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CONCLUSÕES DO ADVOGADO-GERAL

JÁN MAZÁK

apresentadas em 28 de Junho de 2011 (1)

Processo C-218/10

ADV Allround Vermittlungs AG, em liquidação

contra

Finanzamt Hamburg-Bergedorf

[pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Finanzgericht Hamburg (Alemanha)]

«Sexta Directiva IVA – Interpretação do artigo 9.°, n.° 2, alínea e) – Colocação de pessoal à disposição – Colocação à disposição de motoristas que não são trabalhadores por conta do prestador – Lugar da prestação dos serviços – Reembolso»





I –    Introdução

1.        Por decisão de 20 de Abril de 2010, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 6 de Maio de 2010, o Finanzgericht Hamburg (Tribunal Tributário de Hamburgo) (Alemanha) submeteu ao Tribunal, nos termos do artigo 267.° TFUE, questões prejudiciais sobre a interpretação da Sexta Directiva 77/388/CEE do Conselho, de 17 de Maio de 1977, relativa à harmonização das legislações dos Estados-Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios – Sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado: matéria colectável uniforme (2) (a seguir «Sexta Directiva»).

2.        O pedido foi apresentado num processo entre a ADV Allround Vermittlungs AG, em liquidação (a seguir «ADV Allround»), e o Finanzamt Hamburg-Bergedorf (Repartição de Finanças, Hamburg-Bergedorf), relativo à sujeição ao imposto sobre o valor acrescentado (a seguir «IVA»), para o ano de 2005, em razão do lugar de cumprimento da prestação do serviço de colocação de camionistas que trabalhem por conta própria à disposição de clientes no estrangeiro.

3.        Com as suas questões, o órgão jurisdicional de reenvio pretende, no essencial, saber, em primeiro lugar, se o artigo 9.°, n.° 2, alínea e), da Sexta Directiva deve ser interpretado no sentido de que o conceito «colocação de pessoal à disposição» também abrange a colocação à disposição de pessoal que trabalha por conta própria, que não é empregado da empresa prestadora do serviço.

4.        Em segundo lugar, o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber se, de acordo com as disposições da Sexta Directiva, o direito processual nacional deve garantir que a mesma e única prestação que consiste, no caso vertente, numa prestação de serviços, seja apreciada, para efeitos da liquidação do IVA, da mesma maneira em relação ao sujeito passivo prestador do serviço e ao sujeito passivo destinatário do serviço, e interroga-se acerca do prazo dentro do qual este último pode deduzir o imposto pago a montante sobre o serviço prestado.

II – Quadro jurídico

A –    A Sexta Directiva

5.        O artigo 9.° da Sexta Directiva, que tem por epígrafe «Prestações de serviços», prevê, na medida do que é relevante, o seguinte:

«1.      Por ‘lugar da prestação de serviços ’ entende-se o lugar onde o prestador dos mesmos tenha a sede da sua actividade económica ou um estabelecimento estável a partir do qual os serviços são prestados ou, na falta de sede ou de estabelecimento estável, o lugar do seu domicílio ou da sua residência habitual.

2.      Todavia:

[…]

e)      Por lugar das prestações de serviços a seguir referidas, efectuadas a destinatários estabelecidos fora da Comunidade ou a sujeitos passivos estabelecidos na Comunidade, mas fora do país do prestador, entende-se o lugar onde o destinatário tenha a sede da sua actividade económica ou um estabelecimento estável para o qual o serviço tenha sido prestado ou, na falta de sede ou de estabelecimento estável, o lugar do seu domicílio ou da sua residência habitual:

[…]

–        colocação de pessoal à disposição;

[…]».

6.        O artigo 17.° da Sexta Directiva, que tem por epígrafe «Origem e âmbito do direito à dedução» prevê, na medida do que é relevante, o seguinte:

«[…]

2.      Desde que os bens e os serviços sejam utilizados para os fins das próprias operações tributáveis, o sujeito passivo está autorizado a deduzir do imposto de que é devedor:

a)      O [IVA] devido ou pago em relação a bens que lhe tenham sido fornecidos ou que lhe devam ser fornecidos e a serviços que lhe tenham sido prestados ou que lhe devam ser prestados por outro sujeito passivo;

[…]

3.      Os Estados-Membros concedem igualmente a todos os sujeitos passivos a dedução ou o reembolso do imposto sobre o valor acrescentado, previsto no n.° 2, na medida em que os bens e os serviços sejam utilizados para efeitos:

a)      Das suas operações relacionadas com as actividades económicas referidas no n.° 2 do artigo 4.°, efectuadas no estrangeiro, que teriam conferido direito a dedução se essas operações tivessem sido realizadas no território do país;

[…]»

B –    Direito nacional aplicável

7.        O § 3a da Lei relativa ao imposto sobre o volume de negócios (Umsatzsteuergesetz, a seguir «UStG»), respeitante ao lugar de execução das outras prestações, na versão em vigor até 31 de Dezembro de 2009, prevê, na parte que é pertinente, o seguinte:

N.° 1, primeira frase:

«Sem prejuízo dos §§ 3b e 3f, as outras prestações consideram-se executadas no lugar onde a empresa exerce a sua actividade.

[…]»

N.° 3, primeira frase:

«Se o destinatário de uma das outras prestações designadas no n.° 4 for uma empresa, a outra prestação considera-se executada, em derrogação do n.° 1, no lugar onde o destinatário exerce a sua actividade.

[…]»

N.° 4:

«[…] Entende-se por outras prestações na acepção do n.° 3, as seguintes: […] 7. colocação de pessoal à disposição.

[…]»

III – Quadro factual, tramitação processual e questões submetidas

8.        Segundo o pedido de decisão prejudicial, em 2005, ano em questão, a actividade da ADV Allround consistia na colocação de camionistas que trabalham por conta própria à disposição de empresas de transporte rodoviário na Alemanha e no estrangeiro, em particular na Itália (Tirol do Sul).

9.        Para esse efeito, foram celebrados com os motoristas contratos escritos denominados «acordos de agência». As empresas de transporte rodoviário requisitavam o serviço por telefone à ADV Allround sempre que precisassem de um motorista.

10.      Os motoristas facturavam o seu trabalho, que consistia em conduzir os camiões fornecidos pelas empresas de transporte rodoviário, à ADV Allround, que por sua vez facturava essas últimas empresas pela disponibilização dos motoristas, aplicando um preço diferente que variava entre 8% (serviços a longo prazo) e 20% (serviços pontuais).

11.      Inicialmente, a ADV Allround não incluía o imposto sobre o volume de negócios nas facturas destinadas aos clientes estabelecidos fora da Alemanha, como, no caso vertente, as empresas de transporte rodoviário italianas, por considerar que o serviço em questão consistia numa «colocação de pessoal à disposição» na acepção do § 3a, n.° 4, ponto 7, da UstG e que o lugar da prestação e, por conseguinte, da tributação era, portanto, a Itália, onde os destinatários desse serviço estavam estabelecidos.

12.      Num relatório de auditoria de 3 de Julho de 2006, subsequente a uma auditoria especial relativa ao imposto sobre o volume de negócios pago pela ADV Allround para o primeiro a terceiro trimestres de 2005, o Finanzamt Hamburg-Bergedorf pronunciou-se no sentido de que o conceito de «colocação de pessoal à disposição» na acepção da referida disposição abrangia apenas a disponibilização de trabalhadores a trabalhar por conta de uma empresa (cedência de trabalhadores) e que, por conseguinte, o lugar de cumprimento da prestação de serviço era o lugar no qual a ADV Allround exercia sua actividade, ou seja, a Alemanha.

13.      Na sequência desse relatório, a ADV Allround começou a apresentar também aos clientes italianos facturas que incluíam o imposto sobre o volume de negócios, à taxa então vigente de 16%. Além disso, emitiu facturas rectificadas que incluíam o imposto sobre o volume de negócios relativamente a todos os serviços que prestou em 2005, convencida de que o imposto sobre o volume de negócios iria ser reembolsado aos clientes italianos e de que, sem prejuízo do emolumento administrativo suplementar ocasionado pelo procedimento de reembolso, o tratamento da operação como operação tributável na Alemanha continuaria a ser economicamente neutro.

14.      Todavia, o Bundeszentralamt für Steuern (Administração Fiscal Federal), competente para apreciar os pedidos de reembolso do imposto pago a montante, pronunciou-se de forma diferente do Finanzamt Hamburg-Bergedorf, sustentando que o conceito de «colocação de pessoal à disposição» previsto no § 3a, n.° 4, ponto 7, da UstG abrange a colocação à disposição de camionistas como a que está aqui em questão. Por conseguinte, em seu entender, essas operações não eram tributáveis na Alemanha, pelo que o imposto sobre o volume de negócios tinha sido erradamente incluído nas facturas rectificadas e não podia ser reembolsado. Todos os pedidos de reembolso do imposto sobre o volume de negócios apresentados por clientes individuais foram indeferidos.

15.      Em consequência, os clientes italianos recusaram-se a continuar a pagar à ADV Allround o imposto sobre o volume de negócios facturado em acréscimo. Com preços, na altura, 16% mais elevados, a ADV Allround não pôde prosseguir a sua actividade no mercado, uma vez que os clientes não tinham possibilidade de obter o reembolso do imposto pago a montante e, por conseguinte, tinha de ser ela a suportar o imposto como se tratasse de um custo efectivo. Dado que a sua margem se situa entre 8% e 20%, a ADV Allround cessou a actividade e encontra-se actualmente em liquidação.

16.      O Finanzgericht Hamburg, no qual foi instaurado o processo, declarou, em primeiro lugar, que não há certeza sobre se o termo «colocação de pessoal à disposição», empregue quer no artigo 9.°, n.° 2, alínea e), da Sexta Directiva quer no § 3a, n.° 4, ponto 7, da UStG, que transpôs aquela disposição para o direito alemão, se aplica apenas a pessoas vinculadas por uma relação de trabalho dependente, ou seja, trabalhadores por conta de outrem, ou se abrange igualmente trabalhadores por conta própria como os camionistas no presente caso. O Finanzgericht Hamburg refere, todavia, que as dificuldades, na prática, para distinguir entre trabalhadores por conta de outrem de trabalhadores por conta própria, e para fornecer ao destinatário dos serviços as provas adequadas para esse efeito, à luz do objectivo da Sexta Directiva, que é de facilitar as prestações de serviços no mercado interno europeu, militam a favor da inclusão da colocação à disposição de trabalhadores por conta própria no conceito de «colocação de pessoal à disposição».

17.      Em segundo lugar, uma vez que a tributabilidade e a sujeição ao imposto, por um lado, e o direito à dedução do imposto pago a montante, por outro lado, têm de ser vistos, em sua opinião, como estando materialmente ligados, o órgão jurisdicional de reenvio coloca a questão de saber se e em que medida essa correlação na lei substantiva deve ser repercutida pela lei processual, nomeadamente se essa ligação entre tributabilidade e dedução relativamente à mesma operação significa que decisões substancialmente contraditórias têm de ser evitadas e, se assim for, qual seria a melhor maneira de o realizar.

18.      Em terceiro lugar, o órgão jurisdicional de reenvio sublinha que o Tribunal de Justiça ainda não se pronunciou sobre o prazo, fixado na lei alemã, de apenas seis meses a partir do termo do ano civil em que surgiu o direito ao reembolso, durante o qual o destinatário de um serviço pode pedir o reembolso. Não é certo que, segundo a Sexta Directiva e à luz dos princípios da segurança jurídica e da efectividade, esse prazo possa terminar antes de ser decidida a questão da tributabilidade do prestador do serviço e da sua sujeição ao imposto.

19.      Neste contexto, o Finanzgericht Hamburg suspendeu a instância e submeteu ao Tribunal de Justiça as seguintes questões para decisão a título prejudicial:

«1.      O artigo 9.°, n.° 2, alínea e), sexto travessão, da «Sexta Directiva 77/388/CEE do Conselho, de 17 de Maio de 1977, relativa à harmonização das legislações dos Estados-Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios – Sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado: matéria colectável uniforme» (a seguir Directiva 77/388) [posteriormente artigo 56.°, n.° 1, alínea f), da «Directiva 2006/112/CE do Conselho, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado», na redacção em vigor até 31.12.2009, a seguir Directiva 2006/112] deve ser interpretado no sentido de que «colocação de pessoal à disposição» também engloba a colocação à disposição de pessoal independente que não exerça uma actividade por conta de outrem para a empresa prestadora?

2.      Os artigos 17.°, n.° 1, n.° 2, alínea a), e n.° 3, alínea a), 18.°, n.° 1, alínea a), da Directiva 77/388 [actuais artigos 167.°, 168.°, alínea a), 169.°, alínea a), 178.°, alínea a), da Directiva 2006/112] devem ser interpretados no sentido de que é necessário adoptar disposições ao nível do direito processual nacional que prevejam que a sujeição a imposto e a obrigação fiscal relativas a uma mesma prestação devem ser avaliadas do mesmo modo no que respeita à empresa prestadora e à empresa beneficiária, ainda que as duas empresas estejam sujeitas a autoridades fiscais diferentes?

Apenas em caso de resposta afirmativa à segunda questão prejudicial:

3.      Os artigos 17.°, n.° 1, n.° 2, alínea a), e n.° 3, alínea a), 18.°, n.° 1, alínea a), da Directiva 77/388 [actuais artigos 167.°, 168.°, alínea a), 169.°, alínea a), 178.°, alínea a), da Directiva 2006/112] devem ser interpretados no sentido de que o prazo dentro do qual o beneficiário da prestação pode realizar a dedução de imposto pago a montante por uma prestação recebida não pode terminar antes da decisão definitiva sobre a sujeição a imposto e a obrigação fiscal relativamente à empresa prestadora?

IV – Análise jurídica

A –    Primeira questão

20.      Com a sua primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber se, em substância, o artigo 9.°, n.° 2, alínea e), da Sexta Directiva deve ser interpretado no sentido de que o conceito de «colocação de pessoal à disposição» abrange igualmente a colocação à disposição de trabalhadores por conta própria, que não são empregados do prestador desse serviço.

1.      Principais argumentos das partes

21.      No presente processo, o Governo alemão e a Comissão Europeia apresentaram observações escritas. Além destas partes, a ADV Allround esteve representada na audiência de 30 de Março de 2011.

22.      No entender do Governo alemão e da Comissão, o conceito de «colocação de pessoal à disposição», referido no artigo 9.°, n.° 2, alínea e), da Sexta Directiva, não abrange a colocação à disposição de trabalhadores por conta própria, que não são empregados da empresa prestadora do serviço, e que, por conseguinte, à primeira questão deve ser dada resposta negativa.

23.      As mesmas partes defendem, em substância, que o termo «pessoal» se refere normalmente a trabalhadores da empresa prestadora do serviço. Essa interpretação é corroborada pelo facto de o termo ser usado num sentido análogo nos artigos 5.°, n.° 6, 6.°, n.° 2, e 13.°, parte A, alínea k), da Sexta Directiva, que devem ser interpretados de maneira uniforme, bem como em outras áreas do direito da União Europeia («EU»). Além disso, a economia e a finalidade do artigo 9.° da Sexta Directiva seriam desvirtuadas se o conceito de «colocação de pessoal à disposição» fosse interpretado no sentido de que a colocação à disposição inclui os trabalhadores por conta própria.

24.      Em sentido contrário, a ADV Allround sugere que à primeira questão seja dada resposta afirmativa. A tese segundo a qual o artigo 9.°, n.° 2, alínea e), da Sexta Directiva também inclui na colocação à disposição os trabalhadores por conta própria é, em sua opinião, normalmente corroborada, em especial, por razões de segurança jurídica e de ordem prática. A ADV Allround contesta que essa interpretação possa dar azo à manipulação e evasão fiscal pelo prestador do serviço.

2.      Apreciação

25.      Devo, desde já, dizer que uma interpretação puramente literal do artigo 9.°, n.° 2, alínea e), da Sexta Directiva não me parece decisiva para determinar se o conceito de «colocação de pessoal à disposição» aí previsto inclui os trabalhadores por conta própria, em causa no presente caso.

26.      Em primeiro lugar, a esse respeito, deve sublinhar-se que, pelo menos em algumas versões linguísticas, o artigo 9.°, n.° 2, alínea e), da Sexta Directiva emprega o termo mais geral de «pessoal» ou termos correspondentes (por exemplo, «Personal» na versão alemã, «personnel» na francesa e «personal» na espanhola) em vez de um termo mais específico como «trabalhador» ou «empregado», e que, por conseguinte, esse termo geral não se refere necessariamente a pessoas vinculadas por uma relação de trabalho por conta de outrem.

27.      Em segundo lugar, e mais importante, contrariamente à tese na qual quer a Comissão quer o Governo alemão parecem ter baseado a sua argumentação, não está definitivamente demonstrado que o termo «pessoal» se refere à relação entre o prestador do serviço e as pessoas colocadas à disposição e não à relação entre essas pessoas e o destinatário do serviço. Por outras palavras, o conceito de «colocação de pessoal à disposição» constante do artigo 9.°, n.° 2, alínea e), da Sexta Directiva não descreve necessariamente um serviço através do qual um sujeito passivo coloca o seu próprio pessoal à disposição de outra pessoa, mas a principal característica desse serviço poderia residir efectivamente no facto de ser posto à disposição dessa outra pessoa pessoal ou mão-de-obra, independentemente da natureza da relação contratual entre o prestador desse serviço e as pessoas que são colocadas à disposição.

28.      Deve também notar-se que o termo «pessoal», que figura no artigo 9.°, n.° 2, alínea e), da Sexta Directiva, não tem necessariamente o mesmo significado que tem quando usado em outras disposições dessa directiva ou, ainda menos, em outros diplomas legislativos da União, uma vez que tem de se ter em conta o contexto específico de cada disposição que empregue este termo.

29.      Assim, as disposições dos artigos 5.° n.° 6, e 6.°, n.° 2, da Sexta Directiva, que contêm a palavra «pessoal» e que são citadas pela Comissão a esse respeito, visam assegurar que os sujeitos passivos que utilizam bens ou serviços para o seu uso próprio ou do seu pessoal e os consumidores finais sejam tratados de maneira idêntica (3), ao passo que o artigo 9.°, n.° 2, da Sexta Directiva faz parte de normas com uma finalidade muito diferente, nomeadamente a da determinação do lugar onde um serviço é considerado ser prestado.

30.      Por conseguinte, importa examinar além disso, se o artigo 9.°, n.° 2, alínea e), da Sexta Directiva deve ser interpretado, tendo em conta o contexto desta disposição e a finalidade das normas de que faz parte (4), no sentido de que a colocação à disposição de trabalhadores por conta própria, como a que está em causa no presente caso, constitui igualmente uma «colocação de pessoal à disposição» que deve ser tributada no país onde o destinatário do serviço está estabelecido.

31.      Recorde-se, antes de mais, que o artigo 9.° da Sexta Directiva contém regras para determinar o lugar de conexão fiscal das prestações de serviços, cuja finalidade é evitar conflitos de competência que possam levar a uma dupla tributação ou, até, a uma não tributação (5).

32.      A esse respeito, o artigo 9.°, n.° 1, estabelece uma regra geral nesta matéria, segundo a qual o serviço é considerado prestado no lugar onde o prestador está estabelecido (6).

33.      Deve notar-se que essa regra constitui em si mesma uma derrogação ao princípio estrito da territorialidade e é, tal como declarado pelo Tribunal de Justiça, uma ficção na medida em que, por razões de simplificação (7), o serviço é considerado prestado no lugar da actividade ou de estabelecimento do prestador, independentemente do lugar onde o serviço possa de facto ser prestado (8).

34.      Todavia, no que respeita a serviços específicos para os quais o legislador considerou desadequada a regra de que os serviços são prestados no lugar da actividade ou do estabelecimento do prestador, o artigo 9.°, n.° 2, da Sexta Directiva prevê um certo número de casos específicos nos quais os serviços são considerados prestados no lugar do estabelecimento do cliente (9).

35.      No que respeita à relação entre os n.os 1 e 2 do artigo 9.° da Sexta Directiva, deve, além disso, relembrar-se que o Tribunal de Justiça considerou reiteradamente que o artigo 9.°, n.° 1, em caso algum prevalece sobre o n.° 2 do artigo 9.°, o que significa que esta última disposição não constitui uma excepção que tenha de ser interpretada de maneira estrita (10).

36.      Pelo contrário, deve examinar-se em cada situação, tal como a do caso em apreço, em que camionistas que trabalham por conta própria são colocados à disposição de sujeitos passivos localizados no estrangeiro, se a mesma é constitutiva de um dos casos referidos no artigo 9.°, n.° 2, da Sexta Directiva, ou seja, nas circunstâncias do presente caso, se é constitutiva da «colocação de pessoal à disposição» referida no artigo 9.°, n.° 2, alínea e), desta directiva. Caso contrário, a mesma cai no âmbito de aplicação do artigo 9.°, n.° 1, da Sexta Directiva (11).

37.      A esse respeito, deve observar-se, em primeiro lugar, que o objectivo global do artigo 9.°, n.° 2, da Sexta Directiva consiste, segundo o sétimo considerando do preâmbulo da Sexta Directiva, em estabelecer um regime especial para as prestações de serviços efectuadas entre sujeitos passivos, nas quais o custo dos serviços está incluído no preço dos bens (12).

38.      Relativamente a esse objectivo mais global, os custos da colocação de pessoal à disposição, neste caso, a colocação de camionistas à disposição, estão incluídos no preço dos bens ou serviços prestados pelo destinatário dos mesmos, (13) quer o pessoal disponibilizado seja empregado do prestador quer, como no caso em apreço, seja pessoal que trabalha por conta própria e cuja relação com o prestador consiste apenas num acordo de agência.

39.      Em segundo lugar, do mesmo modo, apesar da Sexta Directiva nada dizer ela própria quanto ao objectivo específico da inclusão da colocação de pessoal à disposição especificamente nas categorias de serviços previstos no artigo 9.°, n.° 2, desta directiva, contudo, aparentemente, o legislador julgou desadequado considerar esses serviços, em virtude da regra geral do artigo 9, n.° 1, da Sexta Directiva, como sendo prestados, para efeitos de tributação, no local da actividade ou do estabelecimento do prestador (14). Pelo contrário, o legislador considerou que o lugar da actividade ou do estabelecimento do beneficiário da colocação de pessoal à disposição, sob a direcção e autoridade do qual o pessoal disponibilizado trabalha, é o elemento de conexão predominante e, por isso, o lugar de referência para determinar a competência territorial para efeitos de tributação desses serviços.

40.      Tendo em conta estas considerações afigura-se igualmente não haver nenhuma razão objectiva, e nem a Comissão nem o Governo alemão adiantaram nenhuma, que, para efeitos da determinação do lugar da tributação, justifique uma distinção entre as colocações de pessoal à disposição consoante o pessoal disponibilizado trabalhe ou não por conta do prestador, e que justifique que essa particularidade deva, assim, constituir uma característica do serviço de «colocação de pessoal à disposição» nos termos do artigo 9.°, n.° 2, alínea e), da Sexta Directiva.

41.      Poder-se-ia, pelo contrário, sustentar que, se foi necessário prever um desvio à regra geral do artigo 9.°, n.° 1, da Sexta Directiva e considerar, caso o pessoal trabalhe por conta de prestador, que o pessoal é colocado à disposição no lugar da actividade ou do estabelecimento do destinatário do serviço, então a tese segundo a qual é esse o lugar da tributação parece justificar-se ainda mais se o pessoal disponibilizado não trabalhar por conta do prestador e, por conseguinte, menos estreitamente ligado a este e ao seu lugar de actividade ou de estabelecimento.

42.      Além disso, esta interpretação, como a ADV Allround correctamente observou, aproxima-se mais do objectivo perseguido pelo artigo 9.° da Sexta Directiva, que é assegurar uma delimitação racional dos poderes fiscais, na medida em que serve melhor os interesses da simplicidade de administração, evita problemas de ordem prática e reforça a segurança jurídica na aplicação das regras de conflito de leis previstas nesse artigo (15), comparada com uma situação na qual o lugar de tributação, em caso de disponibilização de mão-de-obra, teria de ser determinado consoante o pessoal colocado à disposição trabalhasse por conta do prestador ou trabalhasse por conta própria, apesar de ambos os serviços perseguirem o mesmo objectivo.

43.      Por fim, o argumento do Governo alemão segundo o qual a inclusão de camionistas que trabalham por conta própria na definição de «colocação de pessoal à disposição», que figura no artigo 9.°, n.° 2, alínea e), da Sexta Directiva poderia permitir a trabalhadores por conta própria manipular ou escolher o lugar de tributação para um só e mesmo serviço, como os serviços de transporte em causa, consoante estes prestem o serviço por intermédio de um agente ou não, não pode ser acolhido.

44.      Para efeitos, nomeadamente, de aplicação das regras relativas ao lugar de tributação previstas pela Sexta Directiva, cada operação deve ser definida e qualificada de forma objectiva, com a devida consideração de todas as suas características e circunstâncias nas quais essa operação ocorre (16).

45.      Assim, num contexto como o do processo principal, deve determinar-se se a característica ou propósito principais do serviço em causa reside na colocação de mão-de-obra à disposição de um sujeito passivo, neste caso, camionistas, de modo a que a operação deva ser qualificada como colocação de pessoal à disposição, ou reside antes directamente na execução da prestação dos serviços de transporte pelo prestador, fazendo, assim, a colocação à disposição de trabalhadores por conta de outrem ou de sub-contratantes por conta própria parte da prestação desse serviço. Além disso, frequentemente nestas circunstâncias, um certo número de operações distintas que devem ser examinadas separadamente para efeitos de tributação, como é o caso, por exemplo, do serviço prestado pelos camionistas que trabalham por conta própria ao agente ou à empresa que coloca pessoal à disposição no âmbito do acordo de agência, do serviço prestado por esse agente às empresas de transporte rodoviário no estrangeiro, e, por fim, dos serviços de transporte eventualmente prestados por essas empresas de transporte rodoviário aos seus clientes.

46.      Resulta das considerações precedentes que deve responder-se à segunda questão submetida que o artigo 9.°, n.° 2, alínea e), da Sexta Directiva deve ser interpretado no sentido de que «colocação de pessoal à disposição» também abrange a colocação à disposição de trabalhadores por conta própria, que não são empregados do prestador desse serviço.

B –    Segunda questão

47.      Com a sua segunda questão, o órgão jurisdicional de reenvio pretende, em substância, saber se ou em que medida a Sexta Directiva, em especial as suas disposições relativas ao direito a dedução, requer que sejam adoptadas disposições no direito processual nacional para assegurar que a tributabilidade e a sujeição ao imposto de um mesmo serviço sejam avaliados da mesma forma relativamente à empresa prestadora do serviço e à empresa destinatária do mesmo, ainda que as duas empresas estejam sujeitas à competência de autoridades fiscais diferentes, assim evitando ou eliminando decisões contrárias a esse respeito.

1.      Principais posições das partes

48.      A Comissão sustenta que o direito processual nacional deve garantir que, para efeitos de liquidação do IVA, uma e mesma operação seja avaliada uniformemente no que respeita à pessoa prestadora do serviço em questão e ao destinatário do mesmo.

49.      A Comissão sublinha que a autonomia processual dos Estados-Membros não pode ser tal que entrave o direito fundamental à dedução e ao reembolso do IVA, que se destina a aliviar integralmente o empresário do peso do IVA devido ou pago no âmbito de todas as suas actividades económicas e assim assegurar a completa neutralidade da tributação de todas as actividades económicas.

50.      Segundo a Comissão, os Estados-Membros devem, por força da sua obrigação de cooperação leal, evitar situações nas quais posições divergentes de administrações fiscais diferentes possam impedir sujeitos passivos de deduzir a integralidade do IVA cobrado ou de dele serem reembolsados. Para esse efeito, é necessário coordenar as diferentes administrações fiscais e os diferentes órgãos jurisdicionais susceptíveis de serem competentes por força do direito nacional.

51.      A ADV Allround, em substância, é da opinião da Comissão, invocando, principalmente, os princípios da neutralidade do IVA e da segurança jurídica. Em especial, considera que as outras autoridades fiscais envolvidas deveriam poder intervir enquanto partes no processo no órgão jurisdicional nacional.

52.      O Governo alemão contesta esta posição, entendendo que o direito da União não exige a adopção pelo direito processual nacional de nenhuma medida específica para assegurar que a tributabilidade e a sujeição ao imposto de um mesmo serviço sejam avaliados da mesma maneira em relação à empresa prestadora e à empresa destinatária, mesmo quando autoridades fiscais diferentes possam ser competentes relativamente aos sujeitos passivos em causa.

53.      O Governo alemão sublinha que, na falta de regulamentação da União na matéria, compete à ordem jurídica interna de cada Estado-Membro designar os órgãos jurisdicionais competentes e definir as regras processuais concretas que regem as acções judiciais destinadas a salvaguardar os direitos que resultam para os indivíduos do direito da União, no respeito dos princípios da equivalência e da efectividade, que não são, contudo, violados no presente caso.

54.      O Governo alemão salienta que nunca é possível evitar por completo que sejam tomadas decisões divergentes pelas autoridades ou pelas jurisdições fiscais, quer dentro de um mesmo Estado-Membro, quer relativamente a autoridades e tribunais de diferentes Estados-Membros. Estas divergências constituem na verdade um problema clássico de organização, que deve ser resolvido pela via da estrutura hierárquica tanto da administração fiscal como das jurisdições fiscais.

55.      Por fim, o Governo alemão alega que a coordenação das autoridades fiscais e/ou dos tribunais fiscais de modo a assegurar a uniformidade pretendida pela Comissão seria impossível de implementar na prática e refere, a esse respeito, numerosos problemas jurídicos e de ordem prática que tal coordenação poderia levantar, em especial tendo em conta o princípio da segurança jurídica e da força de caso julgado das decisões administrativas e judiciais.

2.      Apreciação

56.      Deve desde já recordar-se que decorre de jurisprudência assente do Tribunal de Justiça que, na falta de regulamentação da União na matéria, cabe, em princípio, à ordem jurídica nacional de cada Estado-Membro designar os órgãos jurisdicionais, bem como as autoridades administrativas competentes e definir as regras processuais que regem as acções judiciais de modo a salvaguardar direitos que resultam para os indivíduos do direito da União (17).

57.      Essas regras processuais não podem ser menos favoráveis do que as que regem as acções análogas de natureza interna (princípio da equivalência) nem tornar na prática impossível ou excessivamente difícil o exercício dos direitos conferidos pelo direito da UE (princípio da efectividade) (18).

58.      A esse respeito deve notar-se, em primeiro lugar, que a atribuição a nível interno das competências em matéria de IVA, segundo a qual autoridades fiscais diferentes são competentes, por um lado, relativamente à sujeição ao IVA a jusante do prestador do serviço, e, por outro, relativamente ao pedido de reembolso do IVA pago a montante pelos destinatários do serviço, não foi posta em causa no presente caso.

59.      A questão do órgão jurisdicional de reenvio tem, pelo contrário, origem nas interpretações divergentes dadas pelas autoridades em questão nesses processos administrativos quanto às regras relativas ao lugar de tributação, constantes da Sexta Directiva e, por conseguinte, quanto à sujeição ao imposto do sujeito passivo prestador do serviço, daí resultando que, apesar de a operação em questão ser considerada tributável na Alemanha por uma autoridade fiscal, uma outra autoridade fiscal negou o reembolso do IVA pago a montante sobre essa operação.

60.      Neste contexto, tendo em conta a ligação material entre dedução do IVA a montante e a liquidação do IVA a jusante (19), o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se, de acordo com o direito da União, devem ser adoptadas medidas processuais especiais no direito interno de modo a assegurar uma interpretação e uma aplicação uniforme das regras relativas ao lugar de tributação e de sujeição ao imposto nos processos fiscais como os do caso em apreço, se tiverem por objecto a mesma operação. A este respeito, apesar de a redacção da segunda questão não ser inteiramente clara, o órgão jurisdicional de reenvio parece referir-se sobretudo às regras processuais relativas aos processos judiciais tal como a acção no processo principal.

61.      A esse respeito, deve notar-se que, na verdade, incumbe, de maneira geral, aos órgãos jurisdicionais nacionais bem como às autoridades administrativas assegurar, no âmbito da sua competência, que as regras directamente aplicáveis do direito da União sejam aplicadas na íntegra (20).

62.      Resulta também de jurisprudência assente, e, de facto, trata-se de uma exigência inerente ao primado do direito da União, que esse direito deve ser interpretado e aplicado correcta e uniformemente em toda a União (21).

63.      Em termos processuais, essa aplicação e interpretação uniformes do direito da União, num sistema de aplicação por sua vez descentralizado, são geralmente asseguradas pelo processo de reenvio de questões sobre a interpretação ou validade de uma disposição do direito da União ao abrigo do artigo 267.° TFUE, o qual estabelece um mecanismo de cooperação judicial entre os órgãos jurisdicionais nacionais e o Tribunal de Justiça (22).

64.      No quadro deste sistema, os órgãos jurisdicionais cujas decisões podem ser impugnadas judicialmente em direito interno podem submeter ao Tribunal de Justiça questões prejudiciais de interpretação, ao passo que, em princípio, apenas os órgãos jurisdicionais cujas decisões não podem ser impugnadas judicialmente têm a obrigação de, quando é perante eles suscitada uma questão pertinente de direito da União, submeter essas questões ao Tribunal de Justiça (23).

65.      O objectivo dessa obrigação é, nomeadamente, impedir que se estabeleça num Estado-Membro jurisprudência nacional que não esteja em conformidade com as regras do direito da União (24).

66.      Pelo contrário, esse sistema de cooperação judicial previsto no artigo 267.° TFUE não pretende obviamente conduzir a uma interpretação e aplicação uniformes do direito da União em todos os casos individuais e a todos os graus de jurisdição, e, ainda menos impedir divergências a esse respeito entre autoridades nacionais, quer seja no interior de um Estado-Membro quer entre vários Estados-Membros.

67.      A uniformidade de aplicação e interpretação dos direitos conferidos pelo direito da União deve, antes, ser assegurada em cada Estado-Membro, visto como um todo, através do seu sistema judiciário e, em ultima instância, pela via de pedidos de decisão prejudicial ao Tribunal de Justiça.

68.      Além disso, desde que um Estado-Membro garanta uma protecção judicial efectiva contra as decisões de autoridades administrativas, não tem obrigação de coordenar os procedimentos administrativos de modo a que em todos os casos as autoridades em questão adoptem uma posição uniforme relativamente a disposições do direito da União.

69.      No caso vertente, deve notar-se, a esse respeito, que a Comissão sustentou ser necessário coordenar as diferentes autoridades e jurisdições fiscais que possam ser competentes em direito nacional de modo a assegurar decisões uniformes relativamente a uma só e mesma operação, sem, contudo, de modo nenhum precisar como é que as regras processuais alcançam esse objectivo nos casos que envolvem dois processos administrativos diferentes, instaurados perante autoridades fiscais diferentes por partes diferentes e que têm, apesar de se referirem à prestação do mesmo serviço, um objecto principal diferente.

70.      Em seguida, deve notar-se que, independentemente das dificuldades na concretização dessa coordenação, não resulta do acórdão Genius (25), referido pelo órgão jurisdicional de reenvio neste contexto, que quer o prestador quer o destinatário de um determinado serviço sujeito a IVA beneficia de um direito especial em ver essa operação qualificada da mesma maneira que a qualificou a sua própria autoridade, no que diz respeito ao lugar de tributação e de sujeição ao imposto, em processos instaurados pelo outro sujeito passivo perante uma autoridade fiscal diferente. Nesse processo, o Tribunal de Justiça apenas declarou que o exercício do direito a dedução está limitado unicamente aos impostos devidos, ou seja, aos impostos que correspondem a uma operação sujeita a IVA ou pagos na medida em que eram devidos, e que, por conseguinte, esse direito não se aplica a um imposto que é devido unicamente porque está mencionado na factura (26).

71.      Além disso, é importante notar que, no presente caso, os destinatários do serviço não recorreram da decisão administrativa do Bundeszentralamt für Steuern que indeferiu os pedidos de reembolso do IVA pago a montante. No que toca ao principio da efectividade referido pelo órgão jurisdicional de reenvio (27), não é portanto claro que em si mesmas as regras processuais que regem o reembolso do imposto sobre o volume de negócios tornem na prática impossível ou excessivamente difícil o exercício dos direitos conferidos pelo direito da UE, tal como o direito dos destinatários do serviço em causa a deduzir o IVA pago a montante.

72.      Por fim, na medida em que estão em causa regras processuais relativas a um processo judicial tal como o instaurado no órgão jurisdicional de reenvio, resulta quer do pedido prejudicial, quer das observações do Governo alemão, que as decisões administrativas do Bundeszentralamt für Steuern em relação aos pedidos de reembolso dos adquirentes do serviço se tornaram definitivas para esta autoridade e estes destinatários. Assim, qualquer tentativa de alargar a esse destinatário o caso julgado da decisão que deva adoptar o órgão jurisdicional de reenvio a respeito do lugar de tributação e de sujeição ao imposto do serviço em causa, quer provocando a intervenção do Bundeszentralamt für Steuern e/ou dos destinatários do serviço no processo quer por outra via, violaria o caso julgado das referidas decisões administrativas do Bundeszentralamt für Steuern.

73.      Recorde-se a este respeito, que o Tribunal de Justiça sublinhou repetidamente, tanto para a ordem jurídica da União como para as ordens jurídicas nacionais, a importância das regras que conferem um carácter definitivo a decisões judicias ou administrativas, por contribuírem para a segurança jurídica, que é um principio fundamental do direito da União (28).

74.      É verdade que o Tribunal de Justiça considerou, em certas circunstâncias, que as regras de direito nacional que conferem carácter definitivo às decisões podem ser postas em causa à luz do primado e dos efeitos do direito da União. Esta interpretação aplica-se, contudo, em casos excepcionais e de acordo com requisitos muito estritos (29), que, sob vários aspectos, não estão preenchidos no presente caso.

75.      Deste ponto de vista, não se pode exigir que o direito processual nacional, por força do direito da União, preveja que a decisão que um órgão jurisdicional adoptar sobre o lugar de tributação e de sujeição ao imposto e que diz respeito ao prestador do serviço possa, em circunstâncias como as do presente caso, ser igualmente extensiva aos destinatários desse serviço.

76.      Tendo em conta as considerações que precedem, a resposta à segunda questão deve ser que a Sexta Directiva, em especial, as suas disposições sobre o direito a dedução, não exige a adopção de disposição especial em direito processual nacional para assegurar que, em circunstâncias como as do caso em apreço, a tributabilidade e a sujeição ao imposto de um mesmo serviço sejam avaliadas da mesma maneira em relação à empresa prestadora do serviço e à empresa destinatária do mesmo, ainda que as duas empresas sejam abrangidas pela competência de autoridades fiscais diferentes.

C –    Terceira questão

77.      Atendendo à resposta dada à segunda questão, não é necessário examinar a terceira questão submetida.

V –    Conclusão

78.      Por conseguinte, proponho que o Tribunal responda às questões submetidas do seguinte modo:

–        O artigo 9.°, n.° 2, alínea e), da Sexta Directiva 77/388/CEE do Conselho, de 17 de Maio de 1977, relativa à harmonização das legislações dos Estados-Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios – Sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado: matéria colectável uniforme deve ser interpretado no sentido de que o conceito «colocação de pessoal à disposição» abrange igualmente a colocação à disposição de trabalhadores por conta própria, que não são empregados do prestador do serviço;

–        A Sexta Directiva, e em especial as suas disposições sobre o direito a dedução, não exige a adopção de disposição especial em direito processual nacional para assegurar que, em circunstâncias como as do caso em apreço, a tributabilidade e a sujeição ao imposto de um mesmo serviço sejam avaliadas da mesma maneira em relação à empresa prestadora do serviço e à empresa destinatária do mesmo, ainda que as duas empresas sejam abrangidas pela competência de autoridades fiscais diferentes.


1 – Língua original: inglês.


2 – JO L 145, p. 1; EE 09 F1 p. 54, na versão pertinente, conforme alterada pela última vez pela Directiva 2004/66/CE de 26 de Abril de 2004 (JO L 168, p. 35).


3 – V., a esse respeito, acórdãos de 6 de Maio de 1992, de Jong (C-20/91, Colect., p. I-2847, n.° 15), e de 16 de Outubro de 1997, Fillibeck (C-258/95, Colect., p. I-5577, n.° 25).


4 – V., nomeadamente, acórdãos de 9 de Março de 2006, Gillan Beach (C-114/05, Colect., p. I-2427, n.° 21), e de 7 de Junho de 2005, VEMW e o. (C-17/03, Colect., p. I-4983, n.° 41).


5 – V., a este propósito, acórdãos de 5 de Junho de 2003, Design Concept (C-438/01, Colect., p. I-5617, n.° 22), e de 26 de Setembro de 1996, Dudda (C-327/94, Colect., p. I-4595, n.º 20).


6 – V., a este respeito, acórdãos de 12 de Maio de 2005, RAL (Channel Islands) e o. (C-452/03 Colect., p. I-3947, n.º 23).


7 – V., a este propósito, acórdão de 15 de Março de 1989, Hamann (51/88, Colect., p. 767, n.º 17).


8 – V. acórdão de 23 de Janeiro de 1986, Trans Tirreno Express (283/84, Colect., p. 231, n.° 15).


9 – V., nomeadamente, acórdãos Trans Tirreno Express, já referido, n.° 16, e RAL (Channel Islands) e o., já referido, n.º 23.


10 – V., a este propósito, nomeadamente, acórdãos de 15 de Março de 2001, SPI (C-108/00, Colect., p. I-2361, n.os 16 e 17); de 7 de Setembro de 2006 Heger (C-166/05, Colect., p. I-7749, n.° 17), e de 6 de Novembro de 2008, Kollektivavtalsstiftelsen TRR Trygghetsrådet (C-291/07, Colect., p. I-8255, n.º 25).


11 – V., a este propósito, nomeadamente, acórdão de 6 de Dezembro de 2007, Comissão/Alemanha (C-401/06, Colect., p. I-10609, n.º 30).


12 – V. acórdão Gillan Beach, já referido, n.º 17.


13 – Apesar da redacção do sétimo considerando se referir apenas ao destinatário produtor de bens, logicamente, deve considerar-se aplicável às situações nas quais o destinatário dos serviços é ele próprio prestador de serviços: V., a este respeito, acórdão de 17 de Novembro de 1993, Comissão/França (C-68/92, Colect., p. I-5881, n.° 15), e conclusões do advogado-geral F. G. Jacobs no processo Design Concept, já referido, n.° 23.


14 – V., neste contexto, n.° 34 supra, e acórdão de 6 de Novembro de 1997, Reisebüro Binder (C-116/96, Colect., p. I-6103, n.° 13).


15 – V., a este respeito, acórdão Reisebüro Binder, já referido, n.° 12, e acórdão Kollektivavtalsstiftelsen TRR Trygghetsrådet, já referido n.os 30 a 33.


16 – V., a este propósito, nomeadamente, acórdãos de 16 de Dezembro de 2010, Macdonalds Resorts Limited (C-270/09, Colect., p. I-0000, n.° 46); SPI, já referido, n.° 20; e 9 de Outubro de 2001, Cantor Fitzgerald International (C-108/99, Colect., p. I-7257, n.° 33).


17 – V., a este propósito, nomeadamente, acórdãos de 21 de Janeiro de 2010, Alstom Power Hydro (C-472/08, Colect., p. I-0000, n.° 17); de 17 de Novembro de 1998, Aprile (C-228/96, Colect., p. I-7141, n.° 18), e de 21 de Setembro de 1983, Deutsche Milchkontor e o. (205/82 a 215/82, Recueil, p. 2633, n.° 17).


18 – V., nomeadamente, acórdãos de 18 de Março de 2010, Alassini (C-317/08 a C-320/08, Colect., p. I-0000, n.° 48), e de 8 de Março de 2011, Lesoochranárske zoskupenie (C-240/09, Colect., p. I-0000, n.° 48).


19 – V., a este propósito, nomeadamente, acórdão de 22 de Dezembro de 2010, RBS Deutschland Holding (C-277/09, Colect., p. I-0000, n.° 35).


20 – V., a este respeito, nomeadamente, acórdãos 8 de Setembro de 2010, Winner Wetten (C-409/06, Colect., p. I-0000, n.° 55); de 13 de Janeiro de 2004, Kühne & Heitz (C-453/00, Colect., p. I-837, n.° 20); de 24 de Outubro de 1996, Kraaijeveld e o. (C-72/95, Colect., p. I-5403, n.os 55 a 61), e de 22 de Junho de 1989, Costanzo (103/88, Colect., p. 1839, n.° 33).


21 – V., a este propósito, nomeadamente, acórdãos Winner Wetten, já referido, n.° 61; de 2007, Österreichischer Rundfunk (C-195/06, Colect., p. I-8817, n.° 24); de 2005, Gaston Schul Douane-expediteur (C-461/03, Colect., p. I-10513, n.° 21), e de 2005, Intermodal Transports (C-495/03, Colect., p. I-8151, n.os 33 e 38).


22 – O Tribunal de Justiça sublinhou o facto de que o artigo 267.° TFUE institui um procedimento de cooperação exclusivamente entre os órgãos jurisdicionais no acórdão Intermodal Transports, já referido, n.° 38.


23 – V. acórdão Intermodal Transports, já referido, n.os 28 a 31.


24 – V., nomeadamente, acórdãos de 4 de Junho de 2002, Lyckeskog (C-99/00, Colect., p. I-4839, n.° 14) e de 22 de Fevereiro de 2001, Gomes Valente (C-393/98, Colect., p. I-1327, n.° 17).


25 – Acórdão de 13 de Dezembro de 1989 (C-342/87, Colect., p. 4227).


26 – Idem, n.os 13 e 19.


27 – V. supra n.° 57.


28 – V., a este propósito, nomeadamente, acórdãos de 16 de Março de 2006, Kapferer (C-234/04, Colect., p. I-2585, n.° 20), e Kühne & Heitz, já referido, n.° 24.


29 – V. acórdão Kühne & Heitz, já referido, n.os 26 e 27: em primeiro lugar, o direito nacional deve conferir ao órgão administrativo a possibilidade de modificar essa decisão; em segundo lugar, a decisão administrativa em causa tem ser definitiva por força de sentença de um tribunal nacional que decide em última instância; em terceiro lugar, essa sentença deve ter por base uma interpretação errada, de acordo com uma decisão do Tribunal de Justiça subsequente, do direito da União e ter sido adoptada sem que tenham sido submetidas questões prejudiciais ao Tribunal de Justiça nas condições previstas no n.° 3 do artigo 267.° TFUE; e, em quarto lugar, a pessoa em causa tem de ter recorrido ao órgão administrativo imediatamente depois de tomar conhecimento dessa decisão do Tribunal de Justiça.