Available languages

Taxonomy tags

Info

References in this case

Share

Highlight in text

Go

CONCLUSÕES DO ADVOGADO-GERAL

PEDRO CRUZ VILLALÓN

apresentadas em 26 de abril de 2012 (1)

Processo C-511/10

Finanzamt Hildesheim

contra

BLC Baumarkt GmbH & Co. KG

[pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Bundesfinanzhof (Alemanha)]

«Imposto sobre o valor acrescentado — Sexta Diretiva — Dedução do imposto pago — Bens e serviços utilizados simultaneamente para operações tributáveis para operações isentas — Locação de um imóvel para fins comerciais e habitacionais — Cálculo pro rata da dedução — Regulamentação nacional que prevê o cálculo pro rata segundo a área do imóvel afetada a cada tipo de arrendamento»





1.        A partir de uma única pergunta, que o Bundesfinanzhof formula em termos prima facie muito precisos, a presente questão prejudicial dá ao Tribunal de Justiça a possibilidade de, apesar das dificuldades, avançar na interpretação da conceção e alcance do sistema estabelecido no artigo 17.°, n.° 5 da Sexta Diretiva (2), e particularmente na alínea c) do seu n.° 3. Com efeito, como veremos, a questão projeta-se sobre o alcance desta alínea c), na medida em que, como se sabe, permite aos Estados-Membros, no quadro dos bens e serviços utilizados indistintamente em operações que envolvam um direito à dedução e em operações que não envolvam esse direito («uso misto») a autorizar ou obrigar os sujeitos passivos a calcular o IVA dedutível por referência à «utilização» (3) dos referidos bens e serviços.

I —    Quadro jurídico

A —    Direito da União. A Sexta Diretiva

2.        De acordo com o décimo segundo considerando da Sexta Diretiva, «o regime das deduções deve ser harmonizado, na medida em que influencia os montantes efetivamente cobrados; considerando que o cálculo do valor pro rata de dedução deve ser efetuado de modo análogo em todos os Estados-Membros».

3.        O artigo 17.°, n.° 5, da Sexta Diretiva prevê o seguinte:

«No que diz respeito aos bens e aos serviços utilizados por um sujeito passivo, não só para operações com direito à dedução, previstas nos n.os 2 e 3, como para operações sem direito à dedução, a dedução só é concedida relativamente à parte do imposto sobre o valor acrescentado proporcional ao montante respeitante à primeira categoria de operações.

Este pro rata é determinado nos termos do artigo 19.°, para o conjunto das operações efetuadas pelo sujeitos passivo.

Todavia, os Estados-Membros podem:

a)      Autorizar o sujeito passivo a determinar um pro rata para cada setor da respetiva atividade, se possuir contabilidades distintas para cada um desses setores;

b)      Obrigar o sujeito passivo a determinar um pro rata para cada setor da respetiva atividade e a manter contabilidades distintas para cada um desses setores;

c)      Autorizar ou obrigar o sujeito passivo a efetuar a dedução com base na utilização da totalidade ou de parte dos bens e dos serviços;

d)      Autorizar ou obrigar o sujeito passivo a efetuar a dedução, em conformidade com a regra estabelecida no primeiro parágrafo deste número, relativamente aos bens e serviços utilizados nas operações aí referidas;

e)      Estabelecer que não se tome em consideração o imposto sobre o valor acrescentado que não pode ser deduzido pelo sujeito passivo, quando o montante respetivo for insignificante.»

4.        O artigo 19.°, n.° 1 da Sexta Diretiva dispõe da seguinte forma:

«O pro rata de dedução, previsto no n.° 5, primeiro parágrafo, do artigo 17.°, resultará de uma fração que inclui:

¾        no numerador, o montante total do volume de negócios anual, liquido do imposto sobre o valor acrescentado, relativo às operações que conferem direito à dedução nos termos dos n.os 2 e 3 do artigo 17.°;

¾        no denominador, o montante total do volume de negócios anual, liquido do imposto sobre o valor acrescentado, relativo às operações incluídas no numerador e às operações que não conferem direito à dedução. Os Estados-Membros podem incluir, igualmente, no denominador o montante das subvenções que não sejam as referidas em A, 1, a), do artigo 11.°

O pro rata é determinado numa base anual e fixado em percentagem arredondada para a unidade imediatamente superior.»

B —    Direito nacional

5.        Em virtude do disposto no § 14, n.° 1, da Umsatzsteuergesetz (Lei do imposto sobre o volume de negócios) (4), na versão alterada pela Steueränderungsgesetz 2003 (Lei da reforma fiscal de 2003 (5), a seguir «UStG») «[e]stão sujeitas a imposto sobre o volume de negócios […]: 1. as entregas de bens e outras prestações de serviços efetuadas no território nacional a título oneroso por um empresário no quadro da sua empresa. […]»

6.        De acordo com o § 4 UStG. «[d]as operações abrangidas pelo § 1, n.° 1, ponto 1, estão isentas: […] 12. a) a locação de bens imóveis […]».

7.        De acordo com o § 9, n.° 1 da UStG, «o empresário pode tratar como operação tributável uma operação isenta nos termos do § 4, ponto […] 12 […], quando a operação seja efetuada por conta de um outro empresário e para a empresa deste. […]».

8.        O § 15 da UStG dispõe da seguinte forma:

«(1)      O empresário pode deduzir os seguintes valores de imposto pago:

1.      o imposto legalmente devido por entregas de bens e outras prestações de serviços efetuadas por outro empresário para a sua empresa.

[…]

(2)      Estão excluídas as deduções relativas à entrega, importação e aquisição intracomunitária de bens, bem como a outras prestações de serviços que o empresário utiliza para efetuar as seguintes operações:

1.      operações isentas;

[…]

(4)      Se o empresário utilizar apenas uma parte de uma entrega, importação ou aquisição intracomunitária de bens ou de outras prestações de serviços para a sua empresa, para efetuar operações não dedutíveis, não poderá deduzir a parte de imposto pago a montante economicamente imputável às operações não dedutíveis. O empresário pode determinar os montantes parciais não dedutíveis com base numa avaliação objetiva. Só é permitido determinar a parte não dedutível do imposto pago a montante com base na proporção entre as operações não dedutíveis e as operações dedutíveis quando não for possível outra imputação económica.»

II — Matéria de facto

9.        A BLC Baumarkt GnbH Co.KG (a seguir «BLC») construiu, durante os anos de 2003 e 2004 um edifício para uso residencial e comercial. Em 2004 o imóvel em causa foi dado de arrendamento, sendo que no que diz respeito à parte para uso comercial a operação foi tributada em sede de IVA e a parte destinada ao uso residencial isenta de tal imposto.

10.      Na sua declaração de IVA correspondente ao ano de 2004, a BLC procedeu a uma dedução parcial do imposto relativo ao dito imóvel. Para tal, foi aplicada um cálculo pro rata determinado em função do volume de negócios das operações relativas aos arrendamentos comerciais e dos arrendamentos relativos à habitação (a seguir «método do volume de negócios»).

11.      Na sequência de uma inspeção, o Finanzamt Hildesheim (a Administração Fiscal, a seguir «Finanzamt») considerou que nos termos do § 15, n.° 4, terceiro período, da UStG, na redação de 2003, o montante dedutível deveria ser determinado de acordo com o critério em função da área respetiva dos locais destinados ao uso comercial e dos locais destinados a habitação (a seguir «método em função da área»). Isso levava, no caso, a uma redução do montante dedutível e a uma nova liquidação.

12.      A BLC recorreu da nova liquidação para o Finanzgericht, que lhe deu provimento por entender que o § 15, n.° 4, terceiro período, da UStG era contrário ao direito da União. No entendimento do Finanzgericht, o artigo 17.°, n.° 5, alínea c), da Sexta Diretiva não permite que um Estado-Membro estabeleça, a título principal, um método de cálculo que não seja o método do volume de negócios.

III — A questão apresentada

13.      Essa sentença foi objeto de recurso interposto pelo Finanzamt para o Bundesfinanzhof, que apresenta a questão prejudicial nos seguintes termos:

«Deve o artigo 17.°, n.° 5, terceiro parágrafo, da Sexta Diretiva do Conselho, de 17 de maio de 1977, relativa à harmonização das legislações dos Estados-Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios (77/388/CEE), ser interpretado no sentido de que autoriza os Estados-Membros a prever, para efeitos da repartição do imposto pago a montante relativamente à construção de um imóvel destinado a uso misto, um critério de repartição diferente do critério da categoria das operações?»

14.      O órgão jurisdicional de reenvio pergunta se o artigo 17.°, n.° 5, terceiro parágrafo, alínea c), da Sexta Diretiva autoriza o legislador nacional a limitar o critério da categoria das operações e substituir, portanto, o método do volume de negócios por outro, como o critério em função da área.

15.      O Bundesfinanzhof assinala que o legislador alemão introduziu a limitação do critério da categoria das operações no § 15.°, n.° 4, terceiro período, da UStG, expressamente com base no artigo 17.°, n.° 5, terceiro parágrafo, alínea c), da Sexta Diretiva e no entendimento de que a aplicação do referido critério não é vinculativo para os Estados-Membros, uma vez que estes podem estabelecer diferentes critérios nos termos do disposto no referido preceito.

16.      O próprio Bundesfinanzhof reconhece, contudo, que contra esta interpretação se poderia alegar que o teor do artigo 17.°, n.° 5, terceiro parágrafo, alínea c), da Sexta Diretiva 77/388/CEE está longe de ser claro, defendendo tanto a sua lógica interna como a finalidade da disposição pela manutenção do critério da categoria de operações.

IV — O processo no Tribunal de Justiça

17.      A questão prejudicial foi registada no Tribunal em 27 de outubro de 2010.

18.      Foram apresentadas alegações escritas pelos Governos alemão, do Reino Unido e grego, e também pela Comissão. Não se realizou audiência pública.

19.      Quer a Comissão quer o conjunto dos governos que intervieram nos autos consideram que a questão apresentada merece uma resposta afirmativa. Admitindo em princípio que o método aplicável é o do volume de negócios, argumentam que, de acordo com o acórdão de 18 de dezembro de 2008, Royal Bank of Scotland (6), o artigo 17.°, n.° 5, terceiro parágrafo, da Sexta Diretiva autoriza os Estados-Membros a estabelecer exceções de maior ou menor âmbito, podendo inclusive chegar a uma exclusão do direito à dedução. Nesse sentido surgem quer a sua letra quer a sistemática do artigo 17.°, n.° 5, terceiro parágrafo, da Sexta Diretiva, dos quais resulta que o legislador não impõe aos Estados-Membros um critério específico para o cálculo da percentagem da dedução. Assim resulta da exposição de motivos do projeto da Sexta Diretiva. As partes sublinham por fim que o método em função da área, para além ser mais facilmente aplicável, produz, em sua opinião, resultados mais concretos e garante por si, uma melhor aplicação do princípio da neutralidade fiscal.

20.      O Governo do Reino Unido defende, por sua vez, que as exceções não se podem converter em regra de modo a que o volume de negócios funcione apenas como critério residual. Em seu entender, as exceções só são admissíveis, enquanto tais, quando o método do volume de negócios leve a um resultado injusto ou inexato.

V —    Apreciação

21.      A pergunta formulada pelo Bundesfinanzhof justifica um comentário prévio, antes de passarmos à sua resposta. Refira-se, antes de mais, que a pergunta está formulada a partir de dois elementos, um relativo a um tipo concreto de bens que está na origem de um eventual direito à dedução; outro relativo a uma determinada forma de cálculo do referido direito, designado simplificadamente, de «uso misto».

22.      Desta forma e como já referimos desde o primeiro momento, o Bundesfinanzhof parece apenas ter dúvidas no que diz respeito ao cálculo do direito à dedução dos impostos pagos no momento da construção de um tipo muito concreto de bem, «um edifício», quando este é objeto de «uso misto», isto é, destinado a uma utilização que implica operações com direito a dedução assim como a operações sem direito à mesma.

23.      Por outro lado, o órgão jurisdicional de reenvio remete para uma forma mais ou menos determinada de cálculo do direito de dedução, que descreve através da frase «atenção preferencial a um critério diferente do critério da categoria de operações», numa referência velada à norma nacional correspondente (§ 15.°, n.° 4, UStG). Nesta matéria, a Sexta Diretiva é muito mais explícita: o seu artigo 17.°, n.° 5, estabelece um conjunto de normas vinculantes para os Estados-Membros. A dificuldade reside em determinar, como já referimos, a margem de discricionariedade dos Estados-Membros no momento de consagrar o «critério» a seguir nestas situações no sentido de determinar o direito à dedução.

24.      Formulada nestes termos, a pergunta do Bundesfinanzhof levanta de imediato uma questão da nossa parte: questiona-se se o «critério» descrito nesses termos é válido enquanto tal e portanto, se é válido de uma forma genérica para a quantificação do direito à dedução de quaisquer bens e serviços? Ou, pelo contrário, questiona-se a sua legitimidade única e exclusiva quanto a este tipo de bens?

25.      Se atendermos ao teor da pergunta tal como está formulada, poderia dar a ideia que o órgão jurisdicional de reenvio não precisa de outra resposta para além daquela já pretendida no caso dos edifícios de uso misto. Não obstante, basta tomar em consideração a exposição redigida na petição inicial assim como as observações escritas para concluir pela escassa relevância do bem que deu lugar ao litígio. O debate centra-se, de forma relevante, na liberdade de atuação dos Estados-Membros nos termos do terceiro parágrafo do artigo 17.°, n.° 5, da Sexta Diretiva, no contexto da opção do legislador nacional.

26.      Em suma, em que medida podem os Estados-Membros dar preferência ao método de «utilização», afastando-se da regra do volume de negócios? Neste quadro, certamente, não será indiferente a circunstância de se tratar do cálculo da dedução de impostos liquidados no momento da construção de um imóvel de uso misto. Entendo que a atenção dada ao contexto normativo mais geral no qual se insere o pressuposto concreto cuja análise é suscitada é determinante.

27.      Apresentada a questão nestes termos, a resposta que propomos será abordada em três fases. Na primeira, trataremos de apresentar uma interpretação de cariz sistemático e teleológico da parte relevante do artigo 17.°, n.° 5, da Sexta Diretiva de forma a fornecer um critério relativo ao método de cálculo que o órgão jurisdicional de reenvio descreve na perífrase citada. Na segunda, ocupar-me-ei, de forma breve, do caso concreto dos impostos liquidados no momento da construção de um imóvel de uso misto. Por fim, na terceira fase teceremos uma consideração acerca da missão atribuída ao tribunal nacional nas circunstâncias do caso apresentado.

A —    O artigo 17.°, n.° 5, da Sexta Diretiva: uma regra «flexibilizada»

28.      No desenvolvimento desta primeira fase, começamos por admitir que o n.° 5 do artigo 17.° da Sexta Diretiva levanta claras dificuldades de interpretação, designadamente no que diz respeito ao terceiro parágrafo, no qual a diretiva concede aos Estados-Membros uma série de possibilidades, não só variadas, mas também heterogéneas, através da conjunção «todavia» (7), que lhes confere uma caráter excecional. O que está substancialmente em jogo nos presentes autos é a capacidade ou virtualidade do terceiro parágrafo de enfraquecer o estipulado nos dois primeiros.

29.      Com efeito, o terceiro parágrafo da referida disposição permite aos Estados-Membros (A) a previsão, facultativa ou obrigatória, de um calculo individualizado para cada «setor de atividade» [alíneas a) e b)]; (B) a configuração do pro rata principal como obrigatório ou facultativo, implicando este último a possibilidade de outras pro ratas [alínea d)]; ou, a final, que aqui importa (C) a determinação da dedução a partir do critério da «utilização» da totalidade ou de parte dos bens e serviços utilizados em operações iguais [alínea c)] (8).

30.      Antecipando a minha conclusão nessa matéria, é meu entendimento que o artigo 17.°, n.° 5, da Sexta Diretiva estabeleceu de forma clara uma regra para a determinação do montante dedutível nos casos de uso misto aí previstos; a regra em causa não é outra senão o pro rata baseado no volume de negócios, calculado de acordo com a fórmula estabelecida no artigo 19.°, n.° 1, da referida diretiva.

31.      Foi esse o entendimento do Tribunal de Justiça no acórdão de 18 de dezembro de 2008, no caso RBS, cuja jurisprudência tem servido de apoio à defesa de todas as partes. No referido acórdão, o Tribunal de Justiça começou por afirmar que «o artigo 17.°, n.° 5, da Sexta Diretiva estabelece o regime aplicável ao direito à dedução do IVA, quando respeite a bens ou serviços que sejam utilizados pelo sujeito passivo ‘não só para operações com direito à dedução, previstas nos n.os 2 e 3, como para operações sem direito à dedução’. Em tal caso, em conformidade com o artigo 17.°, n.° 5, primeiro parágrafo, da Sexta Diretiva, a dedução só é permitida em relação à parte do IVA que seja proporcional ao montante respeitante às primeiras operações tributadas (acórdãos Abbey National, já referido, n.° 37, e de 27 de setembro de 2001, Cibo Participations, C-16/00, Colet., p. I-6663, n.° °34)» (n.° 17).

32.      Tal montante, como adiante é referido, é calculado «por força do artigo 17.°, n.° 5, segundo paragrafo, da Sexta Diretiva […] segundo um pro rata determinado em conformidade com o artigo 19.° desta mesma diretiva» (n.° 18).

33.      Desta forma, conforme alegado pelo Governo do Reino Unido, a regra geral estabelecida no artigo 19.° da Sexta Diretiva, baseada na correlação entre os montantes dos volumes de negócios relativos a operações com direito à dedução e a operações sem direito à dedução, funciona com dados contabilísticos facilmente disponibilizados por todos os sujeitos passivos, possibilitando, em princípio, um calculo equitativo e razoavelmente preciso do montante que virá a ser dedutível. Este é o caminho pelo qual o legislador comunitário optou, dado que, enquanto indica outros métodos possíveis à disposição dos Estados-Membros, o critério do volume de negócios é o que apresenta o seu procedimento detalhadamente regulado

34.      É certo que, o acórdão RBS, no n.° 9, consta uma afirmação que, em meu entender, está na origem de um mal-entendido, mais ou menos difundido (9), sobre o qual assentou a ideia de que o regime previsto no artigo 17.°, n.° 5, da Sexta Diretiva admite por parte dos Estados-Membros exceções que em meu entender, não encontram fundamento na leitura da disposição, nem no próprio acórdão RBS.

35.      Com efeito, o Tribunal de Justiça declarou, no n.° 19 do referido acórdão RBS, que o «artigo 17.°, n.° 5, terceiro parágrafo, consente a derrogação a esta regra [constante do segundo parágrafo], permitindo que os Estados-Membros prevejam um dos outros métodos de determinação do direito à dedução enumerados neste parágrafo, a saber, o estabelecimento de um pro rata distinto para cada setor de atividade ou a dedução consoante a afetação de toda ou parte dos bens e serviços a uma dada atividade, ou mesmo que prevejam a exclusão do direito à dedução mediante certas condições». Poderia resultar do exposto que o critério previsto nos dois primeiros parágrafos não vincula, de forma definitiva, os Estados-Membros, na medida em que terceiro parágrafo permite a adoção de «outros critérios» diferentes daquele.

36.      Esta conclusão retirada da citação acima referida, parece-me precipitada. Em primeiro lugar, há que tomar em consideração o seu contexto. Com efeito, no espírito de uma decisão que aborda a questão relacionada com as possibilidades de «arredondar» os números no cálculo da dedução, questão regulada pelo artigo 19.°, n.° 1, segundo parágrafo, da Sexta Diretiva, não parece arriscado afirmar que as citações acima reproduzidas foram ditas de passagem.

37.      Com efeito, então não se tratava de se pronunciar com caráter geral sobre a conjugação dos diferentes parágrafos do n.° 5 do artigo 17.°, mas sim sobre um aspeto muito concreto do sistema de cálculo pro rata da dedução. Nos presentes autos, pelo contrário, e apesar da aparente natureza concreta da questão apresentada pelo Bundesfinanzhof, impõe-se efetivamente uma decisão dessa natureza, como referi no ponto 25.

38.      Em segundo lugar, embora admitindo de o referido parágrafo permitir aos Estados-Membros a possibilidade de definir «outros critérios», de modo algum estamos com isto a afirmar a existência de uma possibilidade geral e incondicional de afastar a regra prevista nos dois parágrafos que precedem cujos pormenores constam do artigo 19.°

39.      Em suma, é meu entendimento que uma interpretação sistemática da disposição em causa afaste a possibilidade de o terceiro parágrafo do artigo 17.° da Sexta Diretiva poder tornar a regra prevista nos seus dois primeiros parágrafos numa regra genérica ou ilimitadamente suscetível de exceção.

40.      No entanto, uma interpretação de cariz teleológico leva à mesma conclusão. O relatório explicativo da proposta para a Sexta Diretiva (10) justifica o n.° 5 do artigo 17.° no que diz respeito à necessidade de evitar desigualdades na aplicação do imposto, dispondo que os Estados-Membros possam «autorizar ou obrigar o sujeito passivo a efetuar a dedução, em conformidade com a regra estabelecida no primeiro parágrafo deste número, relativamente aos bens e serviços utilizados nas operações aí referidas».

41.      Na mesma linha e no contexto de uma Diretiva que de acordo com o décimo segundo considerando responde ao objetivo de harmonizar o regime de deduções «na medida em que influencia os montantes efetivamente cobrados», dispondo para esses efeitos que «o cálculo do valor pro rata de dedução deve ser efetuado de modo análogo em todos os Estados-Membros», torna-se claro que a possibilidade de os Estados-Membros estabelecerem geral e livremente, qualquer dos critérios previstos no referido terceiro parágrafo iria contra o objetivo prosseguido pela União. Não faria sentido, reintroduzir a diversidade através de uma autorização aos Estados-Membros para poderem excecionar o critério estabelecido como regra geral, pelo menos, como se verá, na ausência de uma justificação baseada na pretensão de satisfazer de forma mais correta as exigências inerentes à filosofia e ao sistema do regime do imposto.

42.      Tudo isto me leva, somos a concluir que com o seu terceiro parágrafo, o artigo 17.°, n.° 5, pretendeu evitar de forma substancial o rigor da regra estabelecida nos seus parágrafos anteriores, introduzindo para estes efeitos, uma pluralidade de instrumentos à disposição dos Estados-Membros, flexíveis quer na sua conceção, quer no seu alcance, sempre no interesse da neutralidade característica deste imposto (11).

43.      Ora, esta «flexibilidade» da regra, posta à disposição dos Estados-Membros, só se pode justificar enquanto as medidas que a propiciam sejam capazes de permitir que se alcance o fim perseguido pelo legislador da União ao permitir que os Estados-Membros possam adotar alguma das possibilidades constantes nas alíneas a) e d) do terceiro parágrafo do n.° 5 do artigo 17.° da Sexta Diretiva. Este fim, nos termos do acórdão RBS, já referido, n.° 24, não é outro senão «tendo em conta as características especificas próprias das atividades do sujeito passivo, permitir que os Estados-Membros atinjam resultados mais precisos». Em definitivo, o objetivo último prosseguido é, como é inevitável no âmbito fiscal, a exatidão no cálculo da dedução à qual o sujeito passivo tem legítimo direito e a garantia da neutralidade como princípio informador da figura tributária aqui em causa (12).

44.      Por conseguinte, é possível chegar já a uma conclusão geral, o artigo 17.°, n.° 5 da Sexta Diretiva permite aos Estados-Membros afastarem-se da regra geral do pro rata baseado no volume de negócios prevista nos primeiros parágrafos, em conjugação com o artigo 19.°, isto de acordo com as diversas possibilidades abertas pelo terceiro parágrafo do referido n.° 5. Em particular, a alínea c) do parágrafo em causa, concede, sem dúvida, aos Estados-Membros a possibilidade de se afastarem da regra geral, na medida em que permite optar por um pro rata baseada na utilização. Ora, uma interpretação sistemática e teleológica desta disposição em concreto impede de a dotar de um alcance com respeito ao qual a regra fixada como ponto de partida se pudesse ver praticamente «desativada» de forma geral, ou relegada para uma posição certamente subordinada ou de aplicação claramente problemática.

45.      De outra forma, o artigo 17.°, n.° 5, não permite «desvirtuar» a estrutura básica do regime de cálculo da dedução previsto pelo legislador da União com o objetivo de harmonizar os regimes de dedução vigentes nos Estados-Membros através da imposição de uma fórmula de cálculo análoga a todos eles. Este intuito harmonizador é, contudo, compatível com a fixação eventual por parte dos Estados-Membros de um número indefinido de casos não necessariamente regulados pela regra geral, justificados pela necessidade de pleno cumprimento do principio da neutralidade do imposto e pela maior precisão de calculo da dedução em cada caso (13). A partir daqui, do que se trata neste contexto, é saber se as características do pressuposto concreto cuja consideração nos propõe o órgão jurisdicional de reenvio tornam digno um critério de cálculo potencialmente diferente do critério baseado na categoria das operações.

B —    O caso das construções de «uso misto»

46.      Com efeito, como se vem reiterando, o Bundesfinazhof não pretende uma resposta geral para o problema que nos tem ocupado até aqui, mas sim no que diz respeito ao cálculo da dedução dos impostos liquidados na construção de um edifício de uso misto. As considerações até aqui expostas devem permitir uma abordagem a esta resposta com relativa simplicidade.

47.      Todas as partes coincidiram na consideração de que o método do volume de negócios previsto como regra geral na Sexta Diretiva pode revelar-se, em certos casos, menos equitativo e ajustado que outros métodos possíveis. Ou, dito de outra forma, pode dar-se o caso de que, tomando em consideração as particularidades das operações económicas em causa, existam métodos mais precisos para determinar o montante dedutível do que o método previsto com carácter principal pelo legislador da Sexta Diretiva. Na medida em que essa maior equidade e precisão na determinação do montante cumprirá de forma mais satisfatória o princípio da neutralidade do IVA, deve admitir-se que tal circunstância constitui fundamento suficiente para justificar a substituição da regra do volume de negócios por uma regra que garanta esse resultado.

48.      Concretamente, todas as partes intervenientes nos autos constataram que o método da utilização baseado no critério da área utilizada assegura, em circunstâncias como a dos autos principais, isto é, quando se trata de construção de um imóvel de uso misto, um resultado mais preciso do montante dedutível ao qual o sujeito passivo tem legítimo direito.

49.      Nestes termos, em todo o caso e como hipótese, entendemos ser possível que o caso dos imóveis de uso misto seja visto como um «candidato» à utilização de um método de cálculo alternativo ao pro rata baseado no volume de negócios.

50.      Se for esse efetivamente o caso, o que deve ser comprovado pelo órgão jurisdicional de reenvio, não deve haver inconveniente, do ponto de vista do direito da União, que o método aplicável para o cálculo do montante da dedução seja o da utilização.

51.      A questão, contudo, é todavia de saber se o Estado-Membro realizou concretamente uma opção no sentido de prever que essa categoria de bens seja tratada de acordo com um cálculo que, ao menos prioritariamente, não se baseie no volume de negócios. Pelo menos, deve ser claro que esta opção não funciona automaticamente, antes exigindo bem pelo contrário, uma decisão do Estado-Membro. Posto isto, ocupar-me-ei agora do último ponto, como indicado no início das conclusões.

C —    A opção do Estado-Membro, com base no artigo 17.°, n.° 5

52.      Cabe antes de mais referir que uma decisão específica do legislador nacional relativamente ao cálculo da dedução neste tipo de bens certamente facilitaria as coisas ao tribunal nacional. O legislador nacional, como se viu, optou por uma previsão que, permitindo ao sujeito passivo, com caráter geral, encontrar os montantes parcialmente não dedutíveis mediante uma estimativa objetiva, oferece uma cobertura suficiente da questão que nos é apresentada. No entanto, ao mesmo tempo, conforme resulta das considerações expostas, é essa generalidade que pode levantar problemas do ponto de vista do direito da União, uma vez que o preceito nacional acaba por tornar o critério do volume de negócios uma última opção subsidiária, somente aplicável se não for possível outra imputação económica dos bens e serviços utilizados em operações diferentes.

53.      Em suma, a consequência desse tratamento com sentido de abrangência integral por parte do legislador nacional torna incompreensível a razão que levou o Estado-Membro a afastar neste caso — como noutros — a regra geral.

54.      Neste contexto da regulamentação nacional, entendo que, num caso como o dos autos, por mais que o caso submetido à nossa apreciação seja suscetível prima facie de excetuar a regra geral, deve ser o tribunal nacional a confirmar eventualmente a decisão da autoridade nacional que, no processo principal, não autorizou o cálculo do direito à dedução com base no volume de negócios.

VI — Conclusão

55.      Atendendo às considerações acima expostas, proponho que o Tribunal de Justiça responda à questão apresentada pelo Bundesfinanzhof da seguinte forma:

«O artigo 17.°, n.° 5, da Sexta Diretiva, relativa à harmonização das legislações dos Estados-Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios, deve ser interpretado no sentido de que se não opõe, em princípio, a que os Estados-Membros estabeleçam, num caso como o da distribuição dos impostos pagos pela construção de um imóvel de uso misto, que se siga preferencialmente um critério diferente do critério do tipo de operação. Não obstante, nas circunstâncias resultantes da situação da legislação nacional aplicável ao caso, cabe ao tribunal nacional a missão de assegurar que este critério, no caso presente, está orientado de forma a garantir um resultado mais preciso que o previsto pela regra geral.»


1 —      Língua original: espanhol.


2 —      Sexta Diretiva 77/388/CEE do Conselho, de 17 de maio de 1977, relativa à harmonização das legislações dos Estados-Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios —Sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado: matéria colectável uniforme (JO L 145, p. 1; EE 09 F1 p. 54).


3 —      «Afectación real» é o termo utilizado pela alínea c) do parágrafo terceiro do n.° 5 do artigo 17.° da Sexta Diretiva na versão espanhola.[na versão portuguesa: «utilização»] Na versão alemã o termo utilizado é «Zuordnung», na versão inglesa é «use» e na versão francesa é «affectation».


4 —      BGBl 1999 I, p. 1270.


5 —      BGBl. 2003 I, p. 2645.


6 —      C-488/07, Colet., p. I-10409, a seguir «RBS».


7 —      Partícula adversativa atualmente suprimida no artigo 173.° da Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de setembro de 2006, relativa ao sistema comum sobre do imposto do valor acrescentado. (JO L 347, p. 1)


8 —      A alínea e) é irrelevante para estes efeitos, uma vez que se limita a possibilitar a exclusão da dedução quando resulte um montante insignificante.


9 —      Como resulta das posições adoptadas pelas partes com intervenção nos autos.


10 —      Publicada no Boletim das Comunidades Europeias, suplemento 11/73.


11 —      É sintomático que sem alterar o conteúdo do artigo 17.°, n.° 5, da Sexta Diretiva, o artigo 173.° da Diretiva 2006/112, já referido, reproduza no seu n.° 2, o terceiro parágrafo do n.° 5 do artigo 17.° da Sexta Diretiva estabelecendo que «[o]s Estados-Membros podem tomar as medidas seguintes», reproduzindo em seguida as alíneas a) e e) do referido terceiro parágrafo. Assim, torna-se mais claro que o que é permitido não são tanto verdadeiras «exceções» à regra geral, mas sim «medidas» que atenuem ou flexibilizem, sem contudo, ferirem a sua natureza.


12 —      Neste sentido, acórdão de 29 de outubro de 2009, NCC Construction Danmark (C-174/08, Colet. p. I-10567, n.° 27).


13—      Neste sentido, o Tribunal de Justiça pronunciou-se claramente, por exemplo, no acórdão de 13 de março de 2008, Securenta Göttinger Immobilienanlagen und Vermögensmanagement (C-437/06, Colet. p. I-1597, n.os 4 a 39).