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CONCLUSÕES DO ADVOGADO-GERAL

YVES BOT

apresentadas em 11 de Março de 2010 1(1)

Processo C-58/09

Leo-Libera GmbH

contra

Finanzamt Buchholz in der Nordheide

[pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Bundesfinanzhof (Alemanha)]

«Sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado – Isenção dos jogos de azar ou a dinheiro – Legislação nacional que apenas isenta de IVA as lotarias e as apostas – Tributação da exploração de máquinas de jogos a dinheiro – Margem de apreciação dos Estados-Membros»





1.        A Regulamentação da União em matéria de imposto sobre o valor acrescentado (a seguir «IVA») prevê que os jogos de azar ou a dinheiro estão isentos deste imposto nas condições e dentro dos limites que cada Estado-Membro determine.

2.        O presente processo prejudicial tem, de novo, por objecto a interpretação da margem de apreciação de que os Estados-Membros dispõem no que diz respeito à isenção dos jogos a dinheiro.

3.        Trata-se de saber se um Estado-Membro pode limitar essa isenção a um número restrito de jogos, ou seja, às lotarias e às apostas, quando estes representam apenas uma pequena parte do conjunto das operações de jogos efectuadas no território desse Estado-Membro e do volume de negócios gerado por essa actividade.

4.        O litígio no processo principal tem origem, novamente, no facto de um operador económico contestar a sujeição a IVA da exploração de máquinas de jogos a dinheiro.

5.        Nas presentes conclusões, exporemos os motivos pelos quais, no nosso entender, o poder de apreciação dos Estados-Membros para fixar as condições e os limites da isenção dos jogos a dinheiro não se enquadra num critério quantitativo. Proporemos ao Tribunal de Justiça que interprete a regulamentação da União relevante no sentido de que confere aos Estados-Membros o direito de isentar de IVA apenas uma pequena parte dos jogos a dinheiro explorados no respectivo território, tais como as apostas e as lotarias, e de sujeitar a esse imposto todos os outros jogos.

I –    Quadro jurídico

A –    Direito da União

1.      Directiva 2006/112/CE

6.        As disposições pertinentes constam da Directiva 2006/112/CE do Conselho (2), que entrou em vigor em 1 de Janeiro de 2007. Esta directiva é uma reformulação, sem alterações substanciais, da Sexta Directiva 77/388/CEE do Conselho (3).

7.        O IVA deve ter um âmbito de aplicação o mais alargado possível e deve abranger, nomeadamente, o conjunto dos serviços. Assim, por força do artigo 2.°, n.° 1, alínea c), da Directiva 2006/112, estão sujeitas a IVA as prestações de serviços efectuadas a título oneroso no território de um Estado-Membro por um sujeito passivo agindo nessa qualidade.

8.        A regulamentação da União prevê, contudo, que determinadas actividades podem ou devem estar isentas de IVA. Essas isenções estão sujeitas às disposições gerais do artigo 131.° da Directiva 2006/112, que dispõe:

«As isenções previstas nos Capítulos 2 a 9 aplicam-se sem prejuízo de outras disposições comunitárias e nas condições fixadas pelos Estados-Membros a fim de assegurar a aplicação correcta e simples das referidas isenções e de evitar qualquer possível fraude, evasão ou abuso.»

9.        Em seguida, a Directiva 2006/112 enumera as actividades isentas. O seu artigo 135.°, n.° 1, alínea i), dispõe:

«Os Estados-Membros isentam as seguintes operações:

[…]

i)      As apostas, lotarias e outros jogos de azar ou a dinheiro, sob reserva das condições e dos limites estabelecidos por cada Estado-Membro».

10.      O artigo 135.°, n.° 1, alínea i), da Directiva 2006/112 retoma, no essencial, o artigo 13.°, B, alínea f), da Sexta Directiva.

11.      Por último, o artigo 401.° da Directiva 2006/112 prevê que as disposições dessa directiva não impedem que um Estado-Membro mantenha ou introduza impostos sobre jogos e apostas, impostos especiais de consumo, direitos de registo e, em geral, todos os impostos, direitos e taxas que não tenham a natureza de impostos sobre o volume de negócios, desde que a cobrança desses impostos, direitos e taxas não dê origem, nas trocas comerciais entre Estados-Membros, a formalidades relacionadas com a passagem de uma fronteira.

2.      Jurisprudência relevante

12.      No que diz respeito à margem de apreciação concedida aos Estados-Membros pelo artigo 13.°, B, alínea f), da Sexta Directiva, o Tribunal de Justiça prestou os esclarecimentos que se seguem.

13.      No acórdão de 5 de Maio de 1994, Glawe (4), pronunciou-se sobre a base de tributação aplicável no que diz respeito às máquinas de jogos a dinheiro sempre que, por força da lei, uma determinada percentagem das apostas feitas pelos jogadores lhes seja distribuída como prémio. Considerou que a base de tributação do IVA é constituída apenas pela quota-parte das importâncias apostadas de que o explorador pode efectivamente dispor por sua conta, ou seja, não compreende a quota-parte do total das importâncias apostadas que corresponde aos prémios pagos aos jogadores.

14.      Do mesmo modo, o Tribunal de Justiça teve oportunidade de prestar esclarecimentos sobre o alcance do princípio da neutralidade fiscal, inerente ao sistema do IVA, sempre que os Estados-Membros façam uso da faculdade de determinar os limites e as condições de isenção dos jogos a dinheiro no seu território.

15.      No acórdão de 11 de Junho de 1998, Fischer (5), considerou que esse princípio se opõe a que a exploração ilegal de jogos a dinheiro, no caso concreto, a roleta, esteja sujeita a IVA, quando a exploração desses mesmos jogos por um casino público autorizado beneficia de isenção.

16.      No acórdão de 17 de Fevereiro de 2005, Linneweber e Akritidis (6), recordou que o referido princípio opõe-se, nomeadamente, a que prestações de serviços semelhantes, que estão, portanto, em concorrência entre si, sejam tratadas de maneira diferente do ponto de vista do IVA.

17.      Daqui concluiu que esse princípio se opõe a uma legislação nacional por força da qual a exploração de todos os jogos e máquinas de jogos de azar está isenta de IVA se for efectuada em casinos públicos autorizados quando o exercício dessa mesma actividade por operadores que não os exploradores de casinos não beneficia dessa isenção. Por isso, ao determinarem os limites e as condições nos quais a exploração de jogos a dinheiro pode estar isenta de IVA, os Estados-Membros não podem fazer depender a isenção da identidade de quem explora os referidos jogos (7).

B –    Legislação nacional

18.      Na sequência do acórdão Linneweber e Akritidis, já referido, a República Federal da Alemanha alterou as disposições da sua legislação em matéria de isenção dos jogos a dinheiro, de acordo com as quais a isenção dependia da identidade do prestador. Por força do § 4, n.° 9, alínea b), da Umsatzsteuergesetz (lei do imposto sobre o volume de negócios), de 21 de Fevereiro de 2005 (8), passam a estar isentos de IVA:

«as operações abrangidas [pela Rennwett- und Lotteriegesetz (Lei das apostas hípicas e lotarias)]. Não estão isentas de IVA as operações abrangidas pela [referida lei] e que estejam isentas do imposto sobre as apostas hípicas e lotarias, ou as que em geral não estão sujeitas a este imposto».

19.      Em conformidade com a aplicação conjugada da UStG e da Lei das apostas hípicas e lotarias, os jogos a dinheiro isentos de IVA pelo direito alemão são as apostas em provas hípicas oficiais, as apostas desportivas com cotação definida, bem como as lotarias e os sorteios.

II – Enquadramento factual e decisão de reenvio prejudicial

20.      A Leo-Libera GmbH (a seguir «Leo-Libera») explora uma sala de jogos equipada com máquinas de jogos a dinheiro. Na declaração do IVA relativa ao mês de Janeiro de 2007, declarou as operações realizadas com essas máquinas. Na sequência da fixação pelo Finanzamt Buchholz in der Nordheide do pagamento antecipado, apresentou uma reclamação dessa fixação, alegando que as operações realizadas estavam isentas de IVA. Com efeito, considera que a alteração do § 4, n.° 9, alínea b), do UStG é contrária ao direito da União.

21.      Tendo o Finanzamt Buchholz in der Nordheide rejeitado a referida reclamação, a Leo-Libera interpôs recurso para o Finanzgericht (Tribunal Tributário) (Alemanha). Este último rejeitou esse recurso por as máquinas de jogos a dinheiro não fazerem parte dos jogos a dinheiro cuja exploração está isenta de IVA. Este órgão jurisdicional considerou que o artigo 135.°, n.° 1, alínea i), da Directiva 2006/112 permite aos Estados-Membros introduzir uma excepção à isenção, como a que está em causa no processo principal.

22.      Em apoio do seu recurso de «Revision», a Leo-Libera sustentou que, nos termos do artigo 135.°, n.° 1, alínea i), da Directiva 2006/112, um Estado-Membro não pode isentar apenas as apostas e as lotarias mas deve, igualmente, isentar de IVA os outros jogos a dinheiro. É verdade que os legisladores nacionais podem impor condições e limites a essa isenção. Contudo, não podem tributar, de uma maneira geral, os «outros jogos de azar ou a dinheiro». Na medida em que a legislação alemã sujeita a IVA cerca de 63% do total das operações de jogos de azar realizadas na Alemanha e que apenas uma pequena parte dos jogos beneficia da isenção prevista pela Directiva 2006/112, a legislação nacional litigiosa é contrária ao direito da União.

23.      Submetido o processo ao Bundesfinanzhof (tribunal tributário federal) (Alemanha), este órgão jurisdicional manifestou dúvidas quanto à conformidade do § 4.°, n.° 9, alínea b), da UStG com o direito da União. Considera que, por força quer do artigo 13.°, B, alínea f), da Sexta Directiva quer do artigo 135.°, n.° 1, alínea i), da Directiva 2006/112, a exploração dos jogos e das máquinas de jogos a dinheiro deve, em princípio, estar isenta de IVA. Ora, o § 4.°, n.° 9, alínea b), da UStG limita essa isenção de tal forma que as operações tributáveis constituem a maior parte.

24.      Atendendo a estas considerações, o Bundesfinanzhof decidiu suspender a instância e apresentar ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial:

«O artigo 135.°, n.° 1, alínea i), da Directiva 2006/112 […] deve ser interpretado no sentido de que os Estados-Membros podem adoptar disposições nos termos das quais apenas algumas apostas (hípicas) e lotarias estão isentas de imposto e todos os ‘outros jogos de azar ou a dinheiro’ são excluídos dessa isenção?»

III – Apreciação

25.      O órgão jurisdicional de reenvio pretende saber, essencialmente, se o artigo 135.°, n.° 1, alínea i), da Directiva 2006/112 deve ser interpretado no sentido de que um Estado-Membro tem o direito de limitar a isenção de IVA, no que diz respeito aos jogos a dinheiro, a um número restrito de jogos, como as apostas e as lotarias, e sujeitar a este imposto todos os outros jogos a dinheiro, incluindo as máquinas de jogos.

26.      O órgão jurisdicional de reenvio submeteu esta questão ao Tribunal de Justiça porque a sua legislação nacional sujeita a IVA a maior parte das formas de jogo a dinheiro exploradas no território nacional e porque os jogos assim tributados representam cerca de 63 % do volume de negócios total dessa actividade. Pretende, por isso, saber se, ao sujeitar a IVA a maior parte dos jogos a dinheiro, o Governo alemão ultrapassou a margem de apreciação que lhe é reconhecida pelo artigo 135.°, n.° 1, alínea i), da Directiva 2006/112.

27.      Tal como os Estados-Membros que intervieram no quadro deste procedimento (9) e a Comissão Europeia, somos da opinião de que a disposição em causa confere aos Estados-Membros essa margem de apreciação. A nossa análise assenta na redacção dessa disposição, bem como no sistema em que se insere e nos objectivos que prossegue, tal como especificados pela jurisprudência.

28.      No que diz respeito à redacção do artigo 135.°, n.° 1, alínea i), da Directiva 2006/112, há que concluir que esta não estabelece qualquer restrição quantitativa quanto ao número de jogos a dinheiro que podem estar sujeitos a IVA ou quanto à quota-parte do volume de negócios que esses jogos podem representar relativamente ao volume de negócios total gerado por essa actividade.

29.      Ao dispor que os jogos a dinheiro estão isentos de IVA «sob reserva das condições e dos limites estabelecidos por cada Estado-Membro», sem qualquer outra indicação, o legislador da União quis, claramente, deixar a cada Estado-Membro o cuidado de determinar, se for o caso, quais os jogos a dinheiro que devem estar sujeitos a IVA, sem que essa margem de apreciação dependa de condições relativas à categoria a que pertencem (apostas, lotarias ou outros), ao seu número relativamente ao número de jogos autorizados e à quota-parte do volume de negócios que representam.

30.      A redacção do artigo 135.°, n.° 1, alínea i), da Directiva 2006/112, não se opõe, por isso, a que um Estado-Membro isente de IVA apenas uma pequena parte dos jogos a dinheiro, como as apostas e as lotarias.

31.      Esta apreciação é, na nossa opinião, corroborada pelo sistema da regulamentação da União em matéria de IVA, no qual a isenção prevista no artigo 135.°, n.° 1, alínea i), da Directiva 2006/112 se insere.

32.      Pode deduzir-se da jurisprudência que, sempre que um Estado-Membro usar da sua faculdade de sujeitar ou não a IVA certas operações, no quadro do poder de apreciação que a regulamentação da União lhe reconhece, deve respeitar os objectivos e os princípios gerais da Sexta Directiva, designadamente, o princípio da neutralidade fiscal e a exigência da aplicação correcta, simples e uniforme das isenções previstas (10).

33.      Quanto ao alcance do princípio da neutralidade fiscal, este opõe-se, como vimos, a que prestações de serviços semelhantes, que estão, portanto, em concorrência entre si, sejam tratadas de maneira diferente do ponto de vista do IVA. Quanto aos jogos a dinheiro, pode concluir-se dos acórdãos, já referidos, Fischer e Linneweber e Akritidis que não deve considerar-se que as diferentes categorias de jogos a dinheiro que podem ser autorizadas num Estado-Membro, como as lotarias, as apostas, os jogos de casino, as máquinas de jogos a dinheiro, etc., estão em concorrência entre si.

34.      Admitir o contrário conduziria, em grande medida, a retirar efeito útil ao artigo 135.°, n.° 1, alínea i), da Directiva 2006/112, porque significaria obrigar os Estados-Membros a adoptar uma política de tudo ou nada, ou seja, a não isentar nenhum jogo a dinheiro ou a isentá-los a todos.

35.      De acordo com a jurisprudência, o princípio da neutralidade fiscal opõe-se, por isso, a que o mesmo jogo a dinheiro seja objecto de tratamento diferente consoante seja realizado de forma legal ou ilegal, ou ainda em função da identidade e da forma jurídica da pessoa que o explora. Em contrapartida, este princípio não se opõe a que determinadas categorias de jogos a dinheiro estejam isentas e outras não.

36.      O facto de, no presente processo, os jogos a dinheiro que estão isentos representarem apenas uma pequena parte dos jogos autorizados na Alemanha e do volume de negócios total gerado por essa actividade não viola o princípio da neutralidade fiscal, desde que os jogos que estão isentos e os jogos que não estão possam ser considerados jogos diferentes e não estejam, por isso, em concorrência entre si.

37.      É legítimo pensar que a legislação em causa satisfaz esta condição, uma vez que os jogos que estão isentos e os que não estão são definidos por categorias. Além disso, esta legislação foi adoptada na sequência do acórdão Linneweber e Akritidis, já referido, e, de acordo com as observações escritas do Governo alemão, com o aval da Comissão. Em todo o caso, o órgão jurisdicional de reenvio não manifestou dúvidas quanto à questão de saber se a referida legislação respeita, totalmente, o princípio da neutralidade fiscal.

38.      Em seguida, quanto à exigência da aplicação correcta, simples e uniforme das isenções previstas, parece-nos que é, igualmente, respeitada pela legislação em causa. Definir o âmbito de aplicação da isenção em função das categorias de jogos é recorrer a um critério que nos parece, a priori, claro e preciso para os operadores económicos.

39.      Em contrapartida, fazer depender esta isenção de critérios quantitativos, como a recorrente no litígio no processo principal pretendia, não daria, seguramente, as mesmas garantias. Em especial, no que diz respeito à pertinência do critério relativo à quota-parte do volume de negócios dos jogos isentos, tal critério colocaria esses operadores numa situação de incerteza porque só poderia ser verificado a posteriori e porque o volume de negócios gerado por um ou vários jogos em particular pode variar de ano para ano de forma significativa.

40.      Consequentemente, a legislação alemã em causa é, na nossa opinião, conforme ao sistema no qual o artigo 135.°, n.°1, alínea i), da Directiva 2006/112 se insere. Parece-nos, igualmente, adequada aos objectivos desta disposição.

41.      De facto, a isenção dos jogos a dinheiro não corresponde a um motivo de interesse geral. Não tem como objectivo garantir um tratamento mais favorável, em matéria de IVA, a esta actividade económica em especial, ao contrário do que acontece relativamente às actividades referidas no artigo 132.° da Directiva 2006/112, respeitantes aos serviços postais, à hospitalização e à assistência médica, ao ensino, aos serviços culturais, etc.

42.      A isenção de que beneficiam é motivada por considerações de mera ordem prática, já que as operações de jogos de azar se prestam dificilmente à aplicação do IVA (11). De facto, o IVA é um imposto sobre o consumo cuja base de tributação é a contrapartida recebida pelo fornecimento de um bem ou pela prestação de um serviço. Este sistema não é facilmente aplicável aos jogos a dinheiro, nos quais os consumidores fazem apostas em troca de uma oportunidade de obter um ganho que, eventualmente, pode ser de uma quantia superior.

43.      É legítimo pensar que, no que se refere à possibilidade, reconhecida aos Estados-Membros no artigo 401.° da Directiva 2006/112, de manter ou introduzir um imposto especial sobre os jogos que não tenha a natureza de IVA, a isenção de IVA prevista no artigo 135.°, n.° 1, alínea i), desse diploma tem, igualmente, como finalidade evitar que os jogos a dinheiro sejam submetidos a dupla tributação.

44.      Entendemos estas disposições no sentido de que os Estados-Membros têm a possibilidade de sujeitar qualquer jogo a dinheiro quer a um imposto especial quer a IVA.

45.      Na nossa opinião, não pode, assim, deduzir-se desses objectivos que os Estados-Membros devem isentar de IVA a maior parte ou uma determinada parte dos jogos a dinheiro autorizados nos seus territórios, uma vez que a questão de saber se os jogos explorados num Estado se prestam, fácil ou dificilmente, à aplicação do IVA depende, precisamente, dos jogos que são autorizados nesse Estado e que a oferta de jogos na União Europeia pode variar muito de Estado-Membro para Estado-Membro.

46.      É facto assente, na verdade, que o número de jogos autorizados num Estado-Membro e as condições em que podem ser explorados, na falta de harmonização no Direito da União, continuam a depender da competência legislativa desse Estado. É, igualmente, facto assente que os Estados-Membros podem, por razões culturais e por causa, designadamente, dos riscos que essa actividade económica especial comporta para a ordem pública e para os consumidores, limitar o seu exercício ou proibir totalmente um jogo ou uma forma de jogo a dinheiro no seu território (12).

47.      Consequentemente, podemos, perfeitamente, imaginar que todos os jogos autorizados num Estado-Membro, atentas as condições definidas por esse Estado para a sua exploração, se prestam à aplicação do IVA, tal como as máquinas de jogos a dinheiro à luz do acórdão Glawe, já referido, de forma que nenhum está isento.

48.      Está bom de ver que o objectivo no qual o artigo 135.°, n.° 1, alínea i), da Directiva 2006/112 se baseia não justifica que o poder de isenção que esta disposição reconhece aos Estados-Membros se enquadre num critério quantitativo ou proporcional com carácter vinculativo em toda a União.

49.      Tendo em conta estes elementos, propomos ao Tribunal de Justiça que declare que o artigo 135.°, n.° 1, alínea i), da Directiva 2006/112 deve ser interpretado no sentido de que um Estado-Membro pode limitar a isenção de IVA, no que diz respeito aos jogos a dinheiro, a um número restrito de jogos, como as apostas e as lotarias, e sujeitar a este imposto todos os outros jogos a dinheiro, incluindo as máquinas de jogos.

IV – Conclusão

50.      Tendo em conta as considerações expostas, propomos ao Tribunal de Justiça que responda à questão prejudicial apresentada pelo Bundesfinanzhof da seguinte forma:

«O artigo 135.°, n.° 1, alínea i), da Directiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 Novembro de 2006, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado, deve ser interpretado no sentido de que um Estado-Membro pode limitar a isenção do imposto sobre o valor acrescentado, no que diz respeito aos jogos a dinheiro, a um número restrito de jogos, como as apostas e as lotarias, e sujeitar a este imposto todos os outros jogos a dinheiro, incluindo as máquinas de jogos.»


1 – Língua original: francês.


2 – Directiva de 28 de Novembro de 2006, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado (JO L 347, p. 1).


3 – Directiva de 17 de Maio de 1977, relativa à harmonização das legislações dos Estados-Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios – Sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado: matéria colectável uniforme (JO L 145, p. 1, EE 09 F1 p. 54; a seguir «Sexta Directiva»), revogada com efeitos a partir de 1 de Janeiro de 2007 pela Directiva 2006/112.


4 – C-38/93, Colect., p. I-1679.


5 – C-283/95, Colect., p. I-3369 (n.os 27, 28 e 31).


6 – C-453/02 e C-462/02, Colect., p. I-1131, n.° 34.


7 – Ibidem (n.° 29).


8 – BGBl. 2005 I, p. 386, modificada pela Gesetz zur Eindämmung missbräuchlicher Steuergestaltungen (lei contra os artifícios fiscais), de 28 de Abril de 2006 (BGBl. 2006 I, p. 1095), a seguir «UStG».


9 – Trata-se do Reino da Bélgica, da República Federal da Alemanha, da Irlanda e do Reino Unido da Grã-Bretanha e da Irlanda do Norte.


10 – Acórdão do Tribunal de Justiça de 12 de Janeiro de 2006, Turn- und Sportunion Waldburg (C-246/04, Colect., p. I-589, n.° 31).


11 – Acórdão do Tribunal de Justiça de 13 de Julho de 2006, United Utilities (C-89/05, Colect., p. I-6813, n.° 23).


12 – V. acórdão do Tribunal de Justiça de 24 de Março de 1994, Schindler (C-275/92, Colect., p. I-1039, n.° 61), a propósito da proibição das lotarias a grande escala no Reino Unido.