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CONCLUSÕES DO ADVOGADO-GERAL

MACIEJ SZPUNAR

apresentadas em 17 de março de 2016 (1)

Processo C-11/15

Odvolací finanční ředitelství

contra

Český rozhlas

[pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Nejvyšší správní soud (Supremo Tribunal Administrativo, República Checa)]

«Fiscalidade – Imposto sobre o valor acrescentado – Isenção do imposto – Atividades dos organismos públicos de radiotelevisão sem caráter comercial – Serviço público de radiodifusão – Financiamento por taxas obrigatórias – Qualificação dessa prestação de serviço»





 Introdução

1.        O sistema do imposto sobre o valor acrescentado («IVA») assenta num duplo mecanismo, concretamente, o pagamento do imposto a jusante e a dedução do imposto pago a montante. Este mecanismo permite que este imposto seja neutro do ponto de vista dos operadores económicos; o respetivo encargo financeiro é suportado apenas pelos consumidores.

2.        Para garantir à administração fiscal o recebimento efetivo do que lhe é devido, é necessário que a dedução respeite apenas aos bens e aos serviços adquiridos para os fins de uma atividade tributável, de forma que o IVA pago a montante seja realmente deduzido daquele que é pago a jusante. Se o sujeito passivo efetua simultaneamente uma atividade tributável e uma atividade isenta, são necessárias regras específicas para determinar a parte do IVA pago a montante que pode ser deduzido. A situação complica-se ainda mais quando o sujeito passivo efetua, além disso, uma atividade que não é de forma alguma abrangida pelo sistema do IVA, porque não tem o caráter de uma atividade económica efetuada a título oneroso na aceção das disposições que regem o sistema do IVA. O presente processo oferece a oportunidade de precisar o alcance da jurisprudência do Tribunal de Justiça na matéria.

 Quadro jurídico

 Direito da União

3.        O artigo 2.°, ponto 1, da Sexta Diretiva 77/388/CEE do Conselho, de 17 de maio de 1977, relativa à harmonização das legislações dos Estados-Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios — sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado: matéria coletável uniforme (2) (a seguir «Sexta Diretiva»), dispõe:

«Estão sujeitas ao [IVA]:

1.      As entregas de bens e as prestações de serviços efetuadas a título oneroso, no território do país, por um sujeito passivo agindo nessa qualidade;»

4.        Nos termos do artigo 13.°, A, n.° 1, alínea q), desta diretiva:

«Isenções em benefício de certas atividades de interesse geral

1.      Sem prejuízo de outras disposições comunitárias, os Estados-Membros isentarão, nas condições por eles fixadas com o fim de assegurar a aplicação correta e simples das isenções a seguir enunciadas e de evitar qualquer possível fraude, evasão e abuso:

[...]

q)      As atividades dos organismos públicos de radiotelevisão que não tenham caráter comercial.»

5.        Segundo o artigo 17.°, n.os 2, alínea a), e 5, da Sexta Diretiva:

«2.      Desde que os bens e os serviços sejam utilizados para os fins das próprias operações tributáveis, o sujeito passivo está autorizado a deduzir do [IVA] de que é devedor:

a)      O [IVA] devido ou pago no território do país em relação a bens que lhe sejam ou venham a ser entregues e em relação a serviços que lhe sejam ou venham a ser prestados por outro sujeito passivo;

[…]

5.      No que diz respeito aos bens e aos serviços utilizados por um sujeito passivo, não só para operações com direito à dedução, previstas nos n.os 2 e 3, como para operações sem direito à dedução, a dedução só é concedida relativamente à parte do imposto sobre o valor acrescentado proporcional ao montante respeitante à primeira categoria de operações.

Este pro rata é determinado nos termos do artigo 19.°, para o conjunto das operações efetuadas pelo sujeito passivo.

[…]»

6.        O artigo 19.°, n.° 1, da Sexta Diretiva dispõe:

«O pro rata de dedução, previsto no artigo 17.°, n.° 5, primeiro parágrafo, resulta de uma fração que inclui:

–        no numerador, o montante total do volume de negócios anual, líquido do [IVA], relativo às operações que conferem direito à dedução nos termos dos n.os 2 e 3 do artigo 17.°;

–        no denominador, o montante total do volume de negócios anual, líquido do [IVA], relativo às operações incluídas no numerador e às operações que não conferem direito à dedução. Os Estados-Membros podem incluir, igualmente, no denominador o montante das subvenções que não sejam as referidas em A, 1, a), do artigo 11.°

[…]»

 Direito checo

7.        As disposições acima referidas foram transpostas para o direito checo pelos artigos 2.°, n.° 1, 51.°, n.° 1, alínea b), 72.° e 76.°, n.os 1 e 2 da Lei n.° 235/2004 relativa ao imposto sobre o valor acrescentado (zákon č. 235/2004 Sb. o dani z přidané hodnoty).

8.        Ao abrigo da Lei n.° 348/2005 relativa às taxas de rádio e televisão e que altera determinadas leis (zákon č. 348/2005 Sb. o rozhlasových a televizních poplatcích a o změně některých zákonů, a seguir «Lei n.° 348/2005»), na sua versão aplicável ao litígio no processo principal, foi criada uma taxa de radiodifusão para financiar o serviço público de radiodifusão checo. Nos termos do artigo 3.° desta lei, o devedor da taxa de radiodifusão é a pessoa singular ou coletiva proprietária de um aparelho recetor de rádio ou a que, não sendo proprietária de um aparelho recetor de rádio, possui ou utiliza um aparelho recetor de rádio, com outro fundamento jurídico, durante pelo menos um mês. O artigo 7.° da mesma lei estabelece que o sujeito passivo pague a taxa de radiodifusão ao operador de radiodifusão, quer diretamente quer por intermédio de uma pessoa mandatada.

9.        A atividade de radiodifusão financiada pelas taxas de radiodifusão é considerada pelo direito checo uma atividade isenta de IVA.

 Factos do processo principal, tramitação processual e questão prejudicial

10.      A Český rozhlas é o organismo público de radiodifusão checo criado por lei e financiado, nomeadamente, pela taxa de radiodifusão estabelecida nos termos da Lei n.° 348/2005.

11.      Por declarações fiscais complementares relativas ao período de março a dezembro de 2006, a Český rozhlas procedeu a um aumento suplementar do seu direito à dedução do IVA ao excluir do cálculo do coeficiente utilizado para a dedução do IVA as prestações correspondentes às taxas de radiodifusão que lhe foram pagas, que tinha inicialmente declarado como prestações isentas de IVA sem direito à dedução deste imposto. A este respeito, a Český rozhlas alegou que essas taxas não constituíam a remuneração do serviço público de radiodifusão fornecido.

12.      Esta posição da Český rozhlas não foi aceite pelas autoridades fiscais que, por avisos de liquidação complementares, recusaram a exclusão das referidas prestações do cálculo do pro rata de dedução.

13.      Tendo a reclamação da Český rozhlas sido indeferida, esta contestou as decisões das autoridades fiscais no Mĕstský soud v Praze (Tribunal Municipal de Praga), que as anulou por sentença de 6 de junho de 2014.

14.      A recorrente no processo principal interpôs no órgão jurisdicional de reenvio um recurso dessa sentença. Foi neste contexto que o Nejvyšší správní soud (Supremo Tribunal Administrativo) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial:

«Pode a atividade de radiodifusão de serviço público, financiada por meio de taxas legais obrigatórias, cujo montante é determinado por lei e que se baseiam na propriedade, posse ou disponibilidade a qualquer outro título de um aparelho recetor de rádio, ser considerada uma ‘prestação de um serviço a título oneroso’ na aceção do artigo 2.°, n.° 1, da Sexta Diretiva [...], que está isenta de IVA em conformidade com o disposto no artigo [13.°, A], n.° 1, alínea q), da mesma diretiva, ou constitui uma atividade de caráter não económico que não está sujeita a IVA nos termos do artigo 2.° da Sexta Diretiva, e à qual, por consequência, não é aplicável a isenção de IVA prevista no artigo [13.°, A], n.° 1, alínea q), da referida diretiva?»

15.      A decisão de reenvio deu entrada no Tribunal de Justiça em 13 de janeiro de 2015. Foram apresentadas observações escritas pelas partes no processo principal, pelos Governos checo, helénico e do Reino Unido, bem como pela Comissão Europeia. A Český rozhlas, os Governos checo e do Reino Unido e a Comissão fizeram-se representar na audiência que teve lugar em 17 de dezembro de 2015.

 Análise

16.      Com a sua questão prejudicial, o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber, em substância, se o artigo 2.°, ponto 1, da Sexta Diretiva deve ser interpretado no sentido de que a atividade de um organismo público de radiodifusão financiado por uma taxa obrigatória estabelecida por lei e paga por todos os possuidores de um aparelho recetor de rádio constitui uma atividade económica sujeita ao IVA por força dessa disposição. Em caso de resposta afirmativa, essa atividade deveria logicamente ser isenta do IVA, em conformidade com o artigo 13.°, A, n.° 1, alínea q), da Sexta Diretiva.

17.      No entanto, é preciso ter presente que esta questão foi colocada no âmbito do litígio que opõe a Český rozhlas às autoridades fiscais cujo objeto é o direito à dedução do IVA pago a montante sobre os bens e os serviços adquiridos por aquela, relacionados com as suas atividades. Por conseguinte, para responder utilmente à questão submetido, o Tribunal de Justiça não se pode abstrair deste aspeto.

18.      Consequentemente, importa analisar em primeiro lugar o conceito de atividade «a título oneroso» na aceção do artigo 2.°, ponto 1, da Sexta Diretiva. Começarei, no entanto, por evocar, em algumas observações preliminares, as dúvidas suscitadas pela Český rozhlas nas suas observações escritas quanto à pertinência da questão prejudicial para a solução do litígio no processo principal.

 Quanto à pertinência da questão prejudicial

19.      A Český rozhlas afirma, nas suas observações escritas, que o litígio do processo principal incide unicamente sobre a natureza da taxa de radiodifusão. Trata-se de saber se essa taxa pode ser qualificada de remuneração pelos serviços prestados pela Český rozhlas enquanto organismo público de radiodifusão, questão à qual a sentença objeto do recurso no processo principal respondeu negativamente. No entanto, segundo a Český rozhlas, o órgão jurisdicional de reenvio, influenciado a este respeito pelos argumentos da recorrente no processo principal, desvirtuou o problema ao pedir ao Tribunal de Justiça para determinar se a atividade de serviço público de radiodifusão enquanto tal constitui uma atividade abrangida pelo sistema do IVA. Ora, segundo a Český rozhlas, esta questão não é pertinente, porque essa atividade também pode ser financiada por outros meios diferentes da taxa de radiodifusão.

20.      Não partilho das dúvidas da Český rozhlas. É claro que compete à ordem jurídica nacional de cada Estado-Membro organizar o financiamento da atividade de serviço público de radiodifusão e que uma taxa do tipo da taxa de radiodifusão checa pode não cobrir a totalidade dos custos dessa atividade. No entanto, a formulação da questão prejudicial, que se refere à «radiodifusão de serviço público, financiada por meio de taxas legais obrigatórias», significa necessariamente que tem por objeto a atividade de serviço público de radiodifusão na medida em que é financiada pela taxa de radiodifusão.

21.      Ora, para responder à questão de saber se essa atividade deve ser considerada uma prestação de serviços a título oneroso na aceção do artigo 2.°, ponto 1, da Sexta Diretiva, é essencial analisar a natureza da taxa de radiodifusão. Com efeito, é preciso determinar se essa taxa pode ser qualificada de remuneração das prestações da Český rozhlas. Em contrapartida, não é suficiente que nos limitemos a essa análise, como pretende a Český rozhlas, dado que o litígio do processo principal não respeita, com efeito, à natureza da taxa de radiodifusão em si, mas à do alcance do direito à dedução da Český rozhlas. Por conseguinte, na minha opinião, a questão prejudicial está formulada de maneira perfeitamente pertinente.

 Quanto ao conceito de atividade «a título oneroso»

22.      Os critérios que permitem definir o caráter oneroso de uma atividade resultam de jurisprudência assente do Tribunal de Justiça (3). Segundo essa jurisprudência, uma prestação de serviços só é efetuada a título oneroso, na aceção do artigo 2.°, ponto 1, da Sexta Diretiva, e, por conseguinte, só é tributável, se existir entre o prestador e o beneficiário uma relação jurídica no âmbito da qual são realizadas prestações recíprocas, constituindo a retribuição recebida pelo prestador o contravalor efetivo do serviço fornecido ao beneficiário. A existência de uma ligação direta entre o serviço prestado e o contravalor recebido é, portanto, necessária (4). Assim, quando a atividade de um prestador consiste em fornecer exclusivamente prestações sem contrapartida direta, não existe matéria coletável, não estando, portanto, estas prestações sujeitas ao IVA (5).

23.      Por conseguinte, é à luz destes critérios que importa agora analisar o caráter da atividade de radiodifusão financiada através de uma taxa como a taxa de radiodifusão em causa no processo principal.

 Relação entre a Český rozhlas e os devedores

24.      Na minha opinião, quando a situação é analisada do ponto de vista da relação entre a Český rozhlas e as pessoas devedoras da taxa de radiodifusão, a conclusão que se impõe necessariamente é que a atividade da Český rozhlas financiada através da taxa de radiodifusão não preenche os critérios necessários para ser considerada uma atividade sujeita a IVA.

25.      Com efeito, é forçoso constatar que a necessária relação jurídica direta não existe aqui. Por um lado, a atividade da Český rozhlas está organizada com base na lei e a prossecução dessa atividade não depende da identidade dos ouvintes nem do seu número concreto. Por conseguinte, é uma atividade de serviço público de radiodifusão que se carateriza por dois elementos essenciais. Em primeiro lugar, trata-se de uma radiodifusão em sinal aberto. Em segundo lugar, uma vez que se trata de uma atividade que beneficia, justamente, de um financiamento público, o conteúdo dos programas difundidos não é ditado por considerações de rentabilidade económica.

26.      Por outro lado, do ponto de vista do devedor, a obrigação de pagamento da taxa de radiodifusão é também absolutamente independente da utilização efetiva do serviço público de radiodifusão. A obrigação relativamente à taxa de radiodifusão é uma obrigação legal, cujo facto gerador não é o facto de ouvir a rádio pública, mas a posse de um aparelho recetor de rádio. Na medida em que, paralelamente à rádio pública, pode também haver operadores de radiodifusão privados, a posse de um aparelho recetor de rádio não equivale de forma alguma à utilização do serviço público de radiodifusão. Não obstante, o facto de não ouvir a rádio pública não isenta da obrigação de pagar a taxa de radiodifusão. Do mesmo modo, a possibilidade de ouvir não está condicionada ao pagamento dessa taxa, uma vez que o serviço público de radiodifusão é transmitido em sinal aberto. A pessoa que tenha omitido o pagamento da taxa corre no máximo o risco de eventuais sanções administrativas.

27.      Essa possibilidade de utilizar um aparelho recetor de rádio para outros fins além de ouvir programas da rádio pública exclui necessariamente, na minha opinião, a tese de que a aquisição desse aparelho recetor traduz a vontade de utilizar o serviço público de radiodifusão, cuja taxa de radiodifusão constitui o preço. O pagamento dessa taxa é uma obrigação legal que está efetivamente relacionada com a posse de um aparelho recetor de rádio, mas que se mantém, em contrapartida, totalmente independente da utilização, ou não, do serviço público de radiodifusão.

28.      Assim, a obrigação de pagar a taxa de radiodifusão não cria nenhuma relação jurídica entre o devedor e o operador do serviço público de radiodifusão uma vez que, em primeiro lugar, o facto gerador dessa obrigação reside não na utilização das prestações efetuadas pelo operador de radiodifusão em questão, mas na posse de um aparelho recetor de rádio e que, em segundo lugar, o acesso às referidas prestações não está sujeito ao pagamento dessa taxa.

29.      Daqui decorre que a taxa de radiodifusão não é, do ponto de vista do devedor, um contravalor das prestações do operador do serviço público de radiodifusão.

 Relação entre a Český rozhlas e o Estado checo

30.      Nas suas observações, o Governo checo desenvolve uma análise diferente, a saber, a existência de uma relação jurídica triangular na qual o Estado Checo confia à Český rozhlas a missão de prestar um serviço de interesse geral em benefício dos destinatários (potenciais utilizadores), assegurando-lhe uma contrapartida financeira sob a forma da taxa de radiodifusão.

31.      Esta análise não me convence, pela simples razão de que a relação entre a Český rozhlas e o Estado checo não é de natureza contratual relativa a uma prestação de serviços.

32.      O serviço público de radiodifusão é constituído no interesse geral, para prover às necessidades de natureza democrática, social e cultural da sociedade, bem como à necessidade de preservar o pluralismo nos meios de comunicação social (6). Para o efeito, os Estados criam organismos públicos responsáveis pelos serviços de radiodifusão e asseguram o respetivo financiamento, que reveste frequentemente a forma de uma taxa como a taxa de radiodifusão em causa no processo principal. Esses estabelecimentos asseguram a missão de serviço público de radiodifusão que consiste em fornecer um serviço gratuito, em sinal aberto e independente de constrangimentos económicos ou outros, contrários à sua missão. É nesta ótica que o protocolo relativo ao serviço público de radiodifusão nos Estados-Membros estipula que as disposições dos Tratados não prejudicam o poder dos Estados-Membros de proverem ao financiamento do serviço público de radiodifusão.

33.      Os organismos do serviço público de radiodifusão são criados pelo Estado, que define a sua missão, garante o seu cumprimento e assegura o seu financiamento, por exemplo atribuindo-lhes as receitas de uma contribuição obrigatória especialmente instituída para o efeito. Por conseguinte, não se trata de uma relação económica que tenha sido livremente estabelecida por duas entidades autónomas, o Estado e o organismo de radiodifusão, a qual, aliás, deve estar plenamente sujeita às disposições dos Tratados e do direito derivado. O organismo do serviço público de radiodifusão não cobra um «preço» pelos seus serviços e a taxa não constitui o pagamento desse preço.

34.      Entre os argumentos suscitados no âmbito do presente processo, a taxa em causa no processo principal foi apresentada como uma forma de imposto destinado a financiar um determinado tipo de atividade pública. Eu diria antes que essa taxa – o que é especialmente válido quando as suas modalidades são as da taxa de radiodifusão checa, a saber uma taxa paga pelos devedores diretamente ao organismo de radiodifusão beneficiário – parece uma subvenção sob forma específica de recurso próprio atribuído pelo Estado a esse organismo. Ora, a atividade pela qual o sujeito passivo não recebe nenhuma contrapartida por parte dos destinatários e que é financiada por uma subvenção destinada a financiar de maneira geral a atividade desse sujeito passivo, não pode seguramente ser qualificada de atividade a título oneroso.

35.      Consequentemente, mesmo que seja analisada sob o ponto de vista da relação entre a Český rozhlas e o Estado checo, a taxa de radiodifusão não pode ser considerada uma contrapartida pelo serviço público de radiodifusão, não constituindo atividade da Český rozhlas, financiada através dessa taxa, uma atividade a título oneroso na aceção da Sexta Diretiva.

 Relevância do acórdão Le Rayon d’Or

36.      O órgão jurisdicional de reenvio chama ainda a atenção do Tribunal de Justiça para o seu acórdão Le Rayon d’Or (7), questionando-se sobre a possibilidade de aplicar a solução adotada nesse acórdão, ou uma solução específica semelhante, ao serviço público de radiodifusão financiado através de uma taxa.

37.      Na minha opinião, esta sugestão deve ser rejeitada. Nesse acórdão, o Tribunal de Justiça declarou, efetivamente, que as prestações de um lar de terceira idade deviam ser consideradas como efetuadas a título oneroso, embora a remuneração dessas prestações fosse paga não pelos beneficiários das referidas prestações, que respeitam a cuidados específicos, mas pela Caixa de Seguro de Doença, e isso de forma fixa.

38.      No entanto, o processo que deu origem ao acórdão Le Rayon d’Or (8) distingue-se do presente processo pela relação jurídica que existia efetivamente entre os beneficiários das prestações, isto é os residentes do lar de terceira idade, e esse estabelecimento. A única particularidade dessa relação residia na intervenção da caixa de doença que participava, por assim dizer, nas obrigações dos residentes a fim de cobrir as despesas das prestações de que estes tinham beneficiado. Ora, no caso do serviço público de radiodifusão, como já mencionei no n.° 28 das presentes conclusões, é precisamente essa relação jurídica que falta. Consequentemente, a solução adotada pelo Tribunal de Justiça no seu acórdão Le Rayon d’Or (9) não é transponível para o presente processo.

 Quanto à ratio legis do artigo 13.°, A, n.° 1, alínea q), da Sexta Diretiva

39.      O órgão jurisdicional de reenvio também se questiona sobre as intenções do legislador comunitário ao adotar a disposição do artigo 13.°, A, n.° 1, alínea q), da Sexta Diretiva, na hipótese de a atividade de radiodifusão pública, financiada normalmente por uma taxa como a que está em causa no processo principal, não ser considerada abrangida no seu âmbito de aplicação. Segundo o Governo checo, a isenção prevista por esta disposição não teria, então, sentido.

40.      Não partilho desta incerteza. O artigo 13.°, A, n.° 1, alínea q), da Sexta Diretiva faz parte de uma longa lista de isenções «em benefício de certas atividades de interesse geral». Essas atividades, seja pela sua própria natureza seja pelas pessoas que as efetuam, encontram-se frequentemente excluídas do âmbito de aplicação da Sexta Diretiva, por não serem atividades a título oneroso na aceção desta diretiva. No entanto, essas atividades podem ter diferentes formas de financiamento. Também podem ser efetuadas a título oneroso, pelo menos em parte. É também o caso das atividades dos organismos públicos de radiodifusão que podem não ser financiados na sua totalidade por uma taxa, o que o próprio Governo checo, aliás, reconhece (10). São estas as situações em que o artigo 13.°, A, n.° 1, alínea q), da Sexta Diretiva prevê isentar essas atividades. O facto de, na prática, se tratar frequentemente de atividades que não são de forma alguma abrangidas pelo sistema do IVA não deixa essa isenção sem objeto.

41.      É preciso acrescentar que, em todo o caso, uma disposição da Sexta Diretiva que prevê a isenção de uma determinada atividade, como o seu artigo 13.°, A, n.° 1, alínea q), não pode ser interpretada de maneira a alargar o âmbito de aplicação desta diretiva definido no seu artigo 2.° Por conseguinte, é o facto de pertencer à categoria de atividades tributáveis que é condição de uma eventual isenção e não o inverso.

 Conclusão quanto à natureza da atividade da Český rozhlas financiada através da taxa de radiodifusão

42.      Tendo em atenção os elementos que precedem, na minha opinião, deve considerar-se que a atividade da Český rozhlas, na medida em que é financiada através da taxa de radiodifusão, não é abrangida pelo âmbito de aplicação da Sexta Diretiva, uma vez que não se trata de uma atividade a título oneroso.

43.      Em princípio, esta constatação é suficiente para responder à questão prejudicial, conforme formulada pelo órgão jurisdicional de reenvio. No entanto, parece-me que o Tribunal de Justiça pode considerar, no espírito de cooperação com os órgãos jurisdicionais nacionais subjacente ao artigo 267.° TFUE e numa preocupação de dar ao órgão jurisdicional de reenvio a resposta mais útil possível para a resolução do litígio do processo principal, prosseguir a sua reflexão abordando a questão do alcance do direito da Český rozhlas à dedução do imposto pago a montante.

 Quanto ao direito à dedução dos sujeitos passivos que efetuam simultaneamente operações tributáveis e operações que não são abrangidas pelo sistema do IVA

 Observações preliminares

44.      Nos termos do artigo 17.°, n.° 2, da Sexta Diretiva, «[d]esde que os bens e os serviços sejam utilizados para os fins das próprias operações tributáveis, o sujeito passivo está autorizado a deduzir do [IVA] de que é devedor» o IVA devido ou pago por esses bens e serviços. O direito à dedução do imposto pago a montante é o mecanismo essencial do sistema do IVA, porque permite que este imposto seja neutro para os operadores económicos; em princípio, só os consumidores suportam o respetivo encargo.

45.      No entanto, para que o IVA seja efetivamente imputado aos consumidores, o direito à dedução só pode respeitar aos bens e aos serviços utilizados em seguida pelo sujeito passivo para as próprias operações tributáveis. Assim, o IVA pago a montante será deduzido do IVA pago a jusante que o sujeito passivo reterá dos seus próprios cocontratantes incluindo-o no preço das suas próprias entregas de bens ou prestações de serviços. Em contrapartida, se o sujeito passivo tivesse o direito de deduzir o IVA pago a montante sobre bens e serviços que não serão utilizados nas próprias operações tributáveis, esse IVA deveria ser-lhe reembolsado, de tal forma que, na prática, bens e serviços tributáveis não seriam tributados. Nesse caso, seria então o sujeito passivo a suportar o encargo do imposto, substituindo-se ao consumidor.

46.      O sistema do IVA comporta mecanismos de correção quando os bens e os serviços adquiridos pelo sujeito passivo não são utilizados para os fins das próprias operações tributáveis. As duas situações mais correntes são aquela em que o sujeito passivo utiliza os bens ou os serviços, no todo ou em parte, nas suas operações isentas e aquela em que os utiliza para as suas próprias necessidades ou para as dos seus empregados.

47.      No entanto, a Sexta Diretiva não contém regras específicas aplicáveis à situação de um sujeito passivo que efetua simultaneamente operações tributáveis e operações que não são abrangidas de forma alguma pelo sistema do IVA. No que respeita a bens e serviços cuja utilização pelo sujeito passivo, numa ou noutra daquelas categorias de operações (isto é, operações tributáveis e não tributáveis) possa ser facilmente determinada, a solução é simples e decorre diretamente no artigo 17.°, n.° 2, da Sexta Diretiva. Com efeito, os bens e os serviços utilizados para operações tributáveis dão direito à dedução (exceto se essas operações estiverem isentas) e os bens e os serviços utilizados para operações que não são abrangidas pelo sistema do IVA não dão direito a nenhuma dedução. Em contrapartida, a questão do alcance do direito à dedução coloca-se em relação aos bens e aos serviços utilizados, simultaneamente, e de maneira indissociável, para operações tributáveis e para operações que não são abrangidas pelo sistema do IVA. Esses bens e serviços podem ser múltiplos e representar uma parte significativa do custo da atividade económica, por exemplo a eletricidade, o arrendamento de escritórios, os serviços de limpeza, determinados equipamentos, etc.

 O caso da Český rozhlas

48.      Essa será também a situação da Český rozhlas, se o Tribunal de Justiça concordar com a minha proposta de resposta à questão prejudicial relativamente à qualificação da sua atividade financiada através da taxa de radiodifusão (11). Nesta hipótese, haverá que afastar a tese das autoridades fiscais checas segundo a qual a atividade da Český rozhlas financiada através da taxa de radiodifusão é abrangida pelo sistema do IVA, mas beneficia da isenção ao abrigo do artigo 13.°, A, n.° 1, alínea q), da Sexta Diretiva. Por conseguinte, não será possível aplicar o método de cálculo do direito à dedução ao pro rata previsto nos artigos 17.°, n.° 5, e 19.° da Sexta Diretiva. Com efeito, a expressão «operações sem direito à dedução» utilizada nestas disposições não engloba as operações efetuadas no âmbito de uma atividade que não é abrangida pelo âmbito de aplicação do sistema do IVA (12).

49.      Por seu turno, a Český rozhlas defende no processo principal que a recusa de qualificar a taxa de radiodifusão como remuneração deveria levar à exclusão das quantias obtidas através dessa taxa do cálculo do pro rata de dedução. Consequentemente, o seu direito à dedução deveria ascender a 100% do IVA pago a montante (13). Este ponto de vista é pertinente, sobretudo se a análise incidir unicamente sobre a natureza dos rendimentos obtidos com a taxa de radiodifusão. Com efeito, segundo jurisprudência assente, o direito à dedução faz parte integrante do mecanismo que rege o IVA, que não pode, em princípio, ser limitado e que se exerce em relação à totalidade dos impostos que incidiram sobre as operações tributáveis efetuadas a montante (14). O facto de o sujeito passivo obter rendimentos que não são a contrapartida das suas prestações e que não entram no seu volume de negócios não deveria, em princípio, implicar uma limitação ao seu direito à dedução.

50.      No entanto, esta análise negligencia o facto de a taxa de radiodifusão não ser um rendimento adicional da Český rozhlas, mas um dos seus principais meios de financiamento (15). Com efeito, essa taxa permite financiar a sua atividade estatutária, ou pelo menos a parte essencial dessa atividade. Por conseguinte, a natureza da atividade assim financiada é indissociável da própria natureza do seu financiamento, que, no caso em apreço, não se apresenta sob a forma de remuneração por prestações efetuadas, mas antes como um recurso próprio (16). Deste modo, essa atividade, conforme a minha proposta de resposta no presente processo, não deve ser considerada uma atividade a título oneroso na aceção do artigo 2.°, ponto 1, da Sexta Diretiva. Consequentemente, a questão está em saber se essa atividade pode conferir um direito à dedução do IVA pago a montante em relação aos bens e aos serviços utilizados simultaneamente para os fins dessa atividade e de atividades tributáveis.

51.      Na minha opinião, esta questão exige uma resposta negativa. Com efeito, atribuir um direito à dedução por bens e serviços utilizados para os fins de uma atividade que não é abrangida pelo âmbito de aplicação do sistema do IVA seria contrário à lógica desse sistema e, mais especificamente, aos termos categóricos e claros do artigo 17.°, n.° 2, da Sexta Diretiva (17). Nesse caso, o IVA pago a montante não seria deduzido do IVA devido a jusante pelo sujeito passivo pelas suas operações tributáveis (porque ele não as terá) mas poderia pedir o seu reembolso. Por conseguinte, esse IVA não seria, afinal, pago por ninguém e os bens e os serviços presentes na cadeia das operações a jusante estariam de facto isentos, em violação do princípio da universalidade do IVA.

52.      É tanto mais assim no caso de um sujeito passivo operador de serviço público de radiodifusão, uma vez que as suas atividades – se forem efetuadas a título oneroso e se, consequentemente, forem tributáveis – estão isentas por força do artigo 13.°, A, n.° 1, alínea q), da Sexta Diretiva, com exceção das atividades comerciais que não estão aqui em causa, e não conferem nenhum direito à dedução (18). Por conseguinte, não seria lógico reconhecer o direito à dedução no caso de atividades que não são tributáveis pelo facto de as mesmas não serem efetuadas a título oneroso e não reconhecer o direito à dedução por essas atividades se as mesmas forem tributáveis.

53.      A comparação com a situação de um operador de radiodifusão privado é talvez expressiva. Esse operador de radiodifusão também pode, e é muitas vezes o caso, difundir os seus programas em sinal aberto, consequentemente sem receber pagamento por parte dos ouvintes. No entanto, uma vez que não recebe nenhuma taxa nem outro meio de financiamento público, deve financiar a sua atividade difundindo «comunicações comerciais», para retomar a expressão da diretiva «Serviços de Comunicação Social Audiovisual» (19), isto é, publicidade, programas patrocinados, etc. Essas comunicações comerciais são destinadas aos ouvintes dos programas do operador de radiodifusão, de forma que a difusão das comunicações comerciais é indissociável da difusão dos programas. Por conseguinte, do ponto de vista económico, essas emissões constituem a atividade do operador de radiodifusão financiada através da receita gerada pelas comunicações comerciais, que constitui o volume de negócios desse operador de radiodifusão. Assim, o IVA pago a montante sobre os bens e os serviços utilizados por esse operador de radiodifusão por toda a sua atividade será deduzido do IVA pago a jusante, incluído no preço das comunicações comerciais faturadas por este. Consequentemente, essa inclusão justifica o seu direito à dedução de todo o IVA pago a montante.

54.      Essa não é a situação de um operador de serviço público de radiodifusão cuja atividade é, pelo menos em parte, financiada por uma taxa. Uma vez que essa taxa não é uma contrapartida das prestações efetuadas, não há IVA a jusante e, portanto, o IVA pago a montante não pode ser deduzido. O operador de serviço público de radiodifusão pode, bem entendido, ter também uma atividade comercial, financiada por outros meios. Essa atividade conferir-lhe-á então um direito à dedução, mas apenas sobre a parte dos bens e dos serviços utilizados para os fins dessa atividade comercial.

55.      Para eliminar qualquer ambiguidade, é preciso acrescentar que não se pode, na minha opinião, transpor a solução adotada pelo Tribunal de Justiça no seu acórdão Kretztechnik (20) para a situação de um operador de serviço público de radiodifusão. Nesse acórdão, o Tribunal de Justiça admitiu a dedução do IVA pago a montante sobre as despesas efetuadas para efeitos de uma emissão de ações pelo sujeito passivo, ao considerar que essa emissão servia a atividade económica (portanto tributada) desse sujeito passivo no seu todo. No entanto, a atividade de um operador de serviço público de radiodifusão não é exercida com o objetivo de obter a taxa. Pelo contrário, a finalidade do operador de radiodifusão é exercer essa atividade de radiodifusão, sendo a taxa apenas um meio de a financiar. Aliás, mesmo que essa atividade fosse exercida a título oneroso, estaria isenta por força do artigo 13.°, A, n.° 1, alínea q), da Sexta Diretiva. Por conseguinte, não há nenhuma analogia com a situação do processo que deu origem ao acórdão Kretztechnik.

 Cálculo do alcance do direito à dedução

56.      A constatação de que a atividade financiada por meio da taxa não confere nenhum direito à dedução do IVA pago a montante é válida tanto para os bens e serviços utilizados pelo sujeito passivo exclusivamente para os fins das suas atividades não tributáveis como para os bens e serviços utilizados simultaneamente e de maneira indissociável para os fins dessas atividades e para os fins das atividades tributáveis. Os bens e os serviços pertencentes à primeira categoria não levantam nenhum problema, uma vez que, muito simplesmente, o sujeito passivo não tem direito à dedução. Em contrapartida, em relação à segunda categoria, importa determinar em que medida o sujeito passivo deve poder beneficiar do seu direito à dedução para que, por um lado, esse direito se mantenha relativamente à parte correspondente às suas operações tributáveis e, por outro lado, não tenha «sobrecompensação» indevida.

57.      Como o Tribunal de Justiça observou no acórdão Securenta (21), as disposições da Sexta Diretiva não comportam nenhumas normas que tenham por objeto os métodos ou os critérios que os Estados-Membros estão obrigados a aplicar quando adotam disposições que permitem uma repartição dos valores do IVA pagos a montante, consoante as correspondentes despesas digam respeito a atividades tributáveis ou a atividades não tributáveis.

58.      A Comissão sugere, nas suas observações escritas, que uma taxa como a de radiodifusão em causa no processo principal pode ser analisada como uma subvenção na aceção do artigo 19.°, n.° 1, segundo travessão, da Sexta Diretiva. Os Estados-Membros teriam, então, por força desta disposição, a possibilidade de incluir essa taxa no denominador do pro rata de dedução, limitando, assim, proporcionalmente o alcance do direito à dedução.

59.      No entanto, do meu ponto de vista, essa possibilidade não é aplicável à taxa que serve para financiar operadores públicos de radiodifusão nos Estados-Membros. Independentemente do facto de a taxa de radiodifusão em causa no processo principal ser uma subvenção que tem a natureza específica de um recurso próprio, vejo aí, com efeito, dois inconvenientes.

60.      Em primeiro lugar, essa solução integraria atividades no sistema do IVA que não são abrangidas por este. Como já expliquei no n.° 50 das presentes conclusões, a taxa de radiodifusão não pode ser analisada separadamente da atividade para cujo financiamento serve. Devido a esse financiamento, essa atividade não é exercida a título oneroso e não é abrangida pelo sistema do IVA. Se o mecanismo previsto no artigo 19.° da Sexta Diretiva não é aplicável às atividades não tributáveis (22), não se pode incluir nele os montantes correspondentes a essas atividades.

61.      Em segundo lugar, o mecanismo previsto nesse artigo só é aplicável no caso de um sujeito passivo «misto», isto é que efetue simultaneamente operações tributáveis e isentas. Não pode ser aplicado a um sujeito passivo que só efetue operações tributáveis e, por outro lado, receba subvenções, de forma que o denominador do pro rata é apenas constituído pelo volume de negócios das operações tributáveis e pelo montante das subvenções (23). Os operadores públicos de radiodifusão podem exercer, a par da atividade financiada através da taxa, outras atividades que estão isentas por força do artigo 13.°, A, n.° 1, alínea q), da Sexta Diretiva, mas também podem não exercer essas atividades. Ora, a solução preconizada pela Comissão só é aplicável aos primeiros, o que poderia provocar fortes distorções da concorrência e frustraria o objetivo de harmonização da Sexta Diretiva.

62.      Na minha opinião, a problemática das taxas que servem para financiar os operadores públicos de radiodifusão deve ser resolvida com base na solução adotada pelo Tribunal de Justiça no acórdão Securenta. Nesse acórdão, tendo o Tribunal de Justiça constatado a inexistência, nas disposições da Sexta Diretiva, de regras respeitantes à determinação do alcance do direito à dedução dos sujeitos passivos que exercem, simultaneamente, atividades tributáveis (e tributadas) e atividades não tributáveis, declarou que a determinação dos métodos e dos critérios de repartição dos montantes do IVA pago a montante entre atividades tributáveis e atividades não tributáveis se insere no poder de apreciação dos Estados-Membros, que, no exercício deste poder, devem ter em conta a finalidade e a economia da Sexta Diretiva e, a esse título, prever um modo de cálculo que reflita objetivamente a parte de imputação real das despesas a montante a cada uma destas duas atividades (24).

63.      É verdade que o acórdão Securenta dizia respeito ao problema específico das despesas relacionadas com a emissão de ações e de títulos de investimento. No entanto, a solução adotada nesse acórdão não é especificamente reservada a esse domínio e é, na minha opinião, perfeitamente transponível para outras situações de sujeitos passivos que exerçam simultaneamente uma atividade tributada e uma atividade que não é abrangida pelo sistema do IVA.

 Conclusão

64.      Tendo em atenção as considerações precedentes, proponho ao Tribunal de Justiça que responda nos seguintes termos à questão prejudicial submetida pelo Nejvyšší správní soud (Supremo Tribunal Administrativo):

1)      O artigo 2.°, ponto 1, da Sexta Diretiva 77/388/CEE do Conselho, de 17 de maio de 1977, relativa à harmonização das legislações dos Estados-Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios – sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado: matéria coletável uniforme, deve ser interpretado no sentido de que a atividade de um organismo público de radiodifusão financiado através de uma taxa legal obrigatória e paga por todos os possuidores de um aparelho recetor de rádio não constitui uma atividade a título oneroso na aceção desta disposição e não confere direito à dedução do imposto sobre o valor acrescentado devido ou pago sobre os bens e os serviços adquiridos por esse organismo e utilizados para os fins dessa atividade.

2)      A determinação dos métodos e dos critérios de repartição dos montantes do imposto sobre o valor acrescentado pago a montante entre essa atividade e a atividade que confere direito à dedução enquadra-se no poder de apreciação dos Estados-Membros que, no exercício desse poder, devem ter em conta a finalidade e a economia da Sexta Diretiva 77/388 e, a esse respeito, prever um modo de cálculo que reflita objetivamente a parte da imputação real das despesas a montante a cada uma dessas duas atividades.


1 – Língua original: francês.


2 –      JO L 145, p. 1.


3 –      Só serão referidos, de entre esses critérios, os pertinentes para efeitos da análise da questão prejudicial no presente processo.


4 –      V., nomeadamente, acórdãos Tolsma (C-16/93, EU:C:1994:80, n.° 14) e Lebara (C-520/10, EU:C:2012:264, n.° 27).


5 –      V., nomeadamente, acórdãos Hong-Kong Trade Development Council (89/81, EU:C:1982:121, n.° 10) e GFKL Financial Services (C-93/10, EU:C:2011:700, n.° 17).


6 –      Protocolo (n.° 29) relativo ao serviço público de radiodifusão nos Estados-Membros, anexo aos Tratados UE e FUE.


7 –      C-151/13, EU:C:2014:185.


8 –      C-151/13, EU:C:2014:185.


9 –      C-151/13, EU:C:2014:185.


10 –      É difícil dar aqui exemplos concretos, uma vez que compete à legislação de cada Estado-Membro definir o que é abrangido pelo serviço público e o que é abrangido pelo serviço comercial na atividade dos operadores do serviço público de radiodifusão. No entanto, a venda dos programas produzidos no âmbito da missão do serviço público a operadores de serviços de radiodifusão privados poderia ser considerada uma atividade isenta ao abrigo do artigo 13.°, A, n.° 1, alínea q), da Sexta Diretiva.


11 –      Isto é, se considerar que a atividade da Český rozhlas financiada através da taxa de radiodifusão não é abrangida pelo sistema do IVA.


12 –      V., nomeadamente, conclusões do advogado-geral Mazák no processo Securenta (C-437/06, EU:C:2007:777, n.° 40 e jurisprudência referida) e acórdão Securenta (C-437/06, EU:C:2008:166, n.° 33).


13 –      Mais precisamente, ascenderia a 100% se todas as operações a título oneroso da Český rozhlas fossem atividades de caráter comercial na aceção do artigo 13.°, A, n.° 1, alínea q) da Sexta Diretiva, uma vez que essas atividades não estão isentas. Em contrapartida, se a Český rozhlas também efetuar operações tributáveis mas isentas por força dessa disposição, o que não resulta claramente da decisão de reenvio, é preciso aplicar um pro rata à dedução da totalidade do IVA pago a montante, tomando apenas em conta as receitas das operações abrangidas pelo IVA (tributáveis e isentas).


14 –      V., nomeadamente, acórdãos BP Soupergaz (C-62/93, EU:C:1995:223, n.° 18) e Securenta (C-437/06, EU:C:2008:166, n.° 24).


15 –      Segundo o artigo 10.° da Lei relativa à rádio checa (zákon o Českém rozhlasu), as fontes de financiamento da Český rozhlas são a taxa de radiodifusão e as receitas resultantes das suas próprias atividades económicas.


16 –      V. n.° 34 das presentes conclusões.


17 –      Recorde-se que esta disposição reconhece o direito à dedução «[d]esde que os bens e os serviços sejam utilizados para os fins das [...] operações tributáveis [do] sujeito passivo» (sublinhado por mim).


18 –      De facto, a isenção prevista no artigo 13.°, A, n.° 1, alínea q), da Sexta Diretiva é de natureza subjetiva: estão isentas todas as atividades dos organismos públicos de radiotelevisão, com exceção das atividades comerciais.


19 –      Diretiva 2010/13/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 10 de março de 2010, relativa à coordenação de certas disposições legislativas, regulamentares e administrativas dos Estados-Membros respeitantes à oferta de serviços de comunicação social audiovisual (JO L 95, p. 1).


20 –      C-465/03, EU:C:2005:320.


21 –      C-437/06 (EU:C:2008:166, n.° 33).


22 –      V. n.° 49 das presentes conclusões e jurisprudência referida.


23 –      V. acórdão Comissão/Espanha (C-204/03, EU:C:2005:588, n.os 25 e 26).


24 –      Acórdão Securenta (C-437/06, EU:C:2008:166, n.° 2 do dispositivo).