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CONCLUSÕES DO ADVOGADO-GERAL

MELCHIOR WATHELET

apresentadas em 5 de setembro de 2013 (1)

Processo C-362/12

Test Claimants in the Franked Investment Income Group Litigation

contra

Commissioners of Inland Revenue,

Commissioners for Her Majesty’s Revenue and Customs

[pedido de decisão prejudicial apresentado pela Supreme Court of the United Kingdom (Reino Unido)]

«Recuperação de impostos nacionais contrários ao direito da União — Prazos para intentar a ação — Legislação nacional que reduz o prazo com efeitos retroativos e sem aviso prévio»





I —    Introdução

1.        O presente pedido de decisão prejudicial constitui o terceiro pedido de decisão prejudicial submetido ao Tribunal de Justiça no âmbito de uma ação coletiva intentada nos órgãos jurisdicionais do Reino Unido pelos Test Claimants in the Franked Investment Income Group Litigation (a seguir «Test Claimants»), compostos por sociedades do grupo British American Tobacco e do grupo Aegis, que tem por objeto o tratamento fiscal dos dividendos pagos a sociedades-mãe sedeadas no Reino Unido por filiais dos respetivos grupos sedeadas no estrangeiro.

2.        O primeiro dos dois pedidos anteriores foi apresentado ao Tribunal de Justiça em 30 de outubro de 2004, pela High Court of Justice (England & Wales), Chancery Division (Reino Unido), e tinha por objeto a incompatibilidade desse tratamento fiscal de dividendos com as liberdades fundamentais inscritas no Tratado FUE (2). Na sequência do primeiro acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça nesse processo, em 12 de dezembro de 2006, o referido órgão jurisdicional decidiu, por acórdão de 27 de novembro de 2008, colocar questões sobre a interpretação do primeiro acórdão do Tribunal de Justiça nesse processo (3).

3.        Os Test Claimants recorreram desse acórdão para a Court of Appeal (England & Wales) que, por acórdão de 23 de fevereiro de 2010 (4), confirmou a decisão da High Court of Justice (England & Wales), Chancery Division, de submeter ao Tribunal de Justiça um segundo pedido de decisão prejudicial. O referido pedido foi apresentado em 21 de janeiro de 2011 e o Tribunal de Justiça pronunciou-se sobre o mesmo por acórdão de 13 de novembro de 2012 (5).

4.        Entretanto, os Test Claimants recorreram do acórdão da Court of Appeal (England & Wales) acima referido para a Supreme Court of the United Kingdom, tendo o recurso por objeto as vias de ação para restituição do indevido, colocadas à disposição dos contribuintes no que respeita a impostos declarados incompatíveis com as liberdades fundamentais inscritas no Tratado, e, mais concretamente, a alteração retroativa dos prazos de prescrição aplicáveis a essas ações pela section 320 do Finance Act 2004 (Lei das Finanças de 2004) e pela section 107 do Finance Act 2007 (Lei das Finanças de 2007). Nesse recurso, os Test Claimants contestavam que a Court of Appeal (England & Wales) tivesse declarado prescritas as suas ações para reembolso do imposto contrário ao direito da União Europeia que tinham pago indevidamente ao fisco britânico.

5.        No seu acórdão de 23 de maio de 2012, a Supreme Court of the United Kingdom declarou, por unanimidade, que a section 107 da Lei das Finanças de 2007 era incompatível com o direito da União, mas mostrou-se dividida quanto à questão da compatibilidade da alteração retroativa e sem aviso prévio dos prazos de prescrição operada pela section 320 da Lei das Finanças de 2004 com o direito da União. Cinco lords (Lord Hope, Lord Walker, Lord Clarke, Lord Dyson e Lord Reed) declararam esta alteração contrária ao direito da União ao passo que dois dos seus colegas (Lord Brown e Lord Sumption) se pronunciaram a favor da compatibilidade da referida alteração (6). Por conseguinte, a Supreme Court of the United Kingdom decidiu suspender a instância e submeter o presente pedido de decisão prejudicial.

II — Quadro jurídico

A —    Direito da União

6.        O artigo 19.°, n.° 1, TUE prevê, no segundo parágrafo, o seguinte:

«Os Estados-Membros estabelecem as vias de recurso necessárias para assegurar uma tutela jurisdicional efetiva nos domínios abrangidos pelo direito da União.»

7.        O presente processo coloca igualmente a questão da aplicação dos princípios da efetividade, da segurança jurídica e da proteção da confiança legítima, tal como resultam da jurisprudência do Tribunal de Justiça (7).

B —    Direito nacional

8.        Em 8 de setembro de 2003, o grupo multinacional Aegis, que atua no domínio dos meios de comunicação social e das comunicações digitais, cuja sociedade-mãe está sedeada no Reino Unido, apresentou nos órgãos jurisdicionais ingleses um pedido de reembolso de impostos que o Tribunal de Justiça tinha declarado incompatíveis com as liberdades fundamentais inscritas no Tratado.

9.        No acórdão Test Claimants FII (n.° 3), a maioria dos magistrados da Supreme Court of the United Kingdom declarou que na data em que as sociedades do grupo Aegis tinham intentado a sua ação, ou seja, em 8 de setembro de 2003, as recorrentes dispunham de duas vias de ação previstas na «common law» para restituição de impostos sobre as sociedades não conformes com o direito da União (8).

10.      A primeira via de ação tinha sido reconhecida, num contexto exclusivamente nacional, muito antes do início do presente litígio, pela House of Lords, no seu acórdão de 20 de julho de 1992, no processo Woolwich (9) (a seguir «ação Woolwich»). Esta via de ação permitia a restituição de «todos os montantes pagos a uma autoridade pública em virtude de uma suposta obrigação legal de pagar um imposto (e com nexo de causalidade bastante) que (de facto e de direito) não era devido legalmente» (10).

11.      Nos termos da section 5 do Limitation Act 1980 (Lei de 1980, relativa à prescrição), o prazo de prescrição da ação Woolwich é de seis anos a contar da data do facto que lhe dá origem, que é, em princípio, o pagamento do imposto.

12.      A segunda via de ação para restituição aplica-se quando os impostos foram pagos na sequência de um erro de direito ou de facto do contribuinte. Esta via de ação foi reconhecida pela primeira vez no acórdão da House of Lords de 29 de outubro de 1998, no processo Kleinwort Benson (11), que alterou a jurisprudência anterior segundo a qual as importâncias pagas devido a um erro de direito não podiam ser recuperadas (a seguir «ação Kleinwort Benson»).

13.      Na sua sentença de 18 de julho de 2003, no processo Deutsche Morgan Grenfell (12), o juiz Park, da High Court of Justice (England & Wales), Chancery Division, decidiu, pela primeira vez, que a ação Kleinwort Benson podia ser utilizada para obter a restituição de um imposto pago na sequência de um erro de direito.

14.      Consequentemente, o juiz Park considerou que o prazo de prescrição aplicável a essa ação era o prazo de prescrição mais favorável, previsto na section 32(1)(c) da Lei de 1980, relativa à prescrição, segundo a qual:

«[…] quando se trate de ações às quais se aplique o prazo de prescrição previsto na presente lei, [e que]

[…]

(c) a ação tenha por objeto a reparação das consequências de um erro

o prazo de prescrição começa a correr no momento em que o demandante descobriu […] o erro […] ou em que poderia tê-lo descoberto se tivesse atuado com razoável diligência».

15.      Em 4 de fevereiro de 2005, a Court of Appeal (England & Wales) anulou o acórdão do juiz Park mas, em 25 de outubro de 2006, a House of Lords confirmou-o, declarando que os contribuintes podiam lançar mão tanto da ação Woolwich como da ação Kleinwort Benson para reclamar a restituição do imposto indevidamente pago.

16.      As duas vias de ação distinguiam-se, entre outros aspetos, pelo prazo de prescrição que cada uma previa. O prazo de seis anos da ação Woolwich começava a correr na data do pagamento do imposto em causa, ao passo que o prazo de seis anos da ação Kleinwort Benson só começava a correr a partir da data em que o demandante tivesse descoberto ou pudesse ter descoberto o seu erro.

17.      Entretanto, o Parlamento adotou a Lei das Finanças de 2004, cuja section 320(1), dispõe o seguinte:

«A section 32(1)(c) da Lei de 1980, relativa à prescrição […] (alargamento do prazo de propositura de uma ação em caso de erro), não é aplicável em caso de erro de direito respeitante a matéria de tributação da competência dos Commissioners of Inland Revenue.

Esta disposição é aplicável às ações intentadas a partir de 8 de setembro de 2003.»

18.      Em 2007, o Parlamento adotou a Lei das Finanças de 2007, cuja section 107 eliminou retroativamente o prazo de prescrição mais longo para todas as ações baseadas em erro intentadas antes de 8 de setembro de 2003.

III — Litígio no processo principal e questões prejudiciais

19.      No cerne do litígio no processo principal suscitado pelas sociedades do grupo Aegis no órgão jurisdicional de reenvio está o imposto sobre as sociedades antecipado («advance corporation tax», a seguir «ACT»), que esteve em vigor no Reino Unido de 1973 a 1999. Em linhas gerais, o ACT era um imposto sobre o lucro das pessoas coletivas pago antecipadamente quando uma sociedade procedia ao pagamento de dividendos. Contudo, o direito inglês previa uma exceção a esta obrigação caso a sociedade que pagava os dividendos e a sociedade-mãe tivessem optado pela tributação em grupo. Nesse caso, para efeitos de ACT eram consideradas uma única sociedade, ficando a filial isenta do pagamento de ACT, que passava a ser devido pela sociedade-mãe quando procedesse, por sua vez, à distribuição de dividendos. Contudo, apenas as sociedades cuja sociedade-mãe estivesse sedeada no Reino Unido podiam beneficiar desta exceção (13).

20.      Na sequência do acórdão Metallgesellschaft e o. (14), que declarou o sistema do ACT incompatível com a liberdade de estabelecimento e com a livre circulação de capitais, e da publicação do acórdão DMG, em 18 de julho de 2003, o grupo Aegis, por ação intentada em 8 de setembro de 2003, por volta do meio dia, reclamou o reembolso do ACT indevidamente pago. A ação dizia respeito aos anos 1973 a 1999.

21.      Uma vez que, nos termos da section 32(1)(c) da Lei de 1980, relativa à prescrição, o prazo de prescrição da ação Kleinwort Benson só começava a correr a partir da descoberta do erro que originara o pagamento do imposto indevido, no caso em apreço, com a prolação do acórdão Metallgesellschaft e o., já referido, em 8 de março de 2001, o grupo Aegis podia reclamar a totalidade do ACT indevidamente pago desde 1973, ano da adesão do Reino Unido da Grã-Bretanha e da Irlanda do Norte à Comunidade Económica Europeia. Tal não era possível com base na ação Woolwich, cujo prazo de prescrição de seis anos começava a correr a partir da data do pagamento do imposto indevido.

22.      Para limitar a sua obrigação de reembolsar o ACT indevidamente cobrado, o Inland Revenue anunciou, mediante um comunicado de imprensa publicado na tarde do dia 8 de setembro de 2003, a sua intenção de propor ao Parlamento a adoção, com efeitos sobre todas as ações Kleinwort Benson intentadas a partir desse dia, de uma medida que excluísse a aplicação do prazo de prescrição alargado previsto na section 32(1)(c) da Lei de 1980, relativa à prescrição. Em 22 de junho de 2004, a Lei das Finanças de 2004, que adotou essa medida na section 320, foi objeto de promulgação real e esta section entrou em vigor, com efeitos retroativos, em 8 de setembro de 2003, aplicando-se, consequentemente, à ação do grupo Aegis.

23.      Na sequência do acórdão DMG, que foi desfavorável ao fisco britânico, o Reino Unido solicitou ao Tribunal de Justiça a reabertura da apreciação do primeiro pedido de decisão prejudicial no processo C-446/04, com vista a limitar no tempo os efeitos do acórdão do Tribunal de Justiça relativo a esse primeiro pedido.

24.      Em 6 de dezembro de 2006, o Tribunal de Justiça julgou improcedente o referido pedido e, nesse mesmo dia, os Commissioners for Her Majesty’s Revenue and Customs anunciaram a sua decisão de propor ao Parlamento a supressão retroativa, com algumas exceções, do prazo de prescrição aplicável às ações Kleinwort Benson, incluindo as intentadas antes de 8 de setembro de 2003, o que veio a acontecer. A Lei das Finanças de 2007, que foi objeto de promulgação real e entrou em vigor em 19 de julho de 2007, prevê, na sua section 107, que a section 32(1)(c) da Lei de 1980, relativa à prescrição, não se aplica às ações relativas ao reembolso de impostos pagos devido a um erro de direito, não tendo as exceções previstas na referida section 107 nenhuma influência no litígio no processo principal.

25.      Por conseguinte, a norma constante na referida section era aplicável à ação proposta pelos Test Claimants que não faziam parte do grupo Aegis e que integram o grupo British American Tobacco.

26.      Em 30 de setembro de 2010, a Comissão Europeia convidou oficialmente o Reino Unido a alterar a section 107 da Lei das Finanças de 2007, para dar cumprimento ao direito da União, o que foi recusado por aquele Estado-Membro. Além disso, em 26 de janeiro de 2012, a Comissão anunciou a sua intenção de iniciar um processo por incumprimento contra o Reino Unido, mas nenhum processo foi iniciado enquanto se aguardava o acórdão da Supreme Court of the United Kingdom sobre esta questão (15).

27.      No seu acórdão de 23 de maio de 2012, que está na origem do presente pedido de decisão prejudicial, aquele órgão jurisdicional decidiu, por unanimidade, que a referida section 107 era incompatível com o direito da União. Isto explica o facto de o presente pedido de decisão prejudicial não dizer respeito a este artigo e aos seus efeitos sobre as ações intentadas pelas sociedades do grupo British American Tobacco, mas apenas à section 320 da Lei das Finanças de 2004, que afetava unicamente a ação do grupo Aegis (16).

28.      Uma vez que a Supreme Court of the United Kingdom estava dividida quanto à questão da compatibilidade da section 320 da Lei das Finanças de 2004 com o direito da União, decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)      No caso de, nos termos da legislação de um Estado-Membro, um contribuinte poder optar entre duas causas de pedir alternativas para reclamar o reembolso de impostos cobrados em violação dos artigos 49.° e 63.° TFUE e uma delas permitir beneficiar de um prazo de prescrição mais longo, é compatível com os princípios da efetividade, da segurança jurídica e da confiança legítima que esse Estado-Membro adote legislação que prevê a redução desse prazo de prescrição mais longo sem aviso prévio e com efeitos retroativos à data do anúncio público da nova legislação proposta?

2)      É relevante para a resposta à primeira questão que, no momento em que o contribuinte intentou a sua ação invocando a causa de pedir que lhe permitia beneficiar do prazo de prescrição mais longo, a admissibilidade de tal causa de pedir, nos termos do direito nacional, apenas tivesse sido reconhecida (i) recentemente e (ii) por um órgão jurisdicional inferior e só mas tarde confirmada em definitivo pela autoridade judicial suprema?»

IV — Tramitação processual no Tribunal de Justiça

29.      O pedido de decisão prejudicial foi apresentado no Tribunal de Justiça em 30 de julho de 2012. As sociedades do grupo Aegis, o Governo do Reino Unido, o Governo espanhol e a Comissão apresentaram observações escritas e apresentaram alegações orais na audiência de 26 de junho de 2013.

V —    Análise

A —    Quanto à primeira questão prejudicial

30.      Mediante a sua primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber se a redução retroativa e sem aviso prévio do prazo de prescrição aplicável à ação Kleinwort Benson para reembolso de impostos indevidamente pagos é compatível como os princípios da efetividade, da segurança jurídica e da proteção da confiança legítima.

31.      Embora o órgão jurisdicional de reenvio refira separadamente os três princípios, comungo da opinião da Comissão de que a incompatibilidade com apenas um desses princípios é suficiente para tornar a section 320 da Lei das Finanças de 2004 incompatível com o direito da União. Ainda que, na minha análise, tenha em conta os princípios da segurança jurídica e da proteção da confiança legítima, penso que, no presente processo, o princípio de efetividade é a norma mais diretamente aplicável (17).

1.      Quanto ao princípio da efetividade

32.      No processo que deu origem ao acórdão de 12 de dezembro de 2006, Test Claimants in the FII Group Litigation, já referido, a High Court of Justice submeteu, entre outras, a questão de saber se as ações intentadas pelos Test Claimants deviam ser qualificadas como «ações de restituição de montantes indevidamente cobrados» ou «de benefícios indevidamente recusados» ou, diferentemente, como «ações de indemnização pelo prejuízo sofrido».

33.      O Tribunal de Justiça declarou que «cabe ao ordenamento jurídico interno de cada Estado-Membro designar os tribunais competentes e definir as modalidades processuais das vias judiciais destinadas a garantir a proteção dos direitos dos particulares decorrentes do direito comunitário, incluindo a qualificação das ações intentadas nos tribunais nacionais pelas pessoas lesadas. No entanto, estes têm que garantir que os particulares disponham de uma tutela jurisdicional efetiva que lhes permita obter o reembolso de impostos indevidamente cobrados e de montantes pagos a esse Estado-Membro ou por ele retidos diretamente relacionados com esse imposto» (18).

34.      No artigo 19.°, n.° 1, segundo parágrafo, o Tratado de Lisboa codificou a obrigação de os Estados-Membros estabelecerem as vias de ação necessárias para assegurar «uma tutela jurisdicional efetiva» (19).

35.      É neste contexto jurídico que o Tribunal de Justiça é chamado a decidir se as sociedades do grupo Aegis beneficiaram de uma «tutela jurisdicional efetiva» no seu pedido de reembolso do ACT que lhes foi cobrado em violação do direito da União.

36.      Segundo Lord Walker, que exprimiu a opinião representativa da maioria da Supreme Court of the United Kingdom no processo em apreço, este está abrangido pela jurisprudência Marks & Spencer, já referida, na qual o Tribunal de Justiça, a propósito de uma medida de efeito equivalente à que está em causa no processo principal, declarou que, «se o princípio da efetividade não se opõe a que uma legislação nacional reduza o prazo durante o qual pode ser pedido o reembolso de quantias pagas em violação do direito [da União], só assim é na condição não apenas de o novo prazo fixado apresentar um caráter razoável, mas também de esta nova legislação comportar um regime transitório que permita aos sujeitos jurídicos disporem de um prazo suficiente, após a sua adoção, para poderem apresentar os pedidos de reembolso que tinham o direito de apresentar ao abrigo da anterior legislação. Este regime transitório é necessário quando a aplicação imediata a estes pedidos de um prazo de prescrição mas curto do que aquele que estava anteriormente em vigor tenha por efeito privar retroativamente do seu direito ao reembolso certos sujeitos jurídicos ou de só lhes deixar um prazo demasiado breve para invocarem esse direito» (20).

37.      A este respeito Lord Walker concluiu que a ausência de um regime transitório, conjugada com o alcance retroativo da section 320 da Lei das Finanças de 2004, violava o princípio da efetividade (21).

38.      Pelo contrário, segundo Lord Sumption, que exprimiu a opinião representativa da minoria da Supreme Court of the United Kingdom, as sociedades do grupo Aegis dispunham, durante todo o processo, de uma via de ação efetiva para obter a restituição do imposto indevidamente pago, ou seja, a ação Woolwich, que cumpria inteiramente as obrigações que incumbiam ao Reino Unido nos termos do Tratado FUE, não obstante o facto de estar sujeita a um prazo de prescrição diferente na medida em que este corria a partir da data do pagamento do imposto indevido (22).

39.      Lord Sumption estabeleceu uma distinção entre o processo que deu origem ao acórdão Marks & Spencer, já referido, e o presente processo, na medida em que a Marks & Spencer plc, para reclamar o reembolso do imposto sobre o valor acrescentado (a seguir «IVA») indevidamente pago, dispunha apenas de uma via de ação efetiva cujo prazo de prescrição fora posteriormente reduzido, ao passo que, no caso em apreço, as sociedades do grupo Aegis dispuseram sempre de outra via de ação efetiva cujo prazo de prescrição não foi afetado pela section 320 da Lei das Finanças de 2004, ou seja, a ação Woolwich (23). Por este motivo, Lord Sumption considerou que a existência e a disponibilidade da ação Woolwich eram suficientes para garantir o cumprimento das obrigações do Reino Unido nos termos do direito da União (24).

40.      Foi esta divergência de opiniões entre a maioria e a minoria da Supreme Court of the United Kingdom que conduziu ao presente pedido de decisão prejudicial sobre a compatibilidade da section 320 da Lei das Finanças de 2004 com o direito da União. Por conseguinte, cabe ao Tribunal de Justiça decidir se a jurisprudência Marks & Spencer, já referida, se aplica aos casos em que, como no caso em apreço, o recorrente dispõe de duas vias de ação e a legislação nacional reduz, retroativamente e sem prever um período transitório, o prazo de prescrição da via de ação pela qual o recorrente optou.

41.      O Governo do Reino Unido considera que a ação Woolwich constitui, para as sociedades do grupo Aegis, uma via de ação plenamente eficaz para recuperar impostos aplicados ou cobrados em violação do direito da União e que a alteração do prazo de prescrição introduzida pela section 320 da Lei das Finanças de 2004 não afetou sequer o prazo de prescrição aplicável a essa ação.

42.      Por sua vez, as sociedades do grupo Aegis consideram que esta posição do Governo do Reino Unido se baseia numa interpretação errada do acórdão Marks & Spencer, já referido. Alegam que a violação do princípio da efetividade no processo que deu origem a esse acórdão não residia no facto de não oferecer uma via de ação efetiva para obter a restituição do IVA pago ilegalmente, nem no facto de não prever um prazo razoável, mas sim no facto de o prazo para propor a ação com base no direito nacional para o reembolso do IVA ilegalmente cobrado ter sido reduzido sem aviso prévio e retroativamente, apanhando os contribuintes de surpresa e impedindo-os de propor atempadamente ações relativas a determinados períodos anteriores.

43.      A Comissão, por seu turno, considera que, embora concorde com a posição do fisco britânico segundo a qual a ação Woolwich constitui uma via de ação efetiva, tal não significa que a outra via de ação possa ser efetivamente eliminada sem aviso prévio mediante a alteração dos prazos de prescrição (25). Neste sentido, a Comissão observa que a semelhança com o processo Marks & Spencer, já referido, é especialmente evidente e não vê motivos que justifiquem uma conclusão diferente da adotada no referido processo, a saber, que a section 320 da Lei das Finanças de 2004 viola o princípio da efetividade.

44.      Na minha opinião, tendo em conta o acórdão Marks & Spencer, já referido, tanto as sociedades do grupo Aegis como a Comissão têm razão quando alegam que a section 320 da Lei das Finanças de 2004 viola o princípio da efetividade.

45.      É verdade que o princípio da efetividade não exige que os Estados-Membros instituam mais do que uma via de ação para permitir aos seus cidadãos salvaguardar os direitos que lhes são conferidos pelo direito da União.

46.      Efetivamente, o artigo 19.°, n.° 1, segundo parágrafo, TUE exige, simplesmente, que os Estados-Membros instituam «as vias de recurso necessárias para assegurar uma tutela jurisdicional efetiva nos domínios abrangidos pelo direito da União». Esta obrigação deixa aos Estados-Membros uma margem de apreciação no exercício da sua autonomia processual e permite-lhes definir as modalidades processuais das ações judiciais destinadas a garantir a salvaguarda dos direitos que para os particulares decorrem do direito da União (26).

47.      Contudo, quando, em aplicação do princípio da autonomia processual, um Estado-Membro coloque à disposição dos particulares várias vias de ação, o artigo 19.°, n.° 1, segundo parágrafo, TUE impõe que cada uma delas assegure uma tutela jurisdicional efetiva, e uma via de ação só pode oferecer uma tutela «efetiva» se se conhecerem previamente as condições para a sua utilização e procedência.

48.      Com efeito, a partir do momento em que os contribuintes escolham uma das vias de ação nacionais disponibilizadas pelo direito nacional (no caso em apreço, a ação Kleinwort Benson) ou utilizem a única via de ação nacional disponível, devem beneficiar da proteção conferida pelos princípios gerais do direito da União.

49.      A alteração com efeitos retroativos e sem prever um regime de transição pela Lei das Finanças de 2004, do prazo de prescrição aplicável a uma via de ação que podia ter sido escolhida pelos particulares torna, portanto, impossível o exercício dos direitos que lhes são conferidos pelo direito da União.

50.      A este respeito, é indiferente que pudessem ter optado por outra via de ação totalmente conforme aos princípios da equivalência e da eficácia. De resto, se a posição do Governo do Reino Unido fosse aprovada, um Estado-Membro teria sempre a possibilidade de deixar que um demandante optasse pela ação que melhor lhe conviesse e, em seguida, sem aviso prévio e sem prever um regime de transição, alterar as condições em que essa ação, já escolhida, podia ser procedente. Este resultado esvaziaria de conteúdo o princípio da efetividade, pelo que não pode ser aceite.

51.      Como, de resto, observa Lord Walker, o facto de que as sociedades do grupo Aegis não poderiam ter apresentado queixa se a section 32, n.° 1, alínea c), da Lei de 1980, relativa à prescrição, nunca tivesse existido não é decisivo no que se refere ao respeito do princípio da efetividade (27). O mesmo aconteceria se a ação Kleinwort Benson nunca tivesse existido.

52.      Há que salientar que o Reino Unido não é acusado de ter reduzido o prazo de prescrição da ação Kleinwort Benson mas, como sublinham as sociedades do grupo Aegis, de o ter feito com efeitos retroativos, afetando as ações em curso, e sem prever um regime de transição como determina o Tribunal de Justiça no acórdão Marks & Spencer, já referido. É jurisprudência constante que «um legislador nacional não pode adotar, posteriormente a um acórdão do Tribunal do qual resulta que determinada legislação é incompatível com o Tratado, uma regra processual que reduza especificamente as possibilidades de obter a repetição dos impostos indevidamente cobrados por força dessa legislação» (28).

53.      Por outro lado, a existência de uma ou de duas vias de ação no processo Marks & Spencer, já referido, não tem consequências no presente processo, dado que as garantias decorrentes do princípio da efetividade aplicam-se a cada via de ação que o direito nacional coloca à disposição dos demandantes para reembolso de impostos contrários ao direito da União.

54.      Esta conclusão pode ser encontrada em processos semelhantes decididos pelo Tribunal de Justiça, que, a propósito de um sistema de tributação restritivo da livre circulação de capitais, considerou que «a existência de uma opção que permitiria eventualmente tornar uma situação compatível com o direito da União não tem assim por efeito sanar, por si só, o caráter ilegal de um sistema, como o previsto pela regulamentação controvertida, que compreende um mecanismo de tributação não compatível com este direito» (29). Consequentemente, a existência, a par de uma via de ação que é contrária ao princípio da efetividade, de outra que o não é, não pode excluir a incompatibilidade da primeira via de ação com o direito da União.

55.      Por estes motivos, partilho da opinião da maioria da Supreme Court of the United Kingdom de que a section 320 da Lei das Finanças de 2004 é contrária ao princípio da efetividade.

56.      Embora esta conclusão seja suficiente para considerar que o direito da União se opõe a uma disposição como a section 320 da Lei das Finanças de 2004, analisarei, no entanto, esta questão sob o prisma dos princípios da segurança jurídica e da proteção da confiança legítima. A minha primeira conclusão sairá reforçada.

2.      Princípios da segurança jurídica e da proteção da confiança legítima

57.      Como refere a Comissão, os princípios da segurança jurídica e da proteção da confiança legítima sobrepõem-se em larga medida.

58.      O Tribunal de Justiça reconheceu que os Estados-Membros podiam, no interesse da segurança jurídica que protege simultaneamente o contribuinte e a Administração, fixar prazos razoáveis para as ações judiciais, sob pena de caducidade (30).

59.      No mesmo contexto, o Tribunal de Justiça decidiu igualmente que, segundo a sua jurisprudência constante, «o princípio da proteção da confiança legítima faz parte da ordem jurídica [da União] e deve ser respeitado pelos Estados-Membros quando dão execução às regulamentações [da União]» (31) e que «o princípio da proteção da confiança legítima se opõe a que uma alteração da legislação nacional retire a um sujeito jurídico, com efeito retroativo, um direito à dedução que tinha adquirido com fundamento [no direito da União]» (32).

60.      Segundo Lord Sumption, cuja opinião é partilhada pelo Governo do Reino Unido, a section 320 da Lei das Finanças de 2004 é conforme ao princípio da proteção da confiança legítima (33). Lord Sumption considera que as sociedades do grupo Aegis não podiam ter uma confiança legítima na manutenção do prazo de prescrição previsto na section 32(1)(c) da Lei de 1980, relativa à prescrição, devido às circunstâncias específicas nas quais o âmbito da ação Kleinwort Benson fora ampliado pelo acórdão DMG.

61.      Mais concretamente, Lord Sumption parte do princípio de que, ainda que os órgãos jurisdicionais ingleses possam criar novas causas de pedir, a fixação dos prazos de prescrição é da competência do Parlamento. Considera que o curto intervalo decorrido entre a prolação do acórdão DMG, em 18 de julho de 2003, e o anúncio da adoção da section 320 da Lei das Finanças de 2004, em 8 de setembro de 2003, a certeza de que a Administração Fiscal recorreria do referido acórdão e a incerteza do resultado desse recurso não permitiam que as sociedades do grupo Aegis depositassem qualquer confiança legítima na subsistência da ação Kleinwort Benson.

62.      Assim, na sua opinião e na do Governo do Reino Unido, ao adotar a section 320 da Lei das Finanças de 2004, o Parlamento fez, legitimamente, uso da sua prerrogativa de fixar um prazo de prescrição para o que, na altura, constituía uma nova via de ação para reembolso de impostos pagos devido a um erro de direito, que acabava de ser reconhecida pelo acórdão DMG, de 18 de julho de 2003. Com este fundamento, o Governo do Reino Unido tentou ainda, na audiência, distinguir o presente processo do processo Marks & Spencer, já referido, que, na sua opinião, dizia respeito à supressão de uma via de ação já existente no direito inglês.

63.      Além disso, Lord Sumption, apoiado também neste ponto pelo Governo do Reino Unido, opõe-se à tese defendida pela maioria na Supreme Court of the United Kingdom de que as sociedades do grupo Aegis podiam optar entre as ações Woolwich e Kleinwort Benson, devido ao efeito declarativo dos acórdãos, que significa que um acórdão declara o quadro jurídico vigente no início do processo, independentemente das incertezas que os particulares possam ter tido antes da sua prolação.

64.      Por sua vez, a Comissão considera que o argumento de que antes do acórdão Kleinwort Benson da House of Lords ninguém podia legitimamente contar com a abertura de uma nova via de ação para restituição de impostos pagos no âmbito de um erro de direito não é pertinente. Em contrapartida, coloca-se a questão de saber com o que podiam os contribuintes contar após o referido acórdão e imediatamente antes do anúncio oficial da introdução da section 320 da Lei das Finanças de 2004. Segundo a Comissão, até decisão em contrário da Court of Appeal (England & Wales) e da House of Lords, os contribuintes podiam considerar que dispunham da via de ação em causa.

65.      Na minha opinião, a posição de Lord Sumption e do Governo do Reino Unido assenta numa interpretação errada dos princípios da segurança jurídica e da proteção da confiança legítima.

66.      Segundo a jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, não compete ao Tribunal de Justiça pronunciar-se sobre a interpretação e a aplicabilidade de disposições nacionais ou determinar os factos pertinentes para a solução do litígio no processo principal. Com efeito, incumbe ao Tribunal de Justiça ter em conta, no quadro da repartição das competências entre os órgãos jurisdicionais da União Europeia e os órgãos jurisdicionais nacionais, o contexto factual e regulamentar no qual se insere a questão prejudicial, tal como definido pela decisão de reenvio (34).

67.      Por conseguinte, não compete ao Tribunal de Justiça determinar a situação do direito inglês, nem decidir se se deve aplicar a teoria do efeito declarativo dos acórdãos, aceite pela maioria da Supreme Court of the United Kingdom. O ponto de partida da minha análise é que, tal como aceite pela maioria da Supreme Court of the United Kingdom, até à entrada em vigor da section 320 da Lei das Finanças de 2004, as sociedades do grupo Aegis podiam optar entre as ações Woolwich e Kleinwort Benson para reclamar o reembolso do ACT indevidamente pago.

68.      Pelo menos desde a prolação do acórdão DMG, em 18 de julho de 2003, o direito inglês reconhecia a possibilidade de se utilizar a ação Kleinwort Benson para reclamar o reembolso de impostos indevidamente pagos com o prazo de prescrição previsto na section 32(1)(c) da Lei de 1980, relativa à prescrição.

69.      Na audiência, o Governo do Reino Unido insistiu muito no facto de que, à data da prolação do acórdão DMG, não havia a certeza de que este seria confirmado em sede de recurso, pelo que, nessa altura, as sociedades do grupo Aegis não podiam legitimamente contar que a sua ação Kleinwort Benson fosse julgada procedente.

70.      Para as sociedades do grupo Aegis, a questão era outra. Alegam, em contrapartida, que no momento em que intentaram a sua ação, em 8 de setembro de 2003, podiam legitimamente contar que esta fosse apreciada pelos órgãos jurisdicionais ingleses com base no direito em vigor à data em que intentaram a referida ação.

71.      Quanto a este aspeto, partilho da opinião de Lord Hope e de Lord Reed de que as sociedades do grupo Aegis tinham o direito de contar que, em conformidade com os princípios da segurança jurídica e da proteção da confiança legítima, não seriam privadas desse direito por uma lei que, vários meses depois de a ação ter sido intentada, altera o prazo de prescrição sem aviso prévio e com efeitos retroativos (35).

72.      No seu pedido de audiência, o Governo do Reino Unido fez alusão aos montantes em causa no presente processo. Considera que o pedido de reembolso das sociedades do grupo Aegis ascende a, pelo menos, dois mil milhões de libras esterlinas e que as consequências financeiras para o fisco em relação a outros requerentes se elevem a vários milhares de milhões de libras esterlinas. Levanta-se, por isso, na sua opinião, a questão da proteção do interesse geral de evitar o colapso das finanças públicas.

73.      Sob pena de se tratar de forma diferente o reembolso de impostos indevidamente pagos consoante estes representem ou não montantes significativos, este argumento não pode ser tomado em consideração, dado que o Tribunal de Justiça, ao declarar os impostos aqui em causa incompatíveis com o direito da União, não limitou no tempo os efeitos da sua jurisprudência.

74.      É jurisprudência constante que o direito de obter o reembolso das quantias cobradas por um Estado-Membro em violação das disposições do direito da União é a consequência e o complemento dos direitos conferidos aos particulares pelas disposições do direito da União que proíbem os referidos impostos (36). Esta obrigação conhece apenas uma exceção, no caso de a imposição fiscal ter sido repercutida, na íntegra, sobre um terceiro e de o seu reembolso provocar o enriquecimento sem causa do sujeito passivo (37). O que não se verifica no caso em apreço.

75.      Acresce que nos recentes acórdãos Irimie e Littlewoods Retail e o., o Tribunal de Justiça, apoiando-se nos acórdãos, já referidos, Metallgesellschaft e o. e de 12 de dezembro de 2006, Test Claimants in the FII Group Litigation, declarou que os Estados-Membros estavam obrigados a restituir, com juros, os montantes dos impostos cobrados em violação do direito da União (38).

76.      Por conseguinte, há que responder à primeira questão prejudicial que, no caso de, nos termos do direito de um Estado-Membro, um contribuinte poder optar entre duas vias de ação para reclamar a reembolso de impostos cobrados em violação dos artigos 49.° TFUE e 63.° TFUE e uma delas permitir beneficiar de um prazo de prescrição mais longo, os princípios da efetividade, da segurança jurídica e da proteção da confiança legítima opõem-se a uma legislação desse Estado-Membro, adotada posteriormente à propositura dessa ação, que prevê a redução desse prazo de prescrição mais longo sem aviso prévio e com efeitos retroativos.

B —    Quanto à segunda questão prejudicial

77.      Mediante a sua segunda questão prejudicial, o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber se é relevante, para a resposta à primeira questão prejudicial, que, no momento em que as sociedades do grupo Aegis intentaram a sua ação Kleinwort Benson, ou seja, em 8 de setembro de 2003, a admissibilidade dessa via de ação apenas tivesse sido reconhecida recentemente (no caso em apreço, pelo acórdão DMG), por um órgão jurisdicional inferior [concretamente, a High Court of Justice (England & Wales), Chancery Division], e que só mais tarde tivesse sido confirmada em definitivo pela autoridade judicial suprema (concretamente, em 25 de outubro de 2006, pela House of Lords).

78.      Esta segunda questão está evidentemente relacionada com a posição adotada por Lord Sumption e Lord Brown, segundo a qual o princípio aplicável no caso em apreço é o da proteção da confiança legítima. Com efeito, as considerações relativas à proximidade da data da entrada em vigor da section 320 da Lei das Finanças de 2004 e da data da prolação do acórdão DMG, bem como à incerteza quanto à eventual confirmação do referido acórdão pela House of Lords, estão relacionadas com a questão de saber se, no quadro jurídico nacional tal como existia em 8 de setembro de 2003, as sociedades do grupo Aegis podiam legitimamente contar que a sua ação Kleinwort Benson não fosse afetada pela referida section 320.

79.      Face às considerações consagradas aos princípios da segurança jurídica e da proteção da confiança legítima (v., n.os 65 a 70 das presentes conclusões), entendo que há que responder negativamente à segunda questão prejudicial.

VI — Conclusão

80.      Por conseguinte, proponho que o Tribunal de Justiça responda às questões prejudiciais submetidas pela Supreme Court of the United Kingdom da seguinte forma:

1)      No caso de, nos termos do direito de um Estado-Membro, um contribuinte poder optar entre duas vias de ação para reclamar o reembolso de impostos cobrados em violação dos artigos 49.° TFUE e 63.° TFUE e uma delas permitir beneficiar de um prazo de prescrição mais longo, os princípios da efetividade, da segurança jurídica e da proteção da confiança legítima opõem-se a uma legislação desse Estado-Membro, adotada posteriormente à propositura dessa ação, que prevê a redução desse prazo de prescrição mais longo sem aviso prévio e com efeitos retroativos.

2)      Não é relevante, para a resposta à primeira questão, que, no momento em que as sociedades do grupo Aegis intentaram a sua ação invocando a via de ação que lhes permitia beneficiar do prazo de prescrição mais longo, esta apenas tivesse sido reconhecida (i) recentemente (ii) por um órgão jurisdicional inferior e, (iii) só mais tarde, tivesse sido confirmada em definitivo pela autoridade judicial suprema.


1 —      Língua original: francês.


2 —      V. acórdão de 12 de dezembro de 2006, Test Claimants in the FII Group Litigation (C-446/04, Colet., p. I-11753).


3 —      V. acórdão Test Claimants Franked Investment Income Group Litigation/The Commissioners for Her Majesty’s Revenue & Customs [2008] EWHC 2893 (Ch), [2009] STC, n.° 254.


4 —      V. acórdão Test Claimants in the Franked Investment Income Group Litigation/ Commissioners of Inland Revenue e o. [2010] EWCA Civ, n.° 103.


5 —      V. acórdão Test Claimants in the FII Group Litigation (C-35/11).


6 —      V. acórdão Test Claimants in the Franked Investment Income Group Litigation/Commissioners of Inland Revenue e o. [2012] UKSC, n.° 19 (a seguir «acórdão Test Claimants FII (n.° 3)».


7 —      V., neste sentido, acórdão de 11 de julho de 2002, Marks & Spencer (C-62/00, Colet., p. I-6325, n.os 34 a 47).


8 —      A situação alterou-se em abril de 2010 com a instituição, pelo Finance Act 2009 (Lei de Finanças de 2009), de uma nova via de ação para reembolso de impostos indevidamente pagos, com um prazo de prescrição de 4 anos. Esta nova via de ação substituiu as vias de ação «Woolwich» e «Kleinwort Benson» em matéria de restituição de impostos indevidamente pagos.


9 —      V. acórdão Woolwich Equitable Building Society/Inland Revenue Commrs. [1993] AC, n.° 70 (HL).


10 —      V. n.° 79 da opinião de Lord Walker no acórdão Test Claimants FII (n.° 3), já referido.


11 —      V. acórdão Kleinwort Benson Ltd/Lincoln City Council [1999] 2 AC, n.° 349 (HL).


12 —      V. acórdão Deutsche Morgan Grenfell plc./Inland Revenue Commrs. [2003] EWHC 1779 (Ch), [2003] 4 All ER, n.° 645.


13 —      V., neste sentido, n.os 28 a 33 da opinião de Lord Walker no acórdão Test Claimants FII (n.° 3). V., igualmente, acórdão Deutsche Morgan Grenfell plc./Inland Revenue Commrs [2006] UKHL 49, [2007] 1 AC 558, n.° 564.


14 —      Acórdão de 8 de março de 2001 (C-397/98 e C-410/98, Colet., p. I-1727).


15 —      V., neste sentido, comunicado de imprensa da Comissão de 26 de janeiro de 2012 (IP/12/64).


16 —      Na audiência, a Comissão esclareceu que não tinha intentado nenhuma ação por incumprimento na sequência deste acórdão de 23 de maio de 2012 e que, tanto quanto era do seu conhecimento, o Reino Unido não tinha alterado a section 107 da Lei das finanças de 2007.


17 —      Apenas o Governo espanhol considera que o presente processo suscita a questão da aplicabilidade do princípio da equivalência e não do princípio da efetividade. Não sou dessa opinião. Resulta claramente da decisão de reenvio que as normas relativas à ação Woolwich, bem como as aplicáveis à ação Kleinwort Benson, se aplicam ao reembolso de todos os impostos indevidamente pagos, sejam eles contrários ao direito interno ou ao direito da União. Por conseguinte, não se coloca nenhuma questão de equivalência.


18 —      V. acórdão de 12 de dezembro de 2006, Test Claimants in the FII Group Litigation, já referido (n.° 220). O sublinhado é meu.


19 —      Esta obrigação decorria já da jurisprudência do Tribunal de Justiça. V., neste sentido, acórdão de 25 de julho de 2002, Unión de Pequeños Agricultores/Conselho (C-50/00 P, Colet., p. I-6677, n.os 39 e 41).


20 —      Acórdão Marks & Spencer, já referido (n.° 38).


21 —      V. n.os 111 a 115 da opinião de Lord Walker no acórdão Test Claimants FII (n.° 3).


22 —      V. n.° 142 da opinião de Lord Sumption no acórdão Test Claimants FII (n.° 3).


23 —      Ibidem (n.° 197). Na audiência, o Governo do Reino Unido insistiu nesta diferença, ao passo que as sociedades do grupo Aegis alegaram, pelo contrário, que no processo Marks & Spencer, já referido, a recorrente podia igualmente optar entre duas vias de ação, designadamente, uma que permitia o reembolso do IVA indevidamente cobrado pelo fisco e outra que permitia o reembolso do IVA pago pelo contribuinte na sequência de erro de direito.


24 —      Ibidem (n.° 199).


25 —      Na audiência, a Comissão esclareceu que, embora não haja dúvida de que o Governo do Reino Unido tinha o direito de reduzir o prazo de prescrição da ação Kleinwort Benson de forma a limitar a sua própria responsabilidade no reembolso do ACT indevidamente cobrado, estava obrigado a conceder um período de graça aos contribuintes para que estes pudessem intentar as suas ações. Segundo a Comissão, nas circunstâncias do presente processo, um período de dois meses teria sido suficiente para cumprir esta obrigação.


26 —      V. n.° 22 das minhas conclusões apresentadas no processo que deu origem ao acórdão de 18 de abril de 2013, Irimie (C-565/11).


27 —      V. n.° 114 da opinião de Lord Walker no acórdão Test Claimants FII (n.° 3).


28 —      Acórdão de 29 de junho de 1988, Deville (240/87, Colet., p. 3513, n.° 13). V., igualmente, neste sentido, acórdão Marks & Spencer, já referido (n.° 36).


29 —      Acórdãos de 28 de fevereiro de 2013, Beker (C-168/11, n.° 62). V., igualmente, acórdãos de 12 de dezembro de 2006, Test Claimants in the FII Group Litigation, já referido (n.° 462), e de 18 de março de 2010, Gielen (C-440/08, Colet., p. I-2323, n.° 53).


30 —      V. acórdão de 17 de novembro de 1998, Aprile (C-228/96, Colet., p. I-7141, n.° 19 e jurisprudência referida). V., igualmente, acórdão Marks & Spencer, já referido (n.° 35).


31 —      Acórdão Marks & Spencer, já referido (n.° 44). V., igualmente, acórdãos de 26 de abril de 1988, Krücken (316/86, Colet., p. 2213, n.° 22), de 1 de abril de 1993, Lageder e o. (C-31/91 a C-44/91, Colet, p. I-1761, n.° 33), de 3 de dezembro de 1998, Belgocodex (C-381/97, Colet., p. I-8153, n.° 26), e de 8 de junho de 2000, Schloβstrasse (C-396/98, Colet., p. I-4279, n.° 44).


32 —      Acórdão Marks & Spencer, já referido (n.° 45). V., igualmente, acórdão Schloßstrasse, já referido (n.° 47).


33 —      V. n.os 200 a 202 da opinião de Lord Sumption no acórdão Test Claimants FII (n.° 3).


34 —      V. acórdãos de 13 de novembro de 2003, Neri (C-153/02, Colet., p. I-13555, n.os 34 e 35), e de 29 de abril de 2004, Orfanopoulos e Oliveri (C-482/01 e C-493/01, Colet., p. I-5257, n.° 42).


35 —      V., n.° 19 da opinião de Lord Hope e n.° 243 da opinião de Lord Reed no acórdão Test Claimants FII (n.° 3).


36 —      V. acórdãos de 9 de novembro de 1983, San Giorgio (199/82, Recueil, p. 3595, n.° 12), Metallgesellschaft e o., já referido (n.° 84), e de 12 de dezembro de 2006, Test Claimants in the FII Group Litigation, já referido (n.° 202).


37 —      V., acórdãos de 27 de fevereiro de 1980, Just (68/79, Recueil, p. 501, n.° 26), de 21 de setembro de 2000, Michaïlidis (C-441/98 e C-442/98, Colet., p. I-7145, n.° 33), e de 2 de outubro de 2003, Weber’s Wine World e o. (C-147/01, Colet., p. I-11365, n.os 94 e 102).


38 —      Acórdãos Irimie, já referido (n.os 21 e 22), e de 19 de julho de 2012, Littlewoods Retail Ltd e o. (C-591/10, n.os 25 e 26).