serviços não excede os respectivos custos e esses serviços são apenas prestados a um ou alguns dos membros?»

8.        A Stichting, o Governo neerlandês e a Comissão apresentaram todos quer alegações escritas quer orais.

 Apreciação

 Distorção da concorrência

9.        O Governo neerlandês questiona a asserção do órgão jurisdicional de reenvio de que os serviços controvertidos não provocam qualquer distorção da concorrência. Salienta, mais particularmente, que as disposições nacionais de transposição que definem o âmbito da isenção no direito neerlandês excluem especificamente a colocação à disposição de pessoal, precisamente com base no facto de tal serviço ser susceptível de provocar uma séria distorção da concorrência.

10.      A questão de saber se realmente existe uma distorção da concorrência ou se esta é possível constitui, naturalmente, matéria a ser decidida pelo tribunal nacional competente, tal como é a este que incumbe a interpretação e a aplicação das disposições nacionais de transposição relevantes. No que respeita à susceptibilidade de ser provocada uma distorção, devo simplesmente observar que a isenção pode ser recusada se puder, por si só, de imediato ou no futuro, provocar distorções da concorrência (4).

11.      Devo, contudo, referir um outro aspecto. A questão do tribunal nacional menciona serviços em relação aos quais «a remuneração cobrada […] não excede os respectivos custos». Esta formulação pode cobrir os serviços facturados abaixo do seu custo, contrariamente ao reembolso exacto especificado na Sexta Directiva (5). É manifesto que a prestação de serviços abaixo do seu custo terá implicações em termos de concorrência no confronto com as empresas comerciais, que devem ser tomadas em conta na apreciação dos factos pelo tribunal nacional competente.

 Interpretação estrita

12.      Como realçaram o Governo neerlandês e a Comissão, constitui jurisprudência assente do Tribunal de Justiça que, como derrogações ao princípio geral de que o imposto sobre o volume de negócios é cobrado sobre qualquer entrega efectuada a título oneroso por um sujeito passivo, os termos utilizados para designar as isenções visadas pelo artigo 13.° da Sexta Directiva são de interpretação estrita (6).

13.      Porém, o Tribunal de Justiça declarou ainda que o objectivo desta jurisprudência não é o de impor uma interpretação que torne as isenções visadas nessa disposição quase inaplicáveis na prática (7).

14.      Creio também que esta interpretação estrita – e a interpretação estrita não deve ser confundida com a interpretação restritiva (8) – pode ser temperada de acordo com a natureza da isenção em questão. A hospitalização e a assistência médica são isentas, no interesse geral da sociedade como um todo, de modo a baixar os custos suportados pelos pacientes. A razão de ser desta isenção estende-se aos necessários serviços de apoio, os quais, por razões de economia de escala, são delegados a instituições geridas conjuntamente (9). Sendo a própria expressão «hospitalização e assistência médica» alvo de interpretação estrita, é adequado sujeitar os necessários serviços de apoio a um grau adicional de interpretação estrita, apertando ainda mais o nó (10)?

 A questão submetida

15.      A Stichting e a Comissão alegam que a questão do Hoge Raad deve ser respondida no sentido de que, contando que estejam preenchidas as outras condições impostas no artigo 13.º, A, n.º 1, alínea f), esta disposição abrange os serviços prestados pelos agrupamentos que caem na alçada do seu âmbito de aplicação, mesmo quando estes serviços são prestados apenas a um ou mais membros.

16.      O Governo neerlandês considera que esta disposição não pode abranger os serviços prestados e facturados individualmente aos membros. Na audiência, esclareceu melhor a sua posição, argumentando que a distinção crucial deve ser feita entre os serviços prestados no interesse colectivo, e que estão abrangidos, e os prestados no interesse individual de um membro, que não estão.

17.      Essencialmente, concordo com a Stichting e a Comissão. Estando preenchidas todas as outras condições impostas no artigo 13.º, A, n.º 1, alínea f) – sendo os serviços directamente necessários ao exercício de uma actividade isenta ou não tributada, havendo um reembolso exacto das despesas suportadas e não se verificando a probabilidade de distorções de concorrência –, creio que uma interpretação exageradamente literal dos termos «parte» e «comuns» imporá uma restrição indevida e artificial ao alcance da isenção.

18.      É manifesto que, quando um único tipo de serviços é prestado a todos os membros do agrupamento em cada período de tributação, pode ser cobrado a cada um destes a «parte que lhes corresponde nas despesas comuns», na mais ampla acepção desta expressão. Porém, é provável que a realidade destes agrupamentos seja bem mais complexa. É muito provável que o agrupamento preste todo um leque de serviços, alguns necessários a todos os membros e outros a apenas alguns deles. É possível que as necessidades dos membros variem de um período fiscal para o seguinte, pelo que, num determinado período, alguns serviços serão prestados a todos os membros, outros a vários membros e outros ainda a apenas um membro. E no entanto o custo da prestação destes serviços permanece, em boa verdade, uma despesa comum, suportada pelo agrupamento constituído para esse efeito por todos os seus membros, e os métodos de contabilidade dos custos são capazes de identificar sem equívoco a precisa parte dos custos atribuível a cada serviço que foi individualmente prestado.

19.      Nas suas observações escritas, o Governo neerlandês observou que o objectivo da isenção é o de evitar onerar com IVA os serviços prestados por um agrupamento aos seus membros, quando os mesmos serviços não suportam esse ónus se forem prestados internamente por cada membro individual (11). Estes serviços são, pois, equiparados a transacções internas. Argumenta o Governo neerlandês que, quando o serviço é prestado a um único membro, o mesmo é comparável a uma transacção no mercado aberto à concorrência, em que há um distanciamento entre o prestador do serviço e o seu destinatário, pelo que não deve beneficiar desse tratamento.

20.      Este argumento não me convence. Quando um determinado serviço é prestado por um agrupamento a um, a vários ou a todos os seus membros, tal não altera a relação entre o prestador do serviço e o seu destinatário ou a natureza do esquema através do qual os recursos são partilhados para alcançar economias de escala.

21.      Na audiência, o Governo neerlandês destacou a necessidade de os serviços, para poderem beneficiar da isenção, serem prestados no interesse colectivo de todos os membros do agrupamento e não no interesse individual de determinados membros. Ilustrou esta distinção com o exemplo da comissão sobre as reclamações escolares, que presta assistência a todas as escolas dos Países Baixos na resolução de reclamações. Este serviço é prestado no interesse colectivo de todas as escolas, ainda que algumas escolas não precisem dele num determinado período, ou não precisem dele de todo, e deve, por isso, ser isento de IVA ao abrigo do artigo 13.º, A, n.º 1, alínea f). Diversamente, se uma escola receber aconselhamento jurídico, por exemplo, em matéria de IVA, prestado pelos advogados da comissão, esse serviço é prestado no interesse individual dessa escola, não devendo ser isento.

22.      Embora me incline a concordar com o resultado a que chega o Governo neerlandês na análise do seu exemplo, não estou de acordo com o método que utiliza. Nas circunstâncias descritas, o aconselhamento sobre o IVA não poderia ser isento por não ser um serviço directamente necessário à escola para exercer a sua actividade isenta de prestação de serviços de educação e provavelmente também por não constituir um dos serviços para que a comissão foi constituída. Por outro lado, um serviço que não se insira nos objectivos prosseguidos por essa comissão e que seja directamente necessário ao exercício de actividade isenta de prestação de serviços de educação deve ser isento, independentemente do número das escolas que dele sejam destinatárias.

23.      Creio ainda que a distinção entre o interesse colectivo e o individual não assume grande relevância como critério independente. A menos que os membros estejam obrigados a beneficiar de cada serviço prestado ao agrupamento, optarão por beneficiar dos serviços que para eles assumam interesse individual. E a disponibilização destes serviços a todos os membros será necessariamente no seu interesse colectivo – desde que, como sempre, as prestações destes serviços sejam «efectuadas por agrupamentos autónomos de pessoas que exercem uma actividade isenta, ou relativamente à qual não tenham a qualidade de sujeito passivo, tendo em vista prestar aos seus membros os serviços directamente necessários ao exercício dessa actividade».

24.      Uma vez que o Hoge Raad coloca a sua questão sob a premissa expressa de que o único ponto em discussão é o de saber se está preenchida a condição referente ao «reembolso exacto da parte que lhes corresponde nas despesas comuns», creio que há que lhe responder pela afirmativa.

 Conclusão

25.      Por conseguinte, proponho que o Tribunal de justiça responda do seguinte modo à questão colocada pelo Hoge Raad:

O artigo 13.º, A, n.º 1, alínea f), da Sexta Directiva 77/388/CEE do Conselho, de 17 de Maio de 1977, relativa à harmonização das legislações dos Estados-Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios – Sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado: matéria colectável uniforme, abrange os serviços prestados aos seus membros pelos agrupamentos que caem no seu âmbito de aplicação, mesmo quando estes serviços sejam prestados apenas a um ou a mais dos seus membros e desde que estejam preenchidas as outras condições impostas por esta disposição.


1 – Língua original: inglês.


2 – Sexta Directiva 77/388/CEE do Conselho, de 17 de Maio de 1977, relativa à harmonização das legislações dos Estados-Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios – Sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado: matéria colectável uniforme (JO L 145, p. 1; EE 09 F1 p. 54, alterada em numerosas ocasiões; a seguir, «Sexta Directiva»). Foi substituída, com efeitos a partir de 1 de Janeiro de 2007, pela Directiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de Novembro de 2006, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado (JO L 347, p. 1), cuja finalidade consiste em apresentar as disposições aplicáveis de forma clara e racional, numa estrutura e redacção reformuladas, sem que daí resultem em princípio alterações substanciais da legislação existente (v. terceiro considerando do seu preâmbulo).


3 –      As mesmas disposições podem ser encontradas, sem alteração substancial, nos artigos 131.° e 132.°, n.° 1, alíneas b) e f), da Directiva 2006/112.


4 – V. acórdão de 20 de Novembro de 2003, Taksatorringen (C-8/01, Colect., p. I-13711, n.os 58 a 65).


5 – Assinalo que, de entre as versões linguísticas nas quais a Sexta Directiva foi adoptada em 1977, todas incluem o termo «exacto» no artigo 13.°, A, n.° 1, alínea f), excepto a neerlandesa, que menciona simplesmente «mero reembolso» («enkel terugbetaling»), em vez de «se limitem a exigir […] o reembolso exacto». O artigo 13.°, A, n.° 1, alínea f), foi transposto para o direito neerlandês pelo artigo 11.°, n.° 1, alínea u), da Wet op de Omzetbelasting (Lei neerlandesa do imposto sobre o volume de negócios), o qual também menciona «apenas o reembolso» («slechts terugbetaling»).


6 – V., especificamente a respeito do artigo 13.°, A, n.° 1, alínea f), acórdãos de 15 de Junho de 1989, Stichting Uitvoering Financiële Acties (348/87, Colect., p. 1737, n.°13), e Taksatorringen, já referido na nota 4, n.° 61.


7 – Acórdão Taksatorringen, já referido na nota 4, n.° 62.


8 – V. conclusões apresentadas pelo advogado-geral F. G. Jacobs no processo na origem do acórdão de 21 de Março de 2002, Zoological Society of London (C-267/00, Colect., p. I-3353, n.os 17 a 19).


9 – V. conclusões apresentadas pelo advogado-geral J. Mischo no processo na origem do acórdão Taksatorringen, já referido na nota 4, n.os 9 e 117 a 124, especialmente n.os 117 a 119.


10 – V. também acórdão de 11 de Janeiro de 2001, Comissão/França (C-76/99, Colect., p. I-249, n.° 23), e n.os 20 a 23 das conclusões apresentadas pelo advogado-geral N. Fennelly no processo na origem desse acórdão, bem como a jurisprudência aí referida.


11 – V. conclusões apresentadas pelo advogado-geral J. Mischo no processo na origem do acórdão Taksatorringen, já referido na nota 4, n.os 118 e 119.