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CONCLUSÕES DA ADVOGADA-GERAL

JULIANE KOKOTT

apresentadas em 1 de março de 2012 (1)

Processo C-334/10

X

[pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Hoge Raad der Nederlanden (Países Baixos)]

«Imposto sobre o valor acrescentado — Sexta Diretiva — Dedução do imposto pago a montante — Alterações num edifício da empresa para utilizar temporariamente partes deste para fins privados — Tributação do uso privado»





I —    Introdução

1.        Na abundante jurisprudência relativa à dedução do imposto no sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado desenvolveu-se, desde cedo, uma área específica com uma jurisprudência própria muito pormenorizada que apenas se ocupa da dedução do imposto sobre o valor acrescentado (a seguir «IVA») no âmbito da aquisição de bens de investimento que são utilizados para fins quer profissionais quer privados do sujeito passivo (2). Esta situação aplica-se sobretudo a edifícios e automóveis que um sujeito passivo utiliza, ao longo dos anos, tanto para fins profissionais como também privados. Apenas o uso profissional dos referidos bens é relevante em matéria de tributação do valor acrescentado criado através da atividade empresarial, devendo, por conseguinte, a carga fiscal do IVA a montante apenas ser neutralizada nesse âmbito. No entanto, a transposição em matéria de técnica fiscal e em termos práticos deste princípio simples encerra algumas dificuldades.

2.        Neste contexto está esclarecido o direito à dedução do IVA no caso de um edifício construído originariamente tanto para fins profissionais como também privados. Neste caso, o sujeito passivo tem a possibilidade de começar por invocar o direito à dedução total do IVA pela construção do edifício, mas deve, posteriormente, sujeitar a tributação o uso privado do edifício, a título de compensação (3). Por conseguinte, com o decorrer do tempo, a dedução original do IVA volta, deste modo, a ser parcialmente corrigida.

3.        Como resolver, no entanto, a situação relativa à dedução do IVA no caso de transformações posteriores num edifício que começou por ser exclusivamente utilizado para fins profissionais, realizadas com o objetivo de utilizar o mesmo, parcial e apenas provisoriamente, como habitação privada — sendo esta a questão colocada no presente pedido prejudicial?

II — Enquadramento jurídico

A —    Direito da União

4.        O artigo 17.° da Sexta Diretiva 77/388/CEE do Conselho, de 17 de maio de 1977, relativa à harmonização das legislações dos Estados-Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios — sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado: matéria coletável uniforme (4), na redação aplicável a 2000 (5) (a seguir «Sexta Diretiva») regula a «origem e o âmbito do direito à dedução» da seguinte forma (reproduz-se um excerto):

«[…]

2.      Desde que os bens e os serviços sejam utilizados para os fins das próprias operações tributáveis, o sujeito passivo está autorizado a deduzir do imposto de que é devedor:

a)      O imposto sobre o valor acrescentado devido ou pago no território do país em relação a bens que lhe sejam ou venham a ser entregues e em relação a serviços que lhe sejam ou venham a ser prestados por outro sujeito passivo,

[…]»

5.        As operações do sujeito passivo são regularmente tributadas nos termos do artigo 2.° da Sexta Diretiva, que dispõe, resumidamente, o seguinte:

«Estão sujeitas ao imposto sobre o valor acrescentado:

1.      As entregas de bens e as prestações de serviços, efetuadas a título oneroso, no território do país, por um sujeito passivo agindo nessa qualidade;

[…]»

6.        O artigo 6.°, n.° 2, da Sexta Diretiva amplia da seguinte forma a obrigação fiscal do artigo 2.°, n.° 1, da Sexta Diretiva:

«2.      São equiparadas a prestações de serviços efetuadas a título oneroso:

a)      A utilização de bens afetos à empresa para uso privado do sujeito passivo ou do seu pessoal ou, em geral, para fins estranhos à própria empresa, sempre que, relativamente a esses bens, tenha havido dedução total ou parcial do imposto sobre o valor acrescentado;

b)      As prestações de serviços a título gratuito efetuadas pelo sujeito passivo, para seu uso privado ou do seu pessoal ou, em geral, para fins estranhos à própria empresa.

[…]»

7.        O título VIII — «Matéria coletável» — da Sexta Diretiva contém o artigo 11.°, que prevê o seguinte:

«A. No território do país

1.      A matéria coletável é constituída:

[…]

c)      No caso de operações referidas no n.° 2 do artigo 6.°, pelo montante das despesas suportadas pelo sujeito passivo na execução da prestação de serviços;

[…]»

B —    Direito neerlandês

8.        De acordo com o órgão jurisdicional de reenvio, o artigo 15.° da Wet op de omzetbelasting 1968 (lei neerlandesa do imposto sobre o volume de negócios de 1968) confere ao empresário um direito à dedução do imposto em relação a serviços que foram prestados para fins da empresa.

III — Matéria de facto e questões prejudiciais

9.        No processo principal está em causa a legalidade de uma liquidação adicional relativa ao imposto sobre o valor acrescentado de 2000.

10.      O sujeito passivo é uma sociedade em nome coletivo sem personalidade jurídica que, no entanto, é como tal recorrente no litígio no processo principal. Em 2000, a recorrente exercia a atividade de grossista de tinta para automóvel. Os seus únicos sócios são um casal.

11.      Em 1999, o casal adquiriu um pavilhão industrial e passou a utilizá-lo no âmbito da atividade de grossista. No início de 2000, uma parte do sótão do pavilhão foi adaptada para habitação provisória dos dois sócios e dos seus filhos. Com esse objetivo, foram instalados duas mansardas, um pórtico, uma casa de banho e um lavabo. Relativamente a estas obras foi faturado IVA.

12.      O sótão assim transformado foi utilizado como habitação dos dois sócios durante 23 meses. Depois disso, o sótão foi adaptado para fins empresariais e utilizado como escritório e sala de formação. As mansardas, o pórtico, a casa de banho e o lavabo mantiveram-se.

13.      O sujeito passivo deduziu integralmente o IVA pago pelas referidas obras de remodelação do sótão. A administração fiscal neerlandesa recusou, no entanto, a dedução no que respeita às obras relativas às mansardas e ao pórtico, na medida em que apenas a instalação da casa de banho e do lavabo foi realizada também para fins da empresa.

14.      Esta decisão foi confirmada pelo órgão jurisdicional de primeira instância, com a fundamentação de que as obras relativas à instalação das mansardas e do pórtico se destinaram exclusivamente à sua utilização como habitação pelos dois sócios.

15.      O sujeito passivo impugnou esta decisão, através do recurso de cassação interposto para o Hoge Raad der Nederlanden (Supremo Tribunal dos Países Baixos), que submeteu ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«Um sujeito passivo que utiliza temporariamente para seu uso privado uma parte de um bem de investimento afeto à sua empresa tem direito — tendo em conta o artigo 6.°, n.° 2, primeiro parágrafo e alíneas a) e b), o artigo 11.°, A, n.° 1, proémio e alínea c), e o artigo 17.°, n.° 2, da Sexta Diretiva — à dedução do IVA que onera as despesas relativas a alterações permanentes, exclusivamente efetuadas tendo em vista essa utilização para uso privado? É relevante para a resposta a esta questão o facto de, no momento da aquisição do bem de investimento, ter sido faturado IVA ao sujeito passivo e de este o ter deduzido?»

16.      No processo no Tribunal de Justiça, o Governo neerlandês e a Comissão Europeia apresentaram observações escritas. Não foi realizada audiência.

IV — Apreciação jurídica

17.      Ambas as questões, que irei apreciar em conjunto a seguir, dizem respeito à existência de um direito à dedução do IVA na situação específica exposta pelo órgão jurisdicional de reenvio.

18.      No presente caso, as condições que permitem o direito à dedução resultam da alínea a) do artigo 17.°, n.° 2, da Sexta Diretiva, nos termos do qual um sujeito passivo deverá, por um lado, ter recebido serviços prestados por outro sujeito passivo, pelos quais pagou IVA (operações a montante). Por outro, estas operações a montante devem ser utilizadas para os fins das próprias operações tributáveis (operações a jusante).

19.      As operações a montante, cujo direito à dedução do IVA é controvertido no presente caso, dizem apenas respeito aos serviços adquiridos para a adaptação do sótão, designadamente para a construção de duas mansardas e de um pórtico (a seguir «alterações»).

20.      Objeto das questões prejudiciais não é, pelo contrário, o direito à dedução em relação à aquisição do edifício já existente, no qual foram realizadas as alterações. O tratamento em sede de IVA da aquisição do referido edifício apenas assume importância — no âmbito da segunda questão prejudicial — na medida em possa ter influência sobre a dedução do IVA referente às alterações.

21.      Nos termos do artigo 17.°, n.° 2, da Sexta Diretiva, para conferirem um direito à dedução as referidas alterações devem ser utilizadas para os fins das operações tributáveis a jusante. Na medida em que as alterações se centraram inicialmente numa utilização privada do espaço, tendo posteriormente ocorrido um uso profissional após a adaptação do sótão como escritório e sala de formação, importa, antes de mais, começar por analisar a jurisprudência relativa à dedução do IVA no caso de bens de investimento utilizados em parte para fins privados, para a qual todos os intervenientes remeteram com razão.

22.      Começarei por expor (no ponto A) a referida jurisprudência, cujas condições para a dedução do IVA não podem ser diretamente retiradas das disposições da diretiva, para apreciar de seguida se a mesma se aplica ao presente caso (no ponto B).

A —    A jurisprudência relativa à dedução no caso de bens de investimento utilizados em parte para fins privados

1.      Afetação de um bem de investimento

23.      Nos termos da jurisprudência assente — que se baseia, essencialmente, no acórdão Lennartz (6) –, o sujeito passivo, quando utilize um bem de investimento para fins quer profissionais quer privados, pode optar, para efeitos de IVA, por afetar totalmente esse bem ao património da sua empresa ou conservá-lo totalmente no seu património particular, excluindo-o assim por completo do sistema do IVA, ou ainda integrá-lo na sua empresa apenas na parte correspondente à utilização profissional efetiva (7).

24.      Se o sujeito passivo optar por afetar totalmente o bem de investimento à empresa, o IVA devido a montante sobre a aquisição do bem é, em princípio, integral e imediatamente dedutível (8).

25.      Esta situação não se aplica apenas ao IVA pago a montante que recai sobre a aquisição de um bem final, mas também ao IVA devido a montante pela produção de um bem (9), designadamente pela aquisição de material de construção ou pelo recurso a serviços de construção. Neste caso, as questões relativas à afetação do bem e à sua utilização dizem necessariamente respeito ao bem construído e não aos serviços utilizados no âmbito da sua construção.

2.      Utilização para operações tributáveis a montante

26.      Como consequência da afetação total de um bem de uso misto à empresa, a utilização do bem, desde que ocorra para fins privados, é tributada nos termos do artigo 6.°, n.° 2, primeiro parágrafo, alínea a) — em conjugação com o artigo 2.°, n.° 1 — da Sexta Diretiva (10). Deste modo, pretende-se impedir que o sujeito passivo beneficie de uma vantagem indevida relativamente ao consumidor final (11) e que o consumo privado final do sujeito passivo não seja tributado (12).

27.      Neste sentido, a utilização do bem para fins privados constitui uma operação a jusante tributada na aceção do artigo 17.°, n.° 2, alínea a), da Sexta Diretiva (13). As condições para uma dedução do IVA nos termos desta disposição também estão, por conseguinte, cumpridas em relação à parte do bem de investimento usada para fins privados. Caso, pelo contrário, não seja possível tributar a utilização privada, não pode, neste âmbito, ser concedida uma dedução do IVA, apesar da afetação total do bem de investimento. Uma situação deste tipo pode ocorrer caso não estejam reunidas as condições de aplicação do artigo 6.°, n.° 2, primeiro parágrafo, alínea a), da Sexta Diretiva (14).

28.      Para além disso, nos termos do acórdão Puffer, a jurisprudência relativa à dedução do IVA no caso de bens de investimento utilizados em parte para fins privados também não é aplicável nos casos em que, apesar de o bem de investimento ser utilizado em parte para fins privados e em parte para fins profissionais, no domínio profissional o sujeito passivo utiliza o bem de investimento exclusivamente para operações a jusante que estão isentas de imposto (15). Apesar de neste caso ocorrer uma utilização mista do bem, não se verificam quaisquer operações tributáveis no domínio empresarial. Daqui resulta que, nos termos da jurisprudência, a utilização profissional do bem deve ser tributada — pelo menos em parte — para que se possa formar um direito à dedução do IVA no caso de um bem de investimento de uso misto.

29.      Concluindo, para apreciar a dedução do IVA no que respeita à aquisição ou à produção de um bem de investimento utilizado em parte para fins privados é necessário analisar tanto a tributação da sua utilização profissional como também da sua utilização privada.

3.      Sentido e objetivo

30.      A jurisprudência apresentada foi várias vezes posta em causa, tendo sido, no entanto, repetidamente confirmada pelo Tribunal de Justiça após uma análise aprofundada (16).

31.      A razão para se conceder ao sujeito passivo, no caso da utilização mista de um bem de investimento, a afetação total do bem à empresa e, por conseguinte, em princípio a dedução total do imposto, apesar da utilização parcial para fins privados dos referidos bens, consiste em permitir-lhe alterações posteriores da utilização, sob forma do aumento da parte utilizada para fins profissionais, sem que tal acarrete desvantagens fiscais (17).

32.      Isto porque se o sujeito passivo, num caso de utilização mista de um bem de investimento, apenas tivesse a possibilidade de imputar parcialmente o bem na parte correspondente à utilização profissional, a dedução do IVA estaria definitivamente excluída em relação à parte utilizada para fins privados. Neste caso, a parte utilizada para fins privados conservar-se-ia no património privado. Uma utilização posterior para fins profissionais da parte de um bem afetado ao património privado de um bem já não pode dar posteriormente lugar a um direito à dedução do IVA. A Sexta Diretiva não prevê qualquer mecanismo de regularização nesse sentido (18).

33.      Este problema foi entretanto solucionado pelo legislador da União através da Diretiva n.° 2009/162/UE do Conselho, de 22 de dezembro de 2009, que altera diversas disposições da Diretiva 2006/112/CE, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado (19), mas apenas em relação a períodos posteriores àquele que é pertinente para o processo principal (20). Nos termos do artigo 168.°-A, introduzido na Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro de 2006, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado (21), atualmente aplicável, nos casos de bens imóveis de utilização mista — podendo os Estados-Membros também optar por aplicar o disposto a outros bens — apenas se concede um direito à dedução parcial do IVA. Esta exclusão parcial do direito à dedução do IVA está, no entanto, agora ligada a uma possibilidade de correção em caso de mudanças posteriores na proporção da utilização.

B —    Aplicação da jurisprudência ao presente caso

34.      Importa, por conseguinte, esclarecer se, nos termos da jurisprudência exposta relativa à dedução do IVA no caso de bens de investimento utilizados em parte para fins privados, é permitida a um sujeito passivo na situação do processo principal uma dedução total do IVA referente às alterações.

35.      Tal como a Comissão expôs corretamente, não se levantariam quaisquer dúvidas a este respeito caso as alterações tivessem sido realizadas antes da aquisição do edifício. Em caso de aquisição de um edifício a utilizar em parte como pavilhão industrial e em parte como habitação, o sujeito passivo teria tido o direito de afetar o edifício totalmente à sua empresa, pelo que teria direito à dedução total do IVA, enquanto a utilização da habitação para fins privados teria de ser tributada posteriormente.

36.      O mesmo aplicar-se-ia à situação em que o próprio sujeito passivo tivesse construído o edifício e, desde logo, previsto uma parte do edifício para fins habitacionais.

37.      Neste contexto, importa esclarecer a questão de saber se o facto de as alterações só terem sido realizadas posteriormente pode conduzir a uma outra apreciação do direito à dedução do IVA. Neste âmbito, deve, em primeiro lugar, ser determinado se, atendendo às alterações, é conferido ao sujeito passivo o direito à afetação total de um bem de investimento ao património da empresa (v., infra, o ponto 1). Em segundo lugar, importa analisar a tributação tanto da utilização profissional como privada deste bem de investimento (v., infra, o ponto 2).

1.      Afetação de um bem de investimento à empresa

38.      Tal como já foi exposto, o direito à dedução do IVA é definido, no que respeita aos serviços relativos à produção de um bem de investimento, pela afetação do bem de investimento produzido ao património da empresa (22). No que respeita ao bem de investimento produzido deve existir um direito à afetação total ao património da empresa. Apenas neste caso se verifica um direito de princípio à dedução total do IVA no que respeita aos serviços relativos à sua produção.

39.      Na medida em que o presente caso diz respeito a alterações num edifício já existente, importa começar por esclarecer o que se deve, neste âmbito, considerar como um bem de investimento produzido (v., a este respeito, as alíneas a) e b), infra), antes de poder ser examinado o direito à sua afetação total à empresa [v., a este respeito, a alínea c), infra].

a)      Tratamento uniforme ou separado das alterações

40.      No presente caso existem duas abordagens possíveis: pode considerar-se as alterações como custos de produção — posteriores — do edifício ou como custos de produção de um bem de investimento próprio.

41.      Caso se considere as alterações como parte dos custos de produção do edifício inteiro, o direito à dedução do imposto dependeria, no que respeita às referidas alterações, da afetação do edifício no qual foram realizadas. Caso o edifício estivesse totalmente afetado à empresa, por princípio existiria um direito à dedução total do IVA em relação às alterações.

42.      Neste contexto, seria desde logo irrelevante o facto de as alterações se destinarem à construção de uma habitação utilizada em exclusivo para fins privados. Isto porque, nos termos da jurisprudência relativa à dedução do IVA no caso de bens de investimento utilizados em parte para fins privados, quando um sujeito passivo adquire diversos bens e serviços para construir um edifício a dedução do IVA também não é apreciada individualmente em relação a cada operação a montante (23).

43.      Um sujeito passivo pode, pelo contrário, afetar integralmente o edifício por ele construído à empresa, o que lhe confere, por conseguinte, o direito à dedução integral do IVA em relação a todas as operações a montante que se destinaram à construção do edifício. Esta situação aplica-se mesmo que regularmente seja possível identificar determinadas operações a montante — como, por exemplo, o fornecimento de uma janela que é instalada na área utilizada para fins privados — que se destinam exclusivamente a fins privados.

44.      Também a jurisprudência no processo Bakcsi, invocada pelo órgão jurisdicional de reenvio, não se opõe diretamente a um tratamento conjunto das alterações posteriores com os custos de construção originais. No referido processo, o Tribunal de Justiça tinha concluído que a afetação de um bem de investimento não assume qualquer relevância para a questão de saber se existe um direito à dedução do IVA no que respeita às operações a montante para a exploração e manutenção do referido bem de investimento (24). Neste sentido, o direito à dedução do IVA em relação a operações a montante que se destinam à exploração e manutenção de um edifício, por exemplo, deve ser apreciado independentemente da questão de saber se o referido edifício foi afetado à empresa.

45.      No entanto, o próprio órgão jurisdicional de reenvio já chamou a atenção para o facto de as despesas relativas às alterações do presente caso não representarem custos de exploração ou de manutenção (25). A meu ver, as referidas alterações também não constituem operações a montante que asseguram a utilização ou a manutenção do edifício em plena atividade, mas configuram o próprio edifício, ao alterar a sua forma e possibilidade de utilização. Por conseguinte, o acórdão Bakcsi não se aplica ao presente caso.

46.      Desta jurisprudência resulta, no entanto, o princípio de que, em regra, a afetação de uma operação a montante à empresa deve ser analisada de forma separada em relação a cada operação a montante.

47.      Esta abordagem corresponde também à jurisprudência assente no domínio da tributação das operações a jusante, nos termos da qual decorre do artigo 2.° da Sexta Diretiva que cada entrega de um bem ou prestação de serviço deve normalmente ser considerada uma operação distinta e independente (26).

48.      Para além disso, importa também considerar a jurisprudência, nos termos da qual só uma pessoa singular que aja enquanto sujeito passivo no momento em que beneficia de uma operação a montante dispõe de um direito à dedução (27). Quem adquire um bem exclusivamente para uso privado, age a título pessoal e não enquanto sujeito passivo, na aceção da Sexta Diretiva (28).

49.      Caso se fizesse, no entanto, depender a dedução do IVA a respeito de quaisquer alterações posteriores da afetação do edifício, dever-se-ia também autorizá-la no caso de alterações posteriores que servem fins exclusivamente privados a título permanente. Deste modo já não seria, a meu ver, respeitada a referida jurisprudência, na medida em que uma operação a montante utilizada integral e permanentemente para fins privados não pode ser considerada como atuação de um sujeito passivo. No caso contrário, já não seria proceder à delimitação, exigida no sistema do IVA, entre a atuação de uma pessoa como sujeito passivo e a título pessoal.

50.      Para além disso, as consequências de uma abordagem uniforme do tratamento, em sede de IVA, do edifício e das alterações posteriores também não seriam compatíveis com o princípio da neutralidade fiscal. De acordo com este princípio, o interessado só deve suportar o IVA se este tiver incidido sobre bens e serviços que o mesmo utilizou para consumo privado e não para as suas atividades profissionais tributáveis (29).

51.      Uma abordagem uniforme do edifício e das alterações posteriores também teria, no entanto, por efeito que um sujeito que realizasse alterações permanentes com motivos puramente profissionais não pudesse invocar uma dedução do IVA a este respeito caso a totalidade do edifício tivesse sido previamente incluída no seu património privado. Neste sentido, o sujeito passivo teria de suportar definitivamente o IVA pago sobre as alterações, apesar de o resultado das mesmas ter sido utilizado para a sua atividade empresarial.

52.      Neste contexto, o tratamento uniforme de operações a montante que se destinam à construção de um edifício de utilização mista, implicitamente reconhecido pela jurisprudência relativa à dedução do IVA no caso de bens de investimento utilizados em parte para fins privados (30), constitui uma exceção justificada por razões práticas, em particular se se tiver em consideração a estreita conexão temporal entre os serviços de produção. A referida apreciação global tem em conta a circunstância de que, considerando a multiplicidade de operações a montante necessárias para a construção de um edifício, a afetação de cada uma das operações a montante aos respetivos fins profissionais ou privados causaria significativas dificuldades de delimitação e consideráveis encargos administrativos. O mesmo não se aplica, no entanto, à relação entre a construção original de um edifício e as alterações posteriores, que podem, respetivamente, ser consideradas isoladamente, na medida em que podem ser facilmente separadas e não apresentam a mesma proximidade temporal.

53.      De resto, a jurisprudência do Tribunal de Justiça já reconhece há muito tempo que partes diferentes de um bem uniforme podem ser integradas, de forma diversa, no património privado ou da empresa (31). Numa perspetiva em sede de IVA não é, por conseguinte, invulgar tratar de forma diferente partes individuais do edifício.

54.      Concluindo, a dedução do IVA no caso de alterações posteriores num bem de investimento não deve estar dependente da afetação do bem de investimento. Neste sentido, partilho do entendimento do Governo neerlandês, nos termos do qual o mero facto de o edifício, enquanto tal, ter sido afetado ao domínio empresarial do sujeito passivo não provoca automaticamente a afetação das alterações igualmente ao domínio empresarial.

b)      Medidas de transformação como bem de investimento próprio

55.      Caso a dedução do IVA respeitante às alterações posteriores deva, por conseguinte, ser por princípio considerada de forma independente da afetação do edifício, coloca-se a questão de saber se através destas alterações foi produzido um bem de investimento próprio.

56.      Neste sentido, afigurar-se-ia lógica, antes de mais, a abordagem que defende que todas as medidas de transformação que se destinaram à construção da habitação no sótão produziram, em conjunto, um bem de investimento próprio sob a forma da habitação, no qual não se incluíam apenas as mansardas e o pórtico, que foram instalados na sequência das alterações controvertidas no processo principal. Também a casa de banho e o lavabo, para cuja construção já tinha sido concedida a dedução do IVA aos sujeitos passivos, seriam parte integrante deste bem de investimento próprio.

57.      A questão de saber se a construção das mansardas e do pórtico deve ser separada da construção da casa de banho e do lavado para efeitos de determinação do bem de investimento relevante diz respeito às circunstâncias de facto, devendo ser apreciada pelo órgão jurisdicional de reenvio. No âmbito desta apreciação é determinante saber se existia uma estreita conexão material ou temporal entre as medidas de transformação relativas às mansardas, ao pórtico, à casa de banho e ao lavabo que seja equiparável à conexão entre os serviços relativos à construção de um edifício.

58.      De qualquer modo, não existe, na minha opinião, qualquer razão convincente para não considerar a habitação incorporada no seu conjunto, ou as mansardas e o pórtico em separado, como um bem de investimento próprio.

59.      Como o advogado-geral P. Mengozzi já teve oportunidade de desenvolver, os elementos essenciais da definição de bem de investimento, tal como deve ser utilizada no contexto da jurisprudência relativa à dedução do IVA no caso de bens de investimento utilizados em parte para fins privados, são a natureza duradoura do bem e a amortização concomitante dos seus custos de aquisição (32). Tanto a habitação construída como também as mansardas e o pórtico instalados na sequência das alterações controvertidas no presente caso reúnem os referidos elementos.

60.      Também o facto de tanto o edifício como também as mansardas e o pórtico serem partes integrantes de um outro bem de investimento não permitem pôr em causa esta análise.

61.      É certo que no que se refere aos bens que são incorporados no bem de investimento após a aquisição deste, mas que aumentam o seu valor, o advogado-geral P. Mengozzi se pronunciou a favor da não aplicação da jurisprudência relativa à dedução do IVA no caso de bens de investimento utilizados em parte para fins privados, por razões de simplicidade do sistema comum do IVA, defendendo a repartição direta do IVA pago a montante. No entanto, apenas se referia neste âmbito a despesas de manutenção, ou seja, a substituição de uma parte já existente de um bem de investimento por uma nova (33).

62.      O presente caso não diz, no entanto, respeito a este tipo de despesas de manutenção, mas sim à construção de novas partes de um edifício, previamente inexistentes. Na medida em que a construção de novas partes de um edifício destinadas a serem utilizados de forma mista não deve ocorrer frequentemente, também não se pode esperar que o tratamento em sede de IVA de vários bens de investimento integrados num edifício constitua uma tarefa demasiado complexa.

63.      Atendendo à constatação de que mesmo as mansardas e o pórtico, individualmente considerados, podem representar um bem de investimento próprio, não é afinal necessário analisar a questão de saber se os princípios da jurisprudência relativa à dedução do IVA no caso de bens de investimento utilizados em parte para fins privados também devem ser aplicados a outros bens para além dos bens de investimento (34).

c)      Utilização parcialmente privada

64.      Por fim, o direito em princípio existente à dedução total do IVA no que respeita às alterações depende ainda do facto de o bem de investimento produzido — no presente caso, a habitação incorporada ou as mansardas e o pórtico — ser utilizado tanto para fins profissionais como também privados. Neste caso, o bem de investimento poderia ser afetado plenamente à empresa.

65.      Caso o órgão jurisdicional de reenvio conclua que a habitação incorporada, no seu conjunto, deve ser considerada um bem de investimento próprio, seria possível afetá-la à empresa, na medida em que no processo principal parece estar assente que partes da habitação incorporada — designadamente a casa de banho e o lavabo — foram desde o início utilizados também para fins profissionais (35). As alterações controvertidas no processo principal, relativas à instalação das mansardas e do pórtico, seriam nesse caso parte integrante da produção de um bem utilizado tanto para fins privados como também profissionais. Neste caso, a habitação incorporada não deveria ser tratada de forma diversa de um edifício privado construído para uma utilização mista. Neste caso, não assumiria relevância o fim a que, considerada isoladamente, a instalação das mansardas e do pórtico se destinaria, dado ser decisiva a utilização mista do bem de investimento no seu conjunto (36).

66.      No entanto, o órgão jurisdicional de reenvio direciona as suas questões prejudiciais apenas para a dedução do IVA no caso de alterações realizadas exclusivamente para fins privados. Tendo em consideração as minhas conclusões precedentes, esta questão é legítima caso se considere que as mansardas e o pórtico constituem um bem de investimento próprio. De forma a responder à questão prejudicial caso o órgão jurisdicional de reenvio, no âmbito da sua apreciação de facto, conclua neste sentido, pretendo prosseguir a análise com base na premissa de que as mansardas e o pórtico representam um bem de investimento próprio.

67.      O presente processo apresenta uma particularidade em relação à jurisprudência relativa à dedução do IVA no caso de bens de investimento utilizados em parte para fins privados, na medida em que as mansardas e o pórtico foram utilizados em períodos de tempo consecutivos para fins diversos: de acordo com os factos expostos pelo órgão jurisdicional de reenvio, o casal começou por utilizar as mansardas e o pórtico exclusivamente para fins privados no âmbito do seu domicílio privado e, posteriormente, exclusivamente para fins profissionais no âmbito da utilização do sótão como escritório e sala de formação. Por conseguinte, importa analisar mais pormenorizadamente se num caso deste tipo se pode presumir uma utilização mista na aceção da jurisprudência relativa à dedução do IVA no caso de bens de investimento utilizados em parte para fins privados.

i)      O acórdão Lennartz

68.      Neste contexto, o Governo neerlandês remeteu corretamente para a necessidade de analisar se o casal, ao beneficiar das prestações de alteração, atuou mesmo como sujeito passivo. Isto porque apenas quem, ao beneficiar de uma operação a montante, aja na qualidade de sujeito passivo pode dispor de um direito à dedução do IVA (37). Nos termos da jurisprudência, quando um sujeito passivo adquire um bem exclusivamente para uso privado, age a título pessoal e não enquanto sujeito passivo, na aceção da Sexta Diretiva (38).

69.      Caso nos baseássemos apenas na utilização inicial, o casal teria procedido às alterações apenas para uso privado, ou seja, não teria agido na qualidade de sujeito passivo e, por conseguinte, não teria direito à dedução do IVA.

70.      Caso nos baseássemos apenas na utilização inicial, também não se aplicaria a jurisprudência relativa à dedução do IVA no caso de bens de investimento utilizados em parte para fins privados. Neste caso não se verificaria nem uma utilização mista, nem existiria uma utilização profissional tributável — a par da utilização privada — do bem de investimento.

71.      De forma a responder à questão de saber se uma utilização que começou por ser meramente privada e posteriormente passou a ser meramente profissional deve ser considerada, desde o início, uma utilização em parte profissional, parece-me útil regressar à origem: ao acórdão Lennartz.

72.      Neste acórdão, o Tribunal de Justiça estabeleceu os fundamentos da jurisprudência relativa à dedução do IVA no caso de bens de investimento utilizados em parte para fins privados, desde então assente. No referido acórdão, também se pronunciou sobre questões relacionadas com uma utilização profissional que apenas se inicia posteriormente. O Tribunal de Justiça concluiu, neste âmbito, que só a qualidade em que o particular atua no momento de utilizar as operações a montante pode decidir da existência de um direito à dedução (39). Um particular que adquire bens para fins profissionais atua na qualidade de sujeito passivo, mesmo que os bens não sejam imediatamente utilizados para essas atividades económicas (40).

73.      A questão de saber se as operações a montante são utilizadas para fins profissionais posteriores constitui, de acordo com o acórdão, uma questão de facto que deve ser apreciada tendo em conta o conjunto dos dados do caso concreto, entre os quais figuram a natureza dos bens em causa e o período decorrido entre a sua aquisição e a respetiva utilização para os fins das atividades económicas do sujeito passivo (41).

74.      Apesar de este acórdão ainda se encontrar no início do desenvolvimento da jurisprudência relativa à dedução do IVA no caso de uma utilização mista de um bem de investimento, já contém as opções fundamentais nesta matéria.

75.      Tal como já foi demonstrado, a razão para o desenvolvimento da jurisprudência relativa à dedução do IVA no caso de bens de investimento utilizados em parte para fins privados reside no facto de o sujeito passivo não dispor de uma possibilidade de correção no caso da posterior utilização profissional de um bem integrado no património privado. Quando um sujeito passivo adquire bens para integrarem o seu património privado, a dedução do IVA é definitivamente excluída, mesmo que este bem seja posteriormente utilizado para fins profissionais (42).

76.      Neste contexto, não seria justificado que se negasse completamente a possibilidade de deduzir o IVA ao sujeito passivo que realiza despesas de investimento, em relação às quais está assente que serão integralmente utilizadas, não imediata mas posteriormente, para fins empresariais. A utilização inicialmente apenas privada e, de seguida, apenas profissional representa, pelo contrário, o caso que encerra as maiores desvantagens fiscais passíveis de resultarem na sequência de uma alteração da utilização de um bem e cujo impedimento constitui a razão para o desenvolvimento da jurisprudência relativa à dedução do IVA no caso de bens de investimento utilizados em parte para fins privados.

77.      Na minha opinião, estas conclusões resultantes do desenvolvimento da jurisprudência parecem ser igualmente compatíveis com o mais recente acórdão a este respeito proferido no processo Puffer.

78.      Neste acórdão, o Tribunal de Justiça concluiu que é de excluir uma dedução do IVA no caso de bens de investimento utilizados em parte para fins privados para sujeitos passivos que apenas realizam operações isentas. No entanto, no referido caso um sujeito passivo nunca realiza quaisquer operações tributáveis, tanto no presente como no futuro, em virtude da isenção fiscal da sua atividade. De acordo com o sentido e a finalidade da jurisprudência relativa à dedução do IVA no caso de bens de investimento utilizados em parte para fins privados, também não existe qualquer motivo para a sua aplicação a uma atividade plenamente isenta, na medida em que, nos termos do artigo 17.°, n.° 2, da Sexta Diretiva a utilização profissional de um bem de investimento não é suscetível, em qualquer momento, de conferir um direito à dedução.

79.      No entanto, o presente processo não configura uma situação deste tipo. A atividade de grossista de tinta para automóvel, exercida pelo sujeito passivo, não representa uma atividade isenta de imposto.

ii)    A prova da posterior utilização profissional

80.      É evidente que a concessão de um direito à plena afetação de um bem de investimento no património da empresa, apesar da utilização inicial para fins meramente privados, cria um certo risco de abuso.

81.      Isto aplica-se sobretudo se se tiver em consideração que, nos termos da jurisprudência, a finalidade relacionada com o benefício de uma operação a montante apenas resulta da utilização pretendida pelo sujeito passivo à data do referido benefício, confirmada por elementos objetivos, e não da posterior utilização efetiva da operação a montante, tal como foi expressamente declarado pelo Tribunal de Justiça para o caso das primeiras despesas de investimento de um sujeito passivo antes do início da exploração efetiva da empresa (43). Na minha opinião, não existe qualquer motivo para uma análise diferente em relação a despesas de investimento posteriores no âmbito da exploração corrente da empresa.

82.      Importa, no entanto, sublinhar que a referida jurisprudência também exige que existam elementos objetivos relativos à intenção do sujeito passivo de utilizar posteriormente para fins profissionais um bem de investimento inicialmente utilizado para fins meramente privados. O acórdão Lennartz enumerou desde logo a natureza do bem, bem como o período decorrido até à utilização para fins profissionais pretendida como elementos objetivos (44).

83.      Há que concluir do exposto que existem bens de investimento, como por exemplo uma sauna posteriormente instalada no pavilhão industrial de um grossista de tinta para automóvel, que, pela sua natureza, apenas se podem destinar a fins privados na empresa explorada. Para além disso, também a possibilidade de comprovar objetivamente uma intenção de utilização posterior para fins profissionais irá diminuir quanto mais se situar no futuro.

84.      Para além do mais, é necessário sublinhar que, de qualquer forma, a mera possibilidade de uma utilização posterior para fins profissionais não é suficiente. Uma suposição deste tipo abriria a possibilidade de dedução do IVA a quaisquer operações a montante realizadas por um sujeito passivo. A utilização para fins profissionais planeada para o futuro deve ser concreta e passível de ser comprovada. Neste sentido, deve partir-se do pressuposto de que uma utilização inicial para fins privados permite presumir, antes de mais, uma intenção de utilização exclusivamente privada. Esta presunção deve ser refutada pelo sujeito passivo com recurso a provas objetivas.

85.      No presente processo é ponto assente que as alterações começaram por ser realizadas para fins meramente privados, designadamente a incorporação de partes de uma habitação, a que se seguiu uma utilização profissional do espaço como escritório e sala de formação. Na medida em que tanto o pórtico como também as mansardas se mantiveram após a remodelação do espaço para os fins da empresa, as transformações foram posteriormente utilizadas para fins profissionais.

86.      Na minha opinião, a apresentação dos factos do processo principal não esclarece, no entanto, se a referida utilização profissional posterior já era pretendida e comprovada por elementos objetivos aquando da execução das alterações, ou seja, no período em que foram realizadas as operações a montante.

87.      A questão prejudicial refere, por um lado, alterações que foram exclusivamente realizadas com vista a uma utilização privada. Caso se entenda esta situação no sentido de que, à data da realização das alterações, não estava planeada qualquer utilização profissional das referidas operações a montante, estaria desde logo excluída a possibilidade de uma dedução do IVA. À data da realização das operações a montante, o casal não teria, por conseguinte, agido como sujeito passivo, na medida em que apenas teria associado fins privados à aquisição dos serviços. Neste caso, não existiria um direito à dedução do IVA no que respeita às alterações.

88.      Por outro lado, de acordo com o exposto pelo órgão jurisdicional de reenvio, a utilização de uma parte do pavilhão industrial como habitação do casal estava, desde o início, planeada para ser apenas temporária. Neste sentido, o casal poderia ter tido planos quanto à utilização a dar às transformações após cessarem de utilizar o espaço como habitação. Para além disso, a decisão da instância precedente, que foi apresentada em conjunto com o pedido de decisão prejudicial, poderia ser entendida no sentido de a posterior utilização para fins da empresa estar projetada desde o início (45).

89.      A questão de saber se existia desde o início uma intenção de utilizar posteriormente as mansardas e o pórtico para fins profissionais e se esta intenção foi comprovada por elementos objetivos constitui uma questão de facto e deve, por conseguinte, ser esclarecida pelo órgão jurisdicional de reenvio.

2.      Utilização para operações tributáveis a jusante

90.      Caso o órgão jurisdicional de reenvio constate a existência de uma intenção de utilização mista das mansardas e do pórtico desde a realização das operações a montante ou caso pressuponha que a habitação incorporada representa, no seu conjunto, o bem de investimento relevante, a sociedade sujeita a tributação teria tido um direito à afetação total dos referidos bens à empresa nos termos da jurisprudência relativa à dedução do IVA no caso de bens de investimento utilizados em parte para fins privados.

91.      De forma a poder também dispor, neste âmbito, de um direito à dedução total do IVA, o sujeito passivo teria de ter a intenção de utilizar integralmente as alterações para os fins das operações tributáveis a jusante, de acordo com o disposto no artigo 17.°, n.° 2, alínea a), da Sexta Diretiva. No presente caso, esta situação está dependente da utilização pretendida do bem de investimento produzido.

92.      Caso existisse uma intenção de utilizar o bem de investimento para fins profissionais — no caso da habitação incorporada no que respeita à utilização em parte profissional da casa de banho e do lavabo, no caso das mansardas e do pórtico a partir da sua utilização como parte do escritório e da sala de formação –, as operações a jusante serão tributadas, nos termos do artigo 2.°, n.° 1, da Sexta Diretiva, no âmbito da atividade comercial do sujeito passivo.

93.      Caso existisse uma intenção de utilizar o bem privado para fins privados, é considerada uma tributação das operações a jusante de acordo com o artigo 6.°, n.° 2, primeiro parágrafo, em conjugação com o artigo 2.°, n.° 1, da Sexta Diretiva.

a)      Utilização de um bem nos termos da alínea a) do artigo 6.°, n.° 2, primeiro parágrafo, da Sexta Diretiva

94.      Nos termos da alínea a) do artigo 6.°, n.° 2, primeiro parágrafo, da Sexta Diretiva, a utilização de bens afetos à empresa para uso privado do sujeito passivo deve ser tributada.

95.      Caso a habitação incorporada ou as mansardas e o pórtico representem um bem de investimento independente, passível de ser plenamente afetado à empresa, a sua utilização privada para as necessidades do casal deve, por conseguinte, ser tributada de forma autónoma.

96.      Devido à referida autonomia não assume também relevância a questão de saber se o bem de investimento com o qual a habitação incorporada ou as mansardas e o pórtico estão efetivamente ligados habilitou à dedução total ou parcial do IVA. Por conseguinte, deve responder-se à segunda questão prejudicial submetida pelo Hoge Raad que não é relevante para a resposta à primeira questão o facto de, no momento da aquisição do bem de investimento, ter sido faturado IVA ao sujeito passivo e de este o ter deduzido.

97.      Para além disso, a utilização privada da habitação incorporada ou das mansardas e do pórtico também não estão isentas de imposto no presente caso.

98.      O Tribunal de Justiça ainda se deve pronunciar no processo BLM (C-436/10) quanto à questão de saber se o artigo 13.°-B, alínea b), da Sexta Diretiva, que isenta do imposto a locação de bens imóveis, pode ser aplicado à utilização de uma parte do edifício para fins privados, por princípio tributável nos termos do artigo 6.°, n.° 2, primeiro parágrafo, alínea a), da Sexta Diretiva. No referido processo a questão coloca-se, no entanto, em relação à situação particular de um utilizador da parte do edifício que é juridicamente distinto da sociedade sujeita ao imposto.

99.      No presente processo, a sociedade sujeita ao imposto não tem, por um lado, personalidade jurídica. Por outro, as questões prejudiciais partem do pressuposto de que o sujeito passivo utiliza o bem de investimento para si próprio e não para outra pessoa. Em relação a este caso já foi decidido que a isenção do artigo 13.°-B, alínea b), da Sexta Diretiva não se aplica ao facto gerador do imposto previsto no artigo 6.°, n.° 2, primeiro parágrafo, alínea a), da Sexta Diretiva (46).

100. Deste modo também se acaba por tributar a utilização pretendida do bem de investimento relevante para fins privados nos termos do artigo 2.°, n.° 1, em conjugação com o artigo 6.°, n.° 2, primeiro parágrafo, alínea a), da Sexta Diretiva.

b)      As prestações de serviços a título gratuito efetuadas pelo sujeito passivo nos termos da alínea b) do artigo 6.°, n.° 2, primeiro parágrafo, da Sexta Diretiva

101. A previsão normativa da alínea b) do artigo 6.°, n.° 2, primeiro parágrafo, da Sexta Diretiva não pode, pelo contrário, aplicar-se ao presente caso.

102. Não se deve considerar que a utilização, por parte do casal, dos serviços de alterações representa as operações a jusante, tal como foi exposto em parte. Estes serviços devem ter sido prestados à sociedade sujeita ao imposto para poder fundamentar um direito à dedução. Por conseguinte, representam as operações a montante.

103. As operações a jusante, pelo contrário, são constituídas pela utilização dos bens produzidos com recurso às operações a montante, ou seja, da habitação incorporada ou das mansardas e do pórtico. Na medida em que se trata, por conseguinte, da utilização de um bem afetado à empresa apenas se deve, neste âmbito, aplicar a previsão normativa da alínea a) do artigo 6.°, n.° 2, primeiro parágrafo, da Sexta Diretiva.

V —    Conclusão

104. Tendo em conta as considerações precedentes, proponho ao Tribunal de Justiça que responda da seguinte forma às questões prejudiciais do Hoge Raad:

«Um sujeito passivo que utiliza temporariamente para seu uso privado uma parte de um bem de investimento afeto à sua empresa tem direito, ao abrigo do artigo 17.°, n.° 2, da Sexta Diretiva, à dedução do IVA que onera as despesas relativas a alterações permanentes, exclusivamente efetuadas tendo em vista essa utilização para uso privado e através das quais é criado um bem de investimento próprio, caso o sujeito passivo, à data da realização das alterações, tiver a intenção, comprovada por elementos objetivos, de utilizar o bem de investimento assim produzido para os fins das suas próprias operações profissionais tributáveis, mesmo que esta utilização apenas se verifique após a sua utilização privada. Este direito à dedução do IVA existe independentemente do facto de, no momento da aquisição do bem de investimento no qual foram realizadas as alterações, ter sido faturado IVA ao sujeito passivo e de este o ter deduzido.»


1 – Língua original: alemão.


2 – Referida, pela primeira vez, no acórdão de 11 de julho de 1991, Lennartz (C-97/90, Colet., p. I-3795),e, mais recentemente, no acórdão de 16 de fevereiro de 2012, Eon Aset Menidjmunt (C-118/11).


3 – V., a este respeito, mais pormenorizadamente os n.os 23 e segs.


4 – JO L 145, p. 1; EE 09 F1 p. 54.


5 – No que respeita a 2000, deve aplicar-se o artigo 17.° da Sexta Diretiva, na redação que lhe foi dada pelo artigo 28.°-F, introduzido pela Diretiva 91/680/CEE do Conselho, de 16 de dezembro de 1991, que completa o sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado e altera, tendo em vista a abolição das fronteiras fiscais, a Diretiva 77/388/CEE (JO L 376, p. 1), e que, na parte relevante para o caso em apreço, foi alterado pela Diretiva 95/7/CE do Conselho, de 10 de abril de 1995, que altera a Diretiva 77/388/CEE e introduz novas medidas de simplificação em matéria de imposto sobre o valor acrescentado — Âmbito de aplicação de certas isenções e regras práticas para a sua aplicação (JO L 102, p. 18). Esta redação é pertinente no presente caso, na medida em que as transformações a respeito das quais o direito à dedução do IVA é controvertido no processo principal foram realizadas em 2000.


6 – Acórdão Lennartz (já referido na nota 2, n.° 35).


7 – Acórdãos de 4 de outubro de 1995, Armbrecht (C-291/92, Colet., p. I-2775, n.° 20); de 8 de março de 2001, Bakcsi (C-415/98, Colet., p. I-1831, n.° 25); de 8 de maio de 2003, Seeling (C-269/00, Colet., p. I-4101, n.° 40); de 21 de abril de 2005, HE (C-25/03, Colet., p. I-3123, n.° 46); de 14 de julho de 2005, Charles e Charles-Tijmens (C-434/03, Colet., p. I-7037, n.° 23); de 30 de março de 2006, Uudenkaupungin kaupunki (C-184/04, Colet., p. I-3039, n.° 34); de 14 de setembro de 2006, Wollny (C-72/05, Colet., p. I-8297, n.° 21); de 12 de fevereiro de 2009, Vereniging Noordelijke Land- en Tuinbouw Organisatie (C-515/07, Colet., p. I-839, n.° 32); de 23 de abril de 2009, Puffer (C-460/07, Colet., p. I-3251, n.° 39); e Eon Aset Menidjmunt (já referido, na nota 2, n.° 53).


8 – Acórdão Puffer (já referido na nota 7, n.° 40) e a jurisprudência aí referida; v., desde logo, o acórdão Lennartz (já referido na nota 2, n.° 35).


9 – Acórdãos Seeling (já referido na nota 7, n.os 43 e 47); Wollny (já referido na nota 7, n.° 24); e Puffer (já referido na nota 7, n.° 42).


10 – Acórdão Puffer (já referido na nota 7, n.° 41) e a jurisprudência aí referida.


11 – Acórdãos Wollny (já referido na nota 7, n.° 32), e Puffer (já referido na nota 7, n.° 54). V., neste sentido, acórdão de 26 de setembro de 1996, Enkler (C-230/94, Colet., p. I-4517, n.° 33).


12 – V. acórdão de 27 de junho de 1989, Kühne (50/88, Colet., p. 1925, n.° 29).


13 – Acórdão Puffer (já referido na nota 7, n.° 41) e a jurisprudência aí referida.


14 – V., neste sentido, acórdão Vereniging Noordelijke Land- en Tuinbouw Organisatie (já referido na nota 7, n.os 38 a 40), nos termos do qual não há direito a dedução total do IVA caso o bem de investimento seja utilizado para uma operação que se situa fora do âmbito de aplicação do regime do IVA, mas que não deve ser considerada «estranha à própria empresa», na aceção do artigo 6.°, n.° 2, primeiro parágrafo, alínea a), da Sexta Diretiva.


15 – V., neste sentido, acórdão Puffer (já referido na nota 7, n.° 49).


16 – Acórdãos Charles e Charles-Tijmens (já referido na nota 7) e Puffer (já referido na nota 7); v., especialmente em relação a bens imóveis, acórdão de 8 de maio de 2003, Seeling (já referido na nota 7).


17 – V. as conclusões do advogado-geral F. G. Jacobs de 10 de novembro de 1992, Mohsche (C-193/91, Colet., p. I-2615, n.° 18), e Armbrecht (já referido na nota 7, n.os 39 e 49).


18 – Acórdão Puffer (já referido na nota 7, n.° 44). Neste contexto, devem também ser aceites as eventuais vantagens (de tesouraria) pecuniárias decorrentes desta regulamentação para o sujeito passivo em relação ao consumidor final; neste sentido, v. acórdão Puffer (já referido na nota 7, n.os 55 a 57); v., igualmente, acórdão Wollny (já referido na nota 7, n.° 38).


19 – JO L 10, p. 14.


20 – De acordo com o disposto no seu artigo 2.°, a Diretiva 2009/162/UE deveria ter sido transposta até 1 de janeiro de 2011.


21 – JO L 347, p. 1.


22 – V., supra, n.° 25.


23 – V., supra, n.° 25.


24 – V. acórdão Bakcsi (já referido na nota 7, n.° 33).


25 – Pedido de decisão prejudicial, no ponto 3.4.6.


26 – Acórdão de 19 de novembro de 2009, Don Bosco Onroerend Goed (C-461/08, Colet., p. I-11079, n.° 35 e a jurisprudência aí referida); v., desde logo, o acórdão de 25 de fevereiro de 1999, CPP (C-349/96, Colet., p. I-973, n.° 29), relativo às prestações de serviços.


27 – V., neste sentido, acórdãos Lennartz (já referido na nota 2, n.° 8), e de 2 de junho de 2005, Waterschap Zeeuws Vlaanderen (C-378/02, Colet., p. I-4685, n.° 32).


28 – Acórdão de 6 de maio de 1992, Pieter de Jong (C-20/91, Colet., p. I-2847, n.° 17).


29 – Acórdão HE (já referido na nota 7, n.° 48).


30 – V. acórdãos Seeling (já referido na nota 7, n.os 43 e 47); Wollny (já referido na nota 7, n.° 24); e Puffer (já referido na nota 7, n.° 42).


31 – Acórdão Armbrecht (já referido na nota 7, n.os 19 e 20).


32 – Conclusões do advogado-geral P. Mengozzi de 22 de dezembro de 2008, Vereniging Noordelijke Land- en Tuinbouw Organisatie (C-515/07, Colet., p. I-839, n.° 67).


33 – V. conclusões Vereniging Noordelijke Land- en Tuinbouw Organisatie (já referido na nota 32, n.° 73).


34 – V., a este respeito, as conclusões Vereniging Noordelijke Land- en Tuinbouw Organisatie (já referido na nota 32, n.os 59 e segs.).


35 – V., a este respeito, a decisão do Gerechtshof te Leeuwarden de 7 de setembro de 2007, BK 1024/04, sob o ponto 2.5, que foi apresentado como decisão da instância precedente, em conjunto com o pedido de decisão prejudicial.


36 – V., supra, os n.os 42 e 43.


37 – Neste sentido, acórdãos Lennartz (já referido na nota 2, n.° 8) e Waterschap Zeeuws Vlaanderen (já referido na nota 27, n.° 32).


38 – Acórdão Pieter de Jong (já referido na nota 28, n.° 17).


39 – Neste sentido, acórdão Lennartz (já referido na nota 2, n.° 8); v., igualmente, acórdão de 30 de março de 2006, Uudenkaupungin kaupunki (C-184/04, Colet., p. I-3039, n.° 38).


40 – Acórdão Lennartz (já referido na nota 2, n.° 14).


41 – Neste sentido, acórdão Lennartz (já referido na nota 2, n.° 21); Bakcsi (já referido na nota 7, n.° 29); e Eon Aset Menidjmunt (já referido, na nota 2, n.° 58).


42 – Conclusões do advogado-geral F. G. Jacobs de 20 de janeiro de 2005, Charles e Charles-Tijmens (C-434/03, Colet., p. I-7037, n.° 75).


43 – Acórdão de 8 de junho de 2000, Breitsohl (C-400/98, Colet., p. I-4321, n.os 34 e 35); v., igualmente, acórdão de 21 de março de 2000, Gabalfrisa e o. (C-110/98 a C-147/98, Colet., p. I-1577, n.° 45 e a jurisprudência aí referida).


44 – Acórdão Lennartz (já referido na nota 2, n.° 21).


45 – V. a Decisão do Gerechtshof te Leeuwarden de 7 de setembro de 2007, BK 1024/04, sob o ponto 2.3.


46 – Acórdão Seeling (já referido na nota 7).