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CONCLUSÕES DO ADVOGADO-GERAL

MICHAL BOBEK

apresentadas em 20 de dezembro de 2017 ( 1 )

Processo C-532/16

Valstybinė mokesčių inspekcija prie Lietuvos Respublikos finansų ministerijos (Inspeção de Finanças do Estado, junto do Ministério das Finanças da República da Lituânia)

sendo interveniente:

Akcinė bendrovė SEB bankas

[pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Lietuvos vyriausiasis administracinis teismas (Supremo Tribunal Administrativo, Lituânia)]

«Pedido de decisão prejudicial — IVA — Regularização das deduções — Aplicabilidade — Fornecimento incorretamente sujeito a IVA — Alteração da fatura pelo fornecedor»

I. Introdução

1.

A Akcinė bendrovė SEB bankas (a seguir «SEB bankas») adquiriu lotes de terreno à VKK Investicija UAB (a seguir «vendedora»), tendo esta emitido, para efeitos de pagamento, uma fatura que incluía o IVA. À data da venda, ambas as partes consideraram que os lotes em causa eram «terrenos para construção» sujeitos a IVA. Subsequentemente, a SEB bankas obteve uma dedução correspondente ao IVA cobrado.

2.

Três anos depois, a vendedora entendeu que, na verdade, a entrega dos terrenos em causa deveria ter sido isenta de IVA e, consequentemente, enviou à SEB bankas uma nota de crédito no montante inicial faturado. Além disso, emitiu uma nova fatura no mesmo montante, mas desta vez sem incluir o IVA.

3.

Com base numa inspeção fiscal subsequente, a Inspeção de Finanças do Estado proferiu uma decisão que obrigava a SEB bankas a reembolsar o montante correspondente à dedução inicialmente concedida. Exigiu ainda o pagamento de uma parte dos juros de mora vencidos e aplicou uma coima.

4.

Por último, o processo foi submetido ao Lietuvos vyriausiasis administracinis teismas (Supremo Tribunal Administrativo, Lituânia). Esse órgão jurisdicional de reenvio pergunta agora se a restituição solicitada à SEB bankas está ou não abrangida pelo mecanismo de regularização das deduções instituído pela Diretiva IVA ( 2 ). Interroga-se também sobre a relevância da nota de crédito emitida pela vendedora e sobre o facto de a reclassificação dos terrenos em causa ter ocorrido na sequência de uma alteração da prática da Administração Fiscal em relação à determinação das obrigações fiscais da SEB bankas.

II. Quadro jurídico

1.   Diretiva IVA

5.

O artigo 12.o, n.o 1, da Diretiva IVA dispõe que:

«Os Estados-Membros podem considerar sujeito passivo qualquer pessoa que realize, a título ocasional, uma operação relacionada com as atividades referidas no segundo parágrafo do n.o 1 do artigo 9.o e, designadamente, uma das seguintes operações:

[…]

b)

Entrega de um terreno para construção.»

6.

Nos termos do artigo 135.o, n.o 1, dessa diretiva:

«Os Estados-Membros isentam as seguintes operações:

[…]

k)

As entregas de bens imóveis não edificados, que não sejam as entregas de terrenos para construção referidas na alínea b) do n.o 1 do artigo 12.o

7.

O capítulo 5 do título X da Diretiva IVA respeita à «Regularização das deduções» e compreende os artigos 184.o a 192.o O artigo 184.o prevê que a «dedução inicialmente efetuada é objeto de regularização quando for superior ou inferior à dedução a que o sujeito passivo tinha direito».

8.

O artigo 185.o da Diretiva IVA estipula que:

«1.

A regularização é efetuada nomeadamente quando se verificarem, após a declaração de IVA, alterações dos elementos tomados em consideração para a determinação do montante das deduções, por exemplo no caso de anulação de compras ou de obtenção de abatimentos nos preços.

2.

Em derrogação do disposto no n.o 1, não é efetuada qualquer regularização no caso de operações total ou parcialmente por pagar, no caso de destruição, perda ou roubo devidamente comprovados ou justificados, bem como no caso das afetações de bens a ofertas de pequeno valor e a amostras referidas no artigo 16.o

No caso de operações total ou parcialmente por pagar e nos casos de roubo, os Estados-Membros podem, todavia, exigir a regularização.»

9.

De acordo com o artigo 186.o, «[o]s Estados-Membros determinam as normas de aplicação dos artigos 184.o e 185.o».

2.   Direito lituano

10.

O artigo 65.o da Lei lituana n.o IX-751, de 5 de março de 2002, relativa ao Imposto sobre o Valor Acrescentado (Lietuvos Respublikos pridėtinės vertės mokesčio įstatymas), na redação da Lei n.o IX-1960, de 15 de janeiro de 2004 (a seguir «Lei do IVA»), consagra a regra geral de que «se, depois de apresentada a declaração de IVA relativa a um período fiscal, o sujeito passivo de IVA tiver cancelado a compra de uma determinada quantidade dos bens adquiridos, forem obtidas reduções de preço adicionais por parte do fornecedor dos bens ou serviços ou o valor do IVA devido ao fornecedor dos bens ou serviços tiver diminuído por qualquer outro motivo, […] e os valores acima referidos do IVA pago a montante e/ou de importação tiverem sido deduzidos, as deduções do IVA serão regularizadas, acrescentando-se, na declaração de IVA relativa ao período fiscal em que as circunstâncias acima referidas se tenham tornado conhecidas, o montante de IVA a pagar ao orçamento/deduzindo-se o montante de IVA a receber do orçamento, em conformidade».

11.

O artigo 68.o, n.o 1, da Lei lituana n.o IX-2112, de 13 de abril de 2004, relativa à Administração Fiscal (Lietuvos Respublikos mokesčių administravimo įstatymas), na redação da Lei n.o IX-2112 de 13 de abril de 2004 (a seguir «Lei relativa à Administração Fiscal»), estabelece que «[…] o sujeito passivo ou a Administração Fiscal podem calcular ou recalcular o imposto relativamente a um período que não ultrapasse o ano civil em curso nem os cinco anos civis antecedentes contados de 1 de janeiro do ano em que o imposto foi inicialmente calculado ou recalculado».

12.

Por último, o artigo 80.o, n.o 1, da mesma lei dispõe que «o sujeito passivo poderá regularizar a declaração de imposto se o período do cálculo (recálculo) dos impostos estabelecido no artigo 68.o da presente lei não tiver decorrido».

III. Matéria de facto, tramitação do processo nacional e questão prejudicial

13.

Em 28 de março de 2007, a SEB bankas e a vendedora celebraram um contrato de compra e venda ao abrigo do qual a SEB bankas adquiriu seis lotes de terreno (a seguir «transação»). No mesmo dia, a vendedora emitiu uma fatura em nome da SEB bankas, para pagamento do valor tributável de 4067796,61 litas lituanas (LTL) e de IVA no montante de 732203,39 LTL. O valor total da fatura, incluindo o IVA, era de 4800000,00 LTL (a seguir «fatura de 2007»). A SEB bankas incluiu o IVA pago nas suas declarações de IVA relativas a março de 2007, tendo-lhe sido concedida uma dedução.

14.

Em 14 de abril de 2010, a vendedora emitiu uma nota de crédito de IVA a favor da SEB bankas (a seguir «nota de crédito de 2010»). Na mesma data, a vendedora emitiu uma nova fatura, no mesmo montante total de 4800000,00 LTL (a seguir «fatura de 2010»). Esta fatura não incluía nenhum montante a título de IVA.

15.

A vendedora apresentou declarações de IVA revistas relativas a março de 2007. Em 2012, a autoridade fiscal competente confirmou que a vendedora tinha regularizado corretamente as suas declarações de IVA relativas a março de 2007.

16.

A decisão de reenvio refere que a SEB bankas não incluiu nas suas contas a nota de crédito de 2010 nem a fatura de 2010. Recusou-se a reconhecer esses documentos essencialmente por considerar que a vendedora não podia alterar unilateralmente o valor tributável da transação. A SEB bankas entendeu ainda que, nos termos da legislação em vigor, a transação devia ser considerada sujeita a IVA.

17.

Conforme resulta de um relatório de inspeção de 28 de fevereiro de 2014, na sequência de uma inspeção fiscal à SEB bankas, a Inspeção de Finanças do Estado concluiu que esta sociedade tinha a obrigação de regularizar a dedução de IVA e de incluir na sua declaração de IVA relativa a abril de 2010 o valor de IVA indicado na nota de crédito de 2010.

18.

Em 16 de maio de 2014, a Inspeção de Finanças do Estado incorporou as conclusões da inspeção fiscal numa decisão de liquidação tributária. Declarou que eram devidos juros de mora de IVA no valor de 251472,00 LTL e aplicou uma coima de 71528,00 LTL. Porém, dispensou parcialmente a SEB bankas da obrigação de pagamento dos juros de mora.

19.

Em 10 de junho de 2014, a SEB bankas interpôs recurso dessa decisão de liquidação tributária na Comissão de Litígios Fiscais. Em 12 de agosto de 2014, a Comissão de Litígios Fiscais anulou a referida decisão, por ter concluído que a Inspeção de Finanças do Estado não tinha respeitado o prazo aplicável nos termos da lei nacional.

20.

A Inspeção de Finanças do Estado impugnou a decisão de anulação junto do Vilniaus apygardos administracinis teismas (Tribunal Administrativo Regional de Vílnius). Em 8 de março de 2016, esse órgão jurisdicional negou provimento ao pedido da Inspeção de Finanças do Estado.

21.

A Inspeção de Finanças do Estado interpôs recurso no Lietuvos vyriausiasis administracinis teismas (Supremo Tribunal Administrativo, Lituânia), o órgão jurisdicional de reenvio. Esse órgão jurisdicional suspendeu a instância e submeteu ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1.

Devem os artigos 184.o a 186.o da Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro de 2006, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado, ser interpretados no sentido de que, em circunstâncias como as do processo principal, o mecanismo de regularização das deduções consagrado na Diretiva 2006/112 não é aplicável se não tiver sido realizada uma dedução inicial do imposto sobre o valor acrescentado (IVA) por a transação em causa ser uma transação isenta relacionada com a entrega de um terreno?

2.

Pode a resposta à primeira questão ser influenciada pelo facto de (1) o IVA sobre a aquisição dos lotes de terreno ter sido inicialmente deduzido devido à prática da Administração Fiscal segundo a qual o fornecimento em causa foi incorretamente considerado uma entrega de terreno para construção, sujeita a IVA, conforme previsto no artigo 12.o, n.o 1, alínea b), da Diretiva 2006/112 e/ou (2) após a dedução inicial realizada pelo adquirente, o transmissor do terreno ter emitido uma nota de crédito de IVA a favor do adquirente que regularizava os valores de IVA indicados (especificados) na fatura inicial?

3.

Em caso de resposta afirmativa à primeira questão, em circunstâncias como as do processo principal, devem os artigos 184.o e/ou 185.o da Diretiva 2006/112 ser interpretados no sentido de que, numa situação em que não podia ter sido realizada uma dedução inicial por a transação em causa estar isenta de IVA, se deve considerar que a obrigação do sujeito passivo de regularizar tal dedução se constituiu imediatamente ou apenas quando se tornou conhecido que a dedução inicial não podia ter sido realizada?

4.

Em caso de resposta afirmativa à primeira questão, em circunstâncias como as do processo principal, deve a Diretiva 2006/112, em particular os seus artigos 179.o, 184.o a 186.o e 250.o, ser interpretada no sentido de que os valores dedutíveis do IVA pagos a montante devem ser deduzidos no período fiscal em que a obrigação do sujeito passivo e/ou o direito à regularização da dedução inicialmente efetuada se constituíram?»

22.

A SEB bankas, o Governo lituano e a Comissão Europeia apresentaram observações escritas. Todas essas partes interessadas apresentaram também observações orais na audiência que teve lugar em 4 de outubro de 2017.

IV. Apreciação

23.

As presentes conclusões estão estruturadas da seguinte forma: começarei por fazer duas considerações preliminares acerca dos prazos e da (re)classificação da transação para efeitos de IVA (A). Seguidamente, debruçar-me-ei sobre a aplicabilidade do mecanismo de regularização ao presente caso (B). Por último, examinarei a relevância da nota de crédito de 2010, bem como os efeitos da (re)classificação da transação para efeitos de IVA (B). Tendo em conta a resposta negativa que proponho que seja dada à primeira questão, não será necessário responder à terceira e quarta questões do órgão jurisdicional de reenvio (D).

A.   Observações preliminares

24.

Duas variáveis afetam a apreciação no presente caso. Ambas foram suscitadas nas observações das partes e na audiência e respeitam a matérias de direito nacional que devem ser determinadas pelo órgão jurisdicional de reenvio. No entanto, atendendo à discussão no presente processo, gostaria de começar por fazer algumas clarificações preliminares sobre as duas temáticas. A primeira prende-se com a possibilidade de o direito objeto do pedido da Inspeção de Finanças do Estado perante a SEB bankas estar efetivamente prescrito (1). A segunda respeita à classificação da transação para efeitos de IVA nos termos do direito nacional (2).

1. Prazos aplicáveis ao pedido no processo principal

25.

A Comissão refere nas suas observações escritas que, tendo em conta a informação prestada na decisão de reenvio, o direito objeto do pedido apresentado pela Inspeção de Finanças do Estado contra a SEB bankas está aparentemente prescrito nos termos do direito nacional. A Comissão observa que, em todo o caso, as autoridades nacionais só podem exigir a regularização das deduções se os prazos aplicáveis ainda não tiverem expirado.

26.

O artigo 68.o, n.o 1, da Lei relativa à Administração Fiscal parece estabelecer um prazo de cinco anos (em princípio) para o cálculo ou recálculo das obrigações fiscais. A transação foi realizada em março de 2007. Afigura-se (e cumpre ao órgão jurisdicional de reenvio verificar) que a apresentação à SEB bankas do pedido oficial de reembolso do montante em causa ocorreu em fevereiro de 2014 — quando os resultados da inspeção fiscal à SEB bankas foram formalizados. Seguiu-se uma decisão da Inspeção de Finanças do Estado, de maio de 2014, que confirmou as conclusões dessa inspeção fiscal, fixou o montante dos juros de mora e aplicou uma coima.

27.

Saliento que a Diretiva IVA não contém regras sobre prazos que sejam pertinentes para o pedido no processo principal. A fixação de tais prazos incumbe aos Estados-Membros ( 3 ), sem prejuízo dos princípios da equivalência e da efetividade, bem como da obrigação geral decorrente da Diretiva IVA, lida em conjugação com o artigo 4.o, n.o 3, TUE, de tomar todas as medidas adequadas para garantir a cobrança da integralidade do IVA devido no seu território e combater a fraude fiscal ( 4 ).

28.

Nada na decisão de reenvio indica que os prazos estabelecidos pelo direito nacional não respeitam esses requisitos gerais. Na verdade, não é pedido ao Tribunal de Justiça que se pronuncie sobre esta matéria.

29.

Todas as considerações que se seguem nas presentes conclusões partem do pressuposto de que o recurso no processo principal respeita os prazos aplicáveis e de que a resposta às questões submetidas é útil. Caso se conclua que o prazo aplicável já tinha caducado (o que compete ao órgão jurisdicional de reenvio apurar), as questões prejudiciais no presente processo serão hipotéticas, salvo na circunstância específica de prazos suscetíveis de provocarem problemas sistémicos e estruturais, por prejudicarem a efetiva cobrança do IVA no Estado-Membro em causa ( 5 ).

30.

Gostaria de frisar que, para além dessa hipótese específica e algo invulgar, a Diretiva IVA não pode ser interpretada ou invocada no sentido de alargar ou reduzir os prazos claramente estabelecidos pelo direito nacional. Caso se conclua pela extemporaneidade da exigência da Inspeção de Finanças do Estado do cumprimento pela SEB bankas da obrigação fiscal em causa, a classificação dessa obrigação fiscal numa ou noutra categoria da Diretiva IVA não alterará o facto de o pedido estar prescrito. O que prescreveu está prescrito.

2. Classificação da transação para efeitos de IVA nos termos do direito nacional

31.

Resulta também da decisão de reenvio e das observações apresentadas ao Tribunal de Justiça que a interpretação do conceito de «terreno para construção» nos termos do direito nacional sofreu alterações no período de tempo relevante. Afigura-se que essa alteração da interpretação tenha afetado o tratamento da transação para efeitos de IVA.

32.

Nos termos do artigo 135.o, n.o 1, alínea k), da Diretiva IVA, os Estados-Membros isentam as operações que consistem em «entregas de bens imóveis não edificados, que não sejam as entregas de terrenos para construção referidas na alínea b) do n.o 1 do artigo 12.o». Nos termos deste último artigo, «[o]s Estados-Membros podem considerar sujeito passivo qualquer pessoa que realize, a título ocasional, […] [a] [e]ntrega de um terreno para construção». Segundo o artigo 12.o, n.o 3, por terrenos para construção entendem-se «os terrenos, urbanizados ou não, definidos como tal pelos Estados-Membros».

33.

O artigo 12.o, n.o 1, da Diretiva IVA atribui aos Estados-Membros a faculdade de sujeitarem os «terrenos para construção» ao IVA ( 6 ). Aparentemente, a Lituânia terá exercido essa prerrogativa. Já não é tão claro que o terreno objeto da transação possa ser classificado, in concreto, de «terreno para construção».

34.

De acordo com a SEB bankas, à data da transação, o terreno entregue era considerado, nos termos do direito nacional, «terreno para construção» e, por conseguinte, estava sujeito ao IVA. Isso resultava do comentário oficial à Lei do IVA aparentemente publicado pela Valstybinė mokesčių inspekcija prie Lietuvos Respublikos finansų ministerijos (Inspeção de Finanças do Estado junto do Ministério das Finanças da República da Lituânia) e das informações prestadas em 10 de novembro de 2009 pela Administração Fiscal à SEB bankas.

35.

O Governo lituano explicou que essa classificação foi alterada em resultado de uma decisão do Supremo Tribunal Administrativo lituano que visou uniformizar as inconsistências de uma prática anterior de aplicação ( 7 ). Consequentemente, o terreno objeto da transação devia ser considerado (re)classificado ex tunc pela Inspeção de Finanças do Estado no sentido de não constituir «terreno para construção». Por sua vez, essa circunstância levou a Inspeção de Finanças do Estado a pedir à SEB bankas o reembolso do montante da dedução.

36.

Gostaria de sublinhar que a questão de saber se essa (re)classificação do conceito de «terreno para construção» está ou não em conformidade com o direito da União não foi colocada pelo órgão jurisdicional de reenvio. Por conseguinte, não será abordada no presente processo.

37.

A relevância da (re)classificação é suscitada num contexto diferente, no âmbito da segunda questão prejudicial, com vista a determinar se tem ou não impacto na aplicabilidade do mecanismo de regularização. Saber se, a nível factual, a (re)classificação efetivamente ocorreu é uma matéria que compete ao juiz nacional determinar. Pela minha parte, partirei mais uma vez do pressuposto de que o objeto da transação não deveria ter sido considerado «terreno para construção» e que, portanto, a transação não deveria ter sido sujeita ao IVA. Por outras palavras, tomarei como ponto de partida e como declaração de facto que o que está expresso na redação da primeira questão prejudicial é que as partes aplicaram incorretamente o IVA à transação.

B.   Correção de erros relativos à existência do direito à dedução

38.

Com a sua primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o mecanismo de regularização das deduções previsto no artigo 184.o e seguintes da Diretiva IVA se aplica para corrigir uma situação em que existe uma dedução que não deveria ter sido concedida.

39.

Nesta parte das presentes conclusões, começarei por explicar que o mecanismo de regularização não se aplica à ação iniciada pela Inspeção de Finanças do Estado (1). Seguidamente, considero que, mesmo que esse mecanismo não seja aplicável, isso não obsta a que o reembolso de uma dedução incorretamente concedida deva, em princípio, ser exigido pelas autoridades fiscais (2).

1. A aplicabilidade do mecanismo de regularização

40.

Em primeiro lugar, identificarei o tipo de correção que se afigura ser estabelecido pelo mecanismo de regularização (a), após o que procederei à distinção entre esse mecanismo e o tipo de correção objeto do processo principal (b).

a) Natureza da correção visada pelo mecanismo de regularização

41.

Assiste aos sujeitos passivos, ao abrigo dos artigos 167.o e 168.o da Diretiva IVA, o direito a deduzir o montante do IVA devido ( 8 ) em relação aos bens entregues e aos serviços prestados por outro sujeito passivo, desde que tais bens e serviços sejam utilizados para os fins das suas operações tributadas ( 9 ).

42.

Como o Tribunal de Justiça já afirmou repetidamente, o direito à dedução previsto no artigo 168.o, alínea a), da Diretiva IVA faz parte integrante do mecanismo do IVA e não pode, em princípio, ser limitado. Esse regime de deduções «visa libertar inteiramente o empresário do ónus do IVA, devido ou pago, no âmbito de todas as suas atividades económicas» ( 10 ).

43.

Mais especificamente, o mecanismo de regularização previsto nos artigos 184.o e seguintes da Diretiva IVA visa aumentar a precisão das deduções do IVA, através da avaliação da medida em que o sujeito passivo efetivamente utiliza os bens para finalidades que dão direito à dedução ( 11 ). O Tribunal de Justiça explicou que «[o] mesmo mecanismo tem, assim, por objetivo estabelecer uma relação estreita e direta entre o direito à dedução do IVA pago a montante e a utilização dos bens ou serviços em causa para operações tributáveis a jusante» ( 12 ). Através da sua aplicação, as operações realizadas na fase anterior continuam a dar lugar ao direito a dedução apenas na medida em que sirvam para efetuar prestações sujeitas a esse imposto ( 13 ). Desta forma, o mecanismo de regularização contribui para assegurar a neutralidade da carga fiscal ( 14 ).

44.

Na sua formulação literal, o artigo 184.o da Diretiva IVA dispõe que «[a] dedução inicialmente efetuada é objeto de regularização quando for superior ou inferior à dedução a que o sujeito passivo tinha direito».

45.

O artigo 185.o, n.o 1, desta diretiva estabelece ainda que a regularização é efetuada, «nomeadamente», após a declaração de IVA e quando se verificarem alterações dos elementos tomados em consideração para a determinação do montante das deduções ( 15 ).

46.

A enumeração do artigo 185.o, n.o 1, não é taxativa, conforme evidenciado pelo emprego da palavra «nomeadamente». Ao longo dos anos, a jurisprudência do Tribunal de Justiça abordou, neste contexto, situações como a demolição e a realização de um projeto imobiliário ( 16 ), um roubo (não comprovado) ( 17 ) ou uma alteração do método de cálculo do direito à dedução do IVA pago sobre bens e serviços de uso misto ( 18 ).

47.

Por conseguinte, em termos gerais, a alteração de elementos aparentemente visada por essa disposição diz respeito principalmente à anulação de compras ou a abatimentos nos preços. Além disso, os exemplos citados prendem-se com elementos suscetíveis de determinar o âmbito do direito à dedução e que, por natureza, só podem ser apreciados com precisão ao longo do tempo, tendo devidamente em conta a efetiva utilização dos bens em causa. Isso é também confirmado pela lógica subjacente ao artigo 187.o da Diretiva IVA, que prevê a regularização anual, baseada na efetiva utilização dos bens de investimento.

48.

A questão suscitada no caso em apreço consiste em saber se esse mecanismo de regularização pode ser aplicado para corrigir um erro inicial cometido na determinação de que uma dada transação é tributável quando não o é. A natureza desse erro inicial quanto à existência de um direito à dedução é a mesma da correção do alcance de um direito à dedução efetuada em virtude de uma alteração subsequente que afeta a entrega em causa? Ambos os tipos de correção desencadeiam a aplicação do mesmo mecanismo?

b) Natureza da correção pedida no presente caso

49.

A correção pedida no presente caso visa retificar uma situação em que a autoridade fiscal competente concedeu uma dedução de IVA que aparentemente nunca deveria ter sido concedida. Em resultado desse erro, as autoridades fiscais exigiram o reembolso do montante correspondente à dedução concedida. É possível que essa correção das obrigações fiscais esteja abrangida pelo âmbito de aplicação do mecanismo de regularização do IVA?

50.

Segundo a SEB bankas, a resposta é negativa. Em primeiro lugar, esta parte considera que não ocorreu nenhuma alteração dos elementos pertinentes que afetasse o seu direito à dedução posterior à transação. Portanto, não estava obrigada a regularizar as suas obrigações em matéria de IVA. A única alteração que ocorreu foi a (re)classificação da transação para efeitos de IVA, que passou de «sujeita ao IVA» a «isenta de IVA», dado o seu objeto ter deixado de ser considerado «terreno para construção» nos termos do direito nacional. Em segundo lugar, caso se demonstrasse que o IVA não era devido e que, consequentemente, a dedução não era justificada (quod non, no entender daquela parte), a devolução dos montantes correspondentes seria regida pelo direito dos Estados-Membros e não pela Diretiva IVA.

51.

O Governo lituano alega que o mecanismo de regularização é aplicável. Baseia a sua tese na redação do artigo 184.o da Diretiva IVA, nos objetivos prosseguidos pelo mecanismo de regularização e nas medidas pelas quais esse mecanismo é implementado. No tocante à redação do artigo 184.o, esse governo sublinha que a regularização da dedução inicial se impõe nos casos em que a dedução concedida é «superior ou inferior à dedução a que o sujeito passivo tinha direito». Em termos matemáticos, se o direito inicial era zero, qualquer dedução efetuada teria sido excessiva e deveria ser regularizada.

52.

Não existem dúvidas de que, no campo da aritmética tradicional, esta conclusão está correta: qualquer número positivo é superior a zero. Porém, não estou tão seguro de que tal equação faça jus ao sistema e à lógica do mecanismo de regularização.

53.

Desde logo, na formulação do artigo 185.o, que detalha as modalidades da aplicação do mecanismo de regularização, a expressão «alterações dos elementos […] para a determinação do montante das deduções» ( 19 ) parece apontar para um cenário diferente daquele que está em causa no processo principal. O erro que tem de ser corrigido no processo principal não se prende com a questão de quanto a SEB bankas tinha o direito de deduzir, mas com a questão de saber se existia sequer o direito à dedução. Por outras palavras, o que a Inspeção de Finanças do Estado pretende corrigir é a determinação errada sobre a existência do direito à dedução, não o alcance desse direito.

54.

Reconheço que o artigo 184.o, que introduz o capítulo 5 do título X da Diretiva IVA relativo à regularização das deduções, está redigido em termos gerais e abertos. Por conseguinte, é legítimo questionar se será correto interpretar o conteúdo do artigo 184.o, formulado em termos gerais, à luz das disposições mais específicas contidas no artigo 185.o Esta questão é ainda mais justificada se considerarmos a natureza não taxativa («nomeadamente») da enumeração de elementos que figura nesse artigo.

55.

Dito isto, os artigos 184.o a 186.o da Diretiva IVA constituem uma unidade lógica no âmbito do capítulo 5 do título X. Logo, deveriam formar um todo coerente e ser interpretados à luz uns dos outros e do objetivo geral do capítulo em causa. O objetivo geral do mecanismo instituído por este capítulo é corrigir o montante da dedução e não os casos em que, desde logo, não existia nenhum direito à dedução. Quando não existe o direito à dedução, o alcance de uma regularização desse direito a deduzir não é pertinente.

56.

Este último entendimento parece ser confirmado pelas conclusões do Tribunal de Justiça no acórdão Uudenkaupungin kaupunki, que dizia respeito ao mecanismo de ajustamento previsto no artigo 20.o da Sexta Diretiva (e que era, no essencial, equivalente ao mecanismo estabelecido pela Diretiva IVA) ( 20 ). Esse processo respeitava a bens de investimento inicialmente afetados a uma atividade isenta e posteriormente afetados a uma atividade tributável em sede de IVA (essa alteração tinha ocorrido durante o período de ajustamento relevante).

57.

O Tribunal de Justiça considerou que «a aplicação do mecanismo de ajustamento depende da questão de saber se se constituiu um direito à dedução com base no artigo 17.o da Sexta Diretiva» ( 21 ) e concluiu que a superveniência do direito à dedução tornava possível a aplicação do mecanismo de ajustamento. Antes de chegar a essa conclusão, o Tribunal de Justiça confirmou que, aquando da aquisição, a entidade que posteriormente reivindicou o recurso ao mecanismo de ajustamento era um sujeito passivo.

58.

Portanto, o cenário factual no processo Uudenkaupungin kaupunki era diferente do cenário no caso vertente. Porém, não deixa de ser esclarecedor que a aplicabilidade do mecanismo de ajustamento dependesse da existência do direito à dedução (considerado não em relação à natureza da entrega mas à qualidade do comprador).

59.

À luz das considerações precedentes, entendo que o mecanismo de regularização não se aplica ao litígio no processo principal.

2. Reembolso de uma dedução concedida ilegalmente imposto pelo princípio da neutralidade fiscal

60.

Concordo com a posição expressa, no essencial, pela Comissão (e reconhecida, a título subsidiário, pela SEB bankas) de que a dedução incorretamente concedida deve ser objeto de retificação, mais uma vez, evidentemente, sem prejuízo dos prazos aplicáveis. Todavia, essa retificação deve processar-se inteiramente em conformidade com o direito nacional. Dito de outra forma, a conclusão de que o erro cometido no processo principal não está abrangido pelo mecanismo de regularização não implica que esteja inteiramente excluído do âmbito de aplicação do sistema comum do IVA e do princípio da neutralidade fiscal.

61.

Como referido no considerando 7 da Diretiva IVA, «[o] sistema comum do IVA deverá, ainda que as taxas e isenções não sejam completamente harmonizadas, conduzir a uma neutralidade concorrencial, no sentido de que, no território de cada Estado-Membro, os bens e os serviços do mesmo tipo estejam sujeitos à mesma carga fiscal […].»

62.

Essa carga deve ser imposta em condições de igualdade aos sujeitos passivos que se encontrem em situação idêntica ( 22 ). Contudo, essa neutralidade não será respeitada se for demonstrado que um sujeito passivo, como a SEB bankas, beneficiou de uma dedução de IVA incorretamente concedida. O Estado-Membro cujas autoridades fiscais concederam tal dedução está, portanto, obrigado a assegurar a correção dessa vantagem fiscal indevida.

63.

Em concreto, isso significa que os Estados-Membros devem implementar medidas que permitam às autoridades fiscais exigirem aos sujeitos passivos, como a SEB bancas, o reembolso à Inspeção de Finanças do Estado do montante correspondente à dedução, nos termos das disposições do direito nacional aplicáveis e em conformidade com prazos claros e previsíveis.

64.

Sublinho que seria necessária uma solução semelhante no tocante à remissão para as disposições do direito nacional, mesmo que o mecanismo de regularização fosse aplicável. Isto porque, enquanto os artigos 184.o e 185.o estabelecem as condições materiais de aplicação do mecanismo de regularização, no que respeita às modalidades processuais, o artigo 186.o da Diretiva IVA remete para o direito dos Estados-Membros.

65.

Importa acrescentar, por uma questão de clareza, que essa conclusão não obsta a que um Estado-Membro preveja ao nível interno regras processuais que se apliquem tanto à correção dos erros iniciais quanto à classificação da transação (como transação isenta de IVA ou sujeita ao IVA) como à regularização das deduções concedidas em relação às operações tributáveis. O facto de a primeira situação não estar abrangida pelo mecanismo de regularização previsto pela Diretiva IVA não significa que deva ser tratada separadamente ao nível nacional.

66.

À luz destas considerações, a minha conclusão intercalar é que os artigos 184.o a 186.o da Diretiva IVA devem ser interpretados no sentido de que o mecanismo de regularização previsto nessas disposições não se aplica a uma situação, como a do processo principal, em que a dedução inicial do IVA não podia sequer ter sido efetuada porque a transação em causa estava isenta de IVA. No entanto, o princípio da neutralidade fiscal exige que o Estado-Membro recupere o montante correspondente à dedução de IVA indevidamente concedida, nos termos das disposições aplicáveis do direito nacional.

C.   Esta conclusão é afetada pelas circunstâncias específicas do caso?

67.

Com a sua segunda questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta se a resposta à primeira questão é afetada pela emissão da nota de crédito de 2010 (1) e pelo facto de a transação ter sido inicialmente considerada sujeita ao IVA e só posteriormente ter sido tratada como isenta de IVA (2).

68.

Em face da resposta que proponho para a primeira questão do órgão jurisdicional nacional, a segunda questão pode ser entendida como uma matéria de direito nacional, que não carece de orientações do Tribunal de Justiça. Todavia, uma vez que a segunda questão está relacionada com a primeira (da qual constitui, na verdade, um desenvolvimento), e no espírito de cooperação que permeia o processo de reenvio prejudicial, as sugestões limitadas que posso apresentar em relação à segunda questão são as seguintes:

1. Relevância da nota de crédito de 2010

69.

A relevância da nota de crédito de 2010 pode ser apreciada, a meu ver, de duas perspetivas diferentes.

70.

Primeiro, podemos perguntar se determinou uma obrigação fiscal para a SEB bankas. A resposta é claramente negativa. Sem prejuízo da verificação pelo órgão jurisdicional de reenvio dos efeitos jurídicos precisos que a lei nacional atribui a tal documento, considero que a nota de crédito de 2010 é um documento emitido por um particular e não um documento oficial emitido pela autoridade fiscal. Como tal, pode desencadear efeitos na esfera da parte que a emite, mas não, em princípio, na da outra parte na transação ( 23 ).

71.

Segundo, podemos interrogar-nos sobre a possibilidade de a emissão da nota de crédito de 2010 ter consequências quanto aos prazos aplicáveis à alteração das obrigações fiscais da SEB bankas pela Inspeção de Finanças do Estado. Mais uma vez, essa é uma matéria que cumpre ao órgão jurisdicional de reenvio apreciar.

72.

Existem sistemas em que o direito nacional pode estabelecer não só um prazo «objetivo» (que é absoluto), mas também um prazo «subjetivo» (que é relativo). A contagem do prazo objetivo é normalmente desencadeada pela ocorrência de um evento específico, independentemente do conhecimento da parte em causa. O prazo subjetivo começa a correr quando essa parte toma conhecimento da ocorrência do evento relevante.

73.

Se fosse esse o caso no direito nacional, poderia argumentar-se que, aquando da receção da nota de crédito de 2010, a SEB bankas tomou conhecimento de que tinha de corrigir as suas declarações de IVA. Assim, essa nota de crédito poderia eventualmente ser entendida como o ponto de partida do prazo subjetivo.

74.

Dito isto, ainda que o direito nacional previsse um prazo subjetivo, normalmente tal prazo não pode prolongar o prazo objetivo nem ir além do termo deste. Ou seja, o prazo subjetivo pode começar a correr mais tarde, mas expira (o mais tardar) no termo do prazo objetivo. Assim, mesmo nesta segunda situação hipotética, tenho dificuldade em perceber exatamente de que modo a nota de crédito de 2010 seria relevante para efeitos dos prazos no processo principal.

75.

Por conseguinte, com base nos elementos à disposição do Tribunal de Justiça, não considero que a nota de crédito de 2010 seja relevante para a apreciação das obrigações fiscais da SEB bankas.

2. Relevância da (re)classificação da transação

76.

Ao contrário da nota de crédito de 2010 emitida pela vendedora, a prática interpretativa e a atuação específica da Administração Fiscal em relação à SEB bankas são relevantes para a apreciação das obrigações fiscais desta sociedade. Isto porque, sem prejuízo da apreciação dos factos pelo órgão jurisdicional nacional, podem ter criado na SEB bankas expectativas legítimas quanto ao alcance das suas obrigações, baseadas na natureza e no conteúdo das garantias que lhe tenham sido fornecidas ( 24 ).

77.

O Governo lituano reconhece que, aquando da realização da transação, a interpretação «oficial» do que se devia entender por «terreno para construção» justificava a conclusão de que essa transação estava sujeita ao IVA. Ao mesmo tempo, esse governo referiu também que essa interpretação foi alterada na sequência de um acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, proferido em 2009 ( 25 ).

78.

Como o Tribunal de Justiça recordou no acórdão Nigl e o, «o princípio da segurança jurídica não se opõe a que a Administração Tributária proceda, dentro [dos prazos aplicáveis], a uma liquidação adicional de IVA sobre a taxa deduzida ou sobre serviços já prestados, que deveriam ter sido sujeitos a esse imposto». O Tribunal de Justiça afirmou ainda que o mesmo é igualmente verdade quando «um regime de que beneficia um devedor de IVA é posto em causa pela Administração Tributária, incluindo para um período anterior à data em que foi feita essa apreciação, com a reserva de que essa apreciação tenha lugar no caso de prescrição da ação da Administração, e que os seus efeitos não retroajam a uma data anterior àquela em que ocorreram os elementos de facto e de direito em que a mesma se baseia» ( 26 ).

79.

A mesma lógica parece ser válida no presente caso. Se o prazo para a apreciação das obrigações fiscais da SEB bankas ainda não tiver expirado, ou seja, se a reapreciação e o recálculo ainda forem permitidos por serem tempestivos, e se, dentro desse prazo, for proferida uma decisão de um órgão jurisdicional de instância superior (como o Supremo Tribunal Administrativo) que harmonize uma prática interpretativa anteriormente inconsistente, a interpretação uniforme assim estabelecida pode produzir efeitos incidentais sobre a interpretação da lei que deve ser aplicada a todos os processos pendentes em que seja pertinente.

80.

Na verdade, esse efeito retrospetivo incidental das decisões judiciais de instância superior é bastante comum ( 27 ). Constitui a consequência lógica dessas decisões interpretativas, que são enxertadas na legislação interpretada em causa e, consequentemente (salvo se tais efeitos forem expressamente excluídos), são efetivamente aplicáveis ex tunc, juntamente com a legislação interpretada.

81.

É possível sugerir, como parece ter sido o argumento da Comissão na audiência, que, relativamente a um exercício fiscal já encerrado, a aplicação de uma decisão interpretativa nacional de instância superior já não seria apenas retrospetiva, mas verdadeiramente retroativa.

82.

Não subscrevo esse entendimento. Enquanto não expirar o prazo para recálculo e regularização previsto no direito nacional, a apreciação desse exercício fiscal não está verdadeiramente encerrada. A reapreciação permanece em aberto e, acrescente-se, não só para a Administração Fiscal mas também para o sujeito passivo. Portanto, durante esse período, o sujeito passivo pode também ele pretender invocar em seu benefício a harmonização interpretativa resultante da decisão de uma autoridade judicial nacional de instância superior. Em termos metafóricos, uma janela aberta está aberta para os dois lados.

83.

No entanto, mesmo que, dentro dos prazos aplicáveis, as autoridades fiscais possam, em rigor, ter em conta e aplicar uma decisão judicial nacional de instância superior que harmonizou uma interpretação da lei anteriormente inconsistente, isso não dispensa as autoridades fiscais competentes de procurarem, em cada caso concreto, um equilíbrio justo entre a necessidade de aplicação uniforme da lei e as circunstâncias específicas de cada caso, que podem ter gerado expectativas legítimas para o sujeito passivo.

84.

No caso vertente, seria concebível, por exemplo, que o justo equilíbrio entre a possível necessidade jurídica de corrigir a classificação da transação e a proteção das expectativas legítimas da SEB bankas (se, após apreciação dos factos, se pudesse afirmar que essas expectativas tinham efetivamente sido criadas pela atuação das autoridades nacionais) pudesse residir em autorizar a reclassificação da transação, mas sem penalizar a SEB bankas, ou seja, sem lhe impor juros de mora ou aplicar qualquer coima ( 28 ).

85.

À luz das considerações precedentes, a minha conclusão é que a resposta à primeira questão prejudicial não é afetada pela emissão da nota de crédito de 2010. Porém, quando as autoridades competentes procedem à correção das obrigações fiscais de um sujeito passivo, como a SEB bankas, na sequência da (re)classificação de uma entrega para efeitos de IVA, como a do terreno no processo principal, essas autoridades devem estabelecer um equilíbrio adequado entre as obrigações de garantir a neutralidade fiscal e a aplicação uniforme da lei e a proteção das expectativas legítimas desse sujeito passivo.

D.   Terceira e quarta questões

86.

Embora as hipóteses que introduzem a terceira e a quarta questões em relação à redação exata da primeira questão não sejam claras, depreendo da lógica subjacente à decisão de reenvio que a terceira e a quarta questões do órgão jurisdicional de reenvio são colocadas apenas para o caso de o mecanismo de regularização ser considerado aplicável ao processo principal.

87.

Uma vez que, no meu entender, esse mecanismo de regularização não é aplicável ao processo principal, não é necessário responder a essas questões.

V. Conclusão

88.

À luz do que precede, proponho que o Tribunal de Justiça responda ao Lietuvos vyriausiasis administracinis teismas (Supremo Tribunal Administrativo, Lituânia) nos seguintes termos:

Os artigos 184.o a 186.o da Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro de 2006, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado (JO 2006, L 347, p. 1), devem ser interpretados no sentido de que o mecanismo de regularização previsto nessas disposições não se aplica a situações, como a do processo principal, em que a dedução inicial do imposto sobre o valor acrescentado não devia sequer ter sido efetuada porque a transação em causa estava isenta de IVA. No entanto, o princípio da neutralidade fiscal exige que o Estado-Membro recupere o montante correspondente à dedução de IVA indevidamente concedida, nos termos das disposições aplicáveis do direito nacional.

Quando as autoridades competentes procedem à correção das obrigações fiscais de um sujeito passivo, na sequência da (re)classificação de uma entrega para efeitos de IVA, como a do terreno no processo principal, essas autoridades devem estabelecer um equilíbrio adequado entre as obrigações de garantir a neutralidade fiscal e a aplicação uniforme da lei e a proteção das expectativas legítimas desse sujeito passivo.


( 1 ) Língua original: inglês.

( 2 ) Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro de 2006, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado (JO 2006, L 347, p. 1).

( 3 ) Acórdão de 14 de junho de 2017, Compass Contract Services (C-38/16, EU:C:2017:454, n.o 42 e jurisprudência aí referida).

( 4 ) V., neste sentido, acórdãos de 7 de novembro de 2013, Tulică e Plavoşin (C-249/12C-250/12, EU:C:2013:722, n.o 41 e jurisprudência aí referida), e de 8 de setembro de 2015, Taricco e o. (C-105/14, EU:C:2015:555, n.o 36 e jurisprudência aí referida).

( 5 ) V., neste sentido, acórdão de 8 de setembro de 2015, Taricco e o. (C-105/14, EU:C:2015:555, em especial n.os 46 e 47). Mas v. acórdão de 5 de dezembro de 2017, M.A.S. e M.B. (C-42/17, EU:C:2017:936, n.os 51 a 58).

( 6 ) Acórdão de 15 de setembro de 2011, Słaby e o. (C-180/10C-181/10, EU:C:2011:589, n.o 33 e jurisprudência aí referida). No que toca ao alcance do poder discricionário dos Estados-Membros no contexto do artigo 12.o da Diretiva IVA, v. acórdão de 16 de novembro de 2017, Kozuba Premium Selection (C-308/16, EU:C:2017:869, n.os 44 e seguintes e jurisprudência aí referida).

( 7 ) A este propósito, o Governo lituano invocou, em especial, o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo da Lituânia (Grande Secção) de 7 de dezembro de 2009, A-438-1346/2009.

( 8 ) V., por exemplo, acórdãos de 13 de dezembro de 1989, Genius Holding (C-342/87, EU:C:1989:635, n.o 13); de 19 de setembro de 2000, Schmeink & Cofreth e Strobel (C-454/98, EU:C:2000:469, n.o 53); e de 6 de fevereiro de 2014, Fatorie (C-424/12, EU:C:2014:50, n.o 39).

( 9 ) Acórdãos de 22 de outubro de 2015, Sveda (C-126/14, EU:C:2015:712, n.o 18 e jurisprudência aí referida). V. também conclusões da advogada-geral J. Kokott no processo Mateusiak (C-229/15, EU:C:2016:138, n.o 24 e jurisprudência aí referida).

( 10 ) Acórdãos de 21 de março de 2000, Gabalfrisa e o. (C-110/98C-147/98, EU:C:2000:145, n.o 44 e jurisprudência aí referida); de 30 de setembro de 2010, Uszodaépítő (C-392/09, EU:C:2010:569, n.os 34 e 35 e jurisprudência aí referida); e de 22 de março de 2012, Klub (C-153/11, EU:C:2012:163, n.os 35 e 36 e jurisprudência aí referida).

( 11 ) V., em especial, conclusões da advogada-geral J. Kokott no processo TETS Haskovo (C-234/11, EU:C:2012:352, n.os 27 e 28).

( 12 ) V. acórdão de 13 de março de 2014, FIRIN (C-107/13, EU:C:2014:151, n.o 50 e jurisprudência aí referida).

( 13 ) V., por exemplo, acórdãos de 16 de junho de 2016, Mateusiak (C-229/15, EU:C:2016:454, n.o 28 e jurisprudência aí referida), e de 13 de março de 2014, FIRIN (C-107/13, EU:C:2014:151, n.o 50 e jurisprudência aí referida).

( 14 ) Despacho de 5 de junho de 2014, Gmina Międzyzdroje (C-500/13, EU:C:2014:1750, n.o 24 e jurisprudência aí referida).

( 15 ) Acórdão de 16 de junho de 2016, Mateusiak (C-229/15, EU:C:2016:454, n.o 29 e jurisprudência aí referida). V. também acórdão de 16 de junho de 2016, Kreissparkasse Wiedenbrück (C-186/15, EU:C:2016:452, n.o 47).

( 16 ) Acórdão de 29 de novembro de 2012, Gran Via Moineşti (C-257/11, EU:C:2012:759, n.os 37 a 42). V., no mesmo sentido, acórdão de 18 de outubro de 2012, TETS Haskovo (C-234/11, EU:C:2012:644, n.os 32 a 37).

( 17 ) O cenário de roubo está previsto no primeiro período do artigo 185.o, n.o 2, da Diretiva IVA. Acórdão de 4 de outubro de 2012, PIGI (C-550/11, EU:C:2012:614).

( 18 ) Acórdão de 9 de junho de 2016, Wolfgang und Dr. Wilfried Rey Grundstücksgemeinschaft GbR (C-332/14, EU:C:2016:417, n.os 37 a 47).

( 19 ) O sublinhado é meu.

( 20 ) Acórdão de 30 de março de 2006, Uudenkaupungin kaupunki (C-184/04, EU:C:2006:214). V. n.o 1 do artigo 20.o da Sexta Diretiva, com a epígrafe «Ajustamento das deduções». Sexta Diretiva 77/388/CEE do Conselho, de 17 de maio de 1977, relativa à harmonização das legislações dos Estados-Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios — Sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado: matéria coletável uniforme (JO 1977 L 145, p. 1; EE 09 F1 p. 54).

( 21 ) Acórdão de 30 de março de 2006, Uudenkaupungin kaupunki (C-184/04, EU:C:2006:214, n.o 37). V. também acórdão de 2 de junho de 2005, Waterschap Zeeuws Vlaanderen (C-378/02, EU:C:2005:335, n.o 44), em que o Tribunal de Justiça declarou que «um organismo de direito público que adquire um bem de investimento na qualidade de […] sujeito não passivo, e que, posteriormente, vende este bem na qualidade de sujeito passivo não beneficia, no âmbito desta venda, de um direito ao ajustamento baseado no artigo 20.o desta diretiva, com a finalidade de efetuar uma dedução do IVA pago no momento da compra do referido bem». V. também despacho de 5 de junho de 2014, Gmina Międzyzdroje (C-500/13, EU:C:2014:1750).

( 22 ) V., por analogia, acórdão de 14 de junho de 2017, Compass Contract Services (C-38/16, EU:C:2017:454, n.os 30 a 32 e jurisprudência aí referida), relativo às regras nacionais em matéria do reembolso, ao emitente de uma fatura, do IVA pago indevidamente. Do mesmo modo, o Tribunal de Justiça considerou que, para assegurar a neutralidade do IVA, compete aos Estados-Membros preverem, na sua ordem jurídica interna, a possibilidade de correção de qualquer imposto indevidamente faturado, desde que quem emita a fatura demonstre a sua boa-fé ou quando o emitente da fatura tenha eliminado por completo, em tempo útil, o risco de perda de receitas fiscais — acórdão de 18 de junho de 2009, Stadeco (C-566/07, EU:C:2009:380, n.os 36 e 37 e jurisprudência aí referida). V. também acórdão de 19 de setembro de 2000, Schmeink & Cofreth e Strobel (C-454/98, EU:C:2000:469, n.os 56 a 58).

( 23 ) V., no mesmo sentido, acórdão de 31 de janeiro de 2013, Stroy trans (C-642/11, EU:C:2013:54, n.os 41 a 44).

( 24 ) Acórdãos de 9 de julho de 2015, Cabinet Medical Veterinar Dr. Tomoiagă Andrei (C-144/14, EU:C:2015:452, n.o 43 e jurisprudência aí referida), e Salomie e Oltean (C-183/14, EU:C:2015:454, n.o 44 e jurisprudência aí referida). V. também acórdão de 14 de setembro de 2006, Elmeka (C-181/04C-183/04, EU:C:2006:563, n.o 32 e jurisprudência aí referida).

( 25 ) V. nota 7 supra.

( 26 ) Acórdão de 12 de outubro de 2016, Nigl e o. (C-340/15, EU:C:2016:764, n.os 48 e 49 e jurisprudência aí referida).

( 27 ) Recentemente discutido, no contexto da aplicação temporal das decisões do Tribunal de Justiça em matéria de IVA, por exemplo, nas minhas conclusões no processo Cussens e o. (C-251/16, EU:C:2017:648, n.o 35 e seguintes) e no processo Scialdone (C-574/15, EU:C:2017:553, n.o 179).

( 28 ) Conforme acima referido (v. n.o 18 das presentes conclusões), resulta da decisão de reenvio que a Inspeção Nacional dos Impostos dispensou parcialmente a SEB bankas da obrigação de pagamento dos juros de mora vencidos.