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CONCLUSÕES DO ADVOGADO-GERAL

YVES BOT

apresentadas em 17 de fevereiro de 2016 (1)

Processo C-518/14

Senatex GmbH

contra

Finanzamt Hannover-Nord

[pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Niedersächsisches Finanzgericht (Alemanha)]

«Reenvio prejudicial - Fiscalidade – Imposto sobre o valor acrescentado – Dedução do imposto a montante – Emissão de faturas sem número de contribuinte ou sem número de identificação para efeitos do IVA – Legislação de um Estado-Membro que exclui a retificação ex tunc de uma fatura»





1.        O presente processo tem como quadro jurídico a Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro de 2006, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado (2). Em particular, pretende-se saber, através das questões colocadas, por um lado, qual o efeito que deve ser dado à retificação de uma fatura errada ou incompleta no momento em que o direito à dedução do imposto sobre o valor acrescentado (a seguir «IVA») pode ser exercido e, por outro, se tal retificação pode ser limitada no tempo.

2.        Nas presentes conclusões, explicaremos o motivo pelo qual consideramos que a Diretiva IVA deve ser interpretada no sentido de que se opõe a uma regulamentação nacional, como a que está em causa no processo principal, nos termos da qual a retificação de uma fatura que visa uma indicação obrigatória, nomeadamente, o número de identificação para efeitos do IVA, não produz efeitos retroativos pelo que o direito à dedução do IVA pode ser exercido unicamente em relação ao ano em que a fatura inicial foi retificada, e não em relação ao ano em que esta fatura foi emitida.

3.        A este respeito, apresentaremos as razões pelas quais consideramos que os Estados-Membros podem prever medidas que punam o desrespeito das indicações obrigatórias, desde que respeitem o princípio da proporcionalidade, assim como medidas que limitem no tempo a possibilidade de retificar uma fatura errada ou incompleta, desde que estas últimas se apliquem da mesma maneira aos direitos análogos em matéria fiscal fundamentados no direito interno e aos direitos fundamentados no direito da União (princípio da equivalência) e que, na prática, não tornem impossível ou excessivamente difícil o exercício do direito à dedução (princípio da efetividade).

I –    Enquadramento jurídico

A –    Direito da União

4.        O artigo 63.° da Diretiva IVA estabelece o seguinte:

«O facto gerador do imposto ocorre e o imposto torna-se exigível no momento em que é efetuada a entrega de bens ou a prestação de serviços.»

5.        Nos termos do artigo 167.° desta diretiva:

«O direito à dedução surge no momento em que o imposto dedutível se torna exigível.»

6.        O artigo 168.°, alínea a), da referida diretiva tem a seguinte redação:

«Quando os bens e os serviços sejam utilizados para os fins das suas operações tributadas, o sujeito passivo tem direito, no Estado-Membro em que efetua essas operações, a deduzir do montante do imposto de que é devedor os montantes seguintes:

a)      O IVA devido ou pago nesse Estado-Membro em relação aos bens que lhe tenham sido ou venham a ser entregues e em relação aos serviços que lhe tenham sido ou venham a ser prestados por outro sujeito passivo».

7.        O artigo 178.°, alínea a), da Diretiva IVA prevê que:

«Para poder exercer o direito à dedução, o sujeito passivo deve satisfazer as seguintes condições:

a)      Relativamente à dedução referida na alínea a) do artigo 168.°, no que respeita às entregas de bens e às prestações de serviços, possuir uma fatura emitida em conformidade com os artigos 220.° a 236.°, 238.°, 239.° e 240.°».

8.        Nos termos do artigo 179.° desta diretiva:

«O sujeito passivo efetua a dedução subtraindo do montante total do imposto devido relativamente ao período de tributação o montante do IVA em relação ao qual, durante o mesmo período, surgiu e é exercido o direito à dedução por força do disposto no artigo 178.°

Todavia, os Estados-Membros podem obrigar os sujeitos passivos que efetuem operações ocasionais referidas no artigo 12.° a exercerem o direito à dedução apenas no momento da entrega.»

9.        De acordo com o artigo 219.° da referida diretiva:

«É assimilado a fatura qualquer documento ou mensagem que altere a fatura inicial e a ela faça referência específica e inequívoca.»

10.      O artigo 226.° da Diretiva IVA tem a seguinte redação:

«Sem prejuízo das disposições específicas previstas na presente diretiva, as únicas menções que devem obrigatoriamente figurar, para efeitos do IVA, nas faturas emitidas em aplicação do disposto nos artigos 220.° e 221.° são as seguintes:

[...]

3)      O número de identificação para efeitos do IVA, referido no artigo 214.°, ao abrigo do qual o sujeito passivo efetuou a entrega de bens ou a prestação de serviços;

[...]»

11.      O artigo 239.° desta diretiva está redigido nos seguintes termos:

«Nos casos em que os Estados-Membros façam uso da faculdade, prevista no artigo 272.°, n.° 1, primeiro parágrafo, alínea b), de não atribuírem número de identificação para efeitos do IVA aos sujeitos passivos que não efetuem nenhuma das operações referidas nos artigos 20.°, 21.°, 22.°, 33.°, 36.°, 138.° e 141.°, deve substituir-se na fatura esse número de identificação do fornecedor e do adquirente ou destinatário, se não tiver sido atribuído, por outro número, dito de identificação fiscal, tal como o definam os Estados-Membros em causa.»

B –    Direito alemão

12.      O § 15, n.° 1, primeiro período, ponto 1, da Lei de 2005 relativa ao imposto sobre o volume de negócios (Umsatzsteuergesetz 2005) (3), na sua versão aplicável ao litígio no processo principal (a seguir «UStG»), prevê que uma empresa pode deduzir, a título de imposto pago a montante, o imposto legalmente devido relativo a entregas de bens e outras prestações que lhe tenham sido feitas por outras empresas para os fins da sua empresa. Além disso, esta disposição refere que o exercício do direito à dedução pressupõe que a empresa possua uma fatura emitida nos termos dos §§ 14 e 14-A da UStG. Tal fatura deve, nomeadamente, conter todos os elementos mencionados no § 14, n.° 4, da UStG.

13.      As quantias dos impostos pagos a montante só podem ser deduzidas no período de tributação em que estejam reunidos todos os pressupostos materiais do direito à dedução, na aceção do § 15, n.° 1, da UStG.

14.      Em conformidade com o § 31, n.° 5, do regulamento de aplicação da UStG (Umsatzsteuer-Durchführungsverordnung), na sua versão aplicável ao litígio no processo principal, uma fatura pode ser retificada quando não contém todas as indicações previstas nos §§ 14, n.° 4, e 14-A da UStG ou quando as indicações que nela figuram são incorretas. Para o efeito, basta transmitir as indicações em falta ou corrigidas através de um documento que se refere especifica e claramente à fatura. Esta retificação está sujeita a exigências de forma e de conteúdo iguais às que estão previstas no § 14 da UStG.

15.      Nos casos particulares de indicação incorreta ou injustificada do IVA, é aplicado por analogia o § 17, n.° 1, da UStG. Nos termos desta disposição, a retificação de uma fatura não produz efeitos retroativos, mas para o período durante o qual a fatura retificada é transmitida ao destinatário da prestação ou durante o qual é deferido o pedido de retificação após eliminação do prejuízo que pode ser causado às receitas fiscais.

16.      O órgão jurisdicional de reenvio também explica que, caso a dedução seja recusada devido à falta ou à incorreção de determinados elementos da fatura, o direito à dedução pode constituir-se, mediante correção da fatura, no momento da retificação. Neste caso, as receitas obtidas pela administração fiscal do IVA permanecem as mesmas. Em contrapartida, pode daí resultar um aumento da dívida fiscal para a empresa. Com efeito, se a dedução apenas for recusada vários anos mais tarde, por exemplo no âmbito de uma inspeção externa, os juros de mora previstos no § 233-A do Código dos Impostos (Abgabenordnung), na sua versão em vigor durante o período em causa no processo, provocam encargos financeiros substanciais.

II – Factos do litígio no processo principal

17.      A Senatex GmbH (a seguir «Senatex») explora uma empresa de comércio por grosso de têxteis. Relativamente aos anos 2008-2011, indicou, nas suas declarações fiscais, uma dedução do imposto pago a montante a título do cálculo das comissões que emitiu aos seus representantes comerciais, assim como a título de faturas de um designer publicitário (a seguir, em conjunto, «faturas controvertidas»).

18.      Entre 11 de fevereiro e 17 de maio de 2013, a Senatex foi objeto de uma inspeção por parte do Finanzamt Hannover-Nord (Serviço Fiscal de Hanover-Norte), relativamente aos anos 2008-2011. Nesta inspeção constatou que as faturas controvertidas apresentadas para efeitos da dedução do imposto pago a montante não eram regulares, na aceção dos §§ 15, n.° 1, e 14, n.° 4, da UStG. Com efeito, estas faturas não continham o número de contribuinte ou o número de identificação para efeitos de IVA dos representantes comerciais em causa nem do designer publicitário, nem nas próprias faturas nem nos documentos anexos.

19.      Em 2 de maio de 2013, ou seja, durante o período de inspeção, a Senatex retificou os cálculos das comissões, unicamente em relação aos anos 2009-2011, completando-as com a indicação do número de contribuinte ou do número de identificação para efeitos do IVA de cada agente comercial em causa. As faturas do designer publicitário também foram objeto de uma retificação análoga relativamente aos anos 2009-2011.

20.      Apesar destas retificações, o Finanzamt Hannover-Nord emitiu, em 2 de julho de 2013, avisos de alteração da liquidação relativos aos anos 2008-2011, nos quais indica que as deduções do imposto pago a montante a título das faturas controvertidas não podiam ser efetuadas em relação aos anos 2009-2011, com fundamento no facto de que as condições destas deduções estavam reunidas unicamente no momento da realização das retificações, designadamente, durante o ano de 2013, e não durante os anos 2009-2011.

21.      Por conseguinte, a Senatex apresentou uma reclamação destes avisos de alteração da liquidação. Além disso, durante tal processo de reclamação, verificou-se que não tinham sido emitidas retificações das faturas controvertidas em relação ao ano de 2008. Deste modo, em 11 de fevereiro de 2014, a Senatex retificou esses cálculos das comissões no que respeita ao ano de 2008 completando-as com a indicação do número de contribuinte ou do número de identificação para efeitos de IVA dos representantes comerciais em causa. As faturas do designer publicitário relativas ao referido ano de 2008 também foram objeto de retificação análoga.

22.      Por decisão de 3 de março de 2014, o Finanzamt Hannover-Nord manteve a sua posição, considerando que as condições das deduções do imposto pago a montante a título das faturas controvertidas apenas estavam reunidas no momento das retificações destas faturas, que ocorreram em 2013 e em 2014. Em seu entender, não é possível retroagir a retificação de uma fatura no momento do fornecimento da prestação, concedendo assim um efeito ex tunc.

23.      Em 5 de março de 2014, a Senatex interpôs recurso desta decisão no órgão jurisdicional de reenvio. Considera, com efeito, que as retificações de faturas produzem efeitos retroativos, designadamente em relação aos anos 2008-2011, na medida em que estas retificações foram realizadas antes da última decisão administrativa, ou seja, a decisão de 3 de março de 2014. Deste modo, pede ao órgão jurisdicional de reenvio que anule os avisos de alteração da liquidação emitidos pelo Finanzamt Hannover-Nord no que respeita aos anos 2008-2011.

III – Questões prejudiciais

24.      O Niedersächsisches Finanzgericht (Tribunal das Finanças do Land da Baixa Saxónia), tendo dúvidas quanto à interpretação que deve ser dada a acórdãos do Tribunal de Justiça, assim como a disposições da Diretiva IVA, decidiu suspender a instância e submeter as questões prejudiciais seguintes:

«1)      O efeito ex-nunc de uma primeira faturação, declarado pelo TJUE no processo ‘Terra Baubedarf-Handel’ (C-152/02, EU:C:2004:268), é relativizado no caso de retificação de uma fatura incompleta – em causa neste processo – pelas decisões do Tribunal de Justiça nos processos ‘Pannon Gép’ (C-368/09, EU:C:2010:441) e ‘Petroma Transport’ 271/12, EU:C:2013:297), na medida em que o TJUE pretendeu para este tipo de casos finalmente admitir o efeito retroativo?

2)      Quais os requisitos mínimos que uma fatura suscetível de retificação com efeito retroativo deve respeitar? Deve a fatura original conter já o número fiscal ou o número de identificação de sujeito passivo do IVA ou estes dados podem ser acrescentados mais tarde, com a consequência de que a dedução do imposto pago a montante da fatura original se mantém?

3)      Deve a retificação da fatura ainda ser considerada tempestiva quando só é feita no quadro do processo de reclamação administrativa apresentada contra a decisão (modificativa) da autoridade tributária?»

IV – Apreciação

25.      Com as suas primeira e segunda questões, o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber, na realidade, se os artigos 167.°, 178.°, alínea a), 179.° e 226.°, n.° 3, da Diretiva IVA devem ser interpretados no sentido de que se opõem a uma regulamentação nacional, como a que está em causa no processo principal, nos termos da qual a retificação de uma fatura que visa uma indicação obrigatória, nomeadamente, o número de identificação para efeitos do IVA, não produz efeitos retroativos pelo que o direito à dedução pode ser exercido unicamente em relação ao ano em que a fatura inicial foi retificada, e não em relação ao ano em que esta fatura foi emitida.

26.      Com a sua terceira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber se a Diretiva IVA deve ser interpretada no sentido de que se opõe a uma legislação ou a uma prática nacional nos termos da qual o direito à dedução do IVA é recusado a um sujeito passivo quando a retificação de uma fatura relativa a uma indicação obrigatória ocorre após a adoção de uma decisão que recusa a dedução do IVA com o fundamento de que esta indicação tinha inicialmente sido omitida.

27.      As primeira e segunda questões suscitam dúvidas quanto às consequências da retificação de uma fatura no momento em que o direito à dedução pode ser exercido. Com efeito, por força da legislação alemã, a retificação da fatura implica o exercício do direito à dedução do IVA unicamente em relação ao ano em que a fatura inicial foi retificada, e não em relação ao ano em que esta fatura foi emitida.

28.      Segundo o Governo alemão, resulta das disposições da Diretiva IVA que o direito à dedução apenas pode ser exercido quando dois requisitos estão simultaneamente preenchidos. Por um lado, o direito à dedução deve ter origem, na aceção do artigo 167.° desta diretiva e, por outro, o sujeito passivo deve preencher os requisitos previstos no artigo 178.° desta, entre os quais figura a posse de uma fatura emitida em conformidade com os artigos 220.° a 236.° e 238.° a 240.° da referida diretiva. Ora, na retificação de uma fatura, estes dois requisitos apenas estão preenchidos no momento desta retificação, e não quando a fatura inicial foi emitida. Daqui resulta que o direito à dedução apenas pode ser exercido no momento da retificação.

29.      Discordamos desta opinião pelos seguintes motivos.

30.      Segundo jurisprudência assente, o direito à dedução é um princípio fundamental do sistema comum do IVA que não pode, em princípio, ser limitado e que é exercido imediatamente para a totalidade dos impostos que oneraram as operações efetuadas a montante (4). Por conseguinte, o direito à dedução tem um caráter imediato e global. Além disso, conforme recorda regularmente o Tribunal de Justiça, o regime das deduções visa libertar inteiramente o empresário do peso do IVA devido ou pago no âmbito de todas as suas atividades económicas. O sistema comum do IVA garante, por conseguinte, a neutralidade quanto à carga fiscal de todas as atividades económicas, quaisquer que sejam os fins ou os resultados dessas atividades, na condição de as referidas atividades estarem, em princípio, elas próprias sujeitas ao IVA (5).

31.      Nos termos do artigo 167.° da Diretiva IVA, o direito à dedução surge no momento em que o imposto dedutível se torna exigível. As condições materiais requeridas para a constituição deste direito são enumeradas no artigo 168.°, alínea a), desta diretiva. Deste modo, para se poder beneficiar desse direito, é necessário, por um lado, que o interessado seja um sujeito passivo no sentido da diretiva e, por outro, que os bens e serviços invocados para fundamentar esse direito sejam utilizados pelo sujeito passivo a jusante para os efeitos das suas próprias operações tributadas e que, a montante, esses bens tenham sido entregues ou os serviços prestados por outro sujeito passivo (6).

32.      Quanto às modalidades de exercício do direito à dedução, estas são enumeradas no artigo 178.° da Diretiva IVA. Nomeadamente, o sujeito passivo deve possuir uma fatura emitida nos termos do artigo 226.° desta diretiva (7), na qual deve figurar, entre outros, o número de identificação para efeitos do IVA (8).

33.      Estas condições que o sujeito passivo deve preencher para exercer o seu direito à dedução foram qualificadas como «condições formais» pelo Tribunal de Justiça (9). Não são as condições que devem ser preenchidas para a constituição do direito à dedução do IVA, mas permitem às autoridades fiscais dispor de todas as informações necessárias para cobrar o IVA, assim como exercer a sua fiscalização a fim de evitar a fraude (10).

34.      Por exemplo, quando, no âmbito de uma inspeção, as autoridades fiscais constatam erros ou omissões na emissão da fatura, o sujeito passivo tem a possibilidade de retificar esta fatura para efeitos do exercício do seu direito à dedução. Esta possibilidade figura no artigo 219.° da Diretiva IVA, que estabelece que «[é] assimilado a fatura qualquer documento ou mensagem que altere a fatura inicial e a ela faça referência específica e inequívoca». O Tribunal de Justiça declarou igualmente que esta diretiva não proíbe que se proceda à retificação de faturas erradas (11).

35.      Dito isto, a questão consiste em saber quais são os efeitos temporais da retificação de uma fatura no direito à dedução do IVA.

36.      A este respeito, o órgão jurisdicional de reenvio refere os acórdãos Terra Baubedarf-Handel (C-152/02, EU:C:2004:268), Pannon Gép Centrum (C-368/09, EU:C:2010:441) e Petroma Transports e o. (C-271/12, EU:C:2013:297). Quanto aos dois últimos acórdãos, embora seja verdade que são relativos à retificação de uma fatura com vista ao exercício do direito à dedução, em contrapartida, a questão do efeito temporal de tal retificação no exercício do direito à dedução não foi abordada.

37.      Deste modo, no acórdão Pannon Gép Centrum (C-368/09, EU:C:2010:441), a questão consistia em saber se as disposições da Diretiva IVA deviam ser interpretadas no sentido de que se opunham a uma regulamentação ou a uma prática nacional que recusava o direito à dedução do IVA quando a fatura relativa aos bens entregues ao sujeito passivo ou aos serviços que lhe tinham sido fornecidos incluía inicialmente uma indicação errada cuja retificação posterior não respeitava todas as condições fixadas pelas regras nacionais aplicáveis (12). Por conseguinte, o Tribunal de Justiça devia declarar se a retificação de uma fatura para efeitos do exercício do direito à dedução era possível e se os Estados-Membros tinham a possibilidade de impor outras condições materiais e formais além das exigidas pela Diretiva IVA, no caso em apreço uma numeração contínua da fatura retificada (13). No seu acórdão Petroma Transports e o. (C-271/12, EU:C:2013:297), o Tribunal de Justiça recordou que o sistema comum do IVA não proíbe que se proceda à retificação de faturas erradas, mas declarou que, no que respeita ao litígio em causa no processo que deu origem a esse acórdão, as informações necessárias para completar e regularizar as faturas foram apresentadas após a administração fiscal ter adotado a sua decisão de recusa do direito a dedução do IVA, de modo que, antes da adoção dessa decisão, as faturas fornecidas à referida administração não tinham sido ainda retificadas para permitir a esta assegurar-se da cobrança exata do IVA e da respetiva fiscalização (14). Por conseguinte, há que entender que os acórdãos Pannon Gép Centrum (C-368/09, EU:C:2010:441) e Petroma Transports e o. (C-271/12, EU:C:2013:297) não se pronunciam sobre o efeito retroativo, ou não, da retificação de uma fatura no exercício do direito à dedução.

38.      Relativamente à aplicação da jurisprudência que decorre do acórdão Terra Baubedarf-Handel (C-152/02, EU:C:2004:268) em apoio da tese do Governo alemão, entendemos que esta deve ser afastada. Com efeito, nesse acórdão, o Tribunal de Justiça afirmou que o direito à dedução do IVA deve ser exercido a título do período de declaração durante o qual as duas condições impostas pelo artigo 18.°, n.° 2, primeiro parágrafo, da Sexta Diretiva 77/388/CEE (15) estão reunidas (16). Por outras palavras, acrescentou o Tribunal de Justiça, a entrega dos bens ou a prestação de serviços deve ter sido efetuada e o sujeito passivo deve estar na posse da fatura (17). Ora, no caso em apreço, a Terra Baubedarf-Handel GmbH não dispunha de fatura no momento em que exerceu o seu direito à dedução do IVA em relação aos serviços que tinham sido fornecidos no âmbito da sua atividade. Por conseguinte, não conseguiu efetuar o pagamento e, assim, não pagou esse IVA durante o período de dedução. Nesse caso, não podia considerar-se que o IVA onerava uma determinada operação (18). Foi por essa razão que o Tribunal de Justiça declarou que é necessário que as duas condições impostas pelo artigo 18.°, n.° 2, primeiro parágrafo, da Sexta Diretiva 77/388 estejam reunidas a fim de respeitar o princípio segundo o qual o direito à dedução se exerce imediatamente em relação à totalidade dos impostos que incidiram sobre as operações efetuadas a montante.

39.      O processo que deu origem ao acórdão Terra Baubedarf-Handel (C-152/02, EU:C:2004:268) distingue-se, assim, do presente processo na medida em que, de facto, a Senatex, ao contrário da Terra Baubedarf-Handel GmbH, dispunha das faturas no momento do exercício do seu direito à dedução e tinha pago o IVA a montante. Por conseguinte, este imposto onerou efetivamente uma operação efetuada a montante no âmbito da atividade económica da Senatex. Deste modo, este acórdão não pode, em nosso entender, ser invocado no presente processo para defender que o Tribunal de Justiça proibiu o efeito retroativo do direito à dedução do IVA na sequência da retificação de uma fatura.

40.      Em contrapartida, afigura-se que o acórdão Terra Baubedarf-Handel (C-152/02, EU:C:2004:268) apoia a tese inversa. Com efeito, no n.° 35 desse acórdão, o Tribunal de Justiça reproduz uma jurisprudência constante segundo a qual o direito à dedução do IVA é exercido imediatamente em relação à totalidade dos impostos que tenham onerado as operações efetuadas a montante. O artigo 179.°, primeiro parágrafo, da Diretiva IVA prevê, assim, que «[o] sujeito passivo efetua a dedução subtraindo do montante total do imposto devido relativamente ao período de tributação o montante do IVA em relação ao qual, durante o mesmo período, surgiu e é exercido o direito à dedução por força do disposto no artigo 178.°».

41.      O caráter imediato da dedução visa, nomeadamente, garantir a neutralidade do sistema comum do IVA e não fazer os sujeitos passivos correrem um risco financeiro suportando total ou parcialmente o peso deste imposto (19). Foi por esta razão que, em conformidade com o artigo 179.° da Diretiva IVA, o período durante o qual o bem adquirido ou o serviço fornecido foi onerado, dando origem ao direito à dedução, deve coincidir com o período durante o qual o direito à dedução é exercido. Nesta diretiva, tal princípio apenas tem uma atenuação que consiste, designadamente, na possibilidade de os Estados-Membros obrigarem os sujeitos passivos que efetuam as operações ocasionais referidas no artigo 12.° da referida diretiva a exercerem o direito à dedução apenas no momento da entrega (20), o que não sucede no processo principal.

42.      Embora se deva considerar que a retificação de uma fatura implica o exercício do direito à dedução unicamente em relação ao período durante o qual esta retificação ocorreu, e não em relação ao período durante o qual a fatura foi emitida e paga, como no processo principal, isto viola o princípio segundo o qual este direito tem um caráter imediato. Por outro lado, daqui decorre um risco financeiro significativo para o sujeito passivo na medida em que, tendo as autoridades fiscais considerado que este não podia exercer o seu direito à dedução do IVA pago a montante antes da retificação da fatura, pode ser sujeito ao pagamento de juros de mora, como aliás prevê o Código dos Impostos, mesmo quando o Estado-Membro não teve qualquer perda fiscal, permanecendo as receitas resultantes do IVA, in fine, as mesmas (21).

43.      Não contestamos, no entanto, a importância da fatura no sistema comum do IVA. Esta constitui um meio de prova que permite a cobrança do IVA ou a sua dedução. Deste modo, a empresa que fatura a venda de um bem ou a prestação de um serviço emite uma fatura com IVA e cobra-o por conta do Estado. De igual modo, esta fatura permite que o sujeito passivo prove que pagou o IVA e, assim, o deduza. Mais particularmente, o número de identificação para efeitos do IVA permite às autoridades fiscais cobrarem mais facilmente o IVA identificando o sujeito passivo em causa e fiscalizarem a realidade das operações a fim de combater a fraude.

44.      Todavia, conforme o Tribunal de Justiça declarou várias vezes, o princípio fundamental da neutralidade do IVA exige que a dedução do imposto pago a montante seja concedida se os requisitos substanciais tiverem sido cumpridos, mesmo que os sujeitos passivos tenham negligenciado certos requisitos formais (22). Esta jurisprudência impõe-se ainda mais no caso em apreço, na medida em que a omissão do número de identificação para efeitos do IVA foi corrigida pelo sujeito passivo que retificou as faturas, respeitando assim, de igual modo, as exigências formais previstas pelo direito da União.

45.      A este respeito, apesar de os Estados-Membros serem obrigados a verificar as declarações dos sujeitos passivos e a fiscalizar todos os documentos relevantes para calcularem o montante do imposto ou verificarem a realidade das operações, nada os impede de prever sanções para o desrespeito destas exigências formais. Com efeito, a sanção assim aplicada tem um caráter dissuasivo que se destina a assegurar a efetividade da obrigação de incluir na fatura as indicações obrigatórias previstas pela Diretiva IVA, encorajar o sujeito passivo a ser mais diligente no futuro e permitir ter em conta as despesas administrativas efetuadas na sequência da omissão e da retificação que foi necessária para corrigir esta fatura (23). Todavia, os Estados-Membros são obrigados a exercer esta competência em conformidade com o direito da União, nomeadamente com o princípio da proporcionalidade.

46.      Na audiência, o Governo alemão referiu que o facto de reportar o direito à dedução e de impor juros de mora ao sujeito passivo incumpridor, como no litígio no processo principal, constituía uma sanção. Todavia, consideramos que esta sanção não respeita o princípio da proporcionalidade. Com efeito, as indicações obrigatórias na fatura, das quais faz parte o número de identificação para efeitos do IVA, destinam-se a permitir às autoridades fiscais a exata cobrança do IVA e a fiscalização a fim de evitar a fraude. Ora, conforme se expôs na audiência, não vemos como é que, em tal caso, as autoridades fiscais podem distinguir entre um sujeito passivo de boa-fé e alguém que atua de forma fraudulenta. Além disso, para alguém que atua de forma fraudulenta, é preferível inserir um falso número de identificação para efeitos do IVA, esperando que a sua declaração não seja detetada, do que não colocar qualquer número, o que, em contrapartida, chamaria a atenção das autoridades fiscais, levando-as a efetuar uma fiscalização. Ora, imaginemos um sujeito passivo, de boa-fé, cuja fatura apresentada na sua declaração não contém número de identificação para efeitos do IVA. Muito provavelmente este está exposto a uma fiscalização das autoridades fiscais e pode estar numa situação idêntica à da Senatex, ou seja, o seu direito à dedução é reportado e são-lhe aplicados juros de mora, o que tem consequências financeiras significativas. Tal sistema afigura-se desprovido de segurança jurídica e inapto para combater eficazmente a fraude. Além do mais, pode levar a que se puna da mesma forma um sujeito passivo de boa-fé e alguém que atua de forma fraudulenta.

47.      Para evitar os abusos, consideramos que os Estados-Membros podem igualmente prever medidas que limitem no tempo a possibilidade de fornecer faturas retificativas. Isto conduz-nos à terceira questão do órgão jurisdicional de reenvio através da qual pergunta ao Tribunal de Justiça se a Diretiva IVA deve ser interpretada no sentido de que se opõe a uma legislação ou a uma prática nacional nos termos da qual o direito à dedução do TVA é recusado a um sujeito passivo quando a retificação de uma fatura relativa a uma indicação obrigatória ocorre após a adoção de uma decisão que recusa a dedução do IVA com o fundamento de que esta indicação tinha sido inicialmente omitida.

48.      A instauração de medidas que fixam um prazo para limitar no tempo a retificação de faturas erradas ou incompletas não está prevista pela Diretiva IVA. Por conseguinte, consideramos que compete aos Estados-Membros prever tais medidas no seu direito nacional. Estes devem assegurar que as medidas implementadas respeitam os princípios da equivalência e da efetividade.

49.      No caso em apreço, proibir qualquer retificação após uma decisão da administração fiscal que recusa o exercício do direito pode parecer excessivo, na medida em que, na prática, torna impossível ou excessivamente difícil tal exercício.

50.      Com efeito, pode suceder – salvo os casos de fraude – que o sujeito passivo só tenha conhecimento de uma omissão ou de um erro relativo uma indicação obrigatória na fatura na fase do aviso de liquidação retificativo. Proibir qualquer retificação após uma decisão, como um aviso retificativo, pode conduzir a recusar pura e simplesmente qualquer retificação de uma fatura errada ou incompleta. Isto implica a severa consequência de privar o sujeito passivo do seu direito à dedução, direito fundamental que permite assegurar o princípio da neutralidade fiscal, ainda mais quando o erro ou a omissão frequentemente provém de quem emite a fatura, ou seja, o vendedor de bens ou o prestador de serviço.

51.      Por conseguinte, consideramos que o acórdão Petroma Transports e o. (C-271/12, EU:C:2013:297) deve interpretado com muitas reservas no que respeita a esta questão (24).

52.      Atendendo às considerações precedentes, entendemos que os artigos 167.°, 178.°, alínea a), 179.° e 226.°, n.° 3, da Diretiva IVA devem ser interpretados no sentido de que se opõem a uma regulamentação nacional, como a que está em causa no processo principal, nos termos da qual a retificação de uma fatura que visa uma indicação obrigatória, nomeadamente o número de identificação para efeitos do IVA, não produz efeitos retroativos pelo que o direito à dedução do IVA pode ser exercido unicamente em relação ao ano em que a fatura inicial foi retificada, e não em relação ao ano em que esta fatura foi emitida. A este propósito, os Estados-Membros podem prever medidas que punam o desrespeito das indicações obrigatórias, desde que estas respeitem o princípio da proporcionalidade, bem como medidas que limitem no tempo a possibilidade de retificar uma fatura incorreta ou incompleta, desde que estas últimas se apliquem da mesma maneira aos direitos análogos em matéria fiscal fundamentados no direito interno e aos direitos fundamentados no direito da União (princípio da equivalência) e que, na prática, não tornem impossível ou excessivamente difícil o exercício do direito à dedução (princípio da efetividade).

V –    Conclusão

53.      Atendendo às considerações precedentes, propomos que o Tribunal de Justiça responda às questões do Niedersächsisches Finanzgericht do seguinte modo:

Os artigos 167.°, 178.°, alínea a), 179.° e 226.°, n.° 3, da Diretiva 2006/112/CE de Conselho, de 28 de novembro de 2006, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado, devem ser interpretados no sentido de que se opõem a uma regulamentação nacional, como a que está em causa no processo principal, nos termos da qual a retificação de uma fatura que visa uma indicação obrigatória, nomeadamente o número de identificação para efeitos do IVA, não produz efeitos retroativos pelo que o direito à dedução do IVA pode ser exercido unicamente em relação ao ano em que a fatura inicial foi retificada, e não em relação ao ano em que esta fatura foi emitida.

A este propósito, os Estados-Membros podem prever medidas que punam o desrespeito das indicações obrigatórias, desde que estas estejam em conformidade com o princípio da proporcionalidade, bem como medidas que limitem no tempo a possibilidade de retificar uma fatura incorreta ou incompleta, desde que estas últimas se apliquem da mesma maneira aos direitos análogos em matéria fiscal fundamentados no direito interno e aos direitos fundamentados no direito da União (princípio da equivalência) e que, na prática, não tornem impossível ou excessivamente difícil o exercício do direito à dedução (princípio da efetividade).


1 – Língua original: francês.


2 – JO L 347, p. 1, a seguir «Diretiva IVA».


3 – BGBl. 2005 I, p. 386.


4 – V. acórdão PPUH Stehcemp (C-277/14, EU:C:2015:719, n.° 26 e jurisprudência referida).


5 – V. acórdão PPUH Stehcemp (C-277/14, EU:C:2015:719, n.° 27 e jurisprudência referida).


6 – V. acórdão PPUH Stehcemp (C-277/14, EU:C:2015:719, n.° 28 e jurisprudência referida).


7 – V. artigo 178.°, alínea a), da referida diretiva.


8 – V. artigo 226.°, n.° 3, da Diretiva TVA.


9 – V. acórdãos Collée (C-146/05, EU:C:2007:549, n.° 25); Polski Trawertyn (C-280/10, EU:C:2012:107, n.° 41), e PPUH Stehcemp (C-277/14, EU:C:2015:719, n.° 29).


10 – V., no que respeita às outras obrigações que os Estados-Membros podem adotar para assegurar a exata cobrança do IVA e para evitar a fraude, acórdãos Nidera Handelscompagnie (C-385/09, EU:C:2010:627, n.os 49 e 50) e VSTR (C-587/10, EU:C:2012:592, n.os 44 e 45).


11 – Acórdãos Pannon Gép Centrum (C-368/09, EU:C:2010:441, n.os 43 a 45) e Petroma Transports e o. (C-271/12, EU:C:2013:297, n.° 34).


12 – V. n.° 36 deste acórdão.


13 – V. n.os 42 a 45 do referido acórdão.


14 – V. n.os 21, 34 e 35 do referido acórdão.


15 – Sexta Diretiva 77/388/CEE do Conselho, de 17 de maio de 1977, relativa à harmonização das legislações dos Estados-Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios – Sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado: matéria coletável uniforme (JO L 145, p. 1).


16 – Esta disposição foi substituída pelo artigo 179.°, primeiro parágrafo, da Diretiva IVA.


17 – Acórdão Terra Baubedarf-Handel (C-152/02, EU:C:2004:268, n.° 34).


18 – Acórdão Terra Baubedarf-Handel (C-152/02, EU:C:2004:268, n.° 35).


19 – No que respeita ao reporte do excedente do IVA no período de tributação seguinte, v. acórdão Comissão/Hungria (C-274/10, EU:C:2011:530, n.° 45 e jurisprudência referida).


20 – V. artigo 179.°, segundo parágrafo, da Diretiva IVA.


21 – V. n.° 5 da decisão de reenvio.


22 – V. acórdãos Nidera Handelscompagnie (C-385/09, EU:C:2010:627, n.os 50 e 51) e Polski Trawertyn (C-280/10, EU:C:2012:107, n.° 43). V. também, no que respeita à obrigação de declaração de início de uma atividade tributável, acórdão Dankowski (C-438/09, EU:C:2010:818, n.os 33 a 36) e, no que respeita às irregularidades contabilísticas e declarativas que afetam as transações sujeitas ao regime de autoliquidação, acórdão Ecotrade (C-95/07 e C-96/07, EU:C:2008:267, n.° 63).


23 – Observamos, a este respeito, que vários Estados-Membros preveem este tipo de coimas (v. artigo 70.° do Código do IVA belga, artigo 77.° da Lei luxemburguesa do imposto sobre o valor acrescentado ou ainda artigo 1737.° do Código Geral dos Impostos francês).


24 – Nesse acórdão, o Tribunal de Justiça declarou que «importa recordar que o sistema comum do IVA não proíbe que se proceda à retificação de faturas erradas. Assim, quando estão reunidas todas as condições materiais para que possa beneficiar do direito a dedução do IVA e, antes da decisão da autoridade em causa, o sujeito passivo forneceu a esta última uma fatura retificada, o benefício deste direito não lhe pode, em princípio, ser recusado pelo facto de a fatura inicial conter um erro» (n.° 34, itálico nosso).