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CONCLUSÕES DA ADVOGADA-GERAL

JULIANE KOKOTT

Apresentadas em 22 de janeiro de 2015(1)

Processo C-686/13

X AB

contra

Skatteverket

[pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Högsta förvaltningsdomstolen (Suécia)]

«Legislação fiscal – Imposto nacional sobre o rendimento – Liberdade de estabelecimento nos termos do artigo 49.° TFUE – Livre circulação de capitais nos termos do artigo 63.°, n.° 1, TFUE – Não consideração, para efeitos fiscais, de ganhos e perdas no quadro da cessão de uma participação – Participação numa filial estabelecida noutro Estado-Membro – Cessação de atividades da filial – Consideração, para efeitos fiscais, de uma perda resultante de uma cessão, na medida em que a perda é devida a flutuações das taxas de câmbio»





I –    Introdução

1.        O ponto de partida do litígio fiscal sueco subjacente ao presente pedido de decisão prejudicial é o facto de que, no Reino da Suécia, os ganhos e as perdas resultantes da cessão de determinadas participações em sociedades não são tidas em conta para efeitos de imposto sobre o rendimento. Favorável para alguns, este regime é desfavorável para quem sofre perdas. Mas na medida em que tais perdas resultam de um risco cambial e este risco existe sobretudo no caso de atividades transfronteiriças, as liberdades fundamentais poderiam exigir que as perdas sejam tomadas em conta. Isto é o que o órgão jurisdicional de reenvio pretende esclarecer antes que a demandante no processo principal ordene que a sua filial estabelecida noutro Estado-Membro cesse as suas atividades.

2.        O Tribunal de Justiça já se debruçou sobre uma situação semelhante no processo Deutsche Shell, respeitante a uma perda decorrente de flutuações das taxas de câmbio relacionada com o encerramento de um estabelecimento estrangeiro. Nesse caso o Tribunal de Justiça constatou uma violação da liberdade de estabelecimento (2). No presente processo, importa determinar em que medida as considerações do acórdão Deutsche Shell são aplicáveis a perdas cambiais relacionadas com a cessação de atividades de uma filial.

II – Quadro jurídico

3.        O Reino da Suécia cobra um imposto sobre o rendimento. Neste contexto, são também tributados, em princípio, rendimentos obtidos com a cessão de participações em sociedades por ações.

4.        Uma exceção está, contudo, prevista para participações detidas por certas sociedades, especialmente sociedades por ações. Nos termos do capítulo 25a, § 5, n.° 1, da lei sueca relativa ao imposto sobre o rendimento (inkomstskattelag 1999:1229), um ganho realizado com a cessão de tais participações não deve, em princípio, ser tido em conta. Por outro lado, nos termos do n.° 2 da mesma disposição, só se pode deduzir uma perda resultante de uma cessão se tiver sido tributado um correspondente ganho, realizado no contexto de uma cessão.

5.        Nos termos do capítulo 24, § 14, n.° 1, da lei sueca relativa ao imposto sobre o rendimento, para que os ganhos e as perdas resultantes de uma cessão não sejam considerados, para efeitos fiscais, a participação deve cumprir um dos seguintes requisitos:

«1.      A participação não deve estar cotada na bolsa.

2.      O número total dos direitos de voto associados à totalidade dos títulos detidos pela empresa detentora na sociedade detida deve corresponder a, pelo menos, 10% do número total dos direitos de voto associados à totalidade das quotas sociais da referida sociedade.

3.       A posse do título está ligada à atividade da empresa detentora ou de uma empresa que, tendo em conta as relações de propriedade ou de organização, pode ser considerada como ligada a ela.»

6.        Disposições comparáveis aplicam-se aos dividendos de tais participações que, em princípio, também não são tributados. A não consideração, para efeitos fiscais, de dividendos e de ganhos resultantes de uma cessão destina-se a evitar a tributação múltipla dos ganhos de sociedades.

III – Litígio principal

7.        O litígio principal diz respeito ao pedido de parecer prévio, apresentado pela sociedade sueca X AB no quadro da tributação do seu rendimento.

8.        Em 2003, X constituiu uma filial britânica. As ações da referida sociedade foram emitidas em dólares dos Estados Unidos. Entre 2003 e 2009, X aumentou várias vezes a sua participação no capital da filial.

9.        Após a constituição da filial, X cedeu participações nesta última à sua própria sociedade-mãe, de modo que X detém entretanto apenas 45% das participações.

10.      X prevê a cessação das atividades da sua filial britânica, não contendo a decisão de reenvio detalhes a este respeito. Esta cessação de atividades parece ser tratada pelo direito sueco como equivalente à cessão da participação na filial. X conta sofrer uma perda cambial devida à alteração, entretanto ocorrida, da taxa de câmbio entre a coroa sueca e o dólar dos Estados Unidos. Nos termos das disposições suecas sobre perdas geradas pela cessão de títulos de participação, X não pode deduzir fiscalmente essa perda.

11.      Neste contexto, X solicitou à Skatterättsnämnd (comissão de direito fiscal) um parecer prévio para esclarecer se a recusa da consideração, para efeitos fiscais de uma perda cambial contraria o direito da União. Após a Skatterättsnämnd ter respondido negativamente a esta pergunta, X interpôs recurso jurisdicional.

IV – Tramitação do processo no Tribunal de Justiça

12.      O Högsta förvaltningsdomstol, que entretanto foi chamado a decidir o litígio, submeteu ao Tribunal de Justiça, em 27 de dezembro de 2013, nos termos do artigo 267.° TFUE, a seguinte questão:

Os artigos 49.° e 63.° TFUE opõem-se a uma legislação nacional segundo a qual o Estado-Membro de domicílio não permite a dedução das perdas cambiais, que são parte integrante de menos-valias resultantes de participações com fins empresariais numa sociedade domiciliada noutro Estado-Membro, no caso de o Estado-Membro de domicílio aplicar um sistema que não tem em conta as mais-valias e as menos-valias resultantes dessas participações para efeitos de cálculo do rendimento tributável?

13.      Em março e abril de 2014 apresentaram observações escritas no Tribunal de Justiça as partes no processo principal, o Reino da Dinamarca, a República Federal da Alemanha, o Reino de Espanha, a República Francesa, a República Italiana, o Reino dos Países Baixos, a República Portuguesa, a República da Finlândia, o Reino da Suécia, o Reino Unido da Grã-Bretanha e da Irlanda do Norte, bem como a Comissão Europeia.

V –    Apreciação jurídica

14.      Com a sua questão, o órgão jurisdicional de reenvio pretende esclarecer se, ao cobrar um imposto sobre o rendimento, um Estado-Membro pode não tomar em conta ganhos e perdas decorrentes da cessão de participações em sociedades, sem que isso viole a liberdade de estabelecimento ou a livre circulação de capitais. O órgão jurisdicional de reenvio entende que essas liberdades podem ser violadas porque, nos termos desse regime, as perdas cambiais também não são tomadas em conta para efeitos fiscais.

15.      Antes de responder a esta questão, importa sublinhar que compete ao órgão jurisdicional de reenvio determinar se e em que medida a sociedade X pode realmente sofrer uma perda cambial (3). As indicações constantes da decisão de reenvio não permitem determinar claramente se tal perda cambial se pode verificar. O mero facto de as participações sociais serem emitidas numa divisa estrangeira não implica necessariamente uma perda cambial em caso de cessação das atividades. Penso que só existirá tal possibilidade se X, titular das participações, em caso de cessação das atividades da sua filial, só tiver direito ao reembolso do seu capital nominal em divisa estrangeira. Se, pelo contrário, tiver no presente caso um direito sobre o património da filial, não será fácil determinar isoladamente uma perda cambial, mesmo que o património, no quadro de uma liquidação da sociedade, deva ser cedido numa divisa estrangeira. Com efeito, o nível de preços nas economias nacionais envolvidas e a taxa de câmbio das suas moedas influenciam-se reciprocamente, de modo que pode não ser fácil diferenciar entre variações reais do valor dos bens patrimoniais e meras flutuações cambiais.

16.      Por conseguinte, para responder à questão prejudicial, presumirei – como o Tribunal de Justiça no acórdão Deutsche Shell (4) – que, no caso em apreço, é possível apreciar de maneira isolada uma perda cambial no quadro da cessação de atividades da filial.

A –    Liberdade fundamental aplicável

17.      Em primeiro lugar, coloca-se a questão de saber se um regime como o sueco deve ser apreciado à luz da liberdade de estabelecimento do artigo 49.° TFUE ou da livre circulação de capitais do artigo 63.°, n.° 1, TFUE. Com efeito, ambas as liberdades fundamentais podem, em princípio, ser afetadas no presente caso de participação numa sociedade estabelecida noutro Estado-Membro.

18.      A este respeito, importa examinar, antes de mais, o objeto do regime nacional. Com efeito, segundo a jurisprudência, está abrangido pelo âmbito de aplicação do artigo 49.° TFUE um regime nacional aplicável apenas às participações que permitem exercer uma influência certa sobre as decisões de uma sociedade e determinar as respetivas atividades. Em contrapartida, as disposições nacionais aplicáveis a participações adquiridas com a única finalidade de realizar uma aplicação financeira, sem intenção de influenciar a gestão e o controlo da empresa, devem ser examinadas exclusivamente à luz da liberdade de circulação de capitais (5).

19.      Nos termos do capítulo 24, § 14, n.° 1, da lei sueca relativa ao imposto sobre o rendimento, o regime sueco aplica-se, designadamente, a participações não cotadas na bolsa, independentemente do montante da participação. Deste modo, não se aplica apenas a participações que permitem exercer uma influência certa sobre as decisões de uma sociedade, nem apenas a participações adquiridas com a única finalidade de realizar uma aplicação financeira.

20.      Em tal situação, há que atender aos elementos factuais do caso concreto para esclarecer se a situação subjacente ao processo principal é abrangida pelo artigo 49.° TFUE ou pelo artigo 63.°, n.° 1, TFUE (6). A este respeito, a liberdade de estabelecimento é mais específica porque, nos termos do artigo 49.°, segundo parágrafo, TFUE, só diz respeito a participações que permitam a constituição e a gestão de uma sociedade.

21.      No caso em apreço, X era inicialmente a única acionista da sua filial britânica. Logo, no que respeita à constituição da filial, X encontra-se claramente no âmbito de aplicação da liberdade de estabelecimento.

22.      Contudo, o presente processo tem por objeto a não consideração, para efeitos fiscais, de uma perda cambial sofrida no contexto da cessação de atividades da filial. Nesse momento, X já tinha reduzido a sua participação na filial a 45%. Após a perda da maioria das participações, pode colocar-se a questão de saber se X já não pode exercer uma influência certa sobre as decisões da filial e determinar as suas atividades, de maneira que X já não estaria protegida pela liberdade de estabelecimento.

23.      Não obstante, considero que a liberdade de estabelecimento é prioritariamente aplicável no caso em apreço. Com efeito, em primeiro lugar, logo a perspetiva de desvantagens no caso de cessação da atividade pode desencorajar a constituição de uma filial, estando X abrangida neste contexto, em qualquer caso, pelo âmbito de aplicação da liberdade de estabelecimento. Em segundo lugar, o Tribunal de Justiça não exige uma maioria das participações para que a liberdade de estabelecimento seja aplicável. Por exemplo, num caso considerou suficiente uma participação de 34% para concluir que existia uma «influência certa» (7). Noutro processo, considerou mesmo suficiente, em determinadas circunstâncias, uma participação pouco superior a 25% (8).

24.      Em conclusão, no caso em apreço importa examinar se é violada a liberdade de estabelecimento, consagrada no artigo 49.° TFUE que, como regra especial, afasta a aplicação das disposições sobre a livre circulação de capitais, consagrada no artigo 63.°, n.° 1, TFUE.

B –    Restrição à liberdade de estabelecimento

25.      Assim, coloca-se a questão de saber se a liberdade de estabelecimento, consagrada no artigo 49.° TFUE, é violada quando determinadas sociedades suecas, que registam perdas com a cessão de participações numa sociedade estabelecida noutro Estado-Membro, não podem fazer valer, no quadro da tributação do seu rendimento, uma perda cambial sofrida nessa ocasião.

26.      Nos termos do artigo 54.° TFUE, o direito à liberdade de estabelecimento na União é reconhecido também às sociedades. O artigo 49.°, segundo parágrafo, TFUE proíbe, em especial, as restrições à constituição e à gestão de filiais noutro Estado-Membro. Segundo jurisprudência constante, a liberdade de estabelecimento proíbe não apenas ao Estado de acolhimento, mas também ao Estado de origem entravar o estabelecimento de uma filial noutro Estado-Membro (9).

27.      Assim a Suécia, como Estado de origem, é suscetível de entravar a constituição ou a gestão de uma filial noutro Estado-Membro por uma sociedade como X, que está sujeita ao seu imposto sobre o rendimento, quando lhe nega o reconhecimento fiscal de uma perda cambial, sofrida no contexto da cessação das atividades da filial.

28.      É jurisprudência constante que devem ser consideradas restrições à liberdade de estabelecimento todas as medidas que proíbam, perturbem ou tornem menos atrativo o exercício dessa liberdade (10). Em regra, o Tribunal de Justiça entende que existe uma restrição pelo regime do Estado de origem quando o estabelecimento transfronteiriço é desfavorecido face ao estabelecimento nacional (11). Assim, existe uma restrição à liberdade de estabelecimento pelo Estado de origem quando o estabelecimento transfronteiriço é discriminado face ao estabelecimento nacional. Isto pode acontecer de maneira ostensiva (v. ponto 1) ou dissimulada (v. ponto 2). Examinarei ainda, no ponto 3, se no caso em apreço a liberdade de estabelecimento pode ter sido violada também por uma restrição não discriminatória do Estado de origem.

1.      Discriminação ostensiva

29.      No caso em apreço não se descortina um desfavorecimento ostensivo do estabelecimento transfronteiriço. Com efeito, o regime sueco, que não toma em consideração, para efeitos fiscais, nem ganhos nem perdas resultantes da cessão de participações numa sociedade, aplica-se independentemente de se tratar de participações numa sociedade nacional ou numa sociedade estrangeira. Deste modo, não existe em princípio qualquer distinção entre o tratamento fiscal do estabelecimento nacional sob a forma de uma filial e do estabelecimento estrangeiro sob a mesma forma.

2.      Discriminação dissimulada

30.      Contudo, segundo jurisprudência constante, as regras sobre a igualdade de tratamento proíbem não só as discriminações ostensivas em razão da nacionalidade ou da sede, no que diz respeito às sociedades, mas ainda todas as formas dissimuladas de discriminação que, por aplicação de outros critérios de distinção, conduzam, de facto, ao mesmo resultado (12). Com as regras sobre a igualdade de tratamento são visadas, em particular, as liberdades fundamentais, na medida em que, como a liberdade de estabelecimento no artigo 49.°, n.° 2, TFUE, implicam uma obrigação de tratamento igual ao dos nacionais.

31.      É certo que a referida jurisprudência diz respeito, em princípio, apenas às obrigações do Estado de acolhimento. Com efeito, o Estado de origem não entrava, normalmente, uma liberdade fundamental, ao estabelecer regimes distintos para diferentes categorias de nacionais, mas ao prever regras que, embora sejam iguais para todos os que nele estão estabelecidos, distinguem entre o tratamento de atividades transfronteiriças e de atividades nacionais. Ora, a este respeito, as liberdades fundamentais exigem uma igualdade de tratamento também do Estado de origem. Além disso, tal como sucede com as discriminações do Estado de acolhimento em razão da nacionalidade ou da sede, no que diz respeito às sociedades, o Estado de origem também pode entravar o exercício de uma liberdade fundamental se desfavorecer de maneira dissimulada as atividades transfronteiriças. Por este motivo, a referida jurisprudência deve aplicar-se também, mutatis mutandis, ao determinar se o Estado de origem restringe a liberdade de estabelecimento.

32.      Por conseguinte, importa analisar se, ao excluir-se a consideração, para efeitos fiscais, de ganhos e perdas decorrentes da cessão de participações são desfavorecidos de maneira dissimulada os contribuintes com participações numa sociedade estabelecida noutro Estado-Membro, face a contribuintes com participações numa sociedade nacional.

33.      A fórmula utilizada pelo Tribunal de Justiça em matéria de discriminação dissimulada em razão da nacionalidade (13) implica que se deve entender que existe tal desfavorecimento dissimulado se o regime sueco for desvantajoso, na maior parte dos casos, para os contribuintes que cedem participações numa sociedade estabelecida noutro Estado-Membro.

34.      A este respeito, são possíveis dois entendimentos. Por um lado, pode considerar-se que possivelmente – em qualquer caso a apreciação definitiva está reservada ao órgão jurisdicional de reenvio (14) – as perdas cambiais são mais prováveis no caso de participações numa sociedade estabelecida noutro Estado-Membro. É pacífico que também o valor de participações nacionais pode estar sujeito a um risco cambial, não apenas quando a participação é expressa numa divisa estrangeira, mas também quando a própria sociedade nacional investiu em divisas estrangeiras. Todavia, é mais provável que o valor das divisas estrangeiras influencie o valor das participações de uma sociedade estrangeira, porque ela investirá com maior frequência que uma sociedade nacional em bens patrimoniais expressos numa divisa estrangeira.

35.      Por outro lado, esta apreciação ignora totalmente que o presente regime sueco não toma em consideração, para efeitos fiscais, nem perdas nem ganhos resultantes da cessão de participações. Por conseguinte, as variações cambiais que influenciam o valor de uma participação não são tidas em conta para efeitos fiscais, quer delas resultem perdas quer ganhos. Neste contexto, só se poderia entender que existe uma desvantagem dissimulada para o estabelecimento transfronteiriço se as participações estrangeiras fossem globalmente mais vulneráveis a perdas, devido aos riscos cambiais, que as participações nacionais.

36.      Não parece que seja este o caso. É certo que, em última análise, incumbe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar, atendendo à situação real no Reino da Suécia, se é possível concluir que o estabelecimento estrangeiro é desfavorecido de maneira dissimulada pelo regime sueco. Neste contexto, o órgão jurisdicional de reenvio deve atender, no caso em apreço, também à particularidade de que as participações de X na sua filial britânica nem foram emitidas na divisa do Estado de acolhimento, a saber a libra esterlina, mas na divisa de um Estado terceiro, a saber em dólares dos Estados Unidos. É certo que este modo de proceder não exclui que se possa concluir que a atividade transfronteiriça é desfavorecida de maneira dissimulada, porque isto se pode constatar mais frequentemente no caso de um estabelecimento transfronteiriço que no caso de um estabelecimento nacional. Mas independentemente disso, com base nos elementos de facto conhecidos no presente processo, não é possível deduzir indicações de que um risco cambial se concretiza mais frequentemente do que outros riscos da atividade económica, nos quais incorrem quer as sociedades nacionais quer as sociedades estrangeiras.

37.      Importa concluir portanto que, no presente processo, não se pode considerar que o estabelecimento transfronteiriço seja desfavorecido de maneira dissimulada pelo regime sueco em causa.

3.      Restrição não discriminatória

38.      Assim, resta verificar se é possível entender que, não obstante, existe uma restrição à liberdade de estabelecimento, porque o regime sueco entrava o estabelecimento de X noutro Estado-Membro, sem que seja desfavorecida de maneira ostensiva ou dissimulada face a um estabelecimento nacional.

39.      Quanto ao Estado de acolhimento, ele pode, em princípio, entravar a liberdade de estabelecimento através de um regime aplicável mesmo sem discriminação em razão da nacionalidade ou da sede de uma sociedade (15). Acresce que, segundo a fórmula geral, devem ser consideradas restrições à liberdade de estabelecimento todas as medidas que proíbam, perturbem ou tornem menos atrativo o exercício dessa liberdade (16).

40.      Contudo, já indiquei várias vezes que tenho dúvidas de que, no domínio do direito fiscal, seja possível uma restrição não discriminatória a uma liberdade fundamental (17). A cobrança de qualquer imposto causa obstáculos à atividade económica ou torna-a menos atrativa. Mas se um imposto pudesse dar lugar a um exame no contexto do direito da União à luz das liberdades fundamentais, mesmo nos casos em que não é discriminatório nem de maneira ostensiva nem de maneira dissimulada e, deste modo, é cobrado de maneira igual para todos os cidadãos da União, o direito da União marcaria também a decisão de um Estado-Membro de cobrar um imposto numa determinada situação e qualquer aumento do imposto. Como resultado, seria desrespeitada a soberania fiscal dos Estados-Membros, que estes conservam nos termos da atual repartição de competências na União. Deste modo, um imposto cobrado sem qualquer discriminação não pode, em princípio, implicar a restrição a uma liberdade fundamental.

41.      Este entendimento pode, todavia, ter sido posto em causa pelo acórdão Deutsche Shell, que também foi aprofundadamente discutido pelas partes no presente processo. O Tribunal de Justiça entendeu aí – apoiando-se nas conclusões da advogada-geral E. Sharpston – que existia uma restrição à liberdade de estabelecimento devido à não consideração, para efeitos fiscais, de uma perda cambial para o caso em que uma sociedade constitui uma sucursal num Estado-Membro com uma divisa diferente da do Estado de origem e a perda cambial resultante da cessação de atividades só se verificar no Estado de origem. Com efeito, a sociedade suporta um risco económico suplementar (18). Ao invés, o Tribunal de Justiça nada disse sobre uma discriminação a isso associada.

42.      Contudo, a advogada-geral E. Sharpston baseou a sua proposta de decisão no facto de que, nas transações entre o estabelecimento principal de uma sociedade e a sua sucursal, só pode existir um risco cambial quando a sucursal se situa no estrangeiro. Foi, por isso, identificado um desfavorecimento dissimulado da situação transfronteiriça face à nacional mas nenhuma restrição não discriminatória. Um tal desfavorecimento dissimulado não existe no presente caso. Com efeito, ao contrário do que sucede a nível de transações entre as diferentes partes de uma sociedade, o valor de uma participação nacional também está sujeito a um risco cambial (19).

43.      De qualquer modo, não penso ser convincente a referência, no acórdão Deutsche Shell, apenas à perda cambial. Se a não consideração, para efeitos fiscais, de tal perda constitui uma restrição à liberdade de estabelecimento, simetricamente – no caso de o Estado-Membro tributar ganhos cambiais – a tributação de um ganho cambial deveria também constituir uma restrição. O resultado paradoxal seria que um Estado-Membro restringiria a liberdade de estabelecimento quer através da tributação quer através da não tributação de determinadas situações.

44.      Por último, mesmo admitindo que, em direito fiscal, é possível uma restrição não discriminatória de uma liberdade fundamental, no caso em apreço não se pode concluir que existe uma restrição à liberdade de estabelecimento. Com efeito, o Tribunal de Justiça entende que a liberdade de estabelecimento não é entravada pelo Estado de acolhimento nos casos em que um regime que se aplica a todos os operadores económicos não visa regular as condições de estabelecimento e os eventuais efeitos restritivos deste regime são demasiado incertos e indiretos para poderem entravar o exercício da liberdade de estabelecimento (20). Nesta medida, é decisivo, em última análise, se um regime não discriminatório está em condições de influenciar seriamente a decisão de investimento de um operador económico (21). Aplicando esta jurisprudência a um entrave, pelo Estado de origem, ao exercício da liberdade de estabelecimento, não existe no presente caso qualquer restrição à liberdade de estabelecimento resultante da irrelevância fiscal de uma perda cambial. Com efeito, no momento da decisão de investimento existe quer a possibilidade de uma perda cambial, que não se pode fazer valer a nível fiscal, quer de um ganho cambial, que não tem de ser tributado. Os efeitos restritivos da não dedutibilidade de uma eventual perda cambial relacionada com a participação são, neste contexto, demasiado incertos e indiretos, para entravar o exercício da liberdade de estabelecimento.

45.      Em conclusão, a liberdade de estabelecimento não é restringida pelo regime sueco controvertido.

C –    A título subsidiário: justificação de uma restrição à liberdade de estabelecimento

46.      Se, contrariamente ao meu entendimento, o Tribunal de Justiça considerar que, no caso em apreço, existe uma restrição à liberdade de estabelecimento devido à não consideração, para efeitos fiscais, de uma perda cambial, há que examinar a seguir se esta restrição pode estar justificada por uma razão imperiosa de interesse geral.

47.      As partes indicaram duas razões: a preservação da coerência fiscal (v. infra 1) e a preservação da repartição dos poderes fiscais entre os Estados-Membros (v. infra 2).

1.      Coerência fiscal

48.      Segundo jurisprudência constante, a necessidade de preservar a coerência de um regime fiscal pode justificar uma restrição ao exercício das liberdades fundamentais garantidas pelo Tratado (22). Partindo deste princípio, os Estados-Membros podem evitar que um contribuinte se aproveite unilateralmente de uma vantagem fiscal, sem se submeter simultaneamente a uma correspondente desvantagem fiscal.

 Nexo direto entre a desvantagem e a vantagem

49.      Contudo, a justificação só pode ser invocada quando existe um nexo direto entre a vantagem fiscal e a compensação dessa vantagem pela liquidação de um determinado imposto (23). O caráter direto deste nexo deve ser apreciado à luz do objetivo prosseguido pelo regime em causa (24).

50.      No presente caso pode existir tal nexo entre o encargo fiscal, resultante do facto de as perdas cambiais sofridas com a cessão de participações não serem tomadas em consideração, e a vantagem fiscal, resultante do facto de os ganhos cambiais também não serem tomados em conta.

51.      No acórdão Deutsche Shell, o Tribunal de Justiça constatou ainda que não existe um nexo direto entre a consideração, para efeitos fiscais, de perdas cambiais e de ganhos cambiais. Com efeito, a não consideração da perda cambial sofrida pelo contribuinte afetado não era compensada por qualquer vantagem fiscal para ele (25).

52.      No acórdão K, mais recente, o Tribunal de Justiça seguiu porém um raciocínio diferente. No processo K era também controvertida a consideração, para efeitos fiscais, de uma perda sofrida com a cessão de um investimento estrangeiro. Nesse caso, o Tribunal de Justiça reconheceu, contudo, a existência de um nexo direto entre a consideração das perdas sofridas com um investimento e a tributação dos ganhos com ele obtidos (26). Nesse contexto, sublinhou que quer uma vantagem quer uma desvantagem se verificavam na pessoa do mesmo contribuinte (27), embora a não consideração da perda resultante da cessão sofrida – devido ao caráter único da operação de cessão – não pudesse, para o contribuinte em causa, ser compensada por uma vantagem fiscal posterior.

53.      Estas decisões diferentes assentam num entendimento diferente da vantagem, com a qual o encargo fiscal está relacionado. Ao passo que no acórdão Deutsche Shell só se aceita como vantagem a não consideração, para efeitos fiscais, de um ganho efetivamente obtido pelo contribuinte, no acórdão K o Tribunal de Justiça considera suficiente a vantagem resultante de o contribuinte não ter de pagar imposto sobre um ganho, se ele tivesse existido. Por outras palavras, o acórdão Deutsche Shell atende à situação dos contribuintes ex post, o acórdão K à situação ex ante. Assim, antes de iniciar o seu investimento num Estado-Membro, o contribuinte pode considerar como vantagem o facto de não ter de pagar imposto sobre um ganho que poderá realizar. Mas ele não beneficiará desta vantagem se o seu investimento acarretar uma perda.

54.      Atendendo ao objetivo das liberdades fundamentais, é preferível o entendimento do acórdão K. As liberdades fundamentais devem permitir que um operador económico no mercado interno não seja impedido de exercer uma atividade transfronteiriça. Na medida em que – como no caso presente a constituição de uma filial – se trata de uma decisão de investimento antes do início da atividade, é por isso também decisiva a situação neste momento.

55.      Por conseguinte, a não consideração de uma perda cambial resultante da cessão de participações numa sociedade estrangeira está, em princípio, justificada pela coerência do sistema fiscal sueco, porque um ganho cambial também não é tributado.

 Proporcionalidade

56.      Contudo, um Estado-Membro não pode, com um regime que preserva a coerência fiscal, ir para além do que é necessário para atingir este objetivo.

57.      Nesta medida, coloca-se a questão de saber se o Reino da Suécia não poderia igualmente preservar a coerência do seu sistema fiscal – e de maneira mais vantajosa para X – tomando em consideração, no contexto do seu imposto sobre o rendimento, quer as perdas cambiais quer os ganhos cambiais resultantes da cessão de participações em sociedades.

58.      Mas não penso que isso constituiria um meio menos restritivo para preservar a coerência fiscal. Com efeito, isto significaria que um contribuinte que obtém um ganho cambial deveria pagar imposto sobre ele. Ora isto representaria igualmente uma restrição à liberdade de estabelecimento, na medida em que se entenda que ela está em questão no presente caso de X.

59.      Um entendimento diferente teria ainda como consequência que os Estados-Membros não poderiam escolher livremente quais as situações a tributar. Penso que este resultado é incompatível com a soberania fiscal que lhes é reconhecida no âmbito da repartição de competências na União.

60.      Assim, o presente regime sueco estaria justificado pelo objetivo da preservação da coerência fiscal, mesmo que o Tribunal de Justiça considere que no caso em apreço – contrariamente ao meu entendimento – existe uma restrição à liberdade de estabelecimento.

2.      Repartição dos poderes fiscais entre os Estados-Membros

61.      A justificação, invocada por algumas partes, da preservação da repartição dos poderes fiscais entre os Estados-Membros não permite, pelo contrário, justificar uma eventual restrição à liberdade de estabelecimento.

62.      No caso em apreço não é afetada a repartição dos poderes fiscais entre os Estados-Membros. Com efeito, não há dúvida de que um ganho resultante da cessão da participação numa sociedade estabelecida noutro Estado-Membro está sujeito à soberania fiscal sueca. Contudo, o Reino da Suécia não exerce neste caso a sua competência de tributação.

D –    Resultado da análise

63.      Tendo em conta o que precede, concluo que o presente regime sueco não restringe a liberdade de estabelecimento. Mas mesmo que se considere que o regime sueco impõe uma restrição, ela estaria justificada pelo objetivo da preservação da coerência fiscal.

VI – Conclusão

64.      Atendendo às considerações anteriores, proponho que o Tribunal de Justiça responda à questão prejudicial submetida pelo Högsta förvaltningsdomstolen do seguinte modo:

O artigo 49.° TFUE, que se aplica num caso como o do processo principal, não se opõe a um regime nacional, segundo o qual o Estado-Membro de domicílio de uma sociedade-mãe não permite a dedução das perdas cambiais, que são parte integrante de menos-valias resultantes de participações com fins empresariais numa sociedade domiciliada noutro Estado-Membro, no caso de o Estado-Membro de domicílio aplicar um sistema que não tem em conta as mais-valias e as menos-valias resultantes dessas participações para efeitos de cálculo do rendimento tributável.


1 – Língua original: alemão.


2 – Acórdão Deutsche Shell (C-293/06, EU:C:2008:129).


3 – V. também acórdão Deutsche Shell (C-293/06, EU:C:2008:129, n.° 25).


4 – V. acórdão Deutsche Shell (C-293/06, EU:C:2008:129, n.° 27).


5 – V., por exemplo, acórdão Kronos International (C-47/12, EU:C:2014:2200, n.os 30 a 32 e jurisprudência referida).


6 – V. acórdãos Test Claimants in the FII Group Litigation (C-35/11, EU:C:2012:707, n.os 93 e 94) Beker e Beker (C-168/11, EU:C:2013:117, n.os 27 e 28), Bouanich (C-375/12, EU:C:2014:138, n.os 29 e 30), e Kronos International (C-47/12, EU:C:2014:2200, n.os 36 e 37).


7 – V. acórdão SGI (C-311/08, EU:C:2010:26, n.os 34 e 35).


8 – V. acórdão Scheunemann (C-31/11, EU:C:2012:481, n.os 25 a 30).


9 – V., por exemplo, acórdãos Daily Mail e General Trust (81/87, EU:C:1988:456, n.° 16), National Grid Indus (C-371/10, EU:C:2011:785, n.° 35) e Nordea Bank Danmark (C-48/13, EU:C:2014:2087, n.° 18).


10 – V., por exemplo, acórdão National Grid Indus (C-371/10, EU:C:2011:785, n.° 36 e jurisprudência referida).


11 – V., por exemplo, acórdãos AMID (C-141/99, EU:C:2000:696, n.° 27), Marks & Spencer (C-446/03, EU:C:2005:763, n.os 32 a 34), Papillon (C-418/07, EU:C:2008:659, n.os 21 e 22), National Grid Indus (C-371/10, EU:C:2011:785, n.° 37), DI VI Finanziaria SAPA di Diego della Valle (C-380/11, EU:C:2012:552, n.os 34 a 36) e Nordea Bank Danmark (C-48/13, EU:C:2014:2087, n.° 19).


12 – V., por exemplo, acórdão Hervis Sport- és Divatkereskedelmi (C-385/12, EU:C:2014:47, n.° 30 e jurisprudência referida).


13 – V. acórdão Hervis Sport- és Divatkereskedelmi (C-385/12, EU:C:2014:47).


14 – V. acórdão Hervis Sport- és Divatkereskedelmi (C-385/12, EU:C:2014:47, n.° 40).


15 – V., por exemplo, acórdãos Comissão/Países Baixos (C-299/02, EU:C:2004:620, n.° 15), Blanco Pérez e Chao Gómez (C-570/07 e C-571/07, EU:C:2010:300, n.° 53), bem como Venturini (C-159/12 a C-161/12, EU:C:2013:791, n.° 30).


16 – V., supra, n.° 28.


17 – V. minhas conclusões nos processos X (C-498/10, EU:C:2011:870, n.° 28) e Hervis Sport- és Divatkereskedelmi (C-385/12, EU:C:2013:531, n.os 83 e 84).


18 – Acórdão Deutsche Shell (C-293/06, EU:C:2008:129, n.° 30).


19 – V. supra, n.° 34.


20 – V. acórdão Semeraro Casa Uno e o. (C-418/93 a C-421/93, C-460/93 a C-462/93, C-464/93, C-9/94 a C-11/94, C-14/94, C-15/94, C-23/94, C-24/94 e C-332/94, EU:C:1996:242, n.° 32); v., quanto à livre prestação de serviços, acórdão Pelckmans Turnhout (C-483/12, EU:C:2014:304, n.° 24) e, quanto à livre circulação de mercadorias, acórdão DIP e o. (C-140/94 a C-142/94, EU:C:1995:330, n.° 29 e jurisprudência referida).


21 – V. as minhas conclusões no processo Sky Italia (C-234/12, EU:C:2013:323, n.os 60 e 61).


22 – V., por exemplo, acórdãos Bachmann (C-204/90, EU:C:1992:35, n.° 21) Test Claimants in the Thin Cap Group Litigation (C-524/04, EU:C:2007:161, n.° 68) e SCA Group Holding e o. (C-39/13 a C-41/13, EU:C:2014:1758, n.° 33).


23 – V., por exemplo, acórdãos Svensson e Gustavsson (C-484/93, EU:C:1995:379, n.° 18), ICI (C-264/96, EU:C:1998:370, n.° 29), Rewe Zentralfinanz (C-347/04, EU:C:2007:194, n.° 62) e SCA Group Holding e o. (C-39/13 a C-41/13, EU:C:2014:1758, n.° 33).


24 – V., por exemplo, acórdãos Deutsche Shell (C-293/06, EU:C:2008:129, n.° 39), Presidente del Consiglio dei Ministri (C-169/08, EU:C:2009:709, n.° 47) e Emerging Markets Series of DFA Investment Trust Company (C-190/12, EU:C:2014:249, n.° 92).


25 – Acórdão Deutsche Shell (C-293/06, EU:C:2008:129, n.° 40).


26 – Acórdão K (C-322/11, EU:C:2013:716, n.° 69).


27 – V. acórdão K (C-322/11, EU:C:2013:716, n.os 69 e 70).