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CONCLUSÕES DO ADVOGADO-GERAL

PEDRO CRUZ VILLALÓN

apresentadas em 21 de junho de 2012 (1)

Processo C-587/10

Vogtländische Straßen-, Tief- und Rohrleitungsbau GmbH Rodewisch (VSTR)

contra

Finanzamt Plauen

[pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Bundesfinanzhof (Alemanha)]

«Imposto sobre o valor acrescentado — Entrega intracomunitária — Operações em cadeia — Recusa da isenção por falta de apresentação do número de identificação para efeitos de IVA do adquirente»





I —    Introdução

1.        No presente processo, o Bundesfinanzhof submete ao Tribunal de Justiça várias questões relativas à interpretação da Sexta Diretiva 77/388/CEE (2) no âmbito de um processo em que é discutida a legalidade de uma decisão das autoridades fiscais alemãs pela qual foi recusada a isenção para as entregas intracomunitárias, prevista no artigo 28.°-C, A, alínea a), da referida diretiva, a um fornecedor sujeito passivo.

2.        A particularidade da situação radica em que a entrega controvertida faz parte de uma operação em cadeia com duas vendas sucessivas e um único transporte intracomunitário. O fundamento da recusa da isenção foi o facto de o primeiro fornecedor, uma empresa alemã, não ter indicado o número de identificação para efeitos de IVA da empresa norte-americana que lhe adquiriu as mercadorias, mas sim o da segunda adquirente das mesmas, uma empresa finlandesa.

3.        O presente processo permitirá ao Tribunal de Justiça desenvolver a sua já abundante jurisprudência relativa à isenção das entregas intracomunitárias, esclarecendo o alcance dos poderes que a frase introdutória do artigo 28.°-C, A, da Sexta Diretiva, atribui aos Estados-Membros para fixar as condições necessárias para garantir uma «aplicação correta e simples» da isenção, bem como para «prevenir eventuais fraudes, evasões e abusos».

II — Quadro jurídico

A —    Direito da União: Sexta Diretiva IVA

4.        De acordo com o artigo 4.°, n.° 1, da Sexta Diretiva, entende-se por sujeito passivo para efeitos de IVA «qualquer pessoa que exerça, de modo independente, em qualquer lugar, uma das atividades económicas referidas no n.° 2, independentemente do fim ou do resultado dessa atividade». De acordo com o referido n.° 2, «[a]s atividades económicas referidas no n.° 1 são todas as atividades de produção, de comercialização ou de prestação de serviços, incluindo as atividades extrativas, agrícolas e as das profissões liberais ou equiparadas. [...]».

5.        O artigo 22.° da Sexta Diretiva, na redação que lhe foi dada pelo artigo 28.°-H da mesma, prevê uma série de obrigações dos sujeitos passivos no regime interno.

6.        Assim, o artigo 22.°, n.° 1, alínea c), primeiro e terceiro travessões, estabelece que «[o]s Estados-Membros tomarão as medidas necessárias para que um número pessoal identifique: — todos os sujeitos passivos, à exceção dos referidos no n.° 4 do artigo 28.°-A, que efetuem, no território do país, entregas de bens ou prestações de serviços que lhes confiram direito a dedução [...] — todos os sujeitos passivos que efetuem no território do país aquisições intracomunitárias de bens para efeitos de operações suas que estejam relacionadas com as atividades económicas referidas no n.° 2 do artigo 4.° e sejam efetuadas no estrangeiro».

7.        O artigo 22.°, n.° 3, alínea a), dispõe que «[o]s sujeitos passivos devem emitir uma fatura ou um documento que a substitua, em relação à entrega de bens e às prestações de serviços que efetuem a outro sujeito passivo» ou a pessoas coletivas que não sejam sujeitos passivos. «Todos os sujeitos passivos devem igualmente assegurar que seja emitida [...] uma fatura [...] para as entregas de bens efetuadas nas condições previstas no ponto A do artigo 28.°-C». De acordo com o artigo 22.°, n.° 3, alínea b), na referida fatura deve ser mencionado o número de identificação para efeitos de IVA.

8.        De acordo com o artigo 22.°, n.° 8, «[o]s Estados-Membros podem prever outras obrigações que considerem necessárias para garantir a cobrança exata do imposto e para evitar a fraude, sem prejuízo da observância da igualdade de tratamento das operações internas e das operações efetuadas entre Estados-Membros por sujeitos passivos, e sob condição de que essas obrigações não deem origem, nas trocas comerciais entre os Estados-Membros, a formalidades relacionadas com a passagem de uma fronteira».

9.        A Sexta Diretiva inclui um título XVI-A, com a epígrafe «Regime transitório de tributação das trocas comerciais entre Estados-Membros», que foi introduzido pela Diretiva 91/680 e compreende os artigos 28.°-A a 28.°-N.

10.      O artigo 28.°-A, n.° 1, alínea a), da Sexta Diretiva, dispõe, no seu primeiro parágrafo, que ficam igualmente sujeitas ao IVA «[a]s aquisições intracomunitárias de bens efetuadas a título oneroso no território do país por um sujeito passivo agindo nessa qualidade, ou por uma pessoa coletiva que não seja sujeito passivo [...]».

11.      De acordo com o artigo 28.°-A, n.° 3, «[p]or ‘aquisição intracomunitária’ de um bem entende-se a obtenção do poder de dispor, como proprietário, de um bem móvel corpóreo expedido ou transportado com destino ao adquirente, pelo vendedor ou pelo adquirente ou por conta destes, para um Estado-Membro diferente do Estado de início da expedição ou do transporte do bem».

12.      O artigo 28.°-B, A, n.° 1, estabelece que o lugar de uma aquisição intracomunitária de bens é «o local onde se encontram os bens no momento da chegada da expedição ou do transporte destinado ao adquirente». Mas, o n.° 2 precisa que, «[s]em prejuízo do disposto no n.° 1, considera-se, todavia, que o lugar de uma aquisição intracomunitária de bens referida no n.° 1, alínea a), do artigo 28.°-A, se situa no território do Estado-Membro que atribuiu o número de identificação para efeitos do imposto sobre o valor acrescentado sob o qual o adquirente efetuou essa aquisição, na medida em que o adquirente não prove que essa aquisição foi sujeita ao imposto nos termos do n.° 1. [...]».

13.      O artigo 28.°-C, A, alínea a), declara isentas de imposto as entregas intracomunitárias, nos seguintes termos:

«Sem prejuízo de outras disposições comunitárias e nas condições fixadas pelos Estados-Membros para garantir uma aplicação correta e simples das isenções adiante previstas e prevenir eventuais fraudes, evasões e abusos, os Estados-Membros isentarão:

a)       As entregas de bens, na aceção do artigo 5.°, expedidos ou transportados, pelo vendedor ou pelo adquirente ou por conta destes, para fora do território referido no artigo 3.°, mas no interior da Comunidade, efetuadas a outro sujeito passivo ou a uma pessoa coletiva que não seja sujeito passivo, agindo como tal num Estado-Membro diferente do Estado de início da expedição ou do transporte dos bens. [...]».

B —    Regulamentação nacional

14.      De acordo com o § 6a, n.° 1, primeiro período, da Umsatzsteuergesetz (Lei do imposto sobre o volume de negócios, a seguir «UStG») (3), existe uma entrega intracomunitária — isenta de imposto de acordo com o § 4, n.° 1, alínea b), da UStG — quando estiverem preenchidos os seguintes requisitos: «1) O empresário ou o adquirente tiver transportado ou expedido o objeto da entrega para outro lugar do território comunitário; 2) O adquirente for: a) um empresário que adquiriu o objeto da entrega para a sua empresa; b) uma pessoa coletiva que não é empresário ou que não adquiriu o objeto da entrega para a sua empresa; ou c) qualquer adquirente em caso de entrega de um veículo novo; e 3) A aquisição do objeto entregue noutro Estado-Membro estiver sujeita, em razão da qualidade do adquirente, à legislação em matéria de imposto sobre o volume de negócios». Em conformidade com o n.° 3 deste mesmo § 6a da UStG, compete ao empresário fazer prova de que estes requisitos estão preenchidos.

15.      O § 17c, n.° 1, do Umsatzsteuer-Durchfürungsverordnung (Regulamento de execução da UStG, a seguir «UStDV») (4), determina que, no caso de entregas intracomunitárias, o empresário abrangido pelo âmbito de aplicação do referido regulamento deve provar, através da sua contabilidade, a existência dos pressupostos da isenção, «incluindo o número de identificação de IVA do adquirente».

III — Litígio no processo principal e questões prejudiciais

16.      A recorrente em primeira instância e em recurso de «Revision», Vogtländische Straßen-, Tief- und Rohrleitungsbau GmbH Rodewisch (a seguir «VSTR»), é a sociedade-mãe de uma sociedade de direito alemão com sede na Alemanha.

17.      Em novembro de 1998, esta última sociedade vendeu duas máquinas trituradoras de pedras à empresa norte-americana ATLANTIC International Trading Co. (a seguir «ATLANTIC»). A ATLANTIC tinha uma sucursal em Portugal, não estando, no entanto, registada para efeitos de IVA em nenhum Estado-Membro da União.

18.      A empresa vendedora solicitou à ATLANTIC a comunicação do seu número de identificação para efeitos de IVA, tendo-lhe esta respondido que tinha (re)vendido as máquinas a uma empresa com sede na Finlândia e, simultaneamente, indicado o número de identificação para efeitos de IVA da referida empresa finlandesa. A vendedora alemã verificou a exatidão do referido dado.

19.      Relativamente ao transporte das máquinas, há que precisar que, em 14 de dezembro de 1998, estas foram levantadas na sede da empresa alemã por uma transportadora contratada pela ATLANTIC, tendo sido primeiro enviadas por via terrestre para Lübeck (Alemanha), e, três dias depois, expedidas por via marítima para a Finlândia.

20.      A empresa alemã vendedora emitiu à ATLANTIC uma fatura sem IVA, indicando o número de identificação da empresa finlandesa.

21.      Na sua declaração anual de imposto sobre o volume de negócios relativa ao ano de 1998, a VSTR, sociedade-mãe da empresa vendedora, considerou que a entrega das máquinas estava isenta de imposto. Ao invés, a autoridade fiscal alemã (o Finanzamt Plauen) entendeu que a isenção não era aplicável neste caso, visto que a ATLANTIC, na qualidade de adquirente, não utilizou qualquer número de identificação de IVA do Estado-Membro de destino ou de outro Estado-Membro.

22.      A VSTR recorreu, em primeira instância, desta decisão, e interpôs recurso de «Revision» da sentença do Finanzgericht pela qual este negou provimento àquele recurso. No âmbito do recurso de «Revision» para o Bundesfinanzhof, a VSTR alegou que o fundamento com base no qual a administração alemã lhe recusou a isenção é contrário à Sexta Diretiva. A Administração alemã, pelo contrário, considera que os Estados-Membros podem subordinar a aplicação da isenção em causa à condição de o adquirente possuir num Estado-Membro um número de identificação para efeitos de IVA, como prevê o § 17c, n.° 1, do UStDV.

23.      Considerando existirem dúvidas de interpretação em relação aos requisitos exigíveis para a aplicação da isenção das entregas intracomunitárias prevista no artigo 28.°-C, A, alínea a), primeiro parágrafo, da Sexta Diretiva, o Bundesfinanzhof submeteu ao Tribunal de Justiça as seguintes questões:

«1.      A Sexta Diretiva 77/388/CEE do Conselho, de 17 de maio de 1977, relativa à harmonização das legislações dos Estados-Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios, permite que os Estados-Membros considerem a existência de uma entrega intracomunitária isenta do pagamento de imposto apenas quando o sujeito passivo prove, por via contabilística, o número de identificação de IVA do adquirente?

2.      Para a resposta a dar a esta questão, é importante determinar:

¾        se o adquirente é um empresário estabelecido num país terceiro, que, embora tenha expedido o objeto da entrega de um Estado-Membro para outro no âmbito de uma operação em cadeia, não está registado para efeitos de IVA em nenhum Estado-Membro, e

¾        se o sujeito passivo provou que o adquirente apresentou uma declaração fiscal relativa à aquisição intracomunitária?»

IV — Tramitação processual no Tribunal de Justiça

24.      O pedido de decisão prejudicial deu entrada na Secretaria do Tribunal de Justiça em 15 de dezembro de 2010.

25.      Apresentaram observações escritas, a Itália, a Alemanha, a VSTR e a Comissão.

26.      Compareceram na audiência, que se realizou em 7 de março de 2012, para apresentar alegações orais, os representantes da VSTR, do Governo alemão e da Comissão.

V —    Análise das questões prejudiciais

A —    Questão prévia: identificação da entrega intracomunitária numa operação em cadeia

27.      As questões formuladas pelo Bundesfinanzhof dizem respeito à aplicação da isenção das entregas intracomunitárias prevista no artigo 28.°-C, A, alínea a), primeiro parágrafo, da Sexta Diretiva.

28.      A referida disposição exige três requisitos para qualificar uma operação como entrega intracomunitária de bens isenta de IVA: a transferência do poder de disposição sobre o bem como proprietário; a deslocação física dos bens de um Estado-Membro para outro; e a condição de sujeito passivo do adquirente (que também pode ser uma pessoa coletiva que não seja sujeito passivo, «agindo como tal num Estado-Membro diferente do Estado de início da expedição ou do transporte dos bens»).

29.      O primeiro destes três requisitos (transferência do poder de disposição sobre os bens da VSTR para a ATLANTIC) não foi posto em causa em nenhum momento, e as questões do Bundesfinanzhof dizem respeito ao terceiro (a condição de sujeito passivo do adquirente).

30.      No entanto, a título preliminar, é oportuno fazer um breve esclarecimento em relação ao segundo requisito (transporte intracomunitário), dado que o caso aqui em análise apresenta a particularidade de a entrega cuja sujeição a IVA está em causa fazer parte de uma operação em cadeia constituída por duas operações de venda sucessivas — a primeira, de uma sociedade alemã a uma sociedade norte-americana e, a segunda, desta última a uma sociedade finlandesa — e um único transporte intracomunitário dos bens, da Alemanha para a Finlândia.

31.      Segundo o acórdão de 6 de abril de 2006, EMAG Handel Eder, em casos como o presente, isto é, «quando duas entregas sucessivas que têm por objeto os mesmos bens, efetuadas a título oneroso entre sujeitos passivos agindo nessa qualidade, dão origem a uma única expedição intracomunitária ou a um único transporte intracomunitário desses bens, essa expedição ou esse transporte só podem ser imputados a uma das duas entregas, que será a única isenta por aplicação do artigo 28.°-C, A, alínea a), primeiro parágrafo, da Sexta Diretiva» (5).

32.      No presente caso, portanto, torna-se necessário determinar previamente a qual das duas entregas sucessivas dos bens pode ser imputado o transporte; em última análise, qual delas poderá eventualmente ser, qualificada, se se verificarem as restantes condições, de entrega intracomunitária isenta de IVA.

33.      A Sexta Diretiva não estabelece qualquer regra a esse respeito, mas o acórdão de 16 de dezembro de 2010, Euro Tyre Holding, precisou, relativamente a estes casos de operações em cadeia, que a determinação da entrega à qual o transporte intracomunitário deve ser imputado «deve ser feita à luz de uma apreciação global de todas as circunstâncias do caso concreto» (6). Esta apreciação das circunstâncias compete ao juiz do processo principal.

34.      Em princípio, o Bundesfinanzhof não parece pôr em dúvida que, no caso dos autos, o transporte deva ser imputado à primeira entrega, isto é, àquela em que o vendedor é a empresa alemã VSTR e o adquirente a americana ATLANTIC (7), apreciação essa que, em meu entender, não é desvirtuada pela jurisprudência referida.

35.      O presente caso assemelha-se ao que se colocava no processo Euro Tyre Holding, pois o primeiro adquirente dos bens adquiriu o poder de disposição sobre os mesmos no Estado da primeira entrega (Alemanha) (8), e manifestou ao vendedor a sua intenção de os transportar para outro Estado-Membro, onde se realizaria a segunda entrega (9). A única diferença radica em que, no presente caso, a ATLANTIC não apresentou o seu próprio número de identificação para efeitos de IVA, elemento ao qual o acórdão Euro Tyre Holding fazia referência entre os que devem ser tidos em conta nestas circunstâncias (10). Independentemente das considerações que farei mais adiante (a respeito da primeira questão prejudicial) relativamente à importância deste elemento para a qualificação da entrega como intracomunitária isenta, entendo que a apresentação do referido número de identificação do adquirente não é, nesta primeira fase do raciocínio, indispensável para imputar o transporte a uma determinada entrega.

36.      No processo Euro Tyre Holding, a apresentação do referido número de identificação do adquirente no Estado da segunda entrega foi utilizada como indício objetivo de que a intenção do primeiro adquirente era, logo desde o momento da aquisição, vender os bens nesse segundo Estado (11). Pelo contrário, no caso dos autos, tal indício pode não ser indispensável, na medida em que o Bundesfinanzhof, a partir de outros elementos objetivos (12), considere provado que a segunda transferência do poder de disposição sobre os bens ocorreu já no Estado de destino, depois do transporte intracomunitário que, em tal caso, deve ser imputado à primeira entrega.

B —    Primeira questão prejudicial

37.      Com a sua primeira questão, o Bundesfinanzhof pergunta ao Tribunal de Justiça se os Estados-Membros podem fazer depender a isenção das entregas intracomunitárias da condição de que o fornecedor faça prova, por via contabilística, do número de identificação para efeitos de IVA do adquirente.

38.      Como já foi indicado, o artigo 28.°-C, A, alínea a), primeiro parágrafo, da Sexta Diretiva, subordina a aplicação desta isenção à verificação de três requisitos que, de acordo com jurisprudência assente (13), têm caráter exaustivo, e entre os quais não está incluída — pelo menos, expressamente — nenhuma condição relacionada com a apresentação do número de identificação para efeitos de IVA do adquirente.

39.      No acórdão de 27 de setembro de 2007, Collée, o Tribunal de Justiça declarou que «uma medida nacional que faz depender, no essencial, o direito à isenção de uma entrega intracomunitária do cumprimento de obrigações formais, sem tomar em conta as exigências de fundo e, nomeadamente, sem se interrogar sobre se estas foram respeitadas, vai além do que é necessário para garantir a cobrança exata do imposto». Por consequência, a isenção de IVA deve ser concedida sempre que as exigências de fundo tiverem sido cumpridas, mesmo que os sujeitos passivos tenham negligenciado certas exigências formais. Só assim não seria «se a violação destas exigências formais tivesse por efeito impedir a produção da prova do cumprimento das exigências de fundo» (14).

40.      Ora bem, o Governo alemão afirma que a exigência de que o vendedor apresente o número de identificação do adquirente no Estado-Membro de destino não constitui um requisito material distinto dos previstos no artigo 28.°-C, A, alínea a), primeiro parágrafo, mas que, pelo contrário, se trata de um instrumento indispensável para a prova do terceiro dos referidos requisitos, relativo à condição de sujeito passivo do adquirente.

41.      Os Estados-Membros estão autorizados a impor este requisito de prova com base na frase introdutória do próprio artigo 28.°-C, A, da Sexta Diretiva, de acordo com a qual, os Estados-Membros concederão esta isenção «nas condições fixadas [pelos mesmos] para garantir [a sua] aplicação correta e simples […] e prevenir eventuais fraudes, evasões e abusos». A sua intervenção também pode ser baseada no artigo 22.°, n.° 8, que os autoriza a «prever outras obrigações que considerem necessárias para garantir a cobrança exata do imposto e para evitar a fraude». Segundo o Governo alemão, a condição de o adquirente ser um sujeito passivo «agindo como tal» só será preenchida se for apresentado um número de identificação para efeitos de IVA atribuído pelo Estado-Membro de destino dos bens.

42.      Como exporei em seguida, a Sexta Diretiva atribui, no contexto das entregas intracomunitárias, uma função primordial ao número de identificação, pois este facilita extraordinariamente o controlo fiscal das mesmas.

43.      Mas, sem prejuízo do que foi exposto, entendo que o artigo 28.°-C, A, alínea a), primeiro parágrafo, da Sexta Diretiva, não deve ser interpretado no sentido de que só existe uma entrega intracomunitária isenta se tiver sido apresentado o número de identificação para efeitos de IVA do adquirente. Por um lado, a qualidade de sujeito passivo não depende da atribuição do referido número, e nada impede que dela seja feita prova por outros meios (1). Por outro lado, o incumprimento da obrigação, que a Sexta Diretiva impõe, de indicar o número de identificação fiscal não pode dar origem a uma alteração no regime de tributação do IVA (2). Finalmente, tal interpretação constituiria uma violação do princípio da neutralidade do IVA, não permitida pela jurisprudência (3).

1.      A qualidade de sujeito passivo não depende da atribuição de um número de identificação fiscal. A prova da referida qualidade pode eventualmente ser feita através de outros dados objetivos

44.      O número de identificação para efeitos de IVA nasceu com a criação do regime do IVA intracomunitário, cujo objetivo principal, como é sabido, consiste em garantir que o pagamento do imposto é efetuado no Estado-Membro no qual tem lugar o consumo final do bem. Para assegurar uma correta aplicação deste regime, tornava-se necessário identificar determinados sujeitos passivos do IVA com um número pessoal que indicasse o Estado-Membro que o tinha atribuído, bem como o tipo de operação que os mesmos realizavam [artigo 22.°, n.° 1, alíneas c), d) e e), da Sexta Diretiva]. Desta forma, como assinala a Comissão, o número de identificação constitui uma indicação abreviada do estatuto fiscal do sujeito passivo para efeitos de IVA, que serve para facilitar o controlo fiscal das operações intracomunitárias.

45.      Com esta finalidade, o artigo 22.° da Sexta Diretiva impõe ao sujeito passivo a obrigação de mencionar na fatura o número de identificação ao abrigo do qual tenha realizado a entrega de bens ou a prestação de serviços e o que seu cliente tenha utilizado na referida operação [artigo 22.°, n.° 3, alínea b)], bem como a de apresentar um mapa recapitulativo trimestral «dos adquirentes identificados para efeitos de [IVA] aos quais tenham feito a entrega de bens nas condições previstas no ponto A, alíneas a) e d), do artigo 28.°C, bem como dos destinatários, identificados para efeitos de [IVA], das operações referidas no quinto parágrafo» [artigo 22.°, n.° 6, alínea b)].

46.      A este mesmo objetivo de controlo fiscal corresponde a regra constante do artigo 28.°-B, n.° 2, da Sexta Diretiva, de acordo com o qual, na medida em que o adquirente não prove que a aquisição intracomunitária de bens referida no n.° 1, alínea a), do artigo 28.°-A, foi sujeita ao IVA no «local onde se encontram os bens no momento da chegada da expedição ou do transporte destinado ao adquirente» (artigo 28.°-B, n.° 1), se entenderá que a aquisição se realizou «no território do Estado-Membro que atribuiu o número de identificação para efeitos [de IVA] sob o qual o adquirente efetuou essa aquisição» (15).

47.      Contudo, tanto as obrigações constantes do artigo 22.°, como a regra estabelecida no artigo 28.°-B, n.° 2, da Sexta Diretiva, são instrumentos de controlo fiscal de natureza preventiva, orientados para evitar a falta de pagamento do IVA pelo adquirente. Não é possível deduzir-se das mesmas que a qualidade de sujeito passivo só se adquire com a obtenção do número de identificação, nem que a apresentação do referido número seja o único meio suscetível de provar que o adquirente agiu, na operação, na sua qualidade de sujeito passivo. Em consequência, o incumprimento dessa obrigação não pode privar o vendedor da isenção a que tem direito.

48.      Deve recordar-se, para começar, que o artigo 4.°, n.° 1, da Sexta Diretiva não subordina a qualidade de sujeito passivo de IVA a qualquer formalidade nem à apresentação de nenhum documento em especial, fazendo-a depender unicamente do exercício de «uma das atividades económicas referidas no n.° 2, independentemente do fim ou do resultado dessa atividade». Consequentemente, atendendo ao teor literal da referida disposição, a qualidade de sujeito passivo deve ser considerada uma condição prévia e estritamente factual, que não depende da atribuição nem da utilização do número de identificação para efeitos de IVA.

49.      A afirmação anterior é perfeitamente compatível com a importante função que, como se viu, a Sexta Diretiva confere ao número de identificação no contexto das entregas intracomunitárias. É certo que as obrigações constantes do artigo 22.° da Sexta Diretiva tornam a apresentação do número de identificação para efeitos de IVA o meio normal — e até o mais correto — de provar a condição de sujeito passivo, mas isso não significa que o vendedor não possa utilizar outros «elementos objetivos» (16) para fazer prova de que o adquirente interveio nessa qualidade (17). O presente caso é um bom exemplo destas situações, sem dúvida excecionais, em que o vendedor faz prova, sem apresentar o número de identificação do adquirente, de que este agiu no quadro de uma atividade económica, de que lhe foi transferido o poder de disposição sobre os bens e de que o transporte tinha natureza intracomunitária, fornecendo, assim, dados suficientes para o controlo fiscal da operação nos dois Estados-Membros envolvidos.

50.      Em consequência, não se pode afirmar de modo absoluto que o incumprimento da obrigação formal de indicar, na fatura e nos mapas recapitulativos, o número de identificação do adquirente impede «a produção da prova do cumprimento das exigências de fundo» para o reconhecimento da isenção (18). Tal incumprimento poderá dar origem, se for caso disso, à aplicação de sanções, mas não a uma alteração do regime de tributação do IVA.

2.      O incumprimento da obrigação de indicar o número de identificação fiscal, que o artigo 22.° da Sexta Diretiva impõe, não pode dar origem a uma alteração do regime de tributação do IVA

51.      Em matéria de direito a dedução do IVA, a jurisprudência já estabeleceu que o incumprimento das obrigações formais constantes do artigo 22.° da Sexta Diretiva não pode impedir o reconhecimento do referido direito quando se encontrem preenchidos os requisitos materiais para o seu surgimento.

52.      No processo Dankowski (19), relativo, precisamente, ao reconhecimento do referido direito a dedução, o problema consistia em que, embora as faturas contivessem o número de identificação do prestador do serviço, esse número lhe tinha sido atribuído oficiosamente pelas autoridades fiscais polacas sem que o mesmo tivesse apresentado um pedido de registo para efeitos de IVA. O prestador não tinha, por isso, cumprido a obrigação de declarar o início da sua atividade como sujeito passivo (artigo 22.°, n.° 1, da Sexta Diretiva). No acórdão, o Tribunal de Justiça decidiu que «não obstante a importância de tal registo para o bom funcionamento do sistema do IVA, um incumprimento dessa obrigação por um sujeito passivo não poderá pôr em causa o direito a dedução conferido pelo artigo 17.°, n.° 2, da Sexta Diretiva a outro sujeito passivo. Com efeito, o artigo 22.°, n.° 1, da Sexta Diretiva prevê somente a obrigação de os sujeitos passivos declararem o início, a alteração e a cessação das suas atividades, mas não autoriza de forma alguma os Estados-Membros, em caso de falta de apresentação de tal declaração, a reportar o exercício do direito a dedução para o início efetivo da realização habitual das operações tributadas ou a privar o sujeito passivo do exercício desse direito» (20).

53.      Em minha opinião, este acórdão reflete claramente a ideia de que as obrigações formais constantes do artigo 22.° e as condições materiais para o reconhecimento do direito a dedução (ou, como no presente caso, de uma isenção) operam em planos diferentes, pelo que o incumprimento das primeiras não pode dar origem a uma alteração do regime material de tributação do IVA.

54.      Por outro lado, é evidente que, se é certo que a obrigação de comunicar o número de identificação para efeitos de IVA do adquirente incumbe ao fornecedor, este só a poderá cumprir se aquele lhe facultar a informação. Assim, desde que o fornecedor atue de boa-fé e adote todas as medidas razoáveis que estiverem ao seu alcance para se assegurar de que a operação que está a efetuar não o conduz a participar numa fraude fiscal, não será lógico prejudicar o fornecedor por um incumprimento decorrente da falta de colaboração do adquirente e, em última instância, do incumprimento por este da sua obrigação de possuir um número de identificação para efeitos de IVA no Estado-Membro de destino dos bens. Aos acórdãos Dankowski e Euro Tyre Holding, já referidos, subjaz também esta ideia de que a falta de cumprimento de uma obrigação formal por parte de um sujeito não pode prejudicar fiscalmente outro sujeito diferente (21).

3.      O princípio da neutralidade não pode ser derrogado fora dos casos de fraude

55.      Por último, a recusa da isenção ao fornecedor que não apresente o número de identificação para efeitos de IVA do adquirente, mesmo quando todos os elementos objetivos indiquem que foi realizada uma entrega intracomunitária na aceção da Sexta Diretiva, implica um risco de dupla tributação e, em qualquer caso, pressupõe uma redistribuição do poder tributário, resultados esses que são ambos contrários ao princípio da neutralidade do IVA.

56.      Como é sabido, o referido princípio garante a perfeita neutralidade do imposto «quanto à carga fiscal de todas as atividades económicas, quaisquer que sejam os fins ou os resultados dessas atividades, na condição de as referidas atividades estarem elas próprias sujeitas ao IVA» (22). Assim, no âmbito das referidas atividades, o empresário deverá ficar totalmente exonerado do IVA pago ou cobrado através do sistema de dedução do IVA a montante. No contexto das operações intracomunitárias, a referida neutralidade é garantida pela aplicação do princípio da territorialidade, de acordo com o qual a cobrança do IVA compete ao Estado-Membro no qual tem lugar o consumo final do bem. Como a jurisprudência assinalou, este mecanismo permite uma estrita repartição das receitas do IVA nas operações intracomunitárias e «garante uma delimitação clara das soberanias fiscais dos Estados-Membros interessados» (23).

57.      Em consequência, se pelo motivo anteriormente referido fosse recusada a isenção ao fornecedor, sendo cobrado o IVA na Alemanha, mas o adquirente declarasse a operação no Estado-Membro de destino (a Finlândia), gerar-se-ia uma situação de dupla tributação claramente contrária a este princípio da neutralidade. E, de facto, nos termos do artigo 21.° do Regulamento (CE) n.° 1777/2005 (24), «[o] Estado-Membro de chegada da expedição ou do transporte de bens em que é efetuada uma aquisição intracomunitária de bens […] exerce a sua competência de tributação, independentemente do tratamento em termos de IVA que tenha sido aplicado à operação no Estado-Membro de partida da expedição ou do transporte de bens». Como já indiquei nas minhas conclusões no processo R (25), nesta hipótese, um eventual reembolso do IVA pago na Alemanha não evitaria a dupla tributação, servindo apenas para remediar os seus efeitos uma vez produzida, pelo que não parece suficiente para salvaguardar o princípio da neutralidade do imposto.

58.      Por outro lado, a recusa da isenção no país de origem dos bens (Alemanha) levaria, em qualquer caso, a que este cobrasse IVA sem ter direito, pois a lógica do regime das operações intracomunitárias é a de que seja o país onde tem lugar o consumo final (Finlândia) a cobrar o imposto na íntegra. Assim, mesmo não existindo dupla tributação (isto é, mesmo se a Finlândia não cobrasse o IVA) produzir-se-ia uma redistribuição do poder tributário contrária ao princípio da neutralidade.

59.      De acordo com jurisprudência assente, as medidas que os Estados-Membros podem adotar, nos termos do artigo 28.°-C, A, da Sexta Diretiva, para assegurar a aplicação correta e simples da isenção das entregas intracomunitárias e para «prevenir eventuais fraudes, evasões e abusos», não devem ir além do necessário para atingir tais objetivos, nem ser utilizadas de forma a porem em causa a neutralidade do IVA (26).

60.      Assim, a medida que consiste em exigir, como condição para a aplicação da isenção, que o fornecedor tenha apresentado o número de identificação para efeitos de IVA do adquirente produziria, nos termos acima descritos, um efeito contrário ao princípio da neutralidade e seria, por consequência, contrária às disposições da Sexta Diretiva.

61.      É verdade que o Tribunal de Justiça reconheceu que o referido princípio não tem caráter absoluto e que pode ser derrogado nos casos de fraude ou de má fé. Mais concretamente, no acórdão R, já referido, afirmou que os princípios da neutralidade e da proteção da confiança legítima «não podem ser validamente invocados por um sujeito passivo que intencionalmente participou numa fraude fiscal e pôs em perigo o funcionamento do sistema comum do IVA» (27). O acórdão refere também que o princípio da proporcionalidade «não se opõe a que um fornecedor que participe na fraude seja obrigado a liquidar a posteriori o IVA sobre a entrega intracomunitária a que procedeu, desde que a sua implicação na fraude seja um elemento determinante a tomar em consideração quando da apreciação da proporcionalidade de uma medida nacional» (28).

62.      No entanto, as circunstâncias do processo R eram notoriamente diferentes das que são aqui discutidas. Naquele caso, R, agindo como fornecedor em operações intracomunitárias, emitiu faturas falsas passadas em nome de adquirentes fictícios, dissimulando a identidade dos verdadeiros adquirentes com o objetivo de lhe permitir fugir ao pagamento do IVA no Estado-Membro de destino. Tratava-se, pois, de um caso de manifesta fraude fiscal, diferentemente do presente processo, em que não parecem verificar-se essas mesmas circunstâncias. Na medida em que o tribunal nacional ao qual incumba a apreciação concreta dos factos conclua, como parece poder ser deduzido dos dados fornecidos pelas partes, que a VSTR se limitou a indicar na fatura o número de identificação da empresa finlandesa, mas sem ocultar que era a ATLANTIC quem lhe tinha adquirido os bens, não será adequado aplicar a exceção prevista na jurisprudência R, nem, por conseguinte, recusar a isenção.

63.      Acresce que, fora dos casos de fraude a que se refere o acórdão R, os Estados-Membros não podem derrogar unilateralmente os princípios básicos do sistema comum do IVA. A decisão proferida no referido acórdão está expressamente fundamentada na existência de um comportamento fraudulento do fornecedor. Da perspetiva da proporcionalidade, o acórdão afirma que é relevante que «a sua implicação na fraude seja um elemento determinante» (n.° 53), e, mais adiante, que a participação nessa fraude deve ter sido intencional e ter posto em perigo o funcionamento do sistema comum do IVA.

64.      Em última análise, o acórdão R introduziu uma exceção ao princípio da neutralidade que não é extensível para além do caso ali contemplado. Violar o princípio da neutralidade por razões estritamente preventivas, quando o fornecedor tenha podido provar que não atuou fraudulentamente, não parece ser uma medida proporcionada que possa ser justificada à luz da jurisprudência.

4.      Conclusão quanto à primeira questão prejudicial

65.      Atendendo a tudo o que foi exposto anteriormente, deve concluir-se que a Sexta Diretiva não subordina o reconhecimento da qualidade de sujeito passivo — quer em geral quer para determinar a aplicabilidade da isenção para as entregas intracomunitárias — à apresentação do número de identificação para efeitos de IVA, fazendo-a depender unicamente do exercício de uma atividade económica, cuja existência parece difícil negar no presente caso (29).

66.      O incumprimento, por parte do fornecedor numa operação intracomunitária, da sua obrigação de indicar o número de identificação para efeitos de IVA do adquirente poderá dar origem a sanções e, caso se prove a sua implicação numa operação fraudulenta, à recusa, com base no acórdão R, da isenção relativa à entrega intracomunitária. Ambas as medidas constituem um sistema proporcional de luta contra a fraude.

67.      Pelo contrário, seria desproporcionado que qualquer incumprimento de obrigações formais, sem a ocorrência de comportamentos fraudulentos, desse lugar a uma transformação total da dinâmica das entregas intracomunitárias e a uma deslocação unilateral do poder tributário para um Estado-Membro ao qual não compete exercê-lo.

C —    Quanto à segunda questão prejudicial

68.      Na sua segunda questão, o Bundesfinanzhof faz referência a duas circunstâncias diferentes, cada uma delas suscetível de influir sobre a resposta à primeira questão.

1.      Primeira parte da segunda questão

69.      A primeira parte desta segunda questão refere-se, em particular, à influência que pode ter o facto de o adquirente ser um empresário estabelecido num país terceiro, que expediu o objeto da entrega de um Estado-Membro para outro no âmbito de uma operação em cadeia, mas que não está registado para efeitos de IVA em nenhum Estado-Membro.

70.      Em minha opinião, só se pode responder a esta questão em sentido negativo. Como a Comissão corretamente recorda, nenhuma das disposições relevantes neste caso estabelece qualquer distinção em função de o adquirente estar estabelecido no território de um Estado-Membro ou num país terceiro.

71.      O facto de o adquirente ser um empresário estabelecido num país terceiro e não estar registado para efeitos de IVA não tem uma influência diferente da que poderiam ter várias outras circunstâncias nas quais o adquirente não tem número de identificação para efeitos de IVA ou, simplesmente, não o apresentou. Os únicos factos relevantes para efeitos da referida resposta são a falta de apresentação desse número de identificação, independentemente das suas causas, e a existência ou não de uma atuação fraudulenta.

2.      Segunda parte da segunda questão

72.      Por último, o tribunal de reenvio pergunta se a resposta que for dada à primeira questão pode ser afetada pela circunstância de o sujeito passivo ter feito prova de que o adquirente apresentou uma declaração fiscal relativa à aquisição intracomunitária.

73.      Em minha opinião, esta questão só tem sentido caso se chegue à conclusão, como aqui acontece, de que o reconhecimento de uma entrega intracomunitária isenta de imposto não pode ser subordinado a que o sujeito passivo faça prova, por via contabilística, do número de identificação para efeitos de IVA do adquirente.

74.      Partindo de tal conclusão, o objetivo desta última questão seria esclarecer se, em alternativa, o reconhecimento da isenção pode ser subordinado a que o fornecedor faça prova de que o adquirente declarou a aquisição intracomunitária no Estado-Membro de destino.

75.      O despacho de reenvio invoca, em apoio desta questão, a «correspondência» que, de acordo com jurisprudência assente, deve existir entre uma entrega intracomunitária isenta de imposto e uma aquisição intracomunitária tributável e sujeita a imposto.

76.      Efetivamente, a jurisprudência tem vindo a declarar que «uma entrega intracomunitária de um bem e a aquisição intracomunitária deste constituem, na realidade, uma só e mesma operação económica» e que, «assim, qualquer aquisição intracomunitária tributada no Estado-Membro de chegada da expedição ou do transporte intracomunitário de bens, por força do artigo 28.°-A, n.° 1, alínea a), primeiro parágrafo, da Sexta Diretiva, tem como corolário uma entrega isenta no Estado-Membro de partida da referida expedição ou do referido transporte, por aplicação do artigo 28.°-C, A, alínea a), primeiro parágrafo, da mesma diretiva» (30).

77.      Isto significa que a entrega isenta de imposto e a aquisição sujeita ao mesmo estão ligadas e constituem uma unidade para efeitos da repartição do poder tributário entre os Estados-Membros e, portanto, do princípio da neutralidade fiscal inerente ao sistema comum do IVA (31). No entanto, não parece que as consequências desse vínculo possam ser levadas até ao extremo de exigir, para conceder a isenção da entrega, uma prova — por parte do fornecedor — de que a aquisição foi declarada pelo adquirente no Estado-Membro de destino. Desde logo, tal exigência não figura na Sexta Diretiva, e, por razões idênticas às que foram expostas em relação à exigência do número de identificação, violaria o princípio da neutralidade, para além de ser uma medida desproporcionada.

78.      No que diz respeito ao princípio da neutralidade, há que reiterar que a natureza indissociável da entrega e da aquisição intracomunitárias não pode ir ao ponto de condicionar o exercício do respetivo poder tributário por parte dos Estados-Membros de origem e de destino dos bens.

79.      Esta ideia está consagrada, para o caso contrário, no já citado artigo 21.° do Regulamento n.° 1777/2005, de acordo com o qual, o Estado-Membro de destino dos bens «exerce a sua competência de tributação, independentemente do tratamento em termos de IVA que tenha sido aplicado à operação no Estado-Membro de partida». Desta disposição decorre que a cobrança no Estado-Membro de destino deverá ser feita sem necessidade de verificar se no Estado de partida foi concedida a isenção, mas o acórdão Teleos e o., já referido, parece querer alargar este entendimento também ao caso inverso, ao afirmar que, «[n]o âmbito do regime transitório de aquisição e de entrega intracomunitárias, é necessário, para assegurar um recebimento regular do IVA, que as autoridades fiscais competentes verifiquem, com independência umas das outras, se as condições da aquisição intracomunitária e da isenção da correspondente entrega estão preenchidas. Por conseguinte, mesmo que a apresentação pelo adquirente de uma declaração fiscal relativa à aquisição intracomunitária possa constituir um indício da transferência efetiva dos bens para fora do Estado-Membro de entrega, essa declaração não assume, contudo, um significado determinante para efeitos de prova de uma entrega intracomunitária isenta» (32).

80.      É certo que, uma declaração da aquisição intracomunitária no Estado-Membro de destino eliminaria o problema de origem que se coloca no caso dos autos, pois, com toda a probabilidade, tal declaração teria como resultado a atribuição à sociedade adquirente de um número de identificação para efeitos de IVA no referido Estado-Membro.

81.      Apesar disso, nem a ausência de prova de que a operação foi declarada no destino, nem a falta de apresentação do número de identificação do adquirente podem, por si mesmas, dar lugar a uma recusa da isenção da entrega. Em particular, a exigência da prova de que a aquisição intracomunitária foi declarada no Estado de destino mostra-se desproporcionada.

82.      O acórdão R, já referido, declara que o Estado-Membro de partida é, em princípio, obrigado a recusar a isenção ao fornecedor «tratando-se de casos especiais em que existem razões sérias para supor que a aquisição intracomunitária correspondente à entrega em causa pode escapar ao pagamento do IVA no Estado-Membro de destino» (33), mas fá-lo, como se recorda, num contexto de fraude.

83.      Em conclusão, entendo que não pode ser exigido ao fornecedor, para efeitos do reconhecimento da isenção aplicável a uma entrega intracomunitária, que faça prova de que o adquirente apresentou uma declaração fiscal relativa à aquisição intracomunitária no Estado-Membro de destino.

VI — Conclusão

84.      Por conseguinte, sugiro que o Tribunal de Justiça responda às questões prejudiciais submetidas pelo Bundesfinanzhof (Alemanha) do seguinte modo:

«1.      A Sexta Diretiva 77/388/CEE do Conselho, de 17 de maio de 1977, relativa à harmonização das legislações dos Estados-Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios, não permite que os Estados-Membros subordinem o reconhecimento de uma entrega intracomunitária isenta do pagamento de imposto a que o sujeito passivo faça prova, por via contabilística, do número de identificação para efeitos de IVA do adquirente.

2.      Para os efeitos anteriores, é indiferente que o adquirente seja um empresário estabelecido num país terceiro que, embora tenha expedido o objeto da entrega de um Estado-Membro para outro no âmbito de uma operação em cadeia, não está registado para efeitos de IVA em nenhum Estado-Membro.

3.      A Diretiva 77/388 não permite que os Estados-Membros subordinem o reconhecimento de uma entrega intracomunitária isenta do pagamento de imposto a que o sujeito passivo faça prova de que o adquirente apresentou uma declaração fiscal relativa à aquisição intracomunitária no Estado-Membro de destino.»


1 —      Língua original: espanhol.


2—      Sexta Diretiva 77/388/CEE do Conselho, de 17 de maio de 1977, relativa à harmonização das legislações dos Estados-Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios - Sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado: matéria coletável uniforme (JO L 145, p. 1; EE 09 F1 p. 54), na versão em vigor à data dos factos do processo principal.


3 —      BGB1. 1993 I, p. 565.


4 —      BGB1. 1999 I, p. 1308.


5 —      C-245/04, Colet., p. I-3227, n.° 45.


6 —      C-430/09, Colet., p. I-13335, n.° 44.


7 —      Também não resulta dos autos que o Finanzgericht, que conheceu do processo em primeira instância, tivesse uma opinião contrária a este respeito.


8 —      Acórdão Euro Tyre Holding (já referido, n.° 32).


9 —      Acórdão Euro Tyre Holding (já referido, n.° 33).


10 —      Acórdão Euro Tyre Holding (já referido, n.° 45): «Em circunstâncias como as que estão em causa no processo principal, em que o primeiro adquirente, tendo obtido o direito de dispor de um bem como proprietário no território do Estado-Membro da primeira entrega, manifesta a sua intenção de transportar esse bem para outro Estado-Membro e se apresenta com o seu número de identificação para efeitos de IVA atribuído por este último Estado, o transporte intracomunitário deve ser imputado à primeira entrega, na condição de o direito de dispor do bem como proprietário ter sido transferido para o segundo adquirente no Estado-Membro de destino do transporte intracomunitário». V., também, n.° 35.


11 —      V., a este respeito, acórdão Euro Tyre Holding (já referido, n.os 33 a 39).


12 —      Acórdão Euro Tyre Holding (já referido, n.° 34 e jurisprudência aí citada).


13 —      V., nomeadamente, acórdão de 27 de setembro de 2007, Teleos e o. (C-409/04, Colet., p. I-7797, n.° 70).


14 —      C-146/05, Colet., p. I-7861, n.os 29 e 31.


15 —      O mesmo artigo 28.°-B, n.° 2, no seu segundo parágrafo, completa esta disposição com um mecanismo para evitar a dupla tributação.


16 —      No sentido do acórdão Teleos e o. (já referido, n.° 40).


17 —      Prova do que antecede é, também, o disposto no artigo 18.°, n.° 1, do Regulamento de Execução (UE) n.° 282/2011 do Conselho, de 15 de março de 2011, que estabelece medidas de aplicação da Diretiva 2006/112/CE relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado (JO L 77, p. 1), de acordo com o qual «[a] não ser que disponha de informações em contrário, o prestador pode considerar que um destinatário estabelecido na Comunidade tem o estatuto de sujeito passivo: a) Quando o destinatário lhe tenha comunicado o seu número individual de identificação IVA […]; b) Quando o destinatário ainda não tenha recebido um número individual de identificação IVA mas o informe de que solicitou esse número, e obtiver qualquer outro elemento comprovativo […]».


18 —      Acórdão Collée (já referido, n.° 31).


19 —      Acórdão de 22 de dezembro de 2010 (C-438/09, Colet., p. I-14009).


20 —      Acórdão Dankowski (já referido, n.os 33 e 34, e jurisprudência aí citada).


21 —      Acórdão Dankowski, n.° 36: «um eventual incumprimento pelo prestador de serviços da obrigação estabelecida no artigo 22.°, n.° 1, da Sexta Diretiva não poderá pôr em causa o direito a dedução de que beneficia o destinatário dos referidos serviços». No mesmo sentido, acórdão Euro Tyre Holding, n.os 37 e 38.


22 —      V., nomeadamente, acórdão de 14 de fevereiro de 1985, Rompelman (268/83, Recueil, p. 655, n.° 19).


23 —      Acórdão EMAG Handel Eder (já referido, n.° 40).


24 —      Regulamento do Conselho, de 17 de outubro de 2005, que estabelece medidas de aplicação da Diretiva 77/388/CEE relativa ao sistema comum de imposto sobre o valor acrescentado (JO L 288, p. 1).


25 —      Apresentadas em 29 de junho de 2010, n.° 64. Acórdão de 7 de dezembro de 2010 (C-285/09, Colet., p. I-12605).


26 —      V., nomeadamente, acórdão Collée (já referido, n.° 26).


27 —      Acórdão R (já referido na nota 25, n.° 54).


28 —      Acórdão R (já referido, n.° 53).


29 —      Dadas as características dos bens vendidos (duas máquinas de britar pedra), é de supor que estes não se destinarão a um «consumo pessoal» que exclua a existência de uma «atividade económica» na aceção da diretiva.


30 —      Acórdãos, já referidos, EMAG Handel Eder, n.° 29, e Teleos e o., n.os 23 e 24.


31 —      V., a este respeito, acórdão Teleos e o. (já referido, n.° 25).


32 —      N.° 71.


33 —      N.° 52.