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CONCLUSÕES DA ADVOGADA-GERAL

JULIANE KOKOTT

apresentadas em 6 de setembro de 2012(1)

Processo C-243/11

RVS Levensverzekeringen NV

contra

Estado belga

[pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Rechtbank van eerste aanleg te Brussel (Bélgica)]

«Legislação fiscal — Imposto nacional sobre seguros — Artigo 50.° da Diretiva 2002/83/CE relativa aos seguros de vida — Livre circulação de serviços — Lugar de tributação — Prestações de uma empresa de seguros neerlandesa a tomadores de seguros estabelecidos na Bélgica que, no momento da celebração do contrato, ainda estavam estabelecidos nos Países Baixos»





I —    Introdução

1.        Não é surpreendente que também o seguro da própria vida esteja sujeito a imposto. É o que sucede em alguns Estados-Membros da União. Se outros Estados-Membros se mostram generosos a este respeito e renunciam a tal imposto, surge um problema no mercado interno transfronteiriço dos seguros de vida: como evitar as distorções de concorrência que resultam das disparidades fiscais?

2.        O presente pedido de decisão prejudicial diz respeito a uma empresa de seguros neerlandesa, que celebrou contratos de seguro de vida com tomadores neerlandeses. Nos Países Baixos esses contratos não estão sujeitos a nenhum imposto sobre seguros. A situação é, porém, diferente na vizinha Bélgica, para a qual alguns tomadores de seguros se mudaram. Levaram com eles, como bens importantes, os seus contratos de seguro de vida.

3.        Devem estes contratos passar a estar sujeitos ao imposto belga sobre seguros apenas devido ao facto de os tomadores do seguro terem mudado de residência? O direito da União tem também, em princípio, uma resposta a esta questão. Contudo, o legislador da União não facilitou muito a tarefa do operador jurídico. Por conseguinte, importa determinar a seguir qual das várias disposições do direito da União em matéria de seguros contém a resposta.

II — Quadro jurídico

A —    Direito da União

4.        A Diretiva 2002/83/CE (2) (a seguir «diretiva seguro de vida»), pertinente no caso em apreço, foi adotada com base no artigo 47.°, n.° 2, CE, e no artigo 55.° CE. De acordo com estas normas, as diretivas são adotadas a fim de facilitar o acesso às atividades não assalariadas e ao seu exercício, tendo em vista o direito de estabelecimento e a livre prestação de serviços. Nos termos dos considerandos 3 e 5 desta diretiva, ela visa promover um mercado único integrado para os seguros de vida. Resulta do seu considerando 55 que as disposições fiscais são também necessárias para este fim:

«Enquanto determinados Estados-Membros não sujeitam as operações de seguro a nenhuma forma de tributação indireta, a maioria aplica-lhes impostos específicos e outras formas de contribuições. Nos Estados-Membros em que esses impostos e contribuições são cobrados, a sua estrutura e taxa divergem sensivelmente. Convém evitar que as diferenças existentes venham a traduzir-se em distorções de concorrência no domínio da prestação de serviços de seguro entre os Estados-Membros. Enquanto não se proceder a uma harmonização posterior, a aplicação do regime fiscal e de outras formas de contribuições previstas pelo Estado-Membro em que o compromisso é assumido é suscetível de colmatar este inconveniente, competindo aos Estados-Membros estabelecer as regras destinadas a garantir a cobrança desses impostos e contribuições.»

5.        Nos termos do seu artigo 2.°, n.° 1, a diretiva seguro de vida deve ser aplicada, no essencial, aos seguros em caso de vida, aos seguros em caso de morte, bem como aos seguros de incapacidade para o trabalho profissional e de invalidez eventualmente ligados aos seguros referidos.

6.        O título IV da diretiva seguro de vida, com a epígrafe «Disposições relativas ao direito de estabelecimento e à livre prestação de serviços», contém no artigo 50.° as regras seguintes em matéria de «Imposto sobre os prémios»:

«1.      Sem prejuízo de uma posterior harmonização, qualquer contrato de seguro só pode ser sujeito aos mesmos impostos indiretos e taxas parafiscais que oneram os prémios de seguro no Estado-Membro do compromisso, [...]

2.      A lei aplicável ao contrato por força do artigo 32.° não tem incidência sobre o regime fiscal aplicável.

3.      Sem prejuízo de uma harmonização posterior, cada Estado-Membro aplica às empresas de seguros que assumam compromissos no seu território as suas disposições nacionais relativas às medidas destinadas a garantir a cobrança dos impostos indiretos e das taxas parafiscais devidos por força do n.° 1.»

7.        O artigo 1.°, n.° 1, alínea g), da diretiva seguro de vida define o conceito «Estado-Membro do compromisso», utilizado no artigo 50.°, n.° 1, do seguinte modo:

«o Estado-Membro em que o tomador reside habitualmente ou, quando se trate de pessoa coletiva, o Estado-Membro em que está situado o estabelecimento da pessoa coletiva a que o contrato diz respeito».

8.        O conceito de «Estado-Membro do compromisso» é utilizado ainda noutras disposições da diretiva seguro de vida. Assim, o artigo 32.°, n.° 1, da diretiva seguro de vida estabelece o seguinte:

«Aos contratos relativos às atividades referidas na presente diretiva aplica-se a lei do Estado-Membro do compromisso. Todavia, sempre que a legislação desse Estado o permita, as partes podem optar pela lei de outro país.»

9.        O capítulo «Direito dos contratos e das condições de seguros» da diretiva seguro de vida estabelece no artigo 36.° as seguintes regras sobre a «Informação ao tomador»:

«1.      Antes da celebração do contrato de seguro, devem ser comunicadas ao tomador pelo menos as informações enunciadas no ponto A do anexo III.

2.      Enquanto vigorar o contrato, o tomador deve ser informado de todas as alterações às informações enunciadas no ponto B do anexo III.

[...]»

10.      O anexo III, ponto A inclui nas informações que devem ser comunicadas antes da celebração do contrato de seguros, no ponto a.14, as «Indicações gerais relativas ao regime fiscal aplicável ao tipo de apólice». O ponto B do anexo III fixa no ponto b.2, como informações que devem ser comunicadas durante a vigência do contrato, «Todas as informações relativas aos pontos a.4 a a.12 do ponto A em caso de aditamento ao contrato ou de alteração da legislação que lhe é aplicável».

11.      Os artigos 41.° e 42.° da diretiva seguro de vida preveem determinados deveres de supervisão relacionados com o exercício de uma atividade transfronteiriça das empresas de seguros. O artigo 41.° dispõe o seguinte:

«Qualquer empresa de seguros que pretenda realizar pela primeira vez, num ou mais Estados-Membros, as suas atividades em regime de livre prestação de serviços deve informar previamente as autoridades competentes do Estado-Membro de origem, indicando a natureza dos riscos que se propõe cobrir.»

12.      O artigo 42.° da diretiva seguro de vida é do seguinte teor:

«1.      As autoridades do Estado-Membro de origem notificam, no prazo máximo de um mês a contar da data da comunicação prevista no artigo 41.°, o Estado-Membro ou os Estados-Membros em cujo território uma empresa de seguros pretenda realizar as suas atividades em regime de livre prestação de serviços [...]

[...]

3.      A empresa de seguros pode iniciar a sua atividade a partir da data em que comprovadamente foi notificada da comunicação prevista no primeiro parágrafo do n.° 1.»

13.      Juntamente com a diretiva seguro de vida, existem no direito da União ainda outras diretivas, relativas a outros segmentos do mercado dos seguros. O artigo 46.°, n.° 2, da Diretiva 92/49/CEE (3) que, nos termos do seu artigo 2.°, n.° 2, em conjugação com o artigo 2.°, n.° 1, alínea a), da Diretiva 73/239/CEE (4) não se aplica a seguros de vida, prevê:

«Sem prejuízo de harmonização posterior, qualquer contrato de seguro ficará exclusivamente sujeito aos impostos indiretos e taxas parafiscais que oneram os prémios de seguro no Estado-Membro em que está situado o risco, nos termos da alínea d) do artigo 2.° da Diretiva 88/357/CEE [...]»

14.      O «Estado-Membro onde o risco se situa» é definido no artigo 2.°, alínea d), da Diretiva 88/357/CEE (5), em função do tipo de seguro, do seguinte modo:

«—      O Estado-Membro onde se encontrem os bens, sempre que o seguro respeite [...] quer a imóveis e ao seu conteúdo [...]

—      o Estado-Membro de matrícula, sempre que o seguro respeite a veículos [...],

—      o Estado-Membro em que o tomador tiver subscrito o contrato, no caso de um contrato [...] relativo a riscos ocorridos durante uma viagem ou férias [...],

—      o Estado-Membro onde o tomador tenha a sua residência habitual ou, quando o tomador for uma pessoa coletiva, o Estado-Membro onde se situe o estabelecimento da pessoa coletiva a que o contrato se refere, em todos os casos não explicitamente referidos nos travessões anteriores.»

15.      Todas as diretivas referidas são revogadas pela Diretiva 2009/138/CE com efeitos a partir de 1 de novembro de 2012 (6) O artigo 157.° desta diretiva refere-se ao «Imposto sobre os prémios» e estabelece, designadamente, o seguinte:

«1.      Sem prejuízo de harmonização posterior, os contratos de seguro só podem ser sujeitos aos mesmos impostos indiretos e taxas parafiscais que incidem sobre os prémios de seguro no Estado-Membro em que o risco se situa ou no Estado-Membro do compromisso.

[...]»

B —    Direito belga

16.      No Reino da Bélgica foi cobrado, durante os anos em causa no processo principal, um imposto anual sobre seguros. Por força do artigo 173.° do Wetboek diverse rechten en taksen (Código de direitos e impostos diversos, a seguir «WDRT»), este aplica-se aos contratos de seguro, quando o risco segurado se situa na Bélgica. Nos termos desta disposição, considera-se que o risco se situa na Bélgica, quando o tomador do seguro tem aí a sua residência habitual ou, se é uma pessoa coletiva, um estabelecimento na Bélgica, com o qual o contrato está relacionado.

17.      O artigo 175.°, n.° 3, do WDRT prevê uma taxa especial de imposto de 1,1% dos prémios de seguro para as operações de seguros de vida.

III — Processo principal e questões prejudiciais

18.      A recorrente no processo principal é a sociedade neerlandesa RVS Levensverzekeringen NV, que oferece seguros de vida (a seguir «a contribuinte»). O processo principal refere-se ao imposto sobre seguros devido pela contribuinte relativamente aos anos de 2006 e 2007 na Bélgica.

19.      A contribuinte tinha celebrado contratos de seguro com várias pessoas que, no momento da celebração do contrato, tinham a sua residência nos Países Baixos, mas que residiam na Bélgica durante os anos de 2006 e 2007. A administração fiscal belga considera que a contribuinte lhe deve um montante total de 16 542 euros, a título do imposto belga sobre seguros relativo a esses contratos de seguro, para os anos de 2006 e 2007.

20.      A contribuinte, após ter pago este montante à administração fiscal belga, reclamou desta o reembolso através do recurso interposto no órgão jurisdicional de reenvio. Ela sustenta que o imposto sobre seguros só é devido na Bélgica se o tomador do seguro tinha a sua residência nesse país no momento da celebração do contrato. A administração fiscal belga entende, pelo contrário, que o elemento determinante é a residência no momento do pagamento do prémio de seguro.

21.      Neste contexto, o Rechtbank van eerste aanleg te Brussel, ao qual cabe decidir do litígio, coloca ao Tribunal de Justiça as seguintes questões:

«1.      O artigo 50.° da [diretiva seguro de vida], que determina, no seu n.° 1, que, sem prejuízo de uma posterior harmonização, qualquer contrato de seguro só pode ser sujeito aos mesmos impostos indiretos e taxas parafiscais que oneram os prémios de seguro no Estado-Membro do compromisso, e que prevê, no n.° 3, que, sem prejuízo de uma harmonização posterior, cada Estado-Membro aplica às empresas de seguros que assumam compromissos no seu território as suas disposições nacionais relativas às medidas destinadas a garantir a cobrança dos impostos indiretos e das taxas parafiscais devidos por força do n.° 1, opõe-se a um regime nacional como o previsto nos artigos 173.° e 175.°, n.° 3, do [WDRT], que prevê a sujeição das operações de seguro (incluindo os seguros de vida) a um imposto anual, quando o risco estiver situado na Bélgica, ou seja se o tomador residir habitualmente na Bélgica, ou, quando se trate de pessoa coletiva, se o estabelecimento dessa pessoa coletiva a que o contrato diz respeito se situar na Bélgica, sem que seja tida em conta a residência do tomador no momento da celebração do contrato?

2.      Os princípios comunitários da abolição dos obstáculos à livre circulação de pessoas e serviços entre os Estados-Membros consagrados nos artigos 49.° e 56.° do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia opõem-se a [um regime] nacional como [o] previst[o] nos artigos 173.° e 175.°, n.° 3, do [WDRT], que prevê a sujeição das operações de seguro (incluindo os seguros de vida) a um imposto anual, quando o risco estiver situado na Bélgica, nomeadamente se o tomador residir habitualmente na Bélgica, ou, quando se trate de pessoa coletiva, se o estabelecimento dessa pessoa coletiva a que o contrato diz respeito se situar na Bélgica, sem que seja tida em conta a residência do tomador no momento da celebração do contrato?»

IV — Apreciação jurídica

A —    Interpretação das questões prejudiciais

22.      Antes de responder às questões prejudiciais, parece-me ser necessário precisar o seu alcance.

23.      A Comissão indicou, a justo título, que, atendendo aos factos descritos no processo principal, a primeira questão prejudicial está formulada de modo demasiado amplo e deve, por isso, ser interpretada de maneira restritiva. Com efeito, o presente processo não apresenta qualquer elemento que justifique o controlo da conformidade do sistema fiscal belga com o direito da União de uma maneira tão aprofundada como seria exigido pelos termos da questão prejudicial.

24.      Por um lado, é manifestamente irrelevante no processo principal a tributação de contratos de seguro nos quais são tomadores pessoas coletivas. Por outro lado, no caso em apreço só se pode colocar a questão de saber se o artigo 50.° da diretiva seguro de vida se opõe a um determinado regime nacional em matéria de contratos de seguro de vida e não em matéria de contratos de seguro em geral. Por conseguinte, a questão prejudicial refere-se exclusivamente à interpretação do artigo 50.° da diretiva seguro de vida no que diz respeito a contratos de seguro de vida e apenas a tomadores que sejam pessoas singulares.

25.      Com a segunda questão prejudicial, o órgão jurisdicional de reenvio pretende ainda esclarecer se determinadas liberdades fundamentais se opõem ao regime belga.

26.      No caso vertente é contudo necessário ter em conta que o artigo 50.° da diretiva seguro de vida contém já uma disposição exaustiva de direito derivado, à luz da qual deve ser apreciada a compatibilidade do regime belga com o direito da União. É sobre este aspeto que incide a primeira questão prejudicial. Logo, o regime belga não deve ser apreciado à luz das liberdades fundamentais de direito primário, mas sim do direito derivado enunciado no artigo 50.° da diretiva seguro de vida. Ao interpretar esta disposição há, contudo, que ter em conta também a importância das liberdades fundamentais, para evitar que o artigo 50.° da diretiva seguro de vida seja interpretado de maneira não compatível com essas liberdades. Os aspetos de direito primário, colocados pela segunda questão prejudicial, devem, por isso, ser logo tomados em consideração no quadro da resposta à primeira questão prejudicial.

27.      Por conseguinte, também não é necessário esclarecer se a segunda questão prejudicial é admissível como tal. Como a Comissão explicou, a justo título, o pedido de decisão prejudicial não permite determinar claramente quais são as liberdades fundamentais cuja interpretação é solicitada pelo órgão jurisdicional de reenvio.

28.      Em resumo, as questões prejudiciais devem ser entendidas no sentido de que o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber se o artigo 50.° da diretiva seguro de vida — tendo em conta as liberdades fundamentais — se opõe a um regime nacional que prevê a sujeição dos contratos de seguro de vida a um imposto anual quando o tomador do seguro tem, no ano respetivo, a sua residência habitual no Estado-Membro em causa, sem atender à residência do tomador do seguro no momento da celebração do contrato.

B —    Resposta às questões prejudiciais

29.      Para responder a estas questões, há que determinar de que maneira o artigo 50.° da diretiva seguro de vida reparte o poder tributário dos Estados-Membros em matéria de imposto sobre seguros sobre as operações de seguros de vida.

30.      Nos termos do artigo 50.°, n.° 1, da diretiva seguro de vida, o «Estado-Membro do compromisso» tem este poder tributário. Assim, os contratos de seguro só podem ser sujeitos aos mesmos impostos indiretos que oneram os prémios de seguro no Estado-Membro do compromisso. O Estado-Membro do compromisso é definido no artigo 1.°, n.° 1, alínea g), da diretiva como o Estado-Membro em que o tomador reside habitualmente. O presente processo mostra que estas disposições admitem, no essencial, duas possibilidades de interpretação.

31.      Por um lado, é possível uma interpretação «estática», segundo a qual o «Estado-Membro do compromisso» é determinado uma vez por todas no momento da celebração do contrato. De acordo com esta interpretação, o Estado-Membro no qual o tomador do seguro tem a sua residência habitual no momento da celebração do contrato tem o poder tributário ao longo de toda a vigência do contrato. Esta interpretação é propugnada pela contribuinte e pelo Governo estónio.

32.      Por outro lado, existe a possibilidade de uma interpretação «dinâmica», segundo a qual o «Estado-Membro do compromisso» pode variar ao longo do tempo. Assim, o poder tributário caberia sempre ao Estado-Membro no qual o tomador do seguro tem a sua residência habitual no momento de cada cobrança do imposto sobre os prémios de seguro. Este Estado pode variar de um pagamento do prémio para o outro. A interpretação dinâmica é defendida pelos Governos belga e austríaco, bem como pela Comissão.

33.      A seguir mostrarei que, embora o legislador da União não tenha regulado claramente a repartição do poder tributário em matéria de impostos sobre contratos de seguro de vida (1), o contexto (2) e o sentido do regime, atendendo às liberdades fundamentais (3), conduzem a uma interpretação estática do artigo 50.° da diretiva seguro de vida.

1.      Interpretação do texto

34.      Contrariamente aos argumentos de algumas partes no processo, o texto não fornece uma resposta inequívoca à questão que se coloca no caso vertente. Isto é válido não apenas para a versão em neerlandês, que é a língua do processo, mas também para as versões alemã, inglesa e francesa do artigo 50.°, n.° 1, bem como do artigo 1.°, n.° 1, alínea g), da diretiva seguro de vida, que o complementa. A única coisa que o seu texto indica claramente é que a tributação deve ser efetuada onde o tomador do seguro tem a sua residência habitual. Contudo, o texto das versões referidas não responde à questão decisiva, que é a de saber em que momento.

35.      A qualificação como Estado-Membro «do compromisso» também não fornece nenhuma informação quanto a esse momento relevante. Com efeito, o termo «compromisso» pode respeitar não só à assunção de um compromisso, mas também à sua existência. Por conseguinte, não pode ser claramente deduzido desta formulação nem que o Estado-Membro deve ser determinado de uma vez por todas no momento da celebração do contrato, nem que deve ser sempre determinado de novo durante a vigência do contrato.

36.      Por último, o texto do artigo 50.°, n.° 1, da diretiva seguro de vida fala, de modo igualmente ambivalente, quer da cobrança do imposto sobre prémios de seguro, quer de contratos de seguro que estão sujeitos ao imposto. Assim, não é claro se o critério determinante segundo a diretiva é a celebração do contrato ou o pagamento dos prémios.

2.      Interpretação sistemática

37.      O contexto normativo no qual se situa o artigo 50.°, n.° 1, da diretiva seguro de vida contém, no entanto, várias normas que podem fornecer indicações para a sua interpretação.

a)      Cobrança do imposto sobre seguros

38.      Em primeiro lugar, pode ser mencionado o próprio n.° 3 do artigo 50.°, nos termos do qual a cobrança do imposto sobre seguros é garantida com base nas disposições nacionais. O Estado-Membro aplica estas disposições a empresas de seguros «que assumam compromissos no seu território». A partir daqui a contribuinte deduziu, em especial, que para a repartição do poder tributário é decisivo o momento da celebração do contrato.

39.      Contudo, a Comissão indicou, a justo título, que a formulação do artigo 50.°, n.° 3, da diretiva seguro de vida não se refere necessariamente à celebração do contrato de seguro. Com efeito, o ponto de vista a adotar depende do elemento ao qual se refere a parte da frase «no seu território».

40.      Por um lado, pode referir-se a «assumam» e, deste modo, ao lugar da celebração do contrato. Por outro lado, é também possível considerar que esta parte da frase e, deste modo, a determinação do lugar, se referem a «compromissos». Nessa hipótese, o fator decisivo seria em cada caso onde se situam os compromissos que foram assumidos. Esta possibilidade de interpretação reflete-se ainda mais claramente na versão inglesa, que fala da cobertura dos compromissos situados num Estado-Membro (7) O lugar em que se situa um compromisso poderia ser, por exemplo, a residência habitual do tomador do seguro mas, em qualquer caso, este não é necessariamente o lugar da celebração do contrato.

41.      Assim, o artigo 50.°, n.° 3, não aponta nem para uma interpretação estática nem para uma interpretação dinâmica do artigo 50.°, n.° 1, da diretiva seguro de vida.

b)      O conceito de «Estado-Membro do compromisso» noutras disposições

42.      A maneira como o conceito de «Estado-Membro do compromisso» é utilizado noutras disposições da diretiva seguro de vida pode revelar-se útil para a interpretação do artigo 50.°, n.° 1. Com efeito, o artigo 1.°, n.° 1, alínea g), da diretiva enuncia uma definição uniforme deste conceito para todas as disposições da diretiva.

43.      Contudo, esta definição uniforme é logo garantida pelo facto de ser entendida em cada disposição no sentido de que visa o Estado-Membro em que o tomador do seguro reside habitualmente. Nesta definição do artigo 1.°, n.° 1, alínea g), da diretiva não é, porém, especificado qual é o momento decisivo a este respeito. Assim, se o momento relevante não é parte da definição, ele pode ser determinado de maneira diferente consoante a disposição na qual é utilizado o conceito de «Estado-Membro do compromisso».

44.      Isto é igualmente válido para a regra do artigo 32.°, n.° 1, primeiro período, da diretiva seguro de vida, que é invocada pela contribuinte. Para determinar o direito aplicável ao contrato de seguro, esta regra atende ao «Estado-Membro do compromisso». É certo que, tal como a contribuinte, penso que o legislador não pode ter pretendido que esta disposição seja objeto de uma interpretação dinâmica, que implicaria a alteração do direito aplicável quando o tomador do seguro muda a sua residência. No contexto do artigo 32.°, n.° 1, primeiro período, da diretiva seguro de vida é, por isso, provável que o «Estado-Membro do compromisso» seja o Estado-Membro no qual o tomador do seguro reside habitualmente no momento da celebração do contrato.

45.      Contudo, isto não significa que o mesmo momento seja relevante no contexto do artigo 50.°, n.° 1, da diretiva seguro de vida, aqui em análise. Além disso, o artigo 50.°, n.° 2, da diretiva seguro de vida dispõe que a lei aplicável ao contrato de seguro por força do artigo 32.° não tem incidência sobre o regime fiscal aplicável. Embora esta regra vise, em primeira linha, os casos em que as partes optam por outra lei nos termos do artigo 32.°, n.° 1, segundo período, da diretiva, o artigo 50.°, n.° 2 acentua ainda a independência da lei aplicável e do regime fiscal aplicável.

c)      Informações no contrato de seguro

46.      A diretiva seguro de vida contém ainda outra regra relativa ao contrato de seguro, suscetível de fornecer uma indicação útil para a resposta às questões prejudiciais. Assim, o seu artigo 36.° prevê que devem ser fornecidas determinadas informações aos tomadores do seguro no início do contrato e enquanto este vigorar.

47.      Nos termos do artigo 36.°, n.° 1, em conjugação com o anexo III, ponto A, a.14, da diretiva seguro de vida, devem ser comunicadas ao tomador do seguro, antes da celebração do contrato, «[i]ndicações gerais relativas ao regime fiscal aplicável ao tipo de apólice». O regime fiscal aplicável é determinado em função do «Estado-Membro do compromisso» na aceção do artigo 50.°, n.° 1, da diretiva seguro de vida.

48.      O artigo 36.°, n.° 2, da diretiva seguro de vida estabelece que, enquanto vigorar o contrato, devem igualmente ser comunicadas ao tomador do seguro determinadas informações. Nos termos do anexo III, ponto B, b.2, da diretiva seguro de vida, isto inclui a atualização de várias informações relativas aos direitos e obrigações dos contraentes, que já deviam ter sido comunicadas no momento da celebração do contrato, para o caso de terem sido modificadas as normas jurídicas aplicáveis ao contrato. Todavia, a referência às informações que deviam ser comunicadas no momento da celebração do contrato não inclui precisamente as informações sobre o regime fiscal aplicável.

49.      Decorre desta norma que o legislador da União não partiu manifestamente do princípio de que o regime fiscal aplicável se possa alterar durante a vigência do contrato. Com efeito, nada permite concluir que, embora o regime fiscal aplicável seja tão importante que figura entre as informações que devem ser comunicadas antes da celebração do contrato, não é necessário comunicar uma alteração do regime fiscal aplicável ao longo da vigência do contrato.

50.      Assim, o artigo 36.°, em conjugação com o anexo III da diretiva seguro de vida, contém uma indicação clara da necessidade de uma interpretação estática do artigo 50.°, n.° 1, da diretiva seguro de vida.

d)      Requisitos relativos à supervisão da atividade

51.      O Governo estónio referiu-se ainda, no contexto da interpretação sistemática, ao dever de notificação que incumbe às empresas de seguros por força do artigo 41.° da diretiva seguro de vida. Esta norma exige a notificação das autoridades que, nos termos do artigo 42.°, n.os 1 e 3, da diretiva, é um dos requisitos para o exercício de uma atividade noutro Estado-Membro.

52.      Penso que o Governo estónio entende, incorretamente, que as empresas de seguros não poderiam cumprir este dever de notificação se, para efeitos da tributação, fosse decisiva a residência habitual do tomador do seguro no momento de cada pagamento do prémio. Com efeito, a interpretação do conceito de exercício da atividade no sentido do artigo 41.° da diretiva seguro de vida deve ser diferenciada da questão da repartição do poder tributário.

53.      Como também foi sublinhado pela Comissão, no caso vertente não se trata de saber se, devido à mudança do tomador do seguro para outro Estado-Membro, uma empresa de seguros exerce aí uma atividade no sentido do artigo 41.° da diretiva seguro de vida. Trata-se apenas das consequências fiscais de uma mudança nos termos do artigo 50.° da diretiva seguro de vida. De resto, também não se descortina nenhuma razão imperiosa para responder da mesma maneira às duas questões.

e)      Outras diretivas sobre o mercado dos seguros

54.      Afastando-se do contexto da diretiva seguro de vida, o Governo belga e a Comissão estabeleceram uma comparação com as disposições de diretivas que, no direito da União, se aplicam a seguros que não são seguros de vida.

55.      Assim, o artigo 46.°, n.° 2, da Diretiva 92/49 enuncia uma regra fiscal que coincide com a do artigo 50.°, n.° 1, da diretiva seguro de vida. A única diferença reside no facto de a outra diretiva não se referir ao «Estado-Membro do compromisso» mas ao «Estado-Membro em que está situado o risco, nos termos da alínea d) do artigo 2.° da Diretiva 88/357/CEE».

56.      A situação do risco é definida no referido artigo 2.°, alínea d) de modo diferente em função do tipo de contrato de seguro. Ao passo que o quarto travessão desta norma contém uma definição residual, idêntica à definição do «Estado-Membro do compromisso» na diretiva seguro de vida, o terceiro travessão considera que, para os contratos de seguro de viagem, é decisivo o Estado-Membro em que o tomador tiver subscrito o contrato.

57.      Não posso, contudo, concordar com o Governo belga, que conclui com base nesta comparação que a celebração do contrato não é por isso relevante para a aplicação do artigo 50.°, n.° 1, da diretiva seguro de vida. Embora sendo certo que é possível inferir das definições diferentes do terceiro e quarto travessões do artigo 2.°, alínea d), da Diretiva 88/357 que o legislador da União não entende que o «Estado-Membro do compromisso» seja o lugar da celebração do contrato, no caso em apreço não se trata de saber se é decisivo o lugar da celebração do contrato para determinar o regime fiscal aplicável nos termos do artigo 50.°, n.° 1, da diretiva seguro de vida, mas se é decisiva a residência habitual do tomador do seguro no momento da celebração do contrato. Dado que a residência habitual do tomador do seguro é, em regra, idêntica ao seu domicílio, o Estado-Membro em que o contrato foi celebrado pode perfeitamente ser diferente do Estado-Membro em que o tomador do seguro reside habitualmente nesse momento.

58.      A Diretiva 2009/138, parcialmente citada pelas partes, que substituirá as várias diretivas em matéria de seguros do direito da União, também não fornece qualquer esclarecimento suplementar que permita responder às questões prejudiciais.

59.      O artigo 157.° desta diretiva utiliza o critério do «Estado-Membro em que o risco se situa ou [do] Estado-Membro do compromisso» para determinar o regime fiscal aplicável. Isto permite inferir, em qualquer caso, que o legislador da União pretendia que fosse efetuada uma distinção entre o conceito de «Estado-Membro do compromisso», utilizado no artigo 50.°, n.° 1, da diretiva seguro de vida e o de Estado-Membro em que o risco se situa.

60.      Parece, contudo, ser incontestável que o lugar em que o risco se situa é irrelevante para efeitos da aplicação do artigo 50.°, n.° 1, da diretiva seguro de vida. Com efeito, tendo em conta o objeto do contrato, esse lugar deve ser determinado em função da residência da pessoa cuja vida foi segurada, a qual não tem necessariamente de ser o tomador do seguro. Mas este lugar não é decisivo nem para uma interpretação estática, nem para uma interpretação dinâmica, pelo que a distinção entre o Estado-Membro do compromisso e o Estado-Membro em que o risco se situa, como é realizada no artigo 157.° da Diretiva 2009/138, não é pertinente para o problema de interpretação que aqui se coloca.

3.      Interpretação teleológica

61.      Após ter constatado que, de um ponto de vista sistemático, o artigo 36.°, em conjugação com o anexo III da diretiva seguro de vida, milita a favor de uma interpretação estática do artigo 50.°, n.° 1, da diretiva,(8) passo a analisar a finalidade desta disposição.

62.      O legislador definiu esta finalidade no considerando 55 da diretiva seguro de vida. Refere-se aí que o artigo 50.° da diretiva seguro de vida deve evitar distorções de concorrência no domínio da prestação de serviços de seguro entre os Estados-Membros. As distorções de concorrência podem resultar das diferenças existentes entre os Estados-Membros a nível da cobrança de impostos indiretos sobre os contratos de seguro. Isso deve ser impedido através da aplicação uniforme do regime fiscal em vigor no Estado-Membro «em que o compromisso é assumido».

63.      Antes de mais, esta formulação não permite tirar qualquer conclusão quanto ao Estado-Membro determinante, como já expliquei a propósito da interpretação do n.° 3 do artigo 50.° da diretiva seguro de vida (9) Esta apreciação não é substancialmente posta em causa pelo facto de a versão inglesa do considerando 55 diferir da do artigo 50.°, n.° 3, da diretiva seguro de vida (10) Com efeito, mesmo interpretando o teor do considerando 55 no sentido de que o Estado-Membro em que o contrato é celebrado determina o sistema fiscal aplicável, isto não militaria a favor nem de uma interpretação estática nem de uma interpretação dinâmica do artigo 50.°, n.° 1, da diretiva seguro de vida. Com efeito, como já expliquei (11), há que distinguir entre o lugar da celebração do contrato e o lugar em que o tomador do seguro reside habitualmente no momento da celebração do contrato.

64.      De resto, no âmbito da interpretação teleológica não cabe interpretar em primeira linha o texto de um considerando mas sim atender ao sentido e à finalidade do artigo 50.°, n.° 1, da diretiva seguro de vida que importa aqui interpretar, tal como resultam inequivocamente do mesmo, e de outras fontes.

a)      Prevenção de distorções de concorrência

65.      Resulta claramente do considerando 55 da diretiva seguro de vida que o artigo 50.°, n.° 1, desta diretiva visa evitar distorções de concorrência no domínio da prestação de serviços de seguro.

66.      A este respeito, a contribuinte indicou que já não existe uma situação de concorrência quando um tomador do seguro, após ter celebrado um contrato de seguro nos Países Baixos, muda a sua residência para a Bélgica. Por conseguinte, uma interpretação estática seria consistente com o objetivo do artigo 50.°, n.° 1, da diretiva seguro de vida.

67.      Penso que isto pode ser válido no que se refere à concorrência para a celebração do contrato, mas não à concorrência relativa à alteração da companhia no caso de um contrato de seguro em vigor. No segundo caso, a concorrência seria falseada se fosse decisiva apenas a residência habitual do tomador do seguro no momento da celebração do contrato. Após uma mudança, o tomador do seguro conservaria, por exemplo, o privilégio da isenção fiscal se no momento da celebração do contrato tinha a sua residência habitual num Estado-Membro que não tributa os contratos de seguro. Contudo, se no lugar da sua nova residência é aplicado um imposto sobre seguros, este teria de ser pago ao ser celebrado um novo contrato de seguro. Esta desvantagem pode, à partida, dissuadir o tomador de mudar de empresa de seguros.

68.      Contudo, o considerando 55 da diretiva seguro de vida frisa que o artigo 50.° visa evitar distorções de concorrência «[e]nquanto não se proceder a uma harmonização posterior». Isto parece implicar o reconhecimento de que a repartição do poder tributário em vigor não impede inteiramente as distorções de concorrência. Uma interpretação do artigo 50.° da diretiva seguro de vida que não exclui todas as distorções de concorrência seria, por isso, ainda consistente com a finalidade desta disposição.

69.      Aponta igualmente neste sentido o facto de a Comissão ter esclarecido na audiência, em resposta a uma questão escrita do Tribunal de Justiça, que, tanto quanto sabia, nenhuma questão relativa à mobilidade dos tomadores de seguros e aos seus efeitos sobre os regimes fiscais aplicáveis foi abordada nem no contexto da génese da diretiva seguro de vida, nem no contexto das diretivas precedentes. Assim, nada permite concluir que, ao adotar o artigo 50.° da diretiva seguro de vida, o legislador da União pretendia também evitar distorções de concorrência suscetíveis de surgir ao longo de uma relação contratual.

70.      Acresce que a natureza do risco segurado no âmbito do seguro de vida só permite uma concorrência limitada entre os contratos vigentes e novos contratos celebrados com uma companhia diferente. Com efeito, quer o risco de sobrevivência até um determinado momento quer o risco de morte aumentam com a idade da pessoa segurada. Logo por esta razão, é provável que os prémios de contratos de seguro de vida celebrados de novo sejam estruturalmente mais elevados que os de contratos já existentes.

71.      O objetivo de evitar distorções de concorrência aponta para uma interpretação dinâmica do artigo 50.°, n.° 1, da diretiva seguro de vida, mas não a impõe.

b)      Evitar a dupla tributação e a não tributação

72.      Relativamente a uma disposição comparável da Diretiva 88/357 e do seu artigo 2.°, alínea d), quarto travessão, já referido (12), o Tribunal de Justiça declarou ainda que ela tinha por objetivo não só evitar distorções de concorrência mas igualmente impedir a dupla tributação e a não tributação. A este respeito, sublinhou a importância de elementos objetivamente verificáveis (13).

73.      Em primeiro lugar, penso que no presente contexto não é convincente o entendimento da Comissão, de que existe um risco particular de dupla tributação no caso de a tributação depender da residência do tomador do seguro no momento da celebração do contrato. Esse risco só existe se os vários Estados-Membros interpretarem a disposição de maneira diferente. Em princípio, quer a dupla tributação quer a não tributação são, por isso, evitadas, através de uma interpretação e aplicação uniformes do artigo 50.°, n.° 1, da diretiva seguro de vida na União, independentemente do critério decisivo nessa interpretação.

74.      Importa contudo constatar que a verificabilidade objetiva exigida pelo Tribunal de Justiça é melhor garantida, para todas as partes envolvidas, pela interpretação estática. Neste caso, só é necessário determinar uma vez — no início do contrato — a residência habitual do tomador do seguro. Isto permite reduzir ao máximo as situações em que vários Estados-Membros divergem quanto à questão de saber onde um determinado tomador do seguro reside habitualmente no ano em causa. Com efeito, essa situação teria como resultado a dupla tributação ou a não tributação.

75.      O objetivo associado com o artigo 50.°, n.° 1, da diretiva seguro de vida, de evitar a dupla tributação e a não tributação, aponta assim para uma interpretação estática.

c)      Tomada em consideração das liberdades fundamentais

76.      Além disso, no âmbito da interpretação teleológica, há que atender às liberdades fundamentais, à luz das quais o direito derivado deve ser interpretado (14). Logo a epígrafe do título IV da diretiva seguro de vida, no qual está inserido o artigo 50.°, n.° 1, que cabe aqui interpretar, se refere em especial ao objetivo de garantir o direito de estabelecimento e a livre prestação de serviços.

77.      Ao atender às liberdades fundamentais não se trata, no caso vertente, de examinar uma violação concreta de uma dessas liberdades. Pelo contrário, trata-se de examinar qual a variante de interpretação que melhor assegura o respeito das liberdades fundamentais para todos os casos abrangidos pelo artigo 50.°, n.° 1, da diretiva seguro de vida.

78.      Ao passo que a liberdade de estabelecimento da empresa de seguros não parece estar abrangida pelo âmbito de aplicação do artigo 50.°, n.° 1, da diretiva seguro de vida, é necessário analisar a seguir mais detalhadamente o significado da livre prestação de serviços e da liberdade de circulação do tomador do seguro para a interpretação desta norma.

i)      Livre prestação de serviços

79.      Antes de mais, coloca-se a questão de saber que influência a livre prestação de serviços, garantida pelo Tratado, pode ter na interpretação do artigo 50.°, n.° 1, da diretiva seguro de vida.

80.      Segundo jurisprudência assente do Tribunal de Justiça, são consideradas restrições à livre prestação de serviços as medidas nacionais que proíbam, perturbem ou tornem menos atrativo o exercício dessa liberdade (15). Dado que no caso em apreço não se trata da apreciação de uma medida nacional, mas de considerar a livre prestação de serviços no contexto da interpretação do direito derivado, importa examinar a seguir qual é a variante de interpretação que, neste sentido, restringe menos a livre prestação de serviços.

81.      Neste contexto, a contribuinte argumentou que uma interpretação dinâmica entrava a livre prestação de serviços, dado que as empresas de seguros neerlandesas teriam de pagar o imposto em caso de mudança de residência do tomador do seguro, sem ter a possibilidade de obter dele o reembolso do imposto, no quadro da execução do contrato. Assim, a repercussão do imposto sobre o tomador do seguro já não seria possível.

82.      A isto cabe objetar que a repercussão do imposto em caso de mudança de residência é apenas uma questão relacionada com a configuração do contrato. A contribuinte não parece ter partido de uma interpretação dinâmica ao configurar os seus contratos, não tendo por isso estipulado uma adaptação do prémio do seguro para o caso de o tomador do seguro mudar de residência. Optando-se por uma interpretação dinâmica, a contribuinte seria confrontada com um problema resultante não da própria variante de interpretação, mas apenas da sua análise incorreta da situação jurídica existente. De qualquer modo, há que reconhecer que este problema só se coloca no caso de uma interpretação dinâmica.

83.      Contudo, noutra perspetiva a interpretação dinâmica tem um efeito manifestamente mais adverso sobre a livre prestação de serviços que a interpretação estática.

84.      Com efeito, o Governo estónio referiu-se, a justo título, às dificuldades com as quais as empresas de seguros seriam confrontadas mesmo se o imposto fosse repercutido como resultado de uma interpretação dinâmica do artigo 50.°, n.° 1, da diretiva seguro de vida. Neste caso, as empresas de seguros, para cumprir as suas obrigações fiscais, teriam de verificar permanentemente o lugar de residência habitual dos seus tomadores de seguros e, sobretudo, as regras fiscais aí em vigor nesse momento. Assim, as empresas seriam obrigadas a respeitar muitas normas tributárias nacionais diferentes apenas devido ao facto de, independentemente da sua vontade, os seus cocontratantes se terem mudado para outro Estado-Membro.

85.      Pelo contrário, adotando uma interpretação estática, as regras fiscais de outro Estado-Membro só devem ser tomadas em conta quando uma empresa de seguros decide conscientemente celebrar um contrato de seguro de vida com uma pessoa que tem a sua residência habitual noutro Estado-Membro. Sobretudo, estas regras fiscais são as únicas aplicáveis durante toda a vigência do contrato.

86.      A interpretação dinâmica constitui assim uma restrição mais significativa das prestações de serviços transfronteiriças de uma empresa de seguros, porque em caso de mudança de residência do tomador do seguro sujeita o contrato a outro regime fiscal.

87.      Esta consequência jurídica é igualmente suscetível de dissuadir uma empresa de seguros de manter as suas prestações após uma mudança transfronteiriça do tomador do seguro. Para evitar os custos que o cumprimento das regras fiscais de outro Estado-Membro implicaria em caso de interpretação dinâmica do artigo 50.°, n.° 1, da diretiva seguro de vida, as empresas poderiam ser tentadas a só celebrar contratos na condição de o tomador do seguro residir num lugar determinado. Independentemente da questão de saber se tal comportamento de uma empresa de seguros seria compatível com o direito da União, ele não tem de ser temido se se optar por uma interpretação estática.

88.      Em conclusão, a garantia de uma livre prestação de serviços milita a favor de uma interpretação estática.

ii)    Livre circulação do tomador do seguro

89.      Ao invés, não posso constatar que, como algumas partes no processo alegaram, uma interpretação dinâmica do artigo 50.°, n.° 1, da diretiva seguro de vida implique uma restrição direta às várias liberdades de circulação do tomador do seguro.

90.      É certo que uma interpretação dinâmica poderia ter como consequência, consoante a configuração do contrato, que o tomador do seguro tenha de pagar mais pelo seu contrato de seguro de vida, porque o imposto sobre seguros é mais elevado no seu novo lugar de residência. Todavia, segundo jurisprudência assente do Tribunal de Justiça, o Tratado não garante a um cidadão da União que a transferência das suas atividades para um Estado-Membro diferente daquele em que residia até então seja neutra em termos de impostos (16).

91.      Uma interpretação dinâmica poderia, contudo, entravar indiretamente as liberdades de circulação do tomador do seguro se a sua empresa de seguros — como já explicado (17) — se recusasse a manter a relação contratual após uma mudança transfronteiriça. Como não há que temer tais consequências negativas para o tomador do seguro no caso de uma interpretação estática, a garantia das liberdades de circulação do tomador do seguro aponta mais no sentido desta variante de interpretação.

d)      Adequação da repartição do poder tributário

92.      Por último, a adequação da repartição do poder tributário entre os Estados-Membros não é — ao contrário do que foi indicado pelo Governo austríaco — um objetivo a tomar em conta ao interpretar o artigo 50.° da diretiva seguro de vida. A questão de saber se uma determinada repartição do poder tributário dos Estados-Membros deve ser considerada equilibrada de acordo com uma interpretação estática ou dinâmica deve ser apreciada unicamente com base na finalidade da cobrança de um imposto sobre seguros. Esta finalidade pode sugerir qual o Estado-Membro que deve ser competente para cobrar o imposto, em especial se é possível determinar qual das duas partes num contrato de seguro de vida deve pagar o imposto.

93.      A finalidade da cobrança de um imposto sobre seguros não é, contudo, relevante para a repartição do poder tributário entre os Estados-Membros nos termos do artigo 50.°, n.° 1, da diretiva seguro de vida. Do ponto de vista do direito da União é por isso também irrelevante, em princípio, quem paga um imposto sobre seguros. Por um lado, isto resulta do facto de que a diretiva seguro de vida se baseia no artigo 47.°, n.° 2, CE e no artigo 55.° CE, que respeitam unicamente à garantia da liberdade de estabelecimento e da livre prestação de serviços. Por outro lado, resulta do considerando 55 da diretiva seguro de vida que a regra enunciada no seu artigo 50.°, n.° 1, tem unicamente por finalidade evitar as distorções de concorrência.

94.      Assim, o direito da União regula a aplicabilidade de impostos nacionais sobre seguros apenas do ponto de vista das distorções de concorrência que afetam o mercado interno. Por outras palavras, o direito da União não visa criar um imposto sobre seguros e também não pretende sujeitar nenhum contraente determinado ao imposto. A existência de impostos nacionais sobre seguros é aceite sem mais. A sua cobrança — e, deste modo, também a sua finalidade — é da competência exclusiva dos Estados-Membros, como também indicam claramente o artigo 135.°, n.° 1, alínea a), e o artigo 401.° da Diretiva IVA (18).

e)      Resultado da interpretação teleológica

95.      A análise do sentido e da finalidade do artigo 50.°, n.° 1, da diretiva seguro de vida tem como resultado que quer o objetivo de evitar a dupla tributação e a não tributação, quer a garantia da livre prestação de serviços e das liberdades de circulação do tomador do seguro militam a favor de uma interpretação estática. No caso dos seguros de vida, é pouco importante o facto de que uma interpretação dinâmica pode evitar distorções de concorrência mais efetivamente que a interpretação estática.

V —    Conclusão

96.      Dado que quer o contexto quer o sentido e a finalidade do artigo 50.°, n.° 1, da diretiva seguro de vida, tendo em conta as liberdades fundamentais, militam a favor de uma interpretação estática, proponho que o Tribunal de Justiça responda às questões prejudiciais submetidas pelo Rechtbank van eerste aanleg te Brussel do seguinte modo:

O artigo 50.°, n.° 1, da Diretiva 2002/83/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 5 de novembro de 2002, relativa aos seguros de vida, deve ser interpretado no sentido de que o «Estado-Membro do compromisso» deve ser determinado, no caso de pessoas singulares, no momento da celebração do contrato de seguro de vida. Por conseguinte, opõe-se a um regime nacional, que prevê a sujeição dos contratos de seguro de vida a um imposto anual, se no ano em causa o tomador do seguro tem a sua residência habitual no Estado-Membro, sem que seja tido em conta o lugar de residência do tomador do seguro no momento da celebração do contrato.


1 —      Língua original: alemão.


2—      Diretiva 2002/83/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 5 de novembro de 2002, relativa aos seguros de vida (JO L 345, p. 1).


3—      Diretiva 92/49/CEE do Conselho, de 18 de junho de 1992, relativa à coordenação das disposições legislativas, regulamentares e administrativas respeitantes ao seguro direto não vida e que altera as Diretivas 73/239/CEE e 88/357/CEE (Terceira Diretiva sobre o seguro não vida) (JO L 228, p. 1).


4 —      Primeira Diretiva 73/239/CEE do Conselho, de 24 de julho de 1973, relativa à coordenação das disposições legislativas, regulamentares e administrativas respeitantes ao acesso à atividade de seguro direto não vida e ao seu exercício (JO L 228, p. 3).


5 —      Segunda Diretiva 88/357/CEE do Conselho, de 22 de junho de 1988, relativa à coordenação das disposições legislativas, regulamentares e administrativas respeitantes ao seguro direto não vida, que fixa disposições destinadas a facilitar o exercício da livre prestação de serviços e que altera a Diretiva 73/239/CEE (JO L 172, p. 1).


6—      Diretiva 2009/138/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 25 de novembro de 2009, relativa ao acesso à atividade de seguros e resseguros e ao seu exercício (Solvência II) (JO L 335, p. 1); v. o considerando 1 e o artigo 310.°, primeiro parágrafo, da diretiva.


7 —      «[...] each Member State shall apply to those assurance undertakings which cover commitments situated within its territory [...]».


8—      V., supra, n.os 46 e segs.


9—      V., supra, n.os 38 e segs.


10 —      «[...] application of the tax systems [...] provided for by the Member States in which commitments entered into [...]».


11—      V., supra, n.° 57.


12—      V., supra, n.os 55 e segs.


13—      V. acórdão de 14 de junho de 2001, Kvaerner (C-191/99, Colet., p. I-4447, n.° 51).


14—      V., neste sentido, acórdãos de 6 de outubro de 1981, Broekmeulen (246/80, Recueil, p. 2311, n.° 20); de 6 de novembro de 2003, Lindqvist (C-101/01, Colet., p. I-12971, n.° 87); e de 26 de junho de 2007, Ordre des barreaux francophones et germanophone e o. (C-305/05, Colet., p. I-5305, n.° 28); bem como as conclusões do advogado-geral S. Alber apresentadas em 9 de julho de 2002, no processo Geha Naftiliaki e o. (acórdão de 14 de novembro de 2002, C-435/00, Colet., p. I-10615, n.° 40).


15 —      V., designadamente, acórdão de 13 de outubro de 2011, Waypoint Aviation (C-9/11, Colet., p. I-9697, n.° 22 e jurisprudência aí referida).


16 —      V., designadamente, acórdãos de 29 de abril de 2004, Weigel (C-387/01, Colet., p. I-4981, n.° 55); de 12 de julho de 2005, Schempp (C-403/03, Colet., p. I-6421, n.° 45); e de 26 de abril de 2007, Alevizos (C-392/05, Colet., p. I-3505, n.° 76).


17—      V., supra, n.° 87.


18—      Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro de 2006, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado (JO L 347, p. 1).