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CONCLUSÕES DO ADVOGADO-GERAL

PAOLO MENGOZZI

apresentadas em 18 de dezembro de 2014 (1)

Processo C-560/13

Finanzamt Ulm

contra

Ingeborg Wagner-Raith, sucessora legal de Maria Schweier

[pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Bundesfinanzhof (Alemanha)]

«Questão prejudicial não apresentada — Livre circulação de capitais — Artigo 73.° do Tratado CE — Artigo 57.° CE — Cláusula de ‘standstill’ — Países terceiros — Países e territórios ultramarinos (PTU) — Regulamentação de um Estado-Membro que prevê a tributação forfetária dos rendimentos resultantes de fundos de investimento estrangeiro que não transmitem informação detalhada dos lucros dos investidores (‘schwarze Fonds’) — Prestação de serviços financeiros — Investimentos diretos»





I –    Introdução

1.        Com o presente pedido de decisão prejudicial, o Bundesfinanzhof (Alemanha) interroga-se sobre o alcance da expressão «circulação de capitais provenientes ou com destino a países terceiros que envolva investimento direto […] [ou] prestação de serviços financeiros», prevista no artigo 73.° C do Tratado CE e, a partir de 1 de maio de 1999, no artigo 57.°, n.° 1, CE (2).

2.        O litígio que está na origem deste pedido opõe I. Wagner-Raith, em representação de Maria Schweier, ao Finanzamt Ulm a propósito da tributação de rendimentos de capitais provenientes de participações em fundos de investimento com sede nas Ilhas Caimão relativamente aos anos fiscais de 1997 a 2003.

3.        É facto assente que, durante todo o período em questão, a tributação na Alemanha dos detentores de títulos de participação em fundos de investimento era regulada pela Lei sobre a comercialização de participações em investimentos estrangeiros e sobre a tributação dos rendimentos de títulos de participação em investimentos estrangeiros (Gesetz über den Vertrieb ausländischer Investmentanteile und über die Besteuerung der Erträge aus ausländischen Investmentanteilen) (3) (a seguir «AuslInvestmG»), que distinguia três categorias de fundos de investimento estrangeiros, comum e respetivamente denominados fundos «brancos», «cinzentos» e «negros», em função do cumprimento pelos referidos fundos das disposições da AuslInvestmG.

4.        Assim, nos termos força do § 17, n.° 3, da AuslInvestmG, considerava-se que um fundo fazia parte da primeira categoria se a sociedade de investimento estrangeira tivesse comunicado à autoridade de fiscalização alemã a sua intenção de distribuir ao público alemão títulos de participação em fundos de investimento estrangeiros ou, mandatado um representante estabelecido na Alemanha, no caso de admissão desses títulos de participação no mercado oficial ou no mercado regulamentado de uma Bolsa alemã, cumprindo, além disso determinadas obrigações de comunicação e de publicação. Nesse caso, a tributação dos detentores de títulos de participação era efetuada, em geral, segundo os mesmos princípios de «transparência» aplicáveis aos detentores de títulos de participação num fundo emitido por uma sociedade de investimento alemã, isto é, como se eles próprios tivessem gerado diretamente os rendimentos decorrentes das suas participações na carteira coletiva (4). A matéria coletável tinha por base as distribuições reais de lucros, e determinados rendimentos equiparados às referidas distribuições (5).

5.        Se uma sociedade de investimento estrangeira não cumprisse os requisitos do § 17, n.° 3, da AuslInvestmG, mas fizesse prova, mediante a apresentação de documentos, da distribuição de lucros reais assim como de certos «rendimentos considerados distribuídos» e, além disso, mandatasse um representante estabelecido na Alemanha, em aplicação do § 18, n.° 2, da AuslInvestmG, o fundo entrava na categoria dos fundos ditos «cinzentos». Nesse caso, a tributação dos detentores de títulos de participação era feita, em princípio, da mesma forma que para os fundos ditos «brancos», em conformidade com o § 18, n.° 1, da AuslInvestmG.

6.        No caso de uma sociedade de investimento estrangeira não cumprir nem os requisitos do § 17, n.° 3, da AuslInvestmG nem os do seu § 18, n.° 2, o fundo era considerado um fundo dito «negro», cuja tributação dos detentores de títulos de participação era regulada pelo § 18, n.° 3, da AuslInvestmG. Esta disposição previa que um montante fixo fosse considerado distribuído e imputado aos detentores de títulos de participação. Este montante fixo representava 90% da mais-valia realizada entre o primeiro e o último preço de recompra do título de participação fixada ao longo do ano civil, com um mínimo de 10% do último preço de recompra fixado ao longo do exercício. Se esse preço de recompra não estivesse fixado, aplicava-se o preço de cotação em Bolsa ou o preço de mercado. Esse montante fixo era obrigatório e não era suscetível de contestação mediante prova em contrário, baseada, nomeadamente, em documentos contabilísticos que atestassem a existência de rendimentos realizados mas não distribuídos aos detentores de títulos de participação.

7.        Foi precisamente devido à aplicação do regime de tributação forfetária relativa os rendimentos de capitais provenientes de fundos «negros» que surgiu o litígio do processo principal.

8.        M. Schweier, detentora de um depósito no LGT Bank in Liechtenstein AG (a seguir «LGT Bank») que continha, nomeadamente, títulos de participação em fundos de investimento com sede nas Ilhas Caimão, declarou o montante dos seus rendimentos relativos aos anos de 1997 a 2003 às autoridades fiscais alemãs, e juntou documentos que o LGT Bank tinha posto à sua disposição, ao abrigo do § 18, n.° 3 da AuslInvestmG.

9.        As autoridades fiscais alemãs alteraram os avisos de liquidação relativamente aos anos em causa e fixaram, para cada um desses anos, o montante dos rendimentos de capitais de M. Schweier provenientes dos fundos depositados no LGT Bank, num montante total superior a 623 000 euros.

10.      M. Schweier apresentou uma reclamação dessa decisão invocando a incompatibilidade da tributação forfetária prevista no § 18, n.° 3, da AuslInvestmG com a livre circulação de capitais e pediu que as autoridades fiscais alemãs procedessem ao cálculo dos seus rendimentos efetivos nos termos do § 18. n.° 1, da referida lei, tendo colocado à sua disposição os documentos e os cálculos necessários para esse efeito.

11.      Tendo as autoridades fiscais alemãs indeferido a sua reclamação, M. Schweier intentou uma ação no Finanzgericht de Baden-Württemberg que, no essencial, a julgou procedente, ao declarar que o § 18, n.° 3, da AuslInvestmG, violava a livre circulação de capitais. Consequentemente, esse órgão jurisdicional alterou o cálculo do montante dos rendimentos de capitais recebidos por M. Schweier durante cada um dos anos fiscais em questão, baseando-se nos lucros efetivos calculados por esta última. O montante total fixado por esse órgão jurisdicional rondava os 285 000 euros.

12.      As autoridades fiscais alemãs interpuseram então um recurso de «Revision» para o Bundesfinanzhof, alegando que o § 18, n.° 3, da AuslInvestmG se enquadrava na cláusula de «standstill» prevista no artigo 57.°, n.° 1, CE no que respeita aos movimentos de capitais entre os Estados-Membros e os países terceiros. Segundo as referidas autoridades esta disposição devia aplicar-se a um litígio como o do processo principal uma vez que as situações reguladas pela AuslInvestmG se reportavam quer à prestação de serviços financeiros, quer ao conceito de «investimento direto» na aceção do artigo 57.°, n.° 1, CE.

13.      Ao passo que, na opinião do Bundesfinanzhof, a AuslInvestmG satisfazia as condições temporais e pessoais enunciadas no artigo 57.°, n.° 1, CE, uma vez que esta legislação se mantinha, no essencial, inalterada desde 31 de dezembro de 1993 e visava, no presente caso, títulos de participação de fundos de investimento cujas sociedades de gestão tinham a sua sede num país terceiro, a condição material parecia não estar preenchida, o que devia levar ao não provimento do recurso de revista das autoridades fiscais alemãs. Com efeito, segundo o órgão jurisdicional de reenvio, não haveria dúvida de que, se o artigo 57.°, n.° 1, CE não fosse aplicável no processo principal como esse órgão jurisdicional tende a considerar, a tributação forfetária prevista no § 18, n.° 3 da AuslInvestmG, conjugada, por um lado, com a impossibilidade de um investidor demonstrar a dimensão efetiva dos seus rendimentos quando um fundo de investimento não satisfaz as condições do § 17, n.° 3 da mesma lei e, por outro, com o facto de não ter sido designado nenhum representante em conformidade com o §18, n.° 2, da referida lei, seria manifestamente incompatível com a livre circulação de capitais prevista no artigo 56.° CE e não poderia ser justificada ao abrigo das disposições do artigo 58.° CE ou por razões imperiosas de interesse geral. Consequentemente, fazendo referência ao acórdão Cilfit e o. (6), o órgão jurisdicional de reenvio considera que não é necessário apresentar uma questão relativa à interpretação dos artigos 56.° CE e 58.° CE.

14.      Em contrapartida, subsistindo algumas dúvidas quanto ao alcance do âmbito material do artigo 57.°, n.° 1, CE, em especial na sequência do acórdão VBV-Vorsorgekasse (7) relativo à interpretação do conceito de investimento direto, o Bundesfinanzhof decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)      A livre circulação de capitais consagrada no artigo [56.° CE] não se opõe, no caso de participações em fundos de investimento de países terceiros, a uma norma nacional [neste caso: o § 18, n.° 3, da AuslInvestmG], segundo a qual, em determinadas circunstâncias, aos nacionais titulares de participações em fundos de investimento estrangeiros são imputados, além dos rendimentos distribuídos por esses fundos, rendimentos fictícios no montante de 90% da diferença entre o primeiro e o último preço de recompra do ano, ou pelo menos 10% do último preço de recompra (ou do valor em bolsa ou de mercado), porquanto essa norma, que se mantém, no essencial, inalterada desde 31 de dezembro de 1993, está relacionada com a prestação de serviços financeiros na aceção da norma de [‘standstill’] do artigo [57.°, n.° 1, CE]?

No caso de a resposta à [primeira] questão ser negativa:

2)      A participação num fundo de investimento deste tipo, com sede num país terceiro, representa sempre um investimento direto na aceção do artigo [artigo 57.°, n.° 1, CE) ou a resposta a esta questão depende de saber se a participação confere ao investidor, por força de disposições nacionais do Estado da sede do fundo de investimento ou por outros motivos, a possibilidade de participar efetivamente na gestão ou no controlo do fundo de investimento?»

15.      Estas questões foram objeto de observações escritas por parte dos Governos alemão, italiano, do Reino Unido e da Comissão Europeia. I. Wagner-Raith, o Governo alemão e a Comissão foram também ouvidos na audiência de 20 de novembro de 2014, não se tendo as outras partes interessadas feito representar.

II – Análise

A –    Quanto ao alcance do reenvio prejudicial

16.      Como resulta claramente da redação e da fundamentação do pedido de decisão prejudicial, o órgão jurisdicional de reenvio questiona o Tribunal de Justiça apenas sobre a interpretação do artigo 57.°, n.° 1, CE, com exclusão do artigo 56.° CE, que, como é sabido, proíbe todas as restrições aos movimentos de capitais entre Estados-Membros e entre Estados-Membros e países terceiros.

17.      Considerando que o regime fiscal em causa no litígio do processo principal é manifestamente incompatível com a livre circulação de capitais prevista nesta última disposição, o órgão jurisdicional de reenvio considera efetivamente, sem qualquer ambiguidade, que não é necessário apresentar ao Tribunal de Justiça uma questão a este propósito.

18.      Por conseguinte, a resposta do Tribunal de Justiça deve partir do postulado de que o regime fiscal em questão, aplicável aos investidores que detenham títulos de participação em fundos de investimento negros é, em princípio, contrário ao artigo 56.° CE.

19.      É certo que, como já tive ocasião de observar, o Tribunal de Justiça permite-se por vezes, na perspetiva de dar uma resposta útil ao órgão jurisdicional de reenvio e apesar da delimitação do reenvio prejudicial efetuado por esse órgão jurisdicional, verificar, tendo em conta a situação factual em causa no processo principal e os argumentos alegados na pendência do processo pelas partes interessadas, se a aplicabilidade de uma disposição de direito da União, que não foi objeto do pedido de decisão prejudicial, é, no entanto, suscetível de ser aplicável ao caso em apreço, e reformular as questões suscitadas para permitir incluir na interpretação do direito da União uma ou mais das suas disposições a pedido das partes ou oficiosamente (8).

20.      Por legítima e louvável que possa ser, esta abordagem, que, aliás, a Comissão propõe que seja seguida no caso em apreço, deve, no entanto, ser conciliada, por um lado, com a corrente jurisprudencial que só reconhece ao órgão jurisdicional de reenvio a competência para determinar o objeto e o teor das questões prejudiciais que pretende submeter ao Tribunal de Justiça (9). Por outro lado, também deve estar de acordo com a jurisprudência, de resto referida pelo órgão jurisdicional de reenvio, que admite que um órgão jurisdicional nacional, cujas decisões são insuscetíveis de recurso jurisdicional de direito interno, não está sistematicamente obrigado a questionar o Tribunal de Justiça sobre uma disposição de direito da União que deve aplicar num litigio sobre o qual foi chamado a pronunciar-se, em especial, se a questão de direito em causa foi resolvida por uma jurisprudência assente do Tribunal de Justiça ou se a correta aplicação do direito da União se impõe com uma evidência tal que não há lugar a nenhuma dúvida razoável (10).

21.      Numa situação como a do presente processo em que, embora chamado a pronunciar-se num processo de reenvio prejudicial nos termos do artigo 267.° do TFUE, o Tribunal de Justiça não fica por essa razão investido pelo órgão jurisdicional de reenvio da missão de responder a todas as questões de direito da União suscitadas nesse órgão jurisdicional, considero que o Tribunal de Justiça deve, em princípio, demonstrar contenção, limitando-se a responder apenas às questões de interpretação relativas ao artigo 57.° CE que lhe foram submetidas e não alargar o objeto do pedido de decisão prejudicial à questão voluntariamente não apresentada, a saber, a da interpretação do artigo 56.° CE.

22.      Com efeito, conforme referi no n.° 19 das minhas conclusões no processo Fonnship e Svenska Transportarbetareförbundet (11), resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que este, até agora se tem recusado sistematicamente a alterar ou a alargar o objeto de um pedido de decisão prejudicial, além do âmbito definido pelo órgão jurisdicional nacional, quando esse órgão jurisdicional, explicita ou implicitamente, se recusa submeter-lhe uma questão (adicional) de interpretação do direito da União suscitada expressamente por uma das partes do litígio no processo principal.

23.      Esta orientação não foi infirmada pelo acórdão Fonnship e Svenska Transportarbetareförbundet (12), uma vez que o Tribunal de Justiça, que decidiu constituído em Grande Secção, limitou-se a responder à questão que lhe tinha sido dirigida pelo órgão jurisdicional nacional de última instância.

24.      Embora a problemática processual do presente processo se coloque num contexto diferente do que esteve na origem do processo Fonnship e Svenska Transportarbetareförbundet, não difere, contudo, a tal ponto que se deva sugerir ao Tribunal de Justiça que tenha em conta a questão que não lhe foi submetida.

25.      Antes de mais, a circunstância de a questão não apresentada por aquele órgão jurisdicional constituir, em princípio, com toda a lógica, uma questão prévia à análise da que decidiu submeter ao Tribunal de Justiça, ao passo que no processo Fonnship e Svenska Transportarbetareförbundet, a situação controvertida era a contrária, não deve acarretar, na minha opinião, consequências especiais.

26.      Conforme já referi e como os Governos italiano e do Reino Unido compreenderam perfeitamente nas suas observações escritas, é, com efeito, perfeitamente possível que, para responder à questão submetida, o Tribunal de Justiça se limite a partir do postulado ou da premissa de que o regime fiscal em questão é contrário ao artigo 56.° CE, competindo ao órgão jurisdicional de reenvio, uma vez dada resposta à questão submetida pelo Tribunal de Justiça, confirmar na sua decisão final, se necessário, a análise que pretende com o seu pedido de decisão a título prejudicial a propósito da aplicação do artigo 56.° CE.

27.      Nesta perspetiva, esta situação não se afasta, aliás, daquela com que o Tribunal de Justiça foi confrontado no acórdão Pedro IV Servicios (13). Com efeito, nesse processo, o Tribunal de Justiça foi chamado a pronunciar-se sobre um pedido de interpretação de regulamentos de isenção, que dão execução ao artigo 81.°, n.° 3, CE, para categorias de acordos de compra exclusiva e de acordos verticais entre empresas, embora o órgão jurisdicional de reenvio não lhe tenha submetido de forma alguma a questão, necessariamente prévia, de saber se os acordos em causa nesse processo violavam efetivamente o artigo 81.°, n.° 1, CE.

28.      Tendo constatado, em substância, que nada se opunha a que respondesse às questões apresentadas relativas à interpretação de regulamentos de isenção por categorias, sem que tivesse de envolver previamente num exame económico e jurídico complexo dos requisitos de aplicação do artigo 81.°, n.° 1, CE e com base na jurisprudência Cilfit e o. (EU:C:1982:335) (14), o Tribunal de Justiça limitou-se a responder apenas às questões que lhe tinham sido submetidas.

29.      É verdade que, contrariamente às situações que deram origem aos processos Pedro IV Servicios, por um lado, e Fonnship e Svenska Transportarbetareförbundet, por outro, nos quais os órgãos jurisdicionais nacionais não tinham esclarecido o sentido em que pensavam decidir as questões não submetidas ao Tribunal de Justiça, o órgão jurisdicional de reenvio expõe, de modo inequívoco na fundamentação do seu pedido de decisão prejudicial, a sua intenção de rejeitar a tese das autoridades fiscais e do Governo alemão, segundo a qual o regime previsto no § 18, n.° 3, da AuslInvestmG é compatível com o artigo 56.° CE ou justificado por razões imperiosas de interesse geral.

30.      Não creio que devamos deduzir a intenção do órgão jurisdicional de reenvio de obter uma confirmação explícita do Tribunal de Justiça à resposta que propõe dar à questão não submetida a este Tribunal, uma vez que, reportando-se especificamente à margem de apreciação conferida aos órgãos jurisdicionais nacionais, incluindo os de última instância, desde o acórdão Cilfit e o. (EU:C:1982:335), o órgão jurisdicional de reenvio considera que é efetivamente evidente, à luz da jurisprudência do Tribunal de Justiça, que o § 18 da AuslInvestmG viola a livre circulação de capitais consagrada no artigo 56.° CE.

31.      Mais precisamente, entendo nesta atitude de franca e leal cooperação, a vontade de conceder, antes de mais, aos Governos dos Estados-Membros e às partes interessadas referidas no artigo 23.° do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia aos quais foi notificada a decisão de reenvio prejudicial e, depois, ao próprio Tribunal de Justiça a possibilidade de contestar a interpretação defendida pelo órgão jurisdicional de reenvio, no caso de a solução proposta para a questão não apresentada por esse órgão jurisdicional assentar numa interpretação manifestamente errada das disposições do direito da União ou se basear em premissas jurídicas claramente inexatas.

32.      Com efeito, nesse caso, parece-me que seria de facto primordial, tendo em conta a necessidade de assegurar a interpretação uniforme do direito da União e a proteção dos direitos dos particulares, que o Tribunal de Justiça pudesse corrigir erros dessa natureza cometidos por um órgão jurisdicional de última instância, ainda que estivessem relacionados com uma questão que esse órgão jurisdicional não quis, intencionalmente, submeter-lhe (15).

33.      Contudo, tal não é o caso no presente processo.

34.      Com efeito, longe de estar manifestamente errada, a apreciação do órgão jurisdicional de reenvio merece ser aprovada, uma vez que é evidente o caráter dissuasor do regime fiscal em causa, como também sustentou a Comissão nas suas observações escritas.

35.      Assim, no caso em apreço, enquanto os títulos de participação em fundos de investimento nacionais nunca são tributados de forma fixa, os títulos de participação em fundos estrangeiros são-no, para não dizer, são-no obrigatoriamente no caso dos fundos «negros», sem que os detentores desses títulos possam de forma alguma fazer prova da dimensão efetiva dos rendimentos recebidos. Ora, como ilustra a situação dos rendimentos de capitais recebidos por I. Wagner-Raith, a matéria coletável forfetária é consideravelmente mais elevada do que a que tem em conta os rendimentos efetivos no caso de fundos «brancos» ou «cinzentos», tanto para todo o período compreendido entre 1997 e 2003 como para cada exercício fiscal considerado individualmente.

36.      Além disso, há que salientar que, no seu recente acórdão van Caster (16), o Tribunal de Justiça declarou que a legislação alemã que substituiu, a partir de 2003, o regime fiscal em causa no processo principal, era contrária à livre circulação de capitais.

37.      Deste modo, baseando-se na sua jurisprudência, o Tribunal de Justiça decidiu que a livre circulação de capitais se opunha a uma legislação nacional, como a que estava na origem do referido acórdão, que previa que a inobservância, por um fundo de investimento estrangeiro, das obrigações de comunicação e de publicação de certas informações previstas por esta legislação, indistintamente aplicáveis aos fundos nacionais e estrangeiros, dá lugar à tributação forfetária dos rendimentos que o contribuinte obtenha desse fundo de investimento, na medida em que a referida legislação não permite ao contribuinte apresentar elementos ou informações suscetíveis de demonstrar a dimensão efetiva desses rendimentos (17).

38.      É inegável que uma apreciação dessa natureza, pode ser, no mínimo, transponível para o regime instituído pelo § 18, n.° 3, da AuslInvestmG.

39.      Por último, esta apreciação não deve ser infirmada pela circunstância, específica do processo principal, segundo a qual M. Schweier adquiriu títulos de participação em fundos de investimento com sede num país e território ultramarino (a seguir «PTU») dependente do Reino Unido, no caso as Ilhas Caimão (18), que figura entre os enumerados, primeiro, no anexo IV do Tratado CEE, na sequência do Ato de Adesão do Reino Unido (19) e depois do anexo II do Tratado CE.

40.      Importa recordar que, desde a criação da Comunidade Económica Europeia, as bases do estatuto jurídico dos PTU se mantêm fundamentalmente inalteradas (20). Estas entidades, embora unidas legalmente e/ou constitucionalmente a um Estado-Membro, estão excluídas do âmbito de aplicação territorial dos Tratados, conforme resultava, na vigência do Tratado CEE, do artigo 227.°, n.° 3, deste e na vigência do Tratado CE, do artigo 299.°, n.° 3, deste último apesar de beneficiarem «[de um] regime especial de associação definido na parte IV» dos Tratados respetivos. Isto continua a ser verdade no âmbito do Tratado FUE (21).

41.      O fim deste regime especial é promover o desenvolvimento económico e social dos PTU e estabelecer relações económicas estreitas entre eles e a Comunidade (a União Europeia) no seu conjunto (22).

42.      A existência deste regime especial de associação de países e de territórios não europeus, unidos a determinados Estados-Membros, levanta diversos problemas quanto à sua equiparação aos Estados-Membros ou aos países terceiros para determinar se as disposições gerais dos Tratados lhes são aplicáveis, problemas aos quais o Tribunal de Justiça não deu resposta unívoca, provavelmente devido ao caráter híbrido dessas entidades e à natureza sui generis do vínculo de associação que as une à União (23).

43.      Pelo menos em relação à aplicação das liberdades fundamentais de circulação reconhecidas pelo direito da União, o ponto de partida do raciocínio do Tribunal de Justiça é constatar que, por causa do seu regime especial de associação, os PTU não beneficiam das disposições gerais do direito da União, sem referência expressa (24).

44.      Embora a parte IV dos sucessivos Tratados não contenha nenhuma disposição relativa à circulação de capitais, o Tribunal de Justiça não deduziu daí que, por essa razão, essas disposições não eram aplicáveis aos PTU. Com efeito, uma vez que esta liberdade também é extensível aos países terceiros, seria no mínimo incongruente que entidades, que beneficiam de um regime especial de associação que visa o estabelecimento de relações económicas estreitas com a União, não pudessem beneficiar de um regime de liberdade especificamente alargado a todos os países terceiros. É por esta razão que, no seu acórdão Prunus e Polonium, a propósito da tributação de investimentos diretos realizados em França por uma sociedade que tinha a sua sede nas Ilhas Virgens britânicas, o Tribunal de Justiça declarou que os PTU beneficiavam da liberalização dos movimentos de capitais prevista no artigo 63.° TFUE, na sua qualidade de países terceiros (25), mesmo que fosse, na minha opinião, mais correto dizer que os PTU beneficiam da liberalização dos movimentos de capitais equivalente à concedida aos países terceiros, tendo em conta a natureza sui generis do seu estatuto.

45.      Com efeito, no que diz respeito à qualificação de uma medida nacional como constituindo uma restrição aos movimentos de capitais entre os Estados-Membros e os PTU, a apreciação do Tribunal de Justiça no acórdão Prunus e Polonium (EU:C:2011:276), que estende a aplicação do artigo 63.° TFUE aos PTU é válida, desde que nenhuma disposição específica com um alcance, pelo menos, equivalente ao artigo 63.° TFUE regule os referidos movimentos.

46.      Essa não era a situação durante o período que decorreu entre a entrada em vigor do Tratado de Maastricht, isto é, a partir da liberalização de princípio dos movimentos de capitais também em relação a países terceiros, prevista no artigo 73.°-B do Tratado CE, e 2 de dezembro de 2001, uma vez que nenhuma decisão do Conselho, adotada nos termos da parte IV do Tratado CE, estabelecia um regime de liberdade de circulação de capitais entre os Estados-Membros e os PTU, equivalente ao aplicável aos países terceiros. Em contrapartida, o dia 2 de dezembro de 2001 marca a entrada em vigor da Decisão 2001/822/CE do Conselho, de 27 de novembro de 2001, relativa à associação dos países e territórios ultramarinos à Comunidade Europeia («Decisão Territórios Ultramarinos») (26), cujo artigo 47.°, n.° 1, foi recentemente tido em consideração no acórdão X e TBG (27) como tendo um alcance especialmente amplo que se aproxima ao do artigo 56.° CE nas relações entre os Estados-Membros e os países terceiros.

47.      Embora, no processo principal, os investimentos realizados por M. Schweier, que respeitam, recordo, ao período compreendido entre 1997 e 2003, se enquadrem em parte no artigo 73.°-B do Tratado CE e em parte no artigo 47.°, n.° 1, da Decisão Territórios Ultramarinos, isso não altera o caráter restritivo do regime previsto no § 18, n.° 3 da AuslInvestmG à luz daquelas disposições.

48.      Tendo em conta todas estas considerações, proponho que o Tribunal de Justiça se abstenha de analisar a questão não apresentada pelo órgão jurisdicional de reenvio respeitante à interpretação do artigo 56.° CE.

B –    Quanto às questões submetidas e à interpretação do artigo 57.°, n.° 1, CE

49.      Com as suas duas questões, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se a cláusula de «standstill» prevista no artigo 57.°, n.° 1, CE, que se refere especificamente às restrições à livre circulação de capitais em relação a países terceiros, é aplicável a um regime fiscal como o que está em causa no processo principal.

50.      Segundo o primeiro período desta disposição «[…]o artigo 56.° [CE] não prejudica a aplicação a países terceiros de quaisquer restrições em vigor em 31 de dezembro de 1993 ao abrigo de legislação nacional […] em relação à circulação de capitais provenientes ou com destino a países terceiros ou que envolva investimento direto […] [ou a] prestação de serviços financeiros […]».

51.      A aplicação desta disposição que autoriza os Estados-Membros a manter restrições aos movimentos de capitais está, consequentemente, subordinada à satisfação de três critérios cumulativos, a saber: um critério de tipo pessoal, isto é, que a medida nacional em questão respeite a um ou mais países terceiros ou se lhes aplique; um critério temporal, isto é, que as restrições em causa existam em 31 de dezembro de 1993; e um critério material, a saber, que os movimentos de capitais em questão impliquem uma das operações limitativamente enumeradas no artigo 57.°, n.° 1, primeiro período, CE (28).

52.      Esta disposição também se aplica no contexto dos movimentos de capitais entre os Estados-Membros e os PTU, inclusive depois de 2 de dezembro de 2001. Com efeito, o artigo 47.°, n.° 2, da Decisão Territórios Ultramarinos, refere, que os Estados-Membros e os PTU podem, nomeadamente, adotar mutatis mutandis as medidas a que se refere o artigo 57.° CE, nas condições aí enunciadas (29).

1.      Quanto aos critérios temporal e pessoal do artigo 57.°, n.° 1, CE

53.      Nem o órgão jurisdicional de reenvio nem as partes interessadas apresentaram observações escritas, nem demonstraram a mínima hesitação quanto à satisfação dos dois primeiros critérios.

54.      Com efeito, não é preciso determo-nos sobre a satisfação do critério temporal, uma vez que, como recordaram o órgão jurisdicional de reenvio e a Comissão, o regime fiscal previsto no § 18, n.° 3, da AuslInvestmG já existia em 1969, sem que tenha sofrido alterações substanciais desde então (30).

55.      O critério pessoal também está preenchido uma vez que, como acabei de referir, independentemente do facto de os PTU serem considerados países terceiros ou simplesmente equiparados a estes últimos, as condições previstas no artigo 57.°, n.° 1, CE são-lhes aplicáveis em qualquer caso, diretamente ou por intermédio do artigo 47.°, n.° 2, da Decisão Territórios Ultramarinos.

56.      Além disso, não me parece que a satisfação do critério pessoal do artigo 57.°, n.° 1, CE deva ser afastada pelo facto de os títulos de participação de M. Schweier nos fundos de investimento em questão e os rendimentos daí decorrentes terem sido depositados numa instituição financeira que, com toda a probabilidade, está estabelecida num Estado parte contratante do acordo sobre o Espaço Económico Europeu assinado em 2 de maio de 1999 (31) (a seguir «Acordo EEE»), neste caso o Principado do Liechtenstein, contra o qual, como é sabido, os Estados-Membros já não podem invocar o artigo 57.°, n.° 1, CE desde 1 de maio de 1995, data em que entrou em vigor o Acordo EEE relativamente ao referido Principado (32).

57.      Com efeito, se, independentemente dos critérios fixados pela regulamentação nacional, os Estados-Membros estivessem privados da possibilidade de invocar o artigo 57.°, n.° 1, CE cada vez que movimentos de capitais provenientes ou com destino a países terceiros transitassem pelo território de outro Estado-Membro ou de um Estado parte do Acordo EEE, esta disposição ficava privada do essencial do seu efeito útil. Nenhuma das partes do processo principal ou interessadas sustentou, aliás, o contrário.

58.      Acresce que, como resulta da decisão de reenvio, a aplicação do § 18, n.° 3, da AuslInvestmG depende, acima de tudo, da sede da sociedade de gestão dos fundos de investimento, no caso em apreço, as Ilhas Caimão, e não do lugar onde os títulos de participação estão depositados (33).

59.      Assim sendo, como já realcei, o cerne das preocupações submetidas pelo órgão jurisdicional de reenvio reside no alcance do critério material do artigo 57.°, n.° 1, CE.

2.      Quanto ao critério material do artigo 57.°, n.° 1, CE

60.      O órgão jurisdicional de reenvio pergunta mais especificamente ao Tribunal de Justiça qual o sentido a dar à expressão «circulação de capitais [que] envolva […] investimento direto […] [ou] prestação de serviços financeiros», de forma a permitir-lhe determinar se, tendo em conta a situação do processo principal, o regime fiscal previsto no § 18, n.° 3, da AuslInvestmG pode ser legitimamente mantido nos termos do artigo 57.°, n.° 1, CE.

61.      Parece-me que deve ser dada uma resposta positiva à sua primeira questão que diz respeito ao conceito de «prestação de serviços financeiros», o que deve levar, se o Tribunal de Justiça partilhar desta opinião, a não ter de responder à segunda questão respeitante ao conceito de «investimentos diretos». Em todo o caso, quanto a esta última questão, as incertezas do órgão jurisdicional de reenvio podem ser rapidamente dissipadas.

a)      Quanto à expressão «prestação de serviços financeiros, na aceção do artigo 57.°, n.° 1, CE

62.      A primeira questão convida a determinar se o regime fiscal do § 18, n.° 3, da AuslInvestmG é suscetível de ser mantido numa situação como a do processo principal, pelo facto de ser aplicável a movimentos de capitais que implicam a prestação de serviços financeiros, na aceção do artigo 57.°, n.° 1, CE.

63.      Salientado que o Tribunal de Justiça ainda não clarificou esta expressão, o órgão jurisdicional de reenvio é de opinião, tendo em conta a necessidade de interpretar estritamente as disposições do artigo 57.°, n.° 1, CE, que só as regras que respeitam às prestações de serviços financeiros dos próprios países terceiros e que determinam as condições ou as modalidades da prestação de serviços têm uma relação com a referida expressão, com exclusão, em qualquer caso, das disposições de direito nacional que têm por objeto a tributação dos investidores.

64.      Enquanto a Comissão subscreve esta interpretação, os Governos alemão, italiano e do Reino Unido rejeitam-na. Estas três partes interessadas sustentam, em substância, que, por um lado, o conceito de prestação de serviços financeiros pode incluir medidas que visam o destinatário da referida prestação e que, por outro, existe no caso em apreço uma relação estreita entre o objeto da medida nacional, a saber, a tributação dos detentores de títulos de participação em fundos de investimento estrangeiros, e o comportamento dos fundos que não cumprem as exigências dos §§ 17, n.° 3, e 18, n.° 2, da AuslInvestmG. Dito de outra forma, a legislação fiscal nacional respeita à prestação de serviços financeiros na medida em que os fundos de investimento são, pelo menos indiretamente, incentivados a respeitarem as regras nacionais de transparência estabelecidas pela referida legislação.

65.      Pela minha parte, recordo, antes de mais, que já me foi dada a oportunidade de tecer algumas considerações sobre o conceito de «prestação de serviços financeiros», que figura no artigo 57.°, n.° 1, CE, nas minhas conclusões apresentadas no processo Emerging Markets Series of DFA Investment Trust Company (34).

66.      Como já esclareci nessas conclusões, na falta de definição do conceito em questão, é correto presumir que os serviços em causa são os prestados por entidades financeiras, como os bancos, as companhias de seguros, as sociedades de investimento e as outras instituições de natureza similar. Um fundo de investimento (ou, mais exatamente, a sociedade que assegura a sua gestão) pertence sem dúvida a esta categoria de entidades.

67.      Além disso, continuo a considerar que, tendo em atenção a redação do artigo 57.°, n.° 1, CE, o seu âmbito de aplicação estende-se apenas aos movimentos de capitais que «envolvem» a prestação de serviços financeiros e não, inversamente, a prestação de serviços financeiros que envolvem ou geram movimentos de capitais. Esta distinção é crucial. Com efeito, só as medidas nacionais, cujo objeto diz principalmente respeito a movimentos de capitais, estão abrangidas âmbito de aplicação do artigo 57.°, n.° 1, CE. As medidas nacionais, cujo objeto diz principalmente respeito a uma prestação de serviços financeiros estão fora do seu âmbito de aplicação, uma vez que devem ser analisadas do ponto de vista das disposições do Tratado relativas à livre prestação de serviços, as quais, como é sabido, não se estendem às relações com países terceiros nem às relações com os PTU (35).

68.      Em consequência, quando o artigo 57.°, n.° 1, CE refere que incide sobre movimentos de capitais que envolvem a prestação de serviços financeiros, não se trata, na minha opinião, de incluir no seu âmbito de aplicação medidas nacionais cujo objeto respeita às condições ou às modalidades da prestação de serviços. Com efeito, se fosse esse o caso, essa medida não estaria, sem mais abrangida pelo âmbito de aplicação das disposições relativas à livre circulação de capitais e, por conseguinte, do artigo 57.°, n.° 1, CE, mas pelas disposições relativas à prestação de serviços.

69.      O artigo 57.°, n.° 1, CE não pode ser interpretado no sentido de que apenas reitera a delimitação geral operada pela Tratado entre o âmbito de aplicação das disposições relativas à prestação de serviços, mesmo que sejam só «financeiros», e das que respeitam aos movimentos de capitais. A reserva contida neste artigo, embora, contrariamente ao defendido pelo Governo alemão, deva ser interpretada de forma estrita (36), deve ainda assim poder manter um efeito útil.

70.      É por resta razão que o artigo 57.°, n.° 1, CE abrange os movimentos de capitais que «envolvem», isto é que comportem, a prestação de serviços financeiros (37).

71.      No processo Emerging Markets Series of DFA Investment Trust Company (EU:C:2013:710), que respeitava à tributação, na Polónia, de títulos de participação detidos por um fundo de investimento de um país terceiro no capital social de sociedades polacas, os movimentos de capitais em causa não envolviam uma prestação de serviços financeiros por parte do fundo de investimento em proveito das sociedades em questão. Por outro lado, também tinha esclarecido nas minhas conclusões que a medida nacional controvertida não incidia sobre os movimentos de capitais ligados aos serviços financeiros prestados pelo fundo de investimento aos seus detentores de títulos de participação, independentemente de estes últimos serem residentes no território de um Estado-Membro ou num país terceiro. A aplicação do artigo 57.°, n.° 1, CE não podia, consequentemente ser invocada (38).

72.      O Tribunal de Justiça não teve que analisar esta problemática uma vez que a aplicação da cláusula de «standstill» prevista no artigo 57.°, n.° 1, CE foi rejeitada com razão pelo simples facto de a legislação polaca em causa nesse processo não preencher o critério temporal do referido artigo (39).

73.      No presente processo, os movimentos de capitais em questão, a saber as operações de compra de títulos de participação em fundos de investimento situados num PTU, dos quais o investidor recebe dividendos sujeitos à tributação forfetária controvertida, implicam, na minha opinião, necessariamente, a prestação de serviços financeiros pelos fundos de investimento respetivos em proveito do investidor. Com efeito, sem esses serviços, a compra desses títulos de participação não teria, muito simplesmente, sentido, em especial, no caso de um investidor não institucional que beneficia dessa forma de um leque de possibilidades de investimento em função de diferentes parâmetros pertinentes, dos quais ficaria em geral privado se decidisse investir diretamente no mercado de capitais. Acresce que são precisamente esses serviços financeiros que otimizam e ampliam os lucros com base nos quais a tributação nacional poderia ser estabelecida.

74.      O facto de a medida nacional respeitar, em primeiro lugar, ao investidor e não ao prestador enquanto tal não altera em nada esta constatação, uma vez que o critério determinante do artigo 57.°, n.° 1, CE respeita à relação de causa efeito que existe entre os movimentos de capitais e a prestação de serviços financeiros e não ao âmbito de aplicação pessoal da medida nacional controvertida ou à sua relação com o prestador, e não com o destinatário, desses serviços. Se os referidos movimentos de capitais implicam necessariamente essa prestação, o artigo 57.°, n.° 1, CE deve ser aplicado desde que as outras condições desta disposição estejam preenchidas.

75.      Além disso, contrariamente ao que a Comissão sustentou na audiência, não há nada que sugira que as regulamentações fiscais dos Estados-Membros estejam excluídas do âmbito de aplicação do artigo 57.°, n.° 1, CE ou, atualmente, do artigo 64.°, n.° 1, TFUE. A prova disso é que, nos seus acórdãos Holböck (40), Prunus e Polonium (EU:C:2011:276), Welte (EU:C:2013:662), e Emerging Markets Series of DFA Investment Trust Company (EU:C:2014:249), o Tribunal de Justiça analisou cuidadosamente a aplicabilidade desta disposição no contexto de medidas fiscais nacionais.

76.      Consequentemente, considero que se deve responder à primeira questão prejudicial no sentido de que uma regulamentação nacional, como o § 18, n.° 3, da AuslInvestmG, que não foi substancialmente alterada depois de 31 de dezembro de 1993 e que prevê, em determinadas condições, a aplicação de uma tributação forfetária aos detentores nacionais de títulos de participação em fundos de investimento situados em países terceiros ou em PTU equiparados aos referidos países terceiros, se refere a movimentos de capitais que implicam a prestação de serviços financeiros, na aceção do artigo 73.°-C do Tratado CE e, a partir de 1 de maio de 1999, na aceção do artigo 57.°, n.° 1, CE.

77.      Nestas condições, não haverá que analisar a segunda questão, submetida, apenas para o caso de ser dada resposta negativa à primeira questão.

78.      Por conseguinte analisarei a segunda questão submetida pelo órgão jurisdicional de reenvio, unicamente a título subsidiário, para o caso de o Tribunal de Justiça não subscrever a proposta que acabo de formular.

b)      Quanto ao conceito de «investimentos diretos» na aceção do artigo 57.°, n.° 1, CE

79.      Como já esclareci nas minhas conclusões apresentadas no processo Emerging Markets Series of DFA Investment Trust Company (41), uma vez que o conceito de investimentos diretos não está definido no Tratado CE, o Tribunal de Justiça baseou-se, até agora, nas definições contidas na nomenclatura do anexo I da Diretiva 88/361/CEE do Conselho, de 24 de junho de 1988, para a execução do artigo 67.° do Tratado (42), e nas notas explicativas respetivas (43).

80.      Segundo essas definições, o conceito de investimento direto respeita a investimentos efetuados por pessoas singulares ou coletivas que servem para criar ou manter relações duradouras e diretas entre o investidor e a empresa a que se destinam esses fundos com vista ao exercício de uma atividade económica (44).

81.      É com base nessas definições que o Tribunal de Justiça distingue, entre os movimentos de capitais, os investimentos «diretos», sob a forma de participação numa empresa através da detenção de ações, a qual confere a possibilidade de participar efetivamente na sua gestão e no seu controlo, dos investimentos «de carteira», que implicam a aquisição de títulos no mercado de capitais com o único objetivo de realizar uma aplicação financeira sem intenção de influir na gestão e no controlo da empresa (45).

82.      Embora estes dois tipos de investimento se insiram no conceito de movimentos de capitais, em contrapartida, só os «investimentos diretos», incluindo o pagamento de dividendos dele decorrente, é objeto da derrogação admitida pelo artigo 57.°, n.° 1, CE (46).

83.      Enquanto, para efeitos de aplicação do artigo 57.°, n.° 1, CE, o órgão jurisdicional de reenvio se declara, a priori, inclinado a seguir esta linha de demarcação entre os investimentos diretos e os investimentos de carteira, considerando que, no caso em apreço, a situação dos detentores de títulos de participação nos fundos de investimento não se enquadra em princípio na primeira categoria, interroga-se, no entanto, se, com seu acórdão VBV — Vorsorgekasse (47) de 7 de junho de 2012, o Tribunal de Justiça não tinha mitigado, ou mesmo infirmado, essa jurisprudência.

84.      Já analisei e recusei esse argumento nas conclusões que apresentei no processo Emerging Markets Series of DFA Investment Trust Company (48), argumento que foi invocado pelo Governo polaco, mas ao qual o Tribunal de Justiça não teve necessidade de responder.

85.      Por conseguinte, limitar-me-ei no essencial a remeter para as considerações tecidas a este propósito nas referidas conclusões. Em especial importa recordar que embora o acórdão VBV — Vorsorgekasse (EU:C:2012:327) dissesse respeito a restrições à compra por uma pessoa coletiva (uma caixa de previdência profissional), investidor institucional estabelecido na Áustria, de títulos de participação num fundo comum de investimento que tinha a sua sede noutro Estado-Membro, operação que o Tribunal de Justiça qualificou, no início do seu raciocínio, de «investimento direto», este não se interroga sobre o artigo 64.°, n.° 1, TFUE que substituiu o artigo 57.°, n.° 1, CE, mas unicamente sobre o artigo 63.° TFUE. Ora, embora o artigo 63.° TFUE tenha um âmbito de aplicação muito amplo e possa tolerar uma determinada «incerteza» no emprego da terminologia que designa as diferentes categorias de movimentos de capitais, essa não é a situação no que respeita às categorias enumeradas no artigo 64.°, n.° 1, TFUE, o qual, recordo, enquanto derrogação a um regime de liberdade previsto no direito da União, deve ser objeto de interpretação estrita, em conformidade com a jurisprudência (49). Por conseguinte, não tendo sido chamado a pronunciar-se sobre uma questão de interpretação do artigo 64.°, n.° 1, TFUE, o Tribunal de Justiça não tinha evidentemente a intenção de alargar o alcance do conceito de investimento direto, na aceção da referida disposição.

86.      É certo que, à semelhança do que a Comissão defende nas suas observações escritas, não se pode excluir completamente que um detentor de títulos de participação num fundo de investimento possa participar efetivamente na gestão ou no controlo da sociedade de gestão do referido fundo de modo que, em função das circunstâncias próprias de cada caso concreto, se possa concluir que se trata de um investimento direto.

87.      Os elementos factuais e jurídicos reproduzidos no acórdão VBV — Vorsorgekasse (EU:C:2012:327) não permitem, infelizmente, assegurar que essa era a situação no que respeita à aquisição pela caixa profissional austríaca dos títulos de participação do fundo comum de investimento com sede no Luxemburgo.

88.      Não obstante, e em todo o caso, parece no mínimo arriscado, tendo em conta a natureza e o volume dos investimentos realizados por M. Schweier, que esta tenha adquirido títulos de participação que lhe permitiam obter um direito de controlo sobre os fundos de investimento, cujas sociedades de gestão estão estabelecidas nas Ilhas Caimão. Em contrapartida, é muito mais provável, atendendo às informações contidas nos autos, que, enquanto investidora privada, M. Schweier não tenha feito mais do que participar numa carteira coletiva constituída por esses fundos, com o único propósito de realizar um investimento financeiro. Ora, é facto assente que o regime fiscal previsto no § 18, n.° 3, da AuslInvestmG se aplica quando esses investimentos de carteira são realizados.

89.      Consequentemente, considero que o acórdão VBV — Vorsorgekasse (EU:C:2012:327) não tem influência na interpretação do conceito de investimento direto previsto no artigo 57.°, n.° 1, CE e que, atendendo ao conjunto dos elementos factuais e jurídicos que figuram nos autos, a derrogação prevista nesta disposição não pode ser invocada na medida em que a situação do processo principal não se refere à «circulação de capitais provenientes [de um] ou com destino a países terceiros [...] que envolva investimento direto».

III – Conclusão

90.      Atendendo ao conjunto das considerações precedentes, proponho que o Tribunal de Justiça responda às questões prejudiciais que lhe foram submetidas pelo Bundesfinanzhof (Alemanha) do seguinte modo:

«Uma regulamentação nacional, como o § 18, n.° 3, da Lei sobre a comercialização de participações em investimentos estrangeiros e sobre a tributação dos rendimentos de títulos de participação em investimentos estrangeiros (Gesetz über den Vertrieb ausländischer Investmentanteile und über die Besteuerung der Erträge aus ausländischen Investmentanteilen), que não foi substancialmente alterada depois de 31 de dezembro de 1993 e que prevê, em determinadas condições, a aplicação de uma tributação forfetária aos detentores nacionais de títulos de participação em fundos de investimento situados em países terceiros ou em países e territórios ultramarinos equiparados aos referidos países terceiros, se refere a movimentos de capitais que implicam a prestação de serviços financeiros, na aceção do artigo 73.°-C do Tratado CE e, a partir de 1 de maio de 1999, na aceção do artigo 57.°, n.° 1, CE.»


1 —      Língua original: francês.


2 —      Salvo quando seja necessário por razões de aplicação no tempo dos Tratados, a seguir nestas conclusões, referir-me-ei apenas ao artigo 57.°, n.° 1, CE por facilidade de escrita, entendendo-se que as condições previstas nos dois artigos não foram alteradas.


3 —      BGBl. 1998 I, p. 2820.


4 —      Por força das disposições da Lei sobre as sociedades de investimento de capitais (Gesetz über Kapitalanlagegesellschaften, a seguir «KAGG») na versão em vigor até 31 de dezembro de 2013.


5 —      V. § 38 b da KAGG.


6 —      Acórdão Cilfit e o. (283/81, EU:C:1982:335, n.° 21).


7 —      Acórdão VBV - Vorsorgekasse (C-39/11, EU:C:2012:327).


8 —      V. as minhas conclusões apresentadas no processo Fonnship e Svenska Transportarbetareförbundet (C-83/13, EU:C:2014:201, n.° 17) e jurisprudência aí referida.


9 —      V., nomeadamente, acórdãos Kerafina-Keramische und Finanz-Holding e Vioktimatiki (C-134/91 e C-135/91, EU:C:1992:434, n.° 16); Consiglio nazionale dei geologi e Autorità garante della concorrenza e del mercato (C-136/12, EU:C:2013:489, n.° 29); e Belgian Electronic Sorting Technology (C-657/11, EU:C:2013:516, n.° 28).


10 —      V., nomeadamente, acórdão Cilfit e o. (EU:C:1982:335, n.° 21); Pedro IV Servicios (C-260/07, EU:C:2009:215, n.° 36); e Boxus e o. (C-128/09 a C-131/09, C-134/09 e C-135/09, EU:C:2011:667, n.° 31).


11 —      EU:C:2014:201.


12 —      EU:C:2014:2053.


13 —      EU:C:2009:215.


14 —      Idem (n.° 36).


15 —      V., neste sentido, conclusões apresentadas no processo Fonnship e Svenska Transportarbetareförbundet (EU:C:2014:201, n.° 22).


16 —      C-326/12, EU:C:2014:2269.


17 —      Ibidem (n.° 58 e dispositivo).


18 —      Até 2002, as Ilhas Caimão beneficiaram do estatuto «British dependent territory» ao abrigo do British Nationality Act 1981 (v. anexo 6 dessa lei). Em 2002, este estatuto passou a denominar-se «British overseas territory» em aplicação do British Overseas Territories Act de 26 de fevereiro de 2002.


19 —      A lista dos PTU que é objeto do anexo IV do Tratado CEE foi de facto alterada pelo artigo 24.° do Ato relativo às condições de adesão do Reino da Dinamarca, da Irlanda e do Reino Unido da Grã-Bretanha e da Irlanda do Norte às adaptações dos Tratados (JO [1972] L 73, p. 14), ao incluir aí especificamente as Ilhas Caimão.


20 —      V., desenvolvimentos consagrados a este propósito nas conclusões do advogado-geral P. Cruz Villalòn apresentadas no processo Prunus e Polonium (C-384/09, EU:C:2010:759, n.os 24 a 29).


21 —      V. artigo 355.°, n.° 2, TFUE.


22 —      V. artigos 131.°, segundo parágrafo, do Tratado CEE e 182.°, segundo parágrafo, do Tratado CE e, atualmente, artigo 198.°, segundo parágrafo, TFUE.


23 —      V. conclusões do advogado-geral P. Cruz Villalòn apresentadas no processo Prunus e Polonium (EU:C:2010:759, n.os 31 a 39).


24 —      Acórdão Prunus e Polonium (EU:C:2011:276, n.° 29) e X e TBG (C-24/12 e C-27/12, EU:C:2014:1385, n.° 45).


25 —      Acórdão Prunus e Polonium (EU:C:2011:276, n.° 31). O Tribunal de Justiça refere «Estados terceiros», mas seria mais apropriado dizer países terceiros, tendo em conta, do ponto de vista do direito internacional público, a falta de soberania dessas entidades e que corresponde, aliás, à redação dos artigos 73.° B e C do Tratado CE, 56.° e 57.° CE e 63.° e 64.° TFUE. [N. doT.: Na versão do acórdão em língua portuguesa consta «países terceiros», pelo que não me parece que esta segunda parte da nota 25 seja pertinente na versão destas conclusões em língua portuguesa]


26 —      JO L 314, p. 1. Em conformidade com o seu artigo 63.°, esta decisão era aplicável até 31 de dezembro de 2011.


27 —      Acórdão X e TBG (EU:C:2014:1385, n.° 48).


28 —      V., nomeadamente, neste sentido, as minhas conclusões apresentadas no processo Emerging Markets Series of DFA Investment Trust Company (C-190/12, EU:C:2013:710, n.° 53).


29 —      V. também, neste sentido, acórdão Prunus e Polonium (EU:C:2011:276, n.° 32).


30 —      V., por último, sobre a análise do critério temporal previsto pelo artigo 57.°, n.° 1, CE, acórdão Emerging Markets Series of DFA Investment Trust Company (C-190/12, EU:C:2014:249, n.os 47 a 52).


31 —      JO 1994, L 1, p. 3.


32 —      V., a este respeito, acórdão Ospelt e Schlössle Weissenberg (C-452/01, EU:C:2003:493, n.° 31), a propósito já do artigo 73.°-C do Tratado CE.


33 —      Embora, na audiência, o advogado de I. Wagner-Raith tenha referido que era unicamente o LGT Bank que geria os fundos depositados, este dado não decorre da decisão de reenvio e não altera em nada a circunstância, referida por esse órgão jurisdicional, de os fundos de investimento serem geridos por uma sociedade estabelecida nas Ilhas Caimão, facto que desencadeou, designadamente, a aplicação da legislação nacional controvertida.


34 —      EU:C:2013:710, n.os 73 a 79.


35 —      A propósito da não aplicação das disposições do Tratado relativas à livre prestação de serviços com países terceiros, v. acórdão Fidium Finanz (C-452/04, EU:C:2006:631, n.os 25 e 47). Em relação aos PTU, importa realçar que a parte IV do Tratado não evoca a livre prestação de serviços e que a Decisão Territórios Ultramarinos só refere um objetivo de longo prazo que consiste na liberalização progressiva do comércio de serviços, com base nos compromissos adotados no quadro do Acordo Geral sobre o Comércio de Serviços (GATS).


36 —      V. acórdão Welte (C-181/12, EU:C:2013:662, n.° 29).


37 —      Conclusões Emerging Markets Series of DFA Investment Trust Company (EU:C:2013:710, n.° 77).


38 —      Ibidem (n.os 78 e 79).


39 —      V. acórdão Emerging Markets Series of DFA Investment Trust Company (C-190/12, EU:C:2014:249, n.° 53).


40 —      EU:C:2007:297, n.os 37 a 45.


41 —      EU:C:2013:710, n.os 60 e 61.


42 —      JO L 178, p. 5.


43 —      V., nomeadamente, acórdãos Holböck (C-157/05, EU:C:2007:297, n.° 34 e jurisprudência referida) e Welte (EU:C:2013:662, n.° 32).


44 —      V., nomeadamente, acórdão Welte (EU:C:2013:662, n.° 32).


45 —      V., em especial sobre esta distinção, acórdãos Orange European Smallcap Fund (C-194/06, EU:C:2008:289, n.os 98 a 102); Glaxo Wellcome (C-182/08, EU:C:2009:559, n.° 40 e jurisprudência referida); e Comissão/Portugal (C-212/09, EU:C:2011:717, n.° 47).


46 —      V. neste sentido, acórdão Haribo Lakritzen Hans Riegel e Österreichische Salinen (C-436/08 e C-437/08, EU:C:2011:61, n.os 137 e 138) e conclusões Emerging Markets Series of DFA Investment Trust Company (EU:C:2013:710, n.° 64).


47 —      EU:C:2012:327.


48 —      EU:C:2013:710, n.os 69 a 72. Estas conclusões foram apresentadas alguns dias depois de o presente pedido de decisão prejudicial ter sido notificado ao Tribunal de Justiça.


49 —      V. acórdão Welte (EU:C:2013:662, n.° 29).