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CONCLUSÕES DA ADVOGADA-GERAL

JULIANE KOKOTT

apresentadas em 31 de janeiro de 2013 (1)

Processo C-155/12

Minister Finansów

contra

RR Donnelley Global Turnkey Solutions Poland Sp. z o.o.

[pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Naczelny Sąd Administracyjny (Polónia)]

«Direito fiscal — IVA — Artigo 47.° da Diretiva 2006/112/CE — Lugar da prestação de serviços — Prestação de serviços relacionada com um bem imóvel — Armazenagem de mercadorias»






Índice


I —   Introdução

II — Quadro jurídico

A —   Direito da União

B —   Direito nacional

III — Processo principal e tramitação processual no Tribunal de Justiça

IV — Apreciação jurídica

A —   Prestação única ou prestações individuais independentes

B —   Lugar da prestação única de armazenagem

1.     Relação suficientemente direta

2.     Critério objetivo para uma relação suficientemente direta

3.     Objeto de uma prestação de armazenagem

4.     Diretriz do Comité do IVA

V —   Conclusão


I —    Introdução

1.        O pedido de decisão prejudicial diz respeito à cobrança do IVA sobre a armazenagem de mercadorias e à questão de saber qual o Estado-Membro que tem poder tributário para este efeito. O referido poder de tributação depende do lugar da prestação tributável, tal como é determinado pelo regime jurídico do IVA.

2.        Assim, o poder tributário relativo a prestações de serviços «relacionadas com um bem imóvel» pertence ao Estado-Membro onde o bem imóvel se situa. O Tribunal de Justiça já declarou, a este respeito, que esta relação tem de ser «suficientemente direta» (2). O órgão jurisdicional de reenvio pretende agora esclarecer se também é assim no caso da armazenagem de mercadorias.

3.        O reenvio prejudicial permite ao Tribunal de Justiça precisar a sua jurisprudência em matéria de lugar de uma prestação de serviços relacionada com um bem imóvel. Para além do âmbito do caso concreto, e no que diz respeito à aplicação do direito, deve ser esclarecido o que o Tribunal de Justiça entende por relação «suficientemente direta».

II — Quadro jurídico

A —    Direito da União

4.        A Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro de 2006, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado (3), na versão da Diretiva 2008/8 (4) (a seguir «diretiva IVA»), contém, nos seus artigos 43.° e seguintes, disposições relativas ao lugar da prestação de serviços.

5.        O artigo 44.° da diretiva IVA contém a seguinte regra geral:

«O lugar das prestações de serviços efetuadas a um sujeito passivo agindo nessa qualidade é o lugar onde esse sujeito passivo tem a sede da sua atividade económica. […]»

6.        Se o beneficiário do serviço não for um sujeito passivo, aplica-se a seguinte regra geral nos termos do artigo 45.° da diretiva IVA:

«O lugar das prestações de serviços efetuadas a uma pessoa que não seja sujeito passivo é o lugar onde o prestador tem a sede da sua atividade económica. […]»

7.        Os artigos 46.° e seguintes da diretiva IVA contêm disposições especiais relativas ao lugar das prestações de serviços. O artigo 47.° da diretiva IVA regula as «prestações de serviços relacionadas com bens imóveis»:

«O lugar das prestações de serviços relacionadas com bens imóveis, incluindo os serviços prestados por peritos e agentes imobiliários, a prestação de serviços de alojamento no setor hoteleiro ou em setores com funções análogas, tais como campos de férias ou terrenos destinados a campismo, a concessão de direitos de utilização de bens imóveis e os serviços de preparação e de coordenação de obras em imóveis, tais como os serviços prestados por arquitetos e por empresas de fiscalização de obras, é o lugar onde está situado o bem imóvel.»

8.        A Sexta Diretiva 77/388/CEE do Conselho de 17 de maio de 1977, relativa à harmonização das legislações dos Estados-Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios — Sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado: matéria coletável uniforme (5) (a seguir «Sexta Diretiva»), aplicável até 31 de dezembro de 2006, previa, no seu artigo 9.°, disposições relativas ao lugar da prestação de serviços. A disposição especial relativa a serviços relacionados com bens imóveis encontrava-se na alínea a) do n.° 2 desse artigo:

«2.      Todavia:

a)      Por lugar das prestações de serviços conexas com um bem imóvel, incluindo as prestações de agentes imobiliários e de peritos, e, bem assim, as prestações tendentes a preparar ou coordenar a execução de trabalhos em imóveis, tais como, por exemplo, as prestações de serviços de arquitetos e de gabinetes técnicos de fiscalização, entende-se o lugar da situação do bem.»

B —    Direito nacional

9.        A Lei polaca de 11 de março de 2004 relativa ao imposto sobre o volume de negócios, na versão aplicável no processo principal, contém disposições que correspondem essencialmente às dos artigos 44.° e 47.° da diretiva IVA.

III — Processo principal e tramitação processual no Tribunal de Justiça

10.      A RR Donnelley Global Turnkey Solutions Poland Sp. z o.o., uma sociedade de direito polaco (a seguir «sujeito passivo»), presta serviços de armazenagem de mercadorias a empresas com sede noutros Estados-Membros da União Europeia e em Estados terceiros. Essas prestações de serviços incluem a receção das mercadorias num armazém, a sua colocação em espaços de armazenagem apropriados, a sua conservação, a embalagem das mercadorias para os clientes, a entrega das mercadorias, a carga e a descarga. Ocasionalmente, também se incluem na prestação de serviços a reembalagem, em embalagens individuais, do material entregue por grosso.

11.      Tendo em conta a sua atividade, o sujeito passivo apresentou à Administração Fiscal um pedido de interpretação do direito polaco relativo ao IVA, pretendendo saber se as prestações dos serviços em causa estão sujeitas ao IVA na Polónia. O Minister Finansów, competente para o efeito, concluiu pela afirmativa, desde que os armazéns estejam situados na Polónia. Com efeito, os serviços descritos são serviços relacionados com um imóvel, pelo que devem ser tributados no lugar onde está situado o imóvel.

12.      O sujeito passivo recorreu desta decisão nos órgãos jurisdicionais polacos, alegando que, nos termos do artigo 44.° da diretiva IVA, o lugar dos serviços por si prestados é o da sede do respetivo beneficiário da prestação e não o lugar onde se situa o imóvel, de acordo com o artigo 47.° da diretiva IVA. Por conseguinte, se os beneficiários da prestação de serviços tiverem sede fora da Polónia, os serviços de armazenagem não poderão ser aí tributados.

13.      Neste contexto e tendo em conta uma prática de tributação divergente de outros Estados-Membros por ele detetada, o Naczelny Sąd Administracyjny, que está atualmente a apreciar o litígio, submeteu ao Tribunal de Justiça, nos termos do artigo 267.° TFUE, as seguintes questões:

«Devem os artigos 44.° e 47.° da [diretiva IVA] ser interpretados no sentido de que os serviços complexos de armazenagem de mercadorias, que compreendem a receção das mercadorias no armazém, a sua colocação em espaços de armazenagem apropriados, a sua conservação para os clientes, a entrega das mercadorias, a carga e a descarga, e, para certos clientes, a reembalagem do material entregue por grosso em embalagens individuais, são prestações de serviços relacionadas com um bem imóvel que, em conformidade com o artigo 47.° da [diretiva IVA], são tributáveis no lugar em que está situado esse bem imóvel?

Ou deve considerar-se que se trata de serviços que, em conformidade com o artigo 44.° da [diretiva IVA], são tributáveis no lugar em que o destinatário do serviço a quem foram prestados os serviços em causa estabeleceu a sede da sua atividade económica ou tem um estabelecimento económico estável ou, na falta destes, no lugar em que tem o seu domicílio ou residência habitual?»

14.      O sujeito passivo, os Governos grego e polaco, bem como a Comissão, apresentaram observações escritas no processo no Tribunal de Justiça.

IV — Apreciação jurídica

15.      Com as questões prejudiciais, no essencial, o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber, no essencial, se o artigo 47.° da diretiva IVA deve ser aplicado às prestações de serviços de armazenagem de mercadorias descritas.

16.      Para responder à questão são necessárias duas fases de análise. Antes de mais, importa apurar se a prestação de serviços complexa pelo sujeito passivo constitui uma prestação única ou se é composta por diversas prestações distintas, cujo lugar de prestação respetivo deve ser analisado em separado (a este respeito, o ponto A). Em seguida, importa averiguar se o artigo 47.° da diretiva IVA é aplicável às prestações de serviços identificadas (a este respeito, o ponto B).

A —    Prestação única ou prestações individuais independentes

17.      Em primeiro lugar, importa esclarecer se o lugar das prestações individuais associadas à prestação de serviços complexa — receção das mercadorias no armazém, a sua colocação em espaços de armazenagem apropriados, a sua conservação, a entrega das mercadorias, bem como a carga e a descarga — deve ser respetivamente determinado em separado ou em conjunto.

18.      O Governo polaco salientou, com razão, que, no presente caso, cumpre ter em conta a jurisprudência do Tribunal de Justiça relativa à prestação única, segundo a qual, quando uma operação é constituída por um conjunto de elementos e de atos, há que tomar em consideração todas as circunstâncias em que se desenvolve a operação em questão, para determinar, nomeadamente, se se está em presença de duas ou mais prestações distintas ou de uma prestação única (6).

19.      Está-se perante uma prestação única, nomeadamente, quando uma ou várias prestações constituem uma prestação principal e a outra ou as outras prestações constituem uma ou várias prestações acessórias. Uma prestação deve ser considerada acessória em relação a uma prestação principal quando não constitua para a clientela um fim em si mesmo, mas um meio de beneficiar, nas melhores condições, do serviço principal do prestador (7).

20.      Se se entender que existe uma prestação única sob a forma de prestação principal e prestações acessórias, aplica-se o tratamento fiscal da prestação principal às prestações acessórias (8). Por esse motivo, o Governo polaco sublinha, com razão, que o lugar da prestação principal determina o lugar da prestação complexa (9).

21.      Na verdade, incumbe a priori ao órgão jurisdicional de reenvio determinar se as prestações individuais em causa constituem uma prestação única e qual das prestações individuais constitui a prestação principal (10). No entanto, de acordo com a matéria de facto exposta, impõe-se a priori considerar a conservação das mercadorias, ou seja, a armazenagem propriamente dita, a prestação principal e, em contrapartida, a sua receção, a sua arrumação, a sua entrega, a carga e a descarga prestações acessórias. Isto porque estas últimas prestações, normalmente, não constituem para o cliente um fim em si mesmo, mas destinam-se apenas a possibilitar a desejada armazenagem das mercadorias.

22.      Contudo, também é possível considerar que a reembalagem de materiais, tal como é realizada para alguns clientes, é uma prestação de serviços independente, se a reembalagem não ocorrer para melhorar a armazenagem. Neste caso, deve considerar-se que existem duas prestações para efeitos de IVA, cujo lugar deve ser sempre analisado em separado: por um lado, a reembalagem, por outro, a armazenagem.

23.      Poderia chegar-se a uma outra conclusão, em termos globais, se a descarga e a carga das mercadorias a armazenar estivessem ligadas a um serviço substancial de transporte prestado pelo sujeito passivo. Se a recolha das mercadorias num lugar e a sua deslocação para outro lugar após uma armazenagem de curta duração fizessem parte de uma prestação de serviços, o transporte também poderia constituir a prestação principal, ao passo que a armazenagem não constituiria um fim em si mesmo, mas apenas uma prestação acessória. O lugar dessa prestação de serviços seria então determinado em função do lugar da prestação de serviços de transporte.

24.      Contudo, tendo em conta as prestações descritas pelo órgão jurisdicional de reenvio, em particular, nas questões prejudiciais, partirei do princípio, na análise que se segue, de que a apresentação de serviços complexa descrita é uma prestação única no domínio da armazenagem de mercadorias, cujo lugar é determinado em função da prestação principal de conservação das mercadorias.

B —    Lugar da prestação única de armazenagem

25.      O lugar desta prestação pode determinar-se segundo as disposições gerais dos artigos 44.° e 45.° da diretiva IVA ou segundo a disposição especial do artigo 47.°

26.      Uma vez que as disposições especiais relativas ao lugar de uma prestação de serviços têm prioridade em relação às disposições gerais (11), importa começar por analisar a aplicação do artigo 47.° da diretiva IVA.

27.      A armazenagem de uma mercadoria não pertence a nenhuma das prestações de serviços expressamente referidas na disposição. Contudo, uma vez que a enumeração não é taxativa (12), coloca-se a questão de saber se a armazenagem de uma mercadoria constitui uma prestação serviços «que apresenta uma relação com um bem imóvel» na aceção da disposição.

1.      Relação suficientemente direta

28.      Segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça relativa à alínea a) do n.° 2 do artigo 9.° da Sexta Diretiva, para este efeito, não basta qualquer relação de uma prestação de serviços com um bem imóvel. Com efeito, esta relação deve ser «suficientemente direta» (13). No acórdão Heger, o Tribunal de Justiça confirmou a existência dessa relação porque o imóvel em causa constituía um elemento «central e indispensável» da referida prestação e o lugar onde se situava o imóvel correspondia ao lugar de efetivação final do serviço (14).

29.      Não há nenhuma razão para que esta jurisprudência — apesar da redação agora alargada relativamente às prestações de serviços expressamente enumeradas — não seja transposta para a disposição do artigo 47.° da diretiva IVA que aqui deve ser interpretada. Contudo, esta jurisprudência carece de concretização, uma vez que — como salientou o advogado-geral F. G. Jacobs, com razão (15) —, no domínio da determinação do lugar de uma prestação de serviços para efeitos de IVA, o principal objetivo é o de garantir a segurança jurídica.

30.      As disposições relativas ao lugar de uma prestação de serviços são regras de conflitos de leis, que determinam o lugar de tributação das prestações de serviços e, por conseguinte, delimitam as competências dos Estados-Membros. O objetivo dessas disposições é, por um lado, evitar os conflitos de competência suscetíveis de conduzir a duplas tributações e, por outro, a não tributação de receitas (16). Por esse motivo, as expressões empregues nas disposições devem ser interpretadas uniformemente ao nível da União (17), de modo a que essas disposições contenham um critério seguro, simples e praticável de conexão para este tipo de prestação e a evitar, assim conflitos de competência entre os Estados-Membros (18).

31.      Este objetivo ainda não foi alcançado pela jurisprudência até agora proferida pelo Tribunal de Justiça no que diz respeito ao artigo 47.° da diretiva IVA. Tal como o presente processo também o demonstra, o requisito de uma relação «suficientemente direta» é tão indeterminado que a sua aplicação ao caso concreto não é previsível. O mesmo se dirá em relação aos critérios do bem imóvel como «elemento central e indispensável» de uma prestação ou do lugar de efetivação final do serviço, referidos a título complementar pelo Tribunal de Justiça, num acórdão.

32.      Na verdade, o Tribunal de Justiça já declarou, no que diz respeito à «relação direta e imediata» entre operações a montante e operações a jusante tributáveis — exigida, segundo a sua jurisprudência, pelo artigo 168.º da diretiva IVA —, que, tendo em conta a diversidade das transações económicas, seria impossível dar uma resposta mais apropriada quanto ao modo de estabelecer em todos os casos a relação necessária, pelo que é aos órgãos jurisdicionais nacionais que incumbe aplicar este critério (19). Porém, o mesmo não se pode sustentar no que diz respeito à «relação suficientemente direta» que determina a aplicação do artigo 47.° da diretiva IVA, que importa interpretar no presente caso. Com efeito, ao passo que a legitimidade para a dedução do IVA a montante num caso isolado deve apenas ser esclarecida por um tribunal nacional, a questão do lugar de uma determinada prestação de serviços pode ser abordada em paralelo em tribunais de diversos Estados-Membros. Neste sentido, para evitar decisões divergentes que teriam como consequência a dupla tributação ou a não tributação de uma prestação de serviços, o Tribunal de Justiça deve disponibilizar aos órgãos jurisdicionais nacionais um critério tão objetivo quanto possível para a aplicação do artigo 47.° da diretiva IVA (20).

2.      Critério objetivo para uma relação suficientemente direta

33.      O órgão jurisdicional de reenvio sugeriu, a este respeito, que se considerasse que se deve presumir a existência de uma relação suficientemente direta de uma prestação de serviços com um bem imóvel nos casos em que um determinado bem imóvel é objeto da prestação.

34.      O Tribunal de Justiça deverá seguir esta sugestão.

35.      Significa, em primeiro lugar, que não basta que para a realização da prestação de serviços seja necessário um qualquer bem imóvel. Pelo contrário, deve tratar-se de um determinado bem imóvel identificado pelas partes. Este requisito decorre desde logo do facto de para as partes, ao aplicarem o artigo 47.° da diretiva IVA, dever ser claro em que lugar as obrigações tributárias devem ser cumpridas.

36.      No entanto, o requisito de um determinado bem imóvel, com o qual a prestação de serviços está relacionada, também não pode ser suficiente para a aplicação do artigo 47.° da diretiva IVA. Com efeito, há numerosos serviços a prestar num determinado bem imóvel, uma vez que o prestador do serviço aí tem os seus escritórios, sem que por esse motivo se possa justificar uma relação suficientemente direta das prestações com um bem imóvel. Com efeito, como o Tribunal de Justiça também já declarou, há um grande número de serviços que, de uma forma ou de outra, está ligado a um bem imóvel (21).

37.      Por esse motivo, e em segundo lugar, o bem imóvel concretamente determinado também deve ser objeto da prestação de serviços. Este requisito pode ser retirado das prestações de serviços expressamente enumeradas no artigo 47.° da diretiva IVA que, essencialmente, constituem o único ponto de referência para a interpretação (22). Segundo esse artigo, o bem imóvel é objeto de uma prestação de serviços quando é utilizado pelo cliente (concessão de direitos, incluindo os de alojamento), quando nele se realizam trabalhos (obras) ou quando é objeto de peritagem (serviços prestados por peritos).

38.      A este respeito, é irrelevante que, no artigo 47.° da diretiva IVA, também estejam referidas duas prestações de serviços que não se incluem propriamente em nenhuma destas três categorias. Com efeito, é o que sucede no caso dos agentes imobiliários e da coordenação de obras. O objeto destes serviços não é o próprio bem imóvel, mas o contrato de compra e venda de um bem imóvel ou os documentos de planeamento das suas obras.

39.      No entanto, a regra geral para uma relação suficientemente direta com um bem imóvel não tem de incluir todas as prestações de serviços expressamente enumeradas no artigo 47.° da diretiva IVA. Com efeito, a sua inclusão no texto pode visar apenas o alargamento simplificado do seu âmbito de aplicação (23). Em contrapartida, se se desse à regra geral uma redação de tal modo ampla que, também contivesse todas as prestações de serviços expressamente enumeradas no artigo 47.° da diretiva IVA, tal alargaria consideravelmente o âmbito de aplicação desta disposição. Com efeito, para que as prestações de agentes imobiliários e o planeamento de obras também ficassem abrangidos por uma regra geral, esta deveria incluir prestações cujo objeto não fosse um bem imóvel, mas que tivessem uma relação com um bem imóvel. Contudo, conforme acima exposto (24), tal é o que sucede com um grande número de prestações de serviços.

40.      Nestas condições, para a aplicação do artigo 47.° da diretiva IVA, deve presumir-se a existência de uma relação suficientemente direta entre a prestação de serviços e um bem imóvel nos casos em que a dita prestação tem por objeto a utilização de um determinado bem imóvel a realização de trabalhos nele ou a peritagem do mesmo, ou está expressamente enumerada na disposição.

41.      Os casos isolados até agora apreciados pelo Tribunal de Justiça estão em consonância com estes pressupostos: os direitos de pesca em causa no acórdão Heger constituem o uso de um bem imóvel (25) e a organização da permuta de direitos de habitação periódica (26) objeto do processo RCI Europe faz parte do serviço prestado por um agente imobiliário. Com efeito, o Tribunal de Justiça, no acórdão Inter-Mark Group, considerou que não havia uma relação suficientemente direta entre a construção de stands de feiras de exposição e um bem imóvel, apesar de estar em causa a realização de trabalhos num bem imóvel. Contudo, esta jurisprudência só demonstra que esses trabalhos também devem ter a forma de obras de um determinado alcance e com uma determinada duração (27).

3.      Objeto de uma prestação de armazenagem

42.      Por conseguinte a prestação de armazenagem a analisar no presente caso só pode apresentar uma relação suficientemente direta com um bem imóvel se estiver relacionada com um direito de utilização de um determinado bem imóvel ou de uma determinada parte de um bem imóvel. Só assim é que o objeto da prestação dos serviços é o próprio bem imóvel. Nesta medida, pode ser importante o facto de o cliente não ter livre acesso às superfícies de armazenagem, circunstância a que atendeu o Wojesódzki Sąd Administracyjny w Łodz enquanto instância precedente no processo principal.

43.      Em contrapartida, se a prestação de armazenagem não estiver ligada a um direito de utilização de determinado bem imóvel, o objeto da prestação são apenas as mercadorias a conservar. O facto de para a armazenagem ser forçosamente necessário um bem imóvel é, conforme acima visto, irrelevante (28). Conforme o Governo grego alegou, com razão, neste caso o bem imóvel é apenas um meio para realizar a prestação.

44.      A prestação de armazenagem, ao invés do que alega o Governo polaco, também não é abrangida pela prestação dos serviços, referidos no artigo 47.° da diretiva IVA, de alojamento no setor hoteleiro ou em setores com funções análogas. O alojamento de pessoas ocorre sob condições totalmente diferentes da armazenagem de mercadorias, de modo que o setor da armazenagem não exerce nenhuma função parecida com a do setor hoteleiro.

45.      Por conseguinte, como o sujeito passivo salientou com razão, para que o artigo 47.° da diretiva IVA seja aplicável a uma prestação de serviços de armazenagem, deve distinguir-se se o cliente adquire um direito à utilização de uma determinada superfície de armazenagem ou se apenas pretende que lhe sejam restituídas as mercadorias num estado inalterado.

4.      Diretriz do Comité do IVA

46.      Esta distinção, no caso de prestações de armazenagem, também está em conformidade com a posição do Comité Consultivo do imposto sobre o valor acrescentado (a seguir «Comité do IVA»). O Comité do IVA, que, nos termos do artigo 398.°, n.° 2, da diretiva IVA, é composto por representantes dos Estados-Membros e da Comissão, expressou numa diretriz saída da 93.ª sessão, de 1 de julho de 2011, «quase unanimemente», o entendimento de que o artigo 47.° da diretiva IVA não é aplicável à armazenagem de bens num imóvel, se «não for disponibilizada ao cliente, para seu uso exclusivo, nenhuma parte específica do bem imóvel» (29).

47.      Embora as diretrizes do Comité do IVA não sejam juridicamente vinculativas (30), o artigo 398.°, n.° 4, da diretiva IVA atribui expressamente ao comité a função de examinar questões relativas à aplicação das disposições do direito da União em matéria de IVA.

48.      O Tribunal de Justiça qualificou, desde cedo, os pareceres do antigo Comité da Nomenclatura da pauta aduaneira comum, que tinha atribuições semelhantes (31), de elementos válidos para a aplicação uniforme da pauta aduaneira comum, apesar de não serem juridicamente vinculativos (32). Isto serve de base à jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, segundo a qual as notas explicativas elaboradas, no que se refere à Nomenclatura Combinada, pela Comissão Europeia — atualmente, em colaboração com o Comité do Código Aduaneiro (33) —, são um contributo importante para a interpretação do alcance das diferentes posições pautais, sem contudo serem juridicamente vinculativas (34).

49.      Já não existe nenhum motivo para não se atribuir o mesmo papel às diretrizes do Comité do IVA. Na verdade, rejeitei esta possibilidade nas conclusões que proferi no processo Levob Verzekeringen e OV Bank, uma vez que as diretrizes não eram publicadas (35). Contudo, entretanto, já o são (36).

50.      Não obstante, a importância do Comité do IVA também não deve ser sobrevalorizada. As suas diretrizes constituem, no essencial, uma opinião da Comissão e das autoridades competentes dos Estados-Membros (37). Por este motivo, para a sua utilização como meio auxiliar de interpretação, também não é necessário haver unanimidade, que o artigo 113.° TFUE prescreve para atos jurídicos do Conselho em matéria de IVA.

51.      Porém, como meio auxiliar de interpretação que aqui deve ser realizada, a diretriz referida, aprovada quase unanimemente, confirma, no presente caso, que as prestações de armazenagem devem ter um tratamento diferenciado no que diz respeito à aplicação do artigo 47.° da diretiva IVA.

V —    Conclusão

52.      Por conseguinte, proponho ao Tribunal de Justiça que responda da seguinte forma às questões submetidas pelo Naczelny Sąd Administracyjny:

«1)      A aplicação do artigo 47.° da Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro de 2006, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado, na versão da Diretiva 2008/8/CE do Conselho, de 12 de fevereiro de 2008, que altera a Diretiva 2006/112/CE no que diz respeito ao lugar das prestações de serviços, pressupõe que a prestação de serviços tem por objeto a utilização de um determinado imóvel, a realização de trabalhos neste ou a peritagem do mesmo, ou está expressamente mencionado na disposição.

2)      As prestações de serviços complexas no domínio da armazenagem de mercadorias só preenchem estes requisitos se a conservação das mercadorias constituir a prestação principal de uma prestação de serviços única e estiver ligada a um direito de utilização de um determinado bem imóvel ou de uma determinada parte de um bem imóvel.»


1 —      Língua original: alemão.


2 —      V. acórdãos de 7 de setembro de 2006, Heger (C-166/05, Colet., p. I-7749, n.° 24), e de 27 de outubro de 2011, Inter-Mark Group (C-530/09, Colet., p. I-10675, n.° 30).


3 —      JO L 347, p. 1.


4 —      Diretiva 2008/8/CE do Conselho, de 12 de fevereiro de 2008, que altera a Diretiva 2006/112/CE no que diz respeito ao lugar das prestações de serviços (JO L 44, p. 11).


5 —      JO L 145, p. 1; EE 09 F1 p. 54.


6 —      Acórdão de 19 de julho de 2012, Deutsche Bank (C-44/11, n.° 18 e jurisprudência aí referida).


7 —      Acórdão de 27 de setembro de 2012, Field Fisher Waterhouse (C-392/11, n.° 17 e jurisprudência aí referida).


8 —      Acórdão Deutsche Bank (já referido na nota 6, n.° 19 e jurisprudência aí referida).


9 —      V., neste sentido, também, acórdão de 27 de outubro de 2005, Levob Verzekeringen e OV Bank (C-41/04, Colet., p. I-9433); ainda não é claro o acórdão de 25 de janeiro de 2001, Comissão/França (C-429/97, Colet., p. I-637, n.os 46 a 48), segundo o qual a existência de uma prestação complexa parece ser contrária à aplicação de uma disposição especial relativa ao lugar da prestação.


10 —      V. acórdão Field Fisher Waterhouse (já referido na nota 7, n.° 20 e jurisprudência aí referida).


11 —      V., neste sentido, quanto ao artigo 9.° da Sexta Diretiva, acórdão de 2 de julho de 2009, EGN (C-377/08, Colet., p. I-5685, n.° 28 e jurisprudência aí referida).


12 —      V. conclusões da advogada-geral E. Sharpston de 7 de março de 2006 no processo Heger (acórdão já referido na nota 2, n.° 36 das conclusões).


13 —      Acórdãos Heger (já referido na nota 2, n.° 24) e Inter-Mark Group (já referido na nota 2, n.° 30) quanto ao artigo 45.° da diretiva IVA, na versão anterior, que é essencialmente igual; v., também, acórdão de 3 de setembro de 2009, RCI Europe (C-37/08, Colet., p. I-7533, n.° 36): «nexo suficientemente direto».


14 —      Acórdão Heger (já referido na nota 2, n.° 25).


15 —      V. conclusões do advogado-geral F. G. Jacobs de 12 de dezembro de 2002 no processo Design Concept (acórdão de 5 de junho de 2003, C-438/01, Colet., p. 5617, n.° 30 das conclusões).


16 —      V., quanto ao artigo 9.° da Sexta Diretiva, acórdãos de 4 de julho de 1985, Berkholz (168/84, Recueil, p. 2251, n.° 14); de 26 de setembro de 1996, Dudda (C-327/94, Colet., p. I-4595, n.° 20); de 6 de março de 1997, Linthorst, Pouwels en Scheres (C-167/95, Colet., p. I-1195, n.° 10); Comissão/França (C-429/97, já referido na nota 9, n.° 41); de 15 de março de 2001, SPI (C-108/00, Colet., p. I-2361, n.° 15); de 12 de maio de 2005, RAL (Channel Islands) e o. (C-452/03, Colet., p. I-3947, n.° 23); Levob Vezekeringen e OV Bank (já referido na nota 9, n.° 32); de 9 de março de 2006, Gillan Beach (C-114/05, Colet., p. I-2427, n.° 14); de 6 de dezembro de 2007, Comissão/Alemanha (C-401/06, Colet., p. I-10609, n.° 29); de 6 de novembro de 2008, Kollektivavtalsstiftelsen TRR Trygghetsrådet (C-291/07, Colet., p. I-8255, n.° 24); de 19 de fevereiro de 2009, Athesia Druck (C-1/08, Colet., p. I-1255, n.° 20); EGN (já referido na nota 11, n.° 27); e de 26 de janeiro de 2012, ADV Allround (C-218/10, n.° 27).


17 —      V., neste sentido, quanto ao artigo 9.° da Sexta Diretiva, acórdãos de 17 de novembro de 1993, Comissão/França (C-68/92, Colet., p. I-5881, n.° 14); de 17 de novembro de 1993, Comissão/Luxemburgo (C-69/92, Colet., p. I-5907, n.° 15); de 17 de novembro de 1993, Comissão/Espanha (C-73/92, Colet., p. I-5997, n.° 12); Gillan Beach (já referido na nota 16, n.° 20); e de 22 de outubro de 2009, Swiss Re Germany Holding (C-242/08, Colet., p. I-10099, n.° 32).


18 —      V., quanto ao artigo 9.° da Sexta Diretiva, acórdão Comissão/França (C-429/97, já referido na nota 9, n.° 49); v., neste sentido, também, acórdãos de 7 de maio de 1998, Lease Plan (C-390/96, Colet., p. I-2553, n.° 23 e jurisprudência aí referida); Kollektivavtalsstiftelsen TRR Trygghetsrådet (já referido na nota 16, n.° 31); e ADV Allround (já referido na nota 16, n.° 30).


19 —      Acórdão de 8 de junho de 2000, Midland Bank (C-98/98, Colet., p. I-4177, n.° 25).


20 —      V., neste sentido, desde logo, conclusões da advogada-geral E. Sharpston no processo Heger (acórdão já referido na nota 12, n.° 33 das conclusões).


21 —      Acórdão Heger (já referido na nota 2, n.° 23).


22 —      V., quanto ao sentido e ao objeto da exceção para prestações de serviços relacionadas com um bem imóvel, Proposta da Comissão de diretiva do Conselho que altera a Diretiva 77/388/CEE no que respeita ao lugar das prestações de serviços, de 23 de dezembro de 2003, COM(2003) 822 final, pp. 7 e segs.: «motivos políticos».


23 —      V., quanto ao alargamento do catálogo das prestações de serviços pela Diretiva 2008/8/CE, proposta da Comissão, COM(2003) 822 final, referida na nota 22, p. 13, artigo 9.°-A.


24 —      V. n.° 36 supra.


25 —      V. acórdão Heger (já referido na nota 2, n.° 25).


26 —      V. acórdão RCI Europe (já referido na nota 13).


27 —      V. acórdão Inter-Mark Group (já referido na nota 2, n.° 31).


28 —      V. n.os 35 e segs.supra.


29 —      Documento A — taxud.c.1(2012)400557 — 707, p. 4, n.° 8, alínea a).


30 —      V. conclusões do advogado-geral L. A. Geelhoed de 14 de novembro de 2002, no processo Hoffmann (acórdão de 3 de abril de 2003, C-144/00, Colet., p. I-2921, n.° 72 das conclusões), e do advogado-geral Y. Bot de 13 de setembro de 2007, no processo Comissão/Alemanha (acórdão de 6 de dezembro de 2007, C-401/06, Colet., p. I-10609, n.° 50 das conclusões).


31 —      V. artigo 2.° do Regulamento (CEE) n.° 97/69 do Conselho, de 16 de janeiro de 1969, relativo às medidas a tomar para a aplicação uniforme da nomenclatura da pauta aduaneira comum (JO L 14, p. 1; EE 02 F1 p. 17).


32 —      Acórdão de 15 de fevereiro de 1977, Dittmeyer (69/76 e 70/76, Recueil, p. 231, Colet., p. 83).


33 —      V. artigo 9.°, n.° 1, alínea a), segundo travessão, e artigo 10.° do Regulamento (CEE) n.° 2658/87 do Conselho, de 23 de julho de 1987, relativo à nomenclatura pautal e estatística e à pauta aduaneira comum (JO L 256, p. 1), na versão do Regulamento (CE) n.° 254/2000 do Conselho, de 31 de janeiro de 2000, que altera o Regulamento (CEE) n.° 2658/87 relativo à nomenclatura pautal e estatística e à pauta aduaneira comum (JO L 28, p. 16).


34 —      V., designadamente, acórdãos de 6 de novembro de 1997, LTM (C-201/96, Colet., p. I-6147, n.° 17); de 17 de março de 2005, Ikegami (C-467/03, Colet., p. I-2389, n.º 17); e de 18 de maio de 2011, Delphi Deutschland (C-423/10, Colet., p. I-4003, n.° 24).


35 —      V. as minhas conclusões de 12 de maio de 2005 no processo Levob Verzekeringen e OV Bank (acórdão já referido na nota 9, n.° 25 das conclusões).


36 —      V. sítio Internet da Comissão sob: http://ec.europa.eu/taxation_customs/taxation/vat/key_documents/vat_committee/index_de.htm, consultado em 11 de janeiro de 2013.


37 —      V., neste sentido, conclusões do advogado-geral J. P. Warner de 19 de janeiro de 1977 no processo Dittmeyer (acórdão já referido na nota 32, n.os 231 e 244 das conclusões).