Available languages

Taxonomy tags

Info

References in this case

Share

Highlight in text

Go

CONCLUSÕES DA ADVOGADA-GERAL

JULIANE KOKOTT

apresentadas em 22 de abril de 2015 (1)

Processo C-126/14

UAB «Sveda»

contra

Valstybinė mokesčių inspekcija prie Lietuvos Respublikos finansų ministerijos

[pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Lietuvos vyriausiasis administracinis teismas (Lituânia)]

«Direito fiscal – IVA – Artigo 168.° da Diretiva 2006/112/CE – Dedução do imposto pago a montante sobre a aquisição e a produção de bens de investimento – Utilização primária para operações não tributadas – Utilização secundária para operações tributadas»





I –    Introdução

1.        O presente pedido de decisão prejudicial tem por objeto um trilho de aventura sobre a mitologia báltica no contexto da aplicação do imposto sobre o valor acrescentado (a seguir «IVA»). Uma empresa lituana disponibiliza aos visitantes o acesso gratuito a esse trilho. Por conseguinte, a administração fiscal recusou à empresa em causa a dedução do IVA pago a montante sobre os custos de construção do trilho. A empresa considera esta recusa injustificada, visto que, em última análise, os visitantes devem efetivamente pagar algo, ainda que não pela própria utilização do trilho em si mesmo, mas pela alimentação, lembranças e outros serviços prestados pela empresa.

2.        A questão de saber quem tem razão no processo principal depende agora da forma como deve ser determinada uma relação direta e imediata entre as operações a montante e as operações a jusante, relação essa que, segundo a jurisprudência, decide sobre a dedução do IVA pago a montante. É verdade que os pressupostos abstratos para esta relação já se encontram clarificados. No entanto, a sua aplicação concreta pode – como sucede no caso em apreço – necessitar, por vezes, ainda de esclarecimentos.

I –    Quadro jurídico

3.        No período ao qual se refere o litígio no processo principal, o IVA na União era regulado pela Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro de 2006, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado (2) (a seguir «diretiva IVA»).

4.        O artigo 9.°, n.° 1, primeiro parágrafo, da diretiva IVA define o «sujeito passivo» como «qualquer pessoa que exerça, de modo independente e em qualquer lugar, uma atividade económica, seja qual for o fim ou o resultado dessa atividade». O segundo parágrafo da referida disposição acrescenta:

«Entende-se por ‘atividade económica’ qualquer atividade de produção, de comercialização ou de prestação de serviços, incluindo as atividades extrativas, agrícolas e as das profissões liberais ou equiparadas. É em especial considerada atividade económica a exploração de um bem corpóreo ou incorpóreo com o fim de auferir receitas com caráter de permanência.»

5.        Nos termos do artigo 2.°, n.° 1, alíneas a) e c), da diretiva IVA, estão sujeitas a imposto as «entregas de bens» e as «prestações de serviços efetuadas a título oneroso no território de um Estado-Membro por um sujeito passivo agindo nessa qualidade».

6.        O artigo 26.°, n.° 1, da diretiva IVA acrescenta:

«São assimiladas a prestações de serviços efetuadas a título oneroso as seguintes operações:

a)      A utilização de bens afetos à empresa para uso próprio do sujeito passivo ou do seu pessoal ou, em geral, para fins alheios à empresa, quando esses bens tenham conferido direito à dedução total ou parcial do IVA;

[…]»

7.        O artigo 168.° da diretiva IVA regula o direito a dedução do imposto de um sujeito passivo do seguinte modo:

«Quando os bens e os serviços sejam utilizados para os fins das suas operações tributadas, o sujeito passivo tem direito, no Estado-Membro em que efetua essas operações, a deduzir do montante do imposto de que é devedor os montantes seguintes:

a)      O IVA devido ou pago nesse Estado-Membro em relação aos bens que lhe tenham sido ou venham a ser entregues e em relação aos serviços que lhe tenham sido ou venham a ser prestados por outro sujeito passivo;

[…]»

8.        Esta disposição corresponde ao artigo 17.°, n.° 2, da Sexta Diretiva 77/388/CEE do Conselho, de 17 de maio de 1977, relativa à harmonização das legislações dos Estados-Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios - sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado: matéria coletável uniforme (3), a qual esteve em vigor até 31 de dezembro de 2006. A jurisprudência do Tribunal de Justiça proferida a este respeito será igualmente tida em consideração no presente processo.

9.        Por último, quanto à regularização das deduções, o artigo 187.° da diretiva IVA prevê o seguinte:

«1.      No que diz respeito aos bens de investimento, a regularização deve repartir-se por um período de cinco anos, incluindo o ano em que os bens tenham sido adquiridos ou produzidos.

[…]

2.      Anualmente, a regularização é efetuada apenas sobre a quinta parte [...] do IVA que incidiu sobre os bens de investimento em questão.

A regularização referida no primeiro parágrafo é realizada em função das alterações do direito à dedução verificadas durante os anos seguintes, em relação ao direito à dedução do ano em que os bens em questão foram adquiridos, produzidos ou, se for caso disso, utilizados pela primeira vez.»

10.      O direito lituano contém normas equivalentes às disposições referidas da diretiva IVA.

II – Litígio no processo principal

11.      A sociedade Sveda UAB (a seguir «Sveda») é recorrente no processo principal. Este litígio tem por objeto o seu direito a dedução do imposto pago a montante.

12.      Em 2012, a Sveda ocupou-se da criação do denominado trilho recreativo e de descoberta da mitologia báltica (a seguir «trilho recreativo»). Para tal, instalou caminhos, escadas, plataformas de observação, locais para fogueiras, um stand de informação e lugares de estacionamento para veículos.

13.      Os trabalhos para a criação deste trilho recreativo realizaram-se com base nas obrigações decorrentes de um contrato que a Sveda celebrara com a Agência de Pagamento Nacional junto do Ministério da Agricultura (a seguir «Agência de Pagamento Nacional»). Segundo estas obrigações, a Sveda deve facultar ao público o acesso gratuito ao trilho recreativo. Nos termos do contrato, são reembolsados à Sveda, sob a forma de «subvenção», até 90% dos custos incorridos para a instalação do trilho.

14.      Segundo as constatações do órgão jurisdicional de reenvio, a Sveda tem a intenção de, no futuro, exercer de forma independente uma atividade económica, na aceção do artigo 9.°, n.° 1, da diretiva IVA, no setor do turismo. No âmbito do exercício desta atividade serão fornecidas aos visitantes do trilho recreativo prestações a título oneroso, como, por exemplo, a venda de alimentos ou de lembranças.

15.      Na sua declaração de IVA, a Sveda pediu o reembolso do IVA pago a montante sobre a aquisição de bens e serviços no âmbito dos trabalhos realizados para a criação do trilho recreativo. No entanto, a administração fiscal lituana recusou o reembolso das quantias de IVA pagos a montante, uma vez que não ficou provado que as prestações adquiridas pela Sveda se destinavam a uma atividade sujeita a IVA.

III – Tramitação do processo no Tribunal de Justiça

16.      Em 17 de março de 2014, o Lietuvos vyriausiasis administracinis teismas (Supremo Tribunal Administrativo da Lituânia), no qual o processo principal estava pendente, submeteu ao Tribunal de Justiça, nos termos do artigo 267.°, terceiro parágrafo, TFUE, a seguinte questão:

O artigo 168.° da Diretiva [IVA] [deve] ser interpretado no sentido de que confere a um sujeito passivo o direito à dedução do IVA pago a montante sobre a produção ou a aquisição de bens de investimento destinados ao exercício de uma atividade económica, que, como sucede no presente caso, se destinam diretamente à sua utilização gratuita pelo público, mas podem ser considerados um meio para atrair visitantes a um local onde o sujeito passivo planeia fornecer bens e/ou serviços no exercício da sua atividade económica?

17.      No processo no Tribunal de Justiça, a República da Lituânia, o Reino Unido da Grã-Bretanha e da Irlanda do Norte, bem como a Comissão Europeia apresentaram observações escritas, em julho de 2014, e participaram na audiência, em 4 de fevereiro de 2015.

IV – Apreciação jurídica

18.      Com a sua questão prejudicial, o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber se, numa situação como a do litígio no processo principal, um sujeito passivo tem direito a dedução do IVA pago a montante nos termos do artigo 168.° da diretiva IVA.

19.      De acordo com esta disposição, um «sujeito passivo» tem direito à dedução em relação às suas operações a montante, quando estas «sejam [utilizadas] para os fins das suas operações tributadas».

A –    Afetação de bens de investimento ao património da empresa

20.      No caso em apreço, a República da Lituânia considera, desde logo, excluído um direito a dedução do IVA pago a montante pelo simples facto de a Sveda, apesar de, em princípio, ser um sujeito passivo, não ter agido nessa qualidade aquando da construção do trilho recreativo.

21.      Segundo jurisprudência assente, a dedução pressupõe efetivamente, no que diz respeito a um bem adquirido, que o sujeito passivo, no momento da aquisição do bem, aja nessa qualidade, isto é, – pelo menos também – para fins da sua atividade económica, na aceção do artigo 9.°, n.° 1, segundo parágrafo, da diretiva IVA (4). O mesmo se aplica à produção de um bem pelo sujeito passivo (5).

22.      Por último, segundo este pressuposto, para que a dedução do imposto pago a montante sobre a aquisição ou a produção do bem não esteja excluída logo à partida, o bem deve ser afeto total ou parcialmente ao património empresarial do sujeito passivo (6). A questão de saber se é esse o caso, deve ser apreciada, de acordo com a jurisprudência, tendo em conta todos os dados do caso em apreço, de entre os quais figuram a natureza do bem visado e o período decorrido entre a sua aquisição e a sua utilização para os fins da atividade económica do sujeito passivo (7).

23.      Baseada no referido, a República da Lituânia põe desde logo em causa a constatação do órgão jurisdicional de reenvio, segundo a qual os bens de investimento controvertidos pertencem ao património empresarial da Sveda. Com efeito, nos termos do contrato celebrado com a Agência de Pagamento Nacional, a Sveda comprometeu-se a disponibilizar ao público o acesso gratuito ao trilho recreativo, e só poderá posteriormente utilizá-lo para uma atividade económica. Consequentemente, entende que, inicialmente, a Sveda não agiu na qualidade de sujeito passivo.

24.      No entanto, o Tribunal de Justiça já decidiu em diversas ocasiões que um particular que adquire bens para as necessidades de uma atividade económica, na aceção do artigo 9.°, n.° 1, segundo parágrafo, da diretiva IVA, age como sujeito passivo, mesmo que esses bens não sejam imediatamente utilizados para essa atividade económica (8).

25.      Por conseguinte, de acordo com as constatações juridicamente corretas do órgão jurisdicional de reenvio, no momento da aquisição ou da produção dos bens de investimento, a Sveda agiu na qualidade de sujeito passivo e, por conseguinte, afetou esses bens de investimento ao património da empresa.

B –    Utilização para os fins das operações tributadas

26.      Para que a Sveda tenha um direito a dedução, os bens de investimento devem não só ser afetos ao seu património empresarial, isto é, visar, em geral, a sua atividade económica, como devem, além disso, ser utilizados, nos termos do artigo 168.° da diretiva IVA, para os fins das suas operações tributadas.

27.      Com efeito, esta utilização que é dada a um bem, ou a que lhe é destinada, determina o montante da dedução (9). Para este efeito é, em geral, decisiva a utilização destinada ao bem, visto que, de acordo com os artigos 63.° e 167.° da diretiva IVA, o direito a dedução surge, em princípio, logo no momento em que o sujeito passivo recebe um bem ou um serviço, ou seja, normalmente antes de ele próprio realizar as suas operações a jusante (10).

28.      No processo principal, a utilização destinada aos bens de investimento adquiridos ou produzidos pela Sveda já foi determinada.

29.      Por um lado, o trilho recreativo deve ser disponibilizado gratuitamente ao público. Esta operação não é tributada. Não existe uma obrigação fiscal nem em virtude do artigo 2.°, n.° 1, alínea c), da diretiva IVA, visto que a Sveda não exige qualquer remuneração aos visitantes, nem em virtude do artigo 26.°, n.° 1, alínea a), da diretiva IVA, uma vez que os bens de investimento não foram utilizados para fins alheios à empresa na aceção desta disposição. Com efeito, uma utilização para fins alheios à empresa está, em todo o caso, excluída, quando a utilização de um bem de investimento for objeto de afetação à atividade económica do sujeito passivo (11). Porém, o órgão jurisdicional de reenvio já constatou que, aquando da criação do trilho recreativo, a Sveda agiu no âmbito da sua atividade económica (12).

30.      Por outro lado, o trilho recreativo visa também atrair visitantes para que a Sveda lhes possa aí fornecer bens e serviços. Estas operações estão sujeitas a IVA em conformidade com o artigo 2.°, n.° 1, alíneas a) e c), da diretiva IVA.

31.      Por conseguinte, a aquisição e a produção de bens de investimento visam dois objetivos diferentes. Em primeiro plano, encontra-se a disponibilização gratuita ao público do trilho recreativo (utilização primária), o que, segundo artigo 168.° da diretiva IVA, não concede qualquer direito a dedução. Em segundo plano, está, todavia, a utilização do trilho recreativo como meio para fornecer prestações tributáveis aos visitantes (utilização secundária), do qual decorre um direito a dedução. Qual destes dois objetivos é então relevante no âmbito do artigo 168.° da diretiva IVA?

32.      No acórdão BLP Group, o Tribunal de Justiça declarou de maneira geral, a respeito desta questão, que é necessária uma relação direta e imediata dos bens ou serviços adquiridos com as operações sujeitas a imposto e que, para este efeito, o objetivo «final» prosseguido pelo sujeito passivo é indiferente (13). Por conseguinte, o Tribunal de Justiça recusou a dedução numa situação em que foram prestados ao sujeito passivo serviços relacionados com a venda isenta de impostos de participações sociais, apesar de essa venda constituir um meio para permitir realizar a atividade tributada do sujeito passivo. Assim, o Tribunal de Justiça procede aqui à distinção entre a utilização primária apenas relevante de uma operação a montante e a sua utilização simplesmente secundária.

33.      No entanto, o Tribunal de Justiça continuou a desenvolver a sua jurisprudência. É certo que para a aplicação do artigo 168.° da diretiva IVA deve continuar a existir uma relação direta e imediata entre uma operação a montante, objeto de apreciação, e uma ou várias operações a jusante com direito à dedução (14). Contudo, pode também existir uma relação deste tipo com o conjunto da atividade económica do sujeito passivo, desde que os custos das operações a montante façam parte dos custos gerais incorridos pelo sujeito passivo e sejam, enquanto tais, elementos constitutivos do custo de todos os bens que fornece ou serviços que presta (15).

34.      Segundo a jurisprudência recente, é sempre essencial para uma relação direta e imediata que os custos das operações a montante sejam incorporados no preço de uma ou todas as operações a jusante do sujeito passivo (16). Isto é válido independentemente de se tratar da utilização de bens ou de serviços pelo sujeito passivo (17).

35.      Assim, existirá um direito a dedução no caso em apreço, se os custos de aquisição ou de produção dos bens de investimento do trilho recreativo forem incorporados, na aceção da jurisprudência, no preço das operações a jusante, as quais são tributadas segundo a diretiva IVA.

36.      Na situação do litígio no processo principal, existem, a este respeito, várias operações a jusante que podem ser tidas em consideração. Por um lado, podem ser as prestações sujeitas a imposto, que a Sveda pretende fornecer aos visitantes do trilho recreativo e que são objeto da questão prejudicial (v., infra, ponto 2). Por outro lado, também a própria criação do trilho recreativo poderá, porém, constituir uma operação a jusante tributada relevante. O órgão jurisdicional de reenvio não equacionou esta possibilidade na decisão de reenvio. Todavia, esta deve ser analisada em primeiro lugar, uma vez que, como consequência dessa análise, a resposta à questão prejudicial em concreto pode deixar de ser relevante para o litígio no processo principal (v., infra, ponto 1).

1.      A criação do trilho recreativo como operação a jusante tributada

37.      No litígio do processo principal, poder-se-á admitir a existência de um direito a dedução – independentemente da resposta à questão prejudicial em concreto –, se a criação do trilho recreativo pela Sveda constituir, desde logo, uma operação a jusante tributada. Com efeito, a criação do trilho poderá constituir uma prestação a título oneroso em relação à Agência de Pagamento Nacional, que nos termos do artigo 2.°, alíneas a) ou c), da diretiva IVA, deverá ser objeto de tributação.

38.      Segundo jurisprudência constante, uma operação a título oneroso pressupõe apenas que exista uma ligação direta entre a entrega de bens ou a prestação de serviços e uma contrapartida realmente recebida pelo sujeito passivo (18). Tal ligação direta exige unicamente a existência entre o prestador e o beneficiário de uma relação jurídica no quadro da qual se trocam prestações (19), bem como a condição recíproca da prestação e da contrapartida (20). A execução de uma prestação abaixo do preço de custo não impede tão-pouco a aceitação de uma ligação direta entre a prestação e a contrapartida (21).

39.      De acordo com as indicações fornecidas pelo órgão jurisdicional de reenvio, a Sveda comprometeu–se, com base num contrato celebrado com a Agência de Pagamento Nacional, a construir o trilho recreativo. Para tal, a Sveda recebeu do seu cliente um pagamento no montante de 90% dos custos incorridos para a realização do projeto, pagamento este designado como «subvenção». Todavia, sem conhecer o teor concreto desse acordo, não é possível concluir de forma definitiva se existe uma relação direta entre a criação do trilho recreativo e a «subvenção», na aceção da jurisprudência citada.

40.      Se da análise levada a cabo pelo órgão jurisdicional de reenvio resultasse que, com a criação do trilho recreativo, a Sveda já efetuara uma operação tributada nos termos do artigo 2.°, alíneas a) ou c), da diretiva IVA, a aquisição ou a produção dos bens de investimento do trilho recreativo estariam direta e imediatamente relacionadas com esta operação a jusante tributada. Com efeito, os custos relativos a estas operações a montante seriam indubitavelmente incorporados no preço, visto que o montante do pagamento efetuado pela Agência de Pagamento Nacional é calculado de acordo precisamente com estes custos.

2.      Quanto à resposta à questão prejudicial

41.      No entanto, se o órgão jurisdicional de reenvio concluir que a construção do trilho recreativo pela Sveda não constitui uma operação tributada em relação à Agência de Pagamento Nacional, o direito a dedução depende unicamente da questão de saber se os bens de investimento do trilho recreativo são utilizados, na aceção do artigo 168.° da diretiva IVA, para o futuro fornecimento de prestações a título oneroso aos seus visitantes. Para esse efeito, há que averiguar se os custos relativos à aquisição e à produção desses bens de investimento foram incorporados no preço dessas prestações.

a)      Conceito objetivo de custos

42.      Ao contrário do entendimento do Reino Unido, há que responder a esta questão independentemente da vontade do sujeito passivo de incorporar os custos correspondentes na formação do preço das suas operações a jusante.

43.      Com efeito, segundo o acórdão Becker, a existência de uma relação direta e imediata entre uma operação a montante e uma operação a jusante é determinada em função do conteúdo objetivo das operações a montante fornecidas (22). Já no acórdão BLP Group, o Tribunal de Justiça concluiu, no mesmo sentido, que a relação necessária entre uma operação a montante e uma operação a jusante não pode ser determinada com base nas intenções do sujeito passivo (23).

44.      Acresce que, no quadro do sistema comum do IVA, as prestações fornecidas abaixo do preço de custo estão igualmente sujeitas a tributação (24). Neste caso, a formação subjetiva do preço é realizada pelo sujeito passivo, sem que sejam tidos em conta todos os custos incorridos para a prestação da operação a jusante. Não obstante, está, neste caso, fora de questão que todas as operações a montante, que fazem objetivamente parte, nos termos do artigo 1.°, n.° 2, segundo parágrafo, da diretiva IVA, dos elementos constitutivos do custo das operações a jusante, confiram também um direito a dedução. Com efeito, segundo jurisprudência constante, o direito a dedução visa libertar inteiramente o empresário do peso do IVA devido ou pago no âmbito de todas as suas atividades económicas (25), visto que o sistema comum do IVA visa onerar, em última análise, não o empresário enquanto sujeito passivo, mas sim o consumidor final (26).

45.      Por conseguinte, é determinante para a questão de saber se os custos são incorporados, na aceção da jurisprudência, no preço de uma prestação, a existência de uma relação económica objetiva entre as operações a montante e as operações a jusante (27). Um mero nexo de causalidade não é efetivamente suficiente a este respeito (28). Porém, se uma operação a montante visar em termos objetivos a finalidade da execução de determinadas ou de todas as operações a jusante de um sujeito passivo, então existe igualmente uma relação direta e imediata entre ambas na aceção da jurisprudência. Com efeito, nesse caso, a operação a montante representa do ponto de vista económico um elemento constitutivo dos custos para a prestação das operações a jusante correspondentes. Por conseguinte, como é desde logo demonstrado pelo teor do artigo 168.° da diretiva IVA, é determinante a finalidade objetiva da utilização de uma operação a montante.

46.      No presente caso, a construção do trilho recreativo visa, segundo as constatações do órgão jurisdicional de reenvio, atrair visitantes a fim de lhes fornecer operações a título oneroso. Assim, a construção do trilho recreativo faz parte, do ponto de vista económico, dos elementos constitutivos do custo dessas operações.

47.      Consequentemente, existe entre a aquisição ou a produção dos bens de investimento do trilho recreativo e as prestações fornecidas a título oneroso aos visitantes, em princípio, uma relação direta e imediata na aceção da jurisprudência.

b)      Utilização primária para operações a jusante não tributadas

48.      O facto de o acesso ao trilho recreativo ser disponibilizado aos visitantes de forma gratuita não se opõe ao direito a dedução.

49.      É verdade que esta constitui a utilização primária dos bens de investimento do trilho recreativo. Contudo, uma utilização primária só pode quebrar a relação direta e imediata com a utilização secundária para as operações a jusante tributadas em dois casos (29).

50.      Por um lado, tal sucede quando a utilização primária se refere a operações que são fornecidas a título oneroso, mas que estão isentas de IVA. Nesse caso, as operações a montante fazem parte dos elementos constitutivos do custo das operações a jusante isentas e são, por conseguinte, incorporadas no seu preço. Contudo, relativamente a este tipo de operações, os artigos 168.° e segs. da diretiva IVA não preveem, em princípio, qualquer direito a dedução. Nesta situação, é indiferente, de acordo com a jurisprudência, que as operações a montante prossigam um outro objetivo «final» que implique igualmente operações a jusante tributadas (30).

51.      No entanto, no caso em apreço, a utilização primária refere-se não a operações isentas fornecidas a título oneroso, mas sim a um uso gratuito.

52.      Por outro lado, uma relação direta e imediata entre as operações a montante e o fornecimento de prestações a título oneroso aos visitantes seria igualmente quebrada, se a utilização primária do trilho recreativo para uso gratuito pelos visitantes constituísse uma atividade não económica da Sveda. Com efeito, segundo a jurisprudência, as despesas suportadas por um sujeito passivo não conferem qualquer direito a dedução na medida em que estejam relacionadas com o exercício de atividades não económicas (31).

53.      No entanto, segundo as constatações do órgão jurisdicional de reenvio, tal não é o caso (32). O simples facto de uma prestação ser disponibilizada a título gratuito não fundamenta ainda – contrariamente ao que sustenta a Comissão – qualquer atividade não económica de um sujeito passivo. Neste sentido, o Reino Unido referiu corretamente, na audiência, o exemplo de um centro comercial que coloca à disposição dos seus clientes lugares de estacionamento de forma gratuita.

c)      Violação do contrato celebrado com a Agência de Pagamento Nacional

54.      No que toca ao direito a dedução, é igualmente indiferente o facto de a tomada em consideração dos custos relativos à construção do trilho recreativo na formação do preço das prestações planeadas a fornecer a título oneroso aos visitantes ser suscetível de violar o contrato celebrado com a Agência de Pagamento Nacional. O órgão jurisdicional de reenvio ponderou esta hipótese.

55.      No entanto, não se vislumbra de que forma essa violação podia ter influência sobre a apreciação a fazer em matéria de IVA, nem é relevante, como já se viu (33), para a dedução do imposto, a questão de saber se a Sveda incorpora efetivamente os custos na sua formação do preço.

d)      Violação do Regulamento (CE) n.° 1698/2005

56.      O Regulamento (CE) n.° 1698/2005 do Conselho, de 20 de setembro de 2005, relativo ao apoio ao desenvolvimento rural pelo Fundo Europeu Agrícola de Desenvolvimento Rural (34), referido pelo órgão jurisdicional de reenvio, não tem tão-pouco influência sobre a apreciação em matéria de IVA do caso em apreço.

57.      Ainda que o uso do trilho recreativo por parte da Sveda possa violar o artigo 36.°, alínea b), vii), do referido regulamento, invocado pelo órgão jurisdicional de reenvio, com base no qual se concede apoio a «investimentos não produtivos», o direito a dedução não é afetado por esta situação. Com efeito, resulta de jurisprudência constante que o princípio da neutralidade fiscal se opõe ao tratamento diferenciado de operações lícitas e de operações ilícitas (35).

e)      Influência do período de regularização

58.      No caso em apreço, a objeção suscitada pela República da Lituânia, a respeito das regras de regularização das deduções, não se opõe tão-pouco ao direito a dedução.

59.      Nos termos do artigo 187.° da diretiva IVA, a dedução inicialmente efetuada aquando da aquisição ou da produção de bens de investimento é objeto de regularização, se num período de cinco anos se verificarem alterações importantes para o direito a dedução.

60.      A República da Lituânia deduz daí que um bem de investimento deve ser utilizado para uma atividade económica num período de cinco anos após a sua aquisição ou a sua produção. Caso contrário, não existe qualquer direito a dedução.

61.      No entanto, em primeiro lugar, o período de regularização não tem, segundo a jurisprudência, qualquer influência na determinação de saber se, no momento da aquisição ou da produção de um bem, o sujeito passivo age ao serviço da sua atividade económica (36). Em segundo lugar, não se vislumbra no caso em apreço que os bens de investimento sejam utilizados, durante o período de regularização, para fins que excluam a dedução. Mesmo que inicialmente não tenham sido propostas aos visitantes do trilho recreativo quaisquer prestações a título oneroso, esta situação em nada altera a utilização dos bens de investimento para a atividade económica da Sveda, no caso de ser verificável em função de elementos objetivos, que tais propostas faziam parte dos planos da empresa.

f)      Montante da dedução

62.      Por último, importa ainda analisar se o facto de a Sveda ser reembolsada pela Agência de Pagamento Nacional de até 90% dos custos de aquisição e de produção dos bens de investimento controvertidos tem incidência sobre o montante da dedução.

63.      O Reino Unido considera este aspeto essencial na apreciação da questão de saber até que ponto os custos das operações a montante são incorporados no preço das operações a jusante.

64.      No entanto, tal como a República da Lituânia e a Comissão, sou de opinião de que o reembolso parcial dos custos pela Agência de Pagamento Nacional não influencia o montante da dedução. Com efeito, nos termos do artigo 168.° da diretiva IVA, é apenas relevante a questão de saber se as operações a montante são utilizadas para operações a jusante tributadas. Em contrapartida, é irrelevante saber como são financiadas as operações a montante.

65.      Assim, o Tribunal de Justiça já declarou que uma regulamentação de um Estado-Membro, que limite o direito a dedução no caso de o bem adquirido ser financiado por uma subvenção estatal, não é compatível com o direito da União em matéria de IVA (37).

66.      Deste modo, na situação do litígio no processo principal, um sujeito passivo tem um direito à dedução integral no que diz respeito às operações a montante realizadas para a aquisição ou a produção dos bens de investimento controvertidos.

V –    Conclusão

67.      Atendendo ao exposto, proponho que se responda à questão prejudicial da seguinte forma:

O artigo 168.° da diretiva IVA deve ser interpretado no sentido de que confere a um sujeito passivo o direito à dedução do IVA pago a montante sobre a produção ou a aquisição de bens de investimento, que se destinam diretamente à sua utilização gratuita pelo público, mas são usados como um meio para atrair visitantes a um local onde o sujeito passivo planeia fornecer bens e/ou serviços no exercício da sua atividade económica.


1 – Língua original: alemão.


2 – JO L 347, p. 1.


3 – JO L 145, p. 1.


4 – V. acórdãos Lennartz (C-97/90, EU:C:1991:315, n.° 15), Bakcsi (C-415/98, EU:C:2001:136, n.° 29), Eon Aset Menidjmunt (C-118/11, EU:C:2012:97, n.os 57 e 58), bem como Klub (C-153/11, EU:C:2012:163, n.os 39 e 40).


5 – V., a este respeito, as minhas conclusões apresentadas no processo X (C-334/10, EU:C:2012:108, n.° 25 e jurisprudência aí referida).


6 – V., neste sentido, acórdãos Bakcsi (C-415/98, EU:C:2001:136, n.os 28 e 29), assim como Eon Aset Menidjmunt (C-118/11, EU:C:2012:97, n.os 56 a 59); v., igualmente, artigo 168.°-A da diretiva IVA.


7 – Acórdãos Lennartz (C-97/90, EU:C:1991:315, n.° 21), Bakcsi (C-415/98, EU:C:2001:136, n.° 29), Eon Aset Menidjmunt (C-118/11, EU:C:2012:97, n.° 58) e Klub (C-153/11, EU:C:2012:163, n.os 39 e 40).


8 – Acórdãos Lennartz (C-97/90, EU:C:1991:315, n.° 14), Klub (C-153/11, EU:C:2012:163, n.° 44) e Gran Via Moineşti (C-257/11, EU:C:2012:759, n.° 25).


9 – V., nomeadamente, acórdãos Lennartz (C-97/90, EU:C:1991:315, n.° 15), X (C-334/10, EU:C:2012:473, n.° 17) e FIRIN (C-107/13, EU:C:2014:151, n.° 49).


10 – V. acórdão Klub (C-153/11, EU:C:2012:163, n.° 36); v., também, as minhas conclusões apresentadas no processo X (C-334/10, EU:C:2012:108, n.° 81 e jurisprudência aí referida).


11 – V., neste sentido, acórdão BCR Leasing IFN (C-438/13, EU:C:2014:2093, n.° 26); v., num sentido ainda mais amplo, acórdãos Vereniging Noordelijke Land- en Tuinbouw Organisatie (C-515/07, EU:C:2009:88, n.° 38) e Gemeente ‘s-Hertogenbosch (C-92/13, EU:C:2014:2188, n.° 25).


12 – V., supra, n.os 23 a 25.


13 – Acórdão BLP Group (C-4/94, EU:C:1995:107, n.° 19); no mesmo sentido, mais recentemente, acórdão Portugal Telecom (C-496/11, EU:C:2012:557, n.° 38).


14 – V., designadamente, acórdãos Midland Bank (C-98/98, EU:C:2000:300, n.° 24), Halifax e o. (C-255/02, EU:C:2006:121, n.° 79) e Malburg (C-204/13, EU:C:2014:147, n.° 34).


15 – V., neste sentido, nomeadamente, acórdãos Midland Bank (C-98/98, EU:C:2000:300, n.os 30 e 31), Investrand (C-435/05, EU:C:2007:87, n.° 24), SKF (C-29/08, EU:C:2009:665, n.os 58 e 60), Becker (C-104/12, EU:C:2013:99, n.° 20) e Malburg (C-204/13, EU:C:2014:147, n.° 38).


16 – V., designadamente, acórdãos SKF (C-29/08, EU:C:2009:665, n.° 60), X (C-651/11, EU:C:2013:346, n.° 55) e PPG Holdings (C-26/12, EU:C:2013:526, n.° 23); v., neste sentido, desde logo, acórdão Kretztechnik (C-465/03, EU:C:2005:320, n.° 36).


17 – V., a este respeito, as minhas conclusões apresentadas no processo TETS Haskovo (C-234/11, EU:C:2012:352, n.° 31 e jurisprudência aí referida).


18 – V., apenas, acórdão Serebryannay vek (C-283/12, EU:C:2013:599, n.° 37 e jurisprudência aí referida).


19 – V., nomeadamente, acórdãos Tolsma (C-16/93, EU:C:1994:80, n.° 14), MKG-Kraftfahrzeuge-Factoring (C-305/01, EU:C:2003:377, n.° 47) e Le Rayon d’Or (C-151/13, EU:C:2014:185, n.° 29).


20 – V., nomeadamente, acórdãos Tolsma (C-16/93, EU:C:1994:80, n.os 13 a 20) e Fillibeck (C-258/95, EU:C:1997:491, n.os 12 a 17); v., também, as conclusões da advogada-geral C. Stix-Hackl apresentadas no processo Bertelsmann (C-380/99, EU:C:2001:129, n.° 32).


21 – V., neste sentido, acórdão Hotel Scandic Gåsabäck (C-412/03, EU:C:2005:47, n.° 22).


22 – Acórdão Becker (C-104/12, EU:C:2013:99, n.os 22, 23 e 33).


23 – V. acórdão BLP Group (C-4/94, EU:C:1995:107, n.° 24).


24 – V., supra, n.° 38.


25 – V., nomeadamente, acórdãos Rompelman (268/83, EU:C:1985:74, n.° 19), Ghent Coal Terminal (C-37/95, EU:C:1998:1, n.° 15), Halifax e o. (C-255/02, EU:C:2006:121, n.° 78), Securenta (C-437/06, EU:C:2008:166, n.° 25) e Idexx Laboratories Italia (C-590/13, EU:C:2014:2429, n.° 32).


26 – V., nomeadamente, acórdãos Elida Gibbs (C-317/94, EU:C:1996:400, n.° 19), Pelzl e o. (C-338/97, C-344/97 e C-390/97, EU:C:1999:285, n.° 21), KÖGÁZ e o. (C-283/06 e C-312/06, EU:C:2007:598, n.° 51) e Lebara (C-520/10, EU:C:2012:264, n.° 25).


27 – V. acórdão AES-3C Maritza East 1 (C-124/12, EU:C:2013:488, n.° 31).


28 – V. acórdão Becker (C-104/12, EU:C:2013:99, n.° 31).


29 – V., quanto à possibilidade de uma rutura desta relação, acórdão TETS Haskovo (C-234/11, EU:C:2012:644, n.° 34).


30 – V. acórdãos BLP Group (C-4/94, EU:C:1995:107, n.° 19), SKF (C-29/08, EU:C:2009:665, n.os 62 e 71) e X (C-651/11, EU:C:2013:346, n.° 56).


31 – Acórdãos Securenta (C-437/06, EU:C:2008:166, n.° 30) e Vereniging Noordelijke Land- en Tuinbouw Organisatie (C-515/07, EU:C:2009:88, n.° 37).


32 – V., supra, n.os 23 a 25.


33 – V., supra, n.os 42 a 45.


34 – JO L 277, p. 1.


35 – V., apenas, acórdãos Fischer (C-283/95, EU:C:1998:276, n.° 28), CPP (C-349/96, EU:C:1999:93, n.° 33) e GfBk (C-275/11, EU:C:2013:141, n.° 32).


36 – V. acórdão Lennartz (C-97/90, EU:C:1991:315, n.° 20).


37 – V. acórdão Comissão/França (C-243/03, EU:C:2005:589, n.° 33).