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CONCLUSÕES DO ADVOGADO-GERAL

NILS WAHL

apresentadas em 2 de junho de 2016 (1)

Processo C-412/15

TMD Gesellschaft für transfusionsmedizinische Dienste mbH

contra

Finanzamt Kassel II – Hofgeismar

[pedido de decisão prejudicial do Hessisches Finanzgericht (Alemanha)]

«Imposto sobre o valor acrescentado – Deduções – Artigo 132.°, n.° 1, alínea d), da Diretiva IVA – Definição de ‘sangue’ – Entregas de plasma sanguíneo para a produção de medicamentos»





1.        O presente processo suscita, essencialmente, a seguinte questão: as entregas de plasma sanguíneo destinado à produção de medicamentos são operações isentas de IVA?

2.        Para responder a esta questão, será necessário que o Tribunal de Justiça comece por fixar a definição de «sangue», na aceção do artigo 132.°, n.° 1, alínea d), da Diretiva IVA (2), e que, seguidamente, determine se deve ser estabelecida uma distinção, ao abrigo dessa disposição, entre o plasma destinado à utilização para fins terapêuticos e o plasma destinado à produção de medicamentos.

I –    Quadro jurídico

A –    Direito da União

3.        O artigo 132.° da Diretiva IVA dispõe:

«1.      Os Estados-Membros isentam as seguintes operações:

[…]

b)      A hospitalização e a assistência médica, e bem assim as operações com elas estreitamente relacionadas, asseguradas por organismos de direito público ou, em condições sociais análogas às que vigoram para estes últimos, por estabelecimentos hospitalares, centros de assistência médica e de diagnóstico e outros estabelecimentos da mesma natureza devidamente reconhecidos;

c)      As prestações de serviços de assistência efetuadas no âmbito do exercício de profissões médicas e paramédicas, tal como definidas pelo Estado-Membro em causa;

d)      As entregas de órgãos, sangue e leite humanos;

e)      As prestações de serviços efetuadas no âmbito da sua atividade por protésicos dentários, e bem assim o fornecimento de próteses dentárias efetuadas por dentistas e protésicos dentários;

[…].»

B –    Direito nacional

4.        O § 4 da Umsatzsteuergesetz (Lei do imposto sobre o volume de negócios, a seguir «UStG») dispõe o seguinte:

«Das operações previstas no § 1, n.° 1, ponto 1, são isentas:

[…]

1. b)      As entregas intracomunitárias […]

[…]

17, a)      As entregas de órgãos, sangue e leite humanos».

5.        O § 15 da UStG estipula:

«1)      O empresário pode deduzir os seguintes valores de imposto pago:

1.      O imposto legalmente devido por fornecimentos e outras prestações realizadas por uma outra empresa para a sua atividade comercial. […]

2)      Estão excluídas as deduções relativas à entrega, importação e aquisição intracomunitária de bens, bem como a prestações de serviços que o empresário utiliza para efetuar as seguintes operações:

1.      operações isentas;

[…]

3)      A exclusão da dedução referida no n.° 2 não se aplica quando as operações:

1.      nos casos referido no n.° 2, primeiro período, ponto 1

a)      estão isentas ao abrigo do § 4, pontos 1 a 7 […].»

6.        A secção 4.17.1 das Umsatzsteuer-Anwendungserlass (Instruções de aplicação do imposto sobre o volume de negócios; a seguir «UStAE») estabelece o seguinte:

«1)      Classificam-se como sangue humano os seguintes produtos: sangue fresco conservado, sangue total conservado, soro e plasma conservados, sangue heparizado conservado e componentes celulares sanguíneos.

2)      Não estão abrangidos no seu âmbito de aplicação as preparações de plasma obtidas a partir de misturas de plasma sanguíneo humano. Estas incluem, em particular: as preparações de fatores, a albumina humana, o fibrinogénio, a imunoglobulina […]».

II – Matéria de facto, tramitação e questões prejudiciais

7.        A TMD Gesellschaft für transfusionsmedizinische Dienste mbH (a seguir «TMD») explora um centro de recolha de sangue. No âmbito da sua atividade, entregou plasma sanguíneo para a produção de medicamentos à empresa X AG, com sede na Suíça, que recolheu o plasma na TMD e o transportou para as suas unidades de produção noutros locais da União Europeia.

8.        Na sua declaração do imposto sobre o volume de negócios relativa a 2008, apresentada ao Finanzamt Kassel II – Hofgeismar (a seguir «Finanzamt»), a TMD deduziu os impostos pagos a montante relativamente a estas entregas. Porém, o Finanzamt recusou a dedução do imposto pago a montante, com o fundamento de que as entregas do plasma sanguíneo noutros Estados-Membros da União Europeia estavam isentas de imposto, não só como entregas intracomunitárias ao abrigo do § 4, n.° 1, alínea b), da UStG, mas também enquanto entregas de sangue nos termos do § 4, n.° 17, alínea a), da UStG. Consequentemente, o Finanzamt concluiu que o § 15, n.° 2, da UStG se opunha à dedução do imposto pago a montante.

9.        Nas declarações relativas aos exercícios de 2009 e 2010, que foram aceites pelo Finanzamt, a TMD não deduziu quaisquer impostos pagos a montante.

10.      Em 7 de dezembro de 2012, a TMD requereu a retificação dos avisos de liquidação do imposto sobre o volume de negócios, emitidos sob reserva de verificação, para os anos de 2008 a 2010, pedindo o reconhecimento dos impostos pagos a montante relativamente às entregas do plasma. Em apoio do seu pedido, alegou que as entregas intracomunitárias de plasma sanguíneo em relação às quais invocou o direito de dedução dos impostos pagos a montante não estão isentas de imposto nos termos do § 4, n.° 17, alínea a), da UStG, uma vez que se trata da entrega do chamado source plasma a empresas farmacêuticas, para efeitos de fracionamento e subsequente produção de medicamentos. Por conseguinte, a isenção do imposto baseia-se exclusivamente no § 4, n.° 1, alínea b), da UStG e a dedução do imposto pago a montante deve ser permitida.

11.      Por decisão de 7 de maio de 2013, o Finanzamt indeferiu os pedidos de retificação. Consequentemente, a TMD interpôs recurso no órgão jurisdicional de reenvio, com o objetivo de obrigar o Finanzamt a retificar os avisos de liquidação.

12.      Em apoio do seu recurso, a TMD alegou que a entrega de plasma sanguíneo para a produção de medicamentos não constitui uma entrega de sangue na aceção do § 4, n.° 17, alínea a), da UStG ou do artigo 132.°, n.° 1, alínea d), da Diretiva IVA. Por seu turno, o Finanzamt opõe-se à argumentação da TMD e contrapõe que a interpretação da lei por si defendida corresponde à letra da secção 4.17.1 da UStAE.

13.      Naquelas circunstâncias, o órgão jurisdicional de reenvio decidiu suspender a instância e pedir ao Tribunal de Justiça que se pronuncie, a título prejudicial, sobre as seguintes questões:

«1)      Deve o artigo 132.°, n.° 1, alínea d), da Diretiva 2006/112/CE ser interpretado no sentido de que a entrega de sangue humano inclui a entrega de plasma sanguíneo obtido a partir de sangue humano?

2)      Em caso de resposta afirmativa à questão 1: o mesmo se aplica ao plasma sanguíneo que não se destina diretamente a utilização terapêutica mas exclusivamente à produção de medicamentos?

3)      Em caso de resposta negativa à questão 2: para a classificação como sangue, é relevante apenas a finalidade efetiva da aplicação do plasma sanguíneo ou também a sua possibilidade de aplicação abstrata?»

14.      No presente processo, foram apresentadas observações escritas pela TMD, pelos Governos alemão e húngaro e pela Comissão. A TMD, o Governo alemão e a Comissão apresentaram também alegações orais na audiência de 28 de abril de 2016.

III – Apreciação das questões prejudiciais

A –    Questão 1

15.      Com a sua primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta se o conceito de «sangue» do artigo 132.°, n.° 1, alínea d), da Diretiva IVA abrange o plasma sanguíneo obtido a partir de sangue humano.

16.      A TMD considera que a resposta a esta questão deve ser negativa, ao passo que os Governos alemão e húngaro e a Comissão defendem o contrário.

17.      Gostaria de recordar, desde já, que, de acordo com jurisprudência assente, o objetivo prosseguido pelas isenções previstas no artigo 132.°, n.° 1, da Diretiva IVA consiste em facilitar o acesso a determinadas prestações de serviços e ao fornecimento de determinados bens, evitando o acréscimo de custos que decorreria da sua sujeição a IVA. As isenções referidas constituem conceitos autónomos do direito da União que têm como objetivo evitar divergências na aplicação do regime do IVA de um Estado-Membro para outro (3).

18.      As isenções previstas no artigo 132.°, n.° 1, da Diretiva IVA devem ser interpretadas restritivamente, na medida em que consubstanciam um desvio ao princípio geral de que o IVA é cobrado sobre cada prestação de serviços efetuada a título oneroso por um sujeito passivo. Todavia, a sua interpretação deve ser feita em conformidade com os objetivos prosseguidos pelas referidas isenções e respeitar as exigências do princípio da neutralidade fiscal inerente ao sistema comum de IVA. Assim, a regra de interpretação estrita não implica que essas isenções devam ser interpretadas de maneira a privá-las dos seus efeitos (4).

19.      Neste cenário, são várias as razões pelas quais concordo com a interpretação do artigo 132.°, n.° 1, alínea d), da Diretiva IVA propugnada pelos Governos alemão e húngaro e pela Comissão.

20.      Começo por referir que a Diretiva IVA não define o conceito de «sangue» nem dos outros produtos enumerados no artigo 132.°, n.° 1, alínea d) («órgãos» e «leite humanos»). Até ao momento, o Tribunal de Justiça tão-pouco teve a oportunidade de fornecer orientações sobre esses conceitos. No entanto, é evidente que os conceitos em causa carecem de uma interpretação autónoma e uniforme no contexto específico das regras da União em matéria de IVA (5).

21.      No que respeita às entregas de bens e às prestações de serviços referidas no artigo 132.°, n.° 1, alíneas b) e c), da Diretiva IVA, o Tribunal de Justiça já afirmou que o objetivo das isenções consiste em reduzir o custo dos cuidados de saúde e em tornar esses cuidados mais acessíveis aos particulares (6). O objetivo final dessas isenções é a garantia de que o fornecimento de produtos ligados à saúde não se torne menos acessível devido aos custos acrescidos destes produtos se o seu fornecimento estivesse sujeito a IVA (7).

22.      No meu entender, a mesma razão de ser justifica, até certo ponto, as isenções aplicáveis às entregas dos produtos enumerados na alínea d) do artigo 132.°, n.° 1, da Diretiva IVA. Portanto, a intenção do legislador da União foi evitar o aumento dos custos de determinados tratamentos médicos que implicam a entrega de partes do corpo humano ou de produtos dele derivados.

23.      A essa luz, o conceito de «sangue» não pode deixar de abranger os seus componentes, tais como o plasma.

24.      Neste contexto, importa não esquecer que – como salientaram o Governo alemão e a Comissão – as entregas de sangue total são, nos dias de hoje, relativamente raras. Mesmo as operações efetuadas para fins terapêuticos envolvem principalmente a entrega de componentes sanguíneos, como o plasma. O legislador da União que aprovou a reformulação da Diretiva IVA, em 2006, não pode ter ignorado esse facto. A leitura proposta pela TMS, longe de ser uma interpretação restritiva da disposição em causa, conduziria, ao invés, a uma redução muito significativa do âmbito de aplicação da isenção prevista para as entregas de sangue no artigo 132.°, n.° 1, alínea d), da Diretiva IVA. Por conseguinte, essa interpretação comprometeria seriamente o objetivo prosseguido pelo legislador.

25.      Além disso, existem outros motivos pelos quais a interpretação do conceito de «sangue» no sentido de não abranger os seus componentes teria consequências que conflituam com o objetivo visado pelo legislador. Em primeiro lugar, é óbvio que os custos dos hospitais e de outros estabelecimentos análogos que utilizam o plasma sanguíneo para fins terapêuticos aumentariam. Segundo, a utilização de sangue total beneficiaria da isenção, ao passo que a utilização de um ou mais dos seus componentes não estaria isenta. Por conseguinte, o custo da entrega de sangue total a um paciente para efeitos de uma transfusão seria proporcionalmente inferior ao custo do mesmo tratamento, se este exigisse apenas plasma ou apenas plaquetas. No meu entender, esse não pode ser o resultado pretendido pelo legislador.

26.      Além disso, como refere o órgão jurisdicional de reenvio, esta interpretação é também corroborada pelo facto de, na sua 99.ª reunião, em 3 de julho de 2013, o Comité Consultivo do Imposto sobre o Valor Acrescentado (a seguir «Comité do IVA») ter concluído quase unanimemente que a entrega de «sangue», na aceção do artigo 132.°, n.° 1, alínea d), da Diretiva IVA, abrange também, paralelamente à entrega de sangue total, a entrega de componentes sanguíneos isolados, tais como plasma sanguíneo ou células sanguíneas de origem humana. Não obstante constituírem apenas pareceres de um comité consultivo e não uma interpretação oficial do direito da União (não sendo, portanto, vinculativas), as diretrizes emitidas pelo Comité do IVA oferecem um contributo importante para a interpretação (8).

27.       Feitas estas observações, é igualmente verdade (como também salienta o órgão jurisdicional de reenvio) que, além da Diretiva 2009/132/CE (9), outros instrumentos jurídicos da UE também estabelecem uma distinção entre «sangue» e «plasma». No entanto, não vejo de que modo isso afetaria a presente análise: instrumentos jurídicos diferentes podem ter objetos diferentes e prosseguir objetivos diferentes (10). O mesmo termo pode ter significados diferentes em dois ou mais instrumentos jurídicos. De qualquer modo, como observa corretamente a Comissão, nem mesmo os instrumentos jurídicos invocados no caso presente pela TMD submetem o sangue total e o plasma sanguíneo a dois regimes jurídicos verdadeiramente diferentes.

28.      Desde logo, o artigo 2.°, n.° 1, da Diretiva 2002/98/CE (11) faz referência ao sangue e aos componentes sanguíneos para precisar que as normas de qualidade e segurança estabelecidas nessa diretiva se aplicam a ambos. Além disso, a distinção entre sangue humano e plasma sanguíneo na Nomenclatura Combinada (12) serve apenas para fins estatísticos. Na verdade, todos os produtos classificados na subposição 3002 (incluindo o sangue humano e o plasma) estão isentos de direitos aduaneiros (13).

29.      O facto de o sangue total e o plasma sanguíneo estarem ambos atualmente isentos de direitos aduaneiros reforça o meu entendimento de que ambos deveriam estar também isentos de IVA.

30.      Por estas razões, proponho que o Tribunal de Justiça responda à primeira questão prejudicial no sentido de que, de acordo com a interpretação correta do artigo 132.°, n.° 1, alínea d), da Diretiva IVA, o termo «sangue» abrange o plasma sanguíneo obtido a partir de sangue humano.

B –    Questão 2

31.      Tendo em conta a resposta que proponho para a primeira questão, é também necessário responder à segunda questão prejudicial. Com a sua segunda questão, o Hessiches Finanzgericht (Tribunal Fiscal, Hesse) pergunta se o conceito de «sangue» abrange igualmente o plasma sanguíneo que não se destina à utilização terapêutica mas exclusivamente à produção de medicamentos.

32.      Mais uma vez, a TMD considera que a resposta a esta questão deve ser negativa, ao passo que os Governos alemão e húngaro e a Comissão defendem o contrário.

33.      Também neste ponto subscrevo a interpretação proposta por estas partes para o artigo 132.°, n.° 1, alínea d), da Diretiva IVA.

34.      Saliento que, nos casos em que o artigo 132.°, n.° 1, da Diretiva IVA visa limitar as isenções previstas nessa disposição a determinados tipos de operações (por exemplo, as entregas efetuadas por certas pessoas (14) ou entidades (15), a certos destinatários (16), para determinados fins (17) ou sob determinadas condições (18)), esse objetivo é indicado expressamente. Em contrapartida, na alínea d) dessa disposição, as operações isentas estão descritas em termos latos e não se lhes aplicam quaisquer especificações ou limites. O artigo 132.°, n.° 1, alínea d), da Diretiva IVA dispõe inequivocamente que, entre as operações a isentar pelos Estados-Membros, se contam «[a]s entregas de órgãos, sangue e leite humanos».

35.      Daí parece resultar que as entregas de sangue (ou dos seus componentes) devem ser isentas de IVA independentemente da utilização final do sangue ou do objetivo da entrega. Caso o legislador tivesse outra intenção, presumivelmente teria redigido uma disposição mais explícita e pormenorizada (19), como fez relativamente às restantes isenções previstas no artigo 132.°, n.° 1, da Diretiva IVA.

36.      Todavia, a TMD alega que, dos artigos 37.° a 39.° da Diretiva 2009/132 é possível deduzir, por um raciocínio a contrario sensu, que, para efeitos do artigo 132.°, n.° 1, alínea d), da Diretiva IVA, deve ser estabelecida uma distinção entre o plasma terapêutico e o plasma industrial. Nos termos dos artigos 37.º a 39.º da Diretiva 2009/132, a importação de substâncias terapêuticas de origem humana (que abrangem o sangue humano e seus derivados) deve estar isenta de IVA. No entender da TMD, não haveria motivo para referir expressamente o sangue humano e, em especial, os seus derivados, se esses produtos estivessem já isentos ao abrigo do artigo 132.°, n.° 1, alínea d), da Diretiva IVA.

37.      Esta argumentação não me convence. Em primeiro lugar, cumpre recordar que a Diretiva 2009/132 codifica e reformula uma diretiva anterior (Diretiva 83/181/CEE (20)) que, entretanto, já tinha sido objeto de várias alterações (21). A referência expressa ao sangue e seus derivados pode ser explicada pelo facto de, quando foi aprovada a Diretiva 83/181, se aplicarem a estes produtos direitos aduaneiros diferentes. Não se trata de um pormenor despiciendo: um dos objetivos fundamentais da Diretiva 83/181, à época, e da Diretiva 2009/132, atualmente, consiste precisamente em conseguir uma uniformização tão estreita quanto possível entre o regime aduaneiro e o regime aplicável em matéria de IVA. Neste contexto, não deve ser ignorado que a Diretiva 2009/132 respeita exclusivamente às isenções aplicáveis às importações na União. Pelo contrário, o artigo 132.° da Diretiva IVA é uma de várias disposições gerais em matéria de isenções e, portanto, também aplicável às operações intracomunitárias assim como com às importações.

38.      Em segundo lugar, os artigos 37.° a 39.° da Diretiva 2009/132 não podem, em qualquer caso, ter qualquer influência na interpretação do artigo 132.° da Diretiva IVA. O artigo 37.°, n.° 1, da Diretiva 2009/132 dispõe expressamente que se aplica «[s]em prejuízo da isenção prevista na alínea a) do artigo 143.° da Diretiva 2006/112/CE». Este artigo, por sua vez, estipula que os Estados-Membros isentam as operações em que «[a]s importações definitivas de bens cuja entrega pelos sujeitos passivos esteja, em qualquer caso, isenta no respetivo território». É evidente que essa disposição abrange as operações (como as entregas de sangue) que estão isentas ao abrigo do artigo 132.° da mesma diretiva. Por conseguinte, em termos muito simples, o artigo 132.°, n.° 1, alínea d), da Diretiva IVA não pode ser interpretado à luz dos artigos 37.° a 39.° da Diretiva 2009/132, e muito menos considerar-se alterado por essas disposições. Dada a diferença do âmbito de aplicação e objetivos destes dois instrumentos legais, é possível e até lógico que as disposições dos dois instrumentos jurídicos se sobreponham em determinada medida.

39.      A TMD alega ainda que, se o artigo 132.°, n.° 1, alínea d), da Diretiva IVA fosse interpretado no sentido de abranger também as entregas de plasma sanguíneo destinado à produção de medicamentos, o custo final desses medicamentos aumentaria inevitavelmente. Isso seria contrário ao objetivo prosseguido pela disposição em causa, que consiste na redução dos custos no setor dos cuidados de saúde.

40.      Devo admitir que este argumento tem algum mérito. Afigura-se-me claro que, em certos casos, a isenção em causa (tal como interpretada pelas partes que apresentaram observações escritas no presente processo) terá, indiretamente, o efeito de aumentar os custos dos medicamentos produzidos a partir do sangue ou dos seus componentes. Isso deve-se ao facto de uma empresa como a TMD não poder deduzir o IVA pago na aquisição dos bens ou serviços necessários ao exercício da sua atividade ao IVA que, no seu entender, deveria ser cobrado relativamente ao plasma que fornece às empresas farmacêuticas. Sendo os seus custos internos mais elevados por não ser possível fazer deduções, essa empresa poderá ser forçada a vender o plasma a preços mais altos, o que, por sua vez, poderá afetar o preço final dos medicamentos produzidos a partir desse plasma. Mantendo-se inalterados os restantes fatores, se o plasma estiver isento de IVA, é possível que o preço desses produtos aumente.

41.      Todavia, não é claro se esse aumento dos preços dos medicamentos produzidos a partir do plasma sanguíneo seria significativo. Com efeito, em última análise, esse preço será afetado por diversos fatores e o preço dos componentes do produto é apenas um deles. As características específicas do mercado, tais como a existência (ou a inexistência) de produtos concorrentes, a lei fundamental da procura e da oferta e as eventuais limitações impostas pela legislação aplicável em matéria de fixação dos preços dos medicamentos (que existe em muitos Estados-Membros) também afetarão esse preço.

42.      O que me parece essencial, neste contexto, é que todos os fornecedores de plasma sanguíneo (e, por sua vez, todos os fabricantes que utilizem plasma sanguíneo na produção de medicamentos) possam concorrer em condições de igualdade. Assim será certamente depois de proferido o acórdão no presente processo, uma vez que a interpretação do conceito de «sangue», na aceção do artigo 132.°, n.° 1, alínea d), da Diretiva IVA, que for fixada pelo Tribunal de Justiça no presente processo será vinculativa para as autoridades fiscais de todos os Estados-Membros.

43.      Em todo o caso, tal como sublinhou o Governo alemão, afigura-se que o facto de a redução dos custos de determinados bens ou serviços, em virtude de a sua entrega estar isenta do IVA, poder aumentar os custos operacionais de um sujeito passivo é inerente ao sistema de IVA instituído pelo legislador (22). Dada a forma como funciona o sistema do IVA, é inevitável que as operações relativas a bens ou serviços isentos de IVA possam ser menos vantajosas para os sujeitos passivos.

44.      O legislador estava portanto consciente da situação específica das empresas que precisam de efetuar, simultaneamente, operações tributáveis e não tributáveis, e adotou regras específicas nesse domínio. Em especial, o artigo 169.° da Diretiva IVA prevê a possibilidade de, em determinados casos, o sujeito passivo deduzir do montante do IVA de que é devedor o IVA cobrado relativamente aos bens ou serviços utilizados para fins de operações isentas. Porém, o legislador optou por restringir a aplicação dessas regras apenas a algumas situações ou operações.

45.      Consequentemente, o facto de as operações isentas efetuadas pela TMD não lhe conferirem o direito à dedução, ao abrigo da Diretiva IVA, e de esta situação poder, em determinadas circunstâncias, conduzir a um aumento dos custos dos cuidados médicos não pode justificar uma interpretação da diretiva que contradiga a sua letra. Um argumento semelhante ao aduzido no presente processo pela TMD já foi rejeitado, precisamente pela mesma razão, pelo Tribunal de Justiça no primeiro processo VDPDental Laboratory (23). Afinal, a integração de eventuais lacunas no sistema de isenções relativas aos produtos e serviços de saúde não compete ao Tribunal de Justiça, mas ao legislador (24).

46.      Neste ponto, recordo ainda que, de acordo com jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, à parte os pequenos fornecimentos estritamente necessários no momento da prestação de serviços de assistência, a entrega de medicamentos e de outros bens é material e economicamente dissociável da prestação de serviços e não pode, por conseguinte, ser isenta por força do artigo 132.°, n.° 1, da Diretiva IVA (25).

47.      Esta jurisprudência implica que, se o objetivo principal de algumas isenções estabelecidas pelo legislador no artigo 132.°, n.° 1, da Diretiva IVA consistia efetivamente na redução dos custos dos cuidados de saúde, essa redução não dizia respeito aos medicamentos. Por outras palavras, ao conceber as disposições do artigo 132.°, n.° 1, da Diretiva IVA, o legislador não teve em conta considerações relativas aos custos dos medicamentos.

48.      Neste contexto, afigura-se útil precisar que o plasma sanguíneo não é, claramente, um medicamento, mas (conforme já explicado) pode ser um componente utilizado na produção de medicamentos. Nem o plasma destinado a fins terapêuticos nem o que se destina a utilização industrial são misturados com quaisquer outras substâncias ou objeto de processamento suscetível de alterar as suas características essenciais. O único processo utilizado para a sua obtenção é aquele que é necessário para separar os diferentes componentes do sangue. O argumento aduzido pela TMD parece sugerir que qualquer processamento do produto anterior à sua entrega produziria um produto novo ou distinto. Quando explorado até aos seus limites lógicos, esse argumento pode ter resultados pouco razoáveis. Por exemplo, a mera congelação de leite humano para futura alimentação do lactente alteraria o tratamento fiscal desse leite? O facto de, após a recolha, um órgão ser impregnado com substâncias destinadas a assegurar a sua conservação, para efeitos de armazenamento e transporte, significaria que a entrega desse órgão passaria a estar sujeito a IVA?

49.      É significativo que, em princípio, o mesmo plasma pode ser utilizado tanto para fins terapêuticos como para a produção de medicamentos. Como a própria TMD reconhece, só a embalagem, a rotulagem e o transporte do plasma (bem como os controlos efetuados durante esse processo) poderão ser diferentes, em função do fim a que o plasma se destina. Por conseguinte, o plasma é essencialmente o mesmo produto, desde o início e até à sua aplicação pelos diferentes utilizadores.

50.      Nesse cenário, afigura-se-me que a interpretação do artigo 132.°, n.° 1, da Diretiva IVA no sentido de abranger o plasma sanguíneo, independentemente do fim a que se destina, é mais consentânea com o princípio da neutralidade fiscal, segundo o qual os operadores económicos que efetuam as mesmas operações não devem ser tratados de forma diferente em matéria de cobrança do IVA (26).

51.      Além disso, conforme salienta o órgão jurisdicional de reenvio, uma vez que o produto é essencialmente o mesmo, não se pode (pelo menos teoricamente) excluir a possibilidade de o plasma inicialmente destinado a fins terapêuticos vir posteriormente a ser destinado a utilização industrial. Se assim for, o Governo alemão estará certo ao sustentar que, caso as autoridades tributárias decidissem submeter as entregas de plasma a um tratamento diferente consoante o fim a que se destinam (tal como declarado pelos operadores económicos pertinentes), a aplicação dessas regras tornar-se-ia incerta e de difícil gestão.

52.      À luz das considerações precedentes, a resposta à segunda questão deve ser, no meu entender, a de que o conceito de «sangue», na aceção do artigo 132.°, n.° 1, da Diretiva IVA, abrange o plasma sanguíneo destinado a ser utilizado na produção de medicamentos.

C –    Questão 3

53.      Tendo em conta a resposta que proponho para a segunda questão, não é necessário responder à terceira questão prejudicial.

IV – Conclusão

54.      Concluindo, proponho que o Tribunal de Justiça responda às questões submetidas, a título prejudicial, pelo Hessisches Finanzgericht nos seguintes termos:

–        o termo «sangue», na aceção do artigo 132.°, n.° 1, alínea d), da Diretiva 2006/112/CE de 28 de novembro de 2006, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado, abrange a entrega de plasma sanguíneo obtido a partir de sangue humano;

–        esse termo abrange igualmente o plasma sanguíneo que se destina à produção de medicamentos.


1 – Língua original: inglês.


2 – Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro de 2006, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado (JO L 347, p. 1).


3 – Acórdão de 2 de fevereiro de 2015, VDP Dental Laboratory e o., C-144/13, C-154/13 e C-160/13, EU:C:2015:116, n.os 43 e 44.


4 – V. acórdão de 12 de março de 2015, ‘go fair’Zeitarbeit, C-594/13, EU:C:2015:164, n.° 17 e jurisprudência aí referida.


5 – V., por analogia, acórdão de 3 de junho de 2010, De Fruytier, C-237/09, EU:C:2010:316, n.° 22.


6 – V. acórdão de 13 de março de 2014, Klinikum Dortmund, C-366/12, EU:C:2014:143, n.° 28.


7 – V., nesse sentido, acórdão de 26 de fevereiro de 2015, VDP Dental Laboratory e o., C-144/13, C-154/13 e C-160/13, EU:C:2015:116, n.° 46 e jurisprudência aí referida.


8 – V. conclusões da advogada-geral J. Kokott no processo Donnelley Global Turnkey Solutions Poland, C-155/12, EU:C:2013:57, n.os 46 a 51.


9 – Diretiva do Conselho de 19 de outubro de 2009, que determina o âmbito de aplicação das alíneas b) e c) do artigo 143.° da Diretiva 2006/112/CE, no que diz respeito à isenção do imposto sobre o valor acrescentado de certas importações definitivas de bens (JO L 292, p. 5). Sobre esta Diretiva v os n.ºs 36 a 38 destas Conclusões.


10 – Nesse sentido, v., por analogia, acórdão de 17 de janeiro de 2013, Comissão/Espanha, C-360/11, EU:C:2013:17, n.° 66.


11 – Diretiva do Parlamento Europeu e do Conselho, de 27 de janeiro de 2003, que estabelece normas de qualidade e segurança em relação à colheita, análise, processamento, armazenamento e distribuição de sangue humano e de componentes sanguíneos e que altera a Diretiva 2001/83/CE (JO L 33, p. 30).


12 – Anexo I do Regulamento (CEE) n.° 2658/87 do Conselho, de 23 de Julho de 1987, relativo à nomenclatura pautal e estatística e à pauta aduaneira comum (JO L 256, p. 1), conforme alterado.


13 – De resto, este é outro fator que, no meu entender, apoia a tese do tratamento homogéneo do sangue humano e do plasma sanguíneo também ao abrigo da Diretiva IVA.


14 – Artigo 132.°, alíneas e), f) e j), da Diretiva IVA.


15 – Artigo 132.°, alíneas a), b), g), h), i), k), l), m), n), o), p) e q), da Diretiva IVA.


16 – Artigo 132.°, alíneas f), l), m) e p), da Diretiva IVA.


17 – Artigo 132.°, alíneas f) e k), da Diretiva IVA.


18 – Artigo 132.°, alíneas f), l) e o), da Diretiva IVA.


19 – V., por analogia, acórdão de 28 de novembro de 2013, MDDP, C-319/12, EU:C:2013:778, n.° 29.


20 – Diretiva do Conselho de 28 de março de 1983, que determina o âmbito de aplicação do n.° 1, alínea d), do artigo 14.° da Diretiva 77/388/CEE, no que diz respeito à isenção do imposto sobre o valor acrescentado de certas importações definitivas de bens (JO L 105, p. 38).


21 – V., em especial, considerando 1 da Diretiva 2009/132.


22 – V. também as conclusões da advogada-geral J. Kokott no processo VDP Dental Laboratory, C-401/05, EU:C:2006:537, n.° 96.


23 – Acórdão de 14 de dezembro de 2006, VDP Dental Laboratory, C-401/05, EU:C:2006:792, n.os 34 a 36.


24 – V., nesse sentido, conclusões da advogada-geral E. Sharpston no processo Klinikum Dortmund, C-366/12, EU:C:2013:618, n.° 57.


25 – V. acórdão de 13 de março de 2014, Klinikum Dortmund, C-366/12, EU:C:2014:143, n.° 33 e jurisprudência aí referida.


26 – V. acórdão de 17 de dezembro de 2015, WebMindLicenses, C-419/14, EU:C:2015:832, n.° 41 e jurisprudência aí referida.