Available languages

Taxonomy tags

Info

References in this case

Share

Highlight in text

Go

CONCLUSÕES DA ADVOGADA-GERAL

JULIANE KOKOTT

apresentadas em 3 de maio de 2018 ( 1 )

Processo C-16/17

TGE Gas Engineering GmbH – Sucursal em Portugal

contra

Autoridade Tributária e Aduaneira

[pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Tribunal Arbitral Tributário (Centro de Arbitragem Administrativa) (Portugal)]

«Pedido de decisão prejudicial — Legislação em matéria de imposto sobre o valor acrescentado — Dedução — Conceito de prestação de serviços — Repartição dos custos comuns da atividade empresarial de uma sociedade pelos sócios»

I. Introdução

1.

É um fenómeno conhecido que entre uma sociedade e os seus sócios podem ser trocadas prestações não apenas no âmbito da relação societária mas também devido a uma relação jurídica própria e autónoma.

2.

O Tribunal de Justiça já se pronunciou algumas vezes sobre o impacto deste fenómeno no sistema do IVA ( 2 ).

3.

O presente pedido de decisão prejudicial oferece ao Tribunal de Justiça a oportunidade de clarificar as consequências em termos de direito à dedução, quando um agrupamento de empresas reparte os seus custos comuns pelos seus membros.

II. Quadro jurídico

A.   Direito da União

4.

O quadro jurídico do direito da União, no caso em apreço, é constituído pela Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro de 2006, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado ( 3 ) (a seguir «Diretiva IVA»). O artigo 167.o desta diretiva dispõe:

«O direito à dedução surge no momento em que o imposto dedutível se torna exigível.»

5.

O artigo 168.o da Diretiva IVA prevê:

«Quando os bens e os serviços sejam utilizados para os fins das suas operações tributadas, o sujeito passivo tem direito, no Estado-Membro em que efetua essas operações, a deduzir do montante do imposto de que é devedor os montantes seguintes:

a)

O IVA devido ou pago nesse Estado-Membro em relação aos bens que lhe tenham sido ou venham a ser entregues e em relação aos serviços que lhe tenham sido ou venham a ser prestados por outro sujeito passivo;

[…]»

6.

O artigo 44.o, primeira frase, da Diretiva IVA, na redação em vigor desde janeiro de 2010, estabelece que o lugar das prestações de serviços efetuadas a um sujeito passivo é o lugar onde este tem a sede da sua atividade económica. Todavia, se esses serviços forem prestados a um estabelecimento estável do sujeito passivo, o lugar das prestações desses serviços é, nos termos do artigo 44.o, segunda frase, da Diretiva IVA, o lugar onde está situado o estabelecimento estável.

7.

Estão previstas medidas de aplicação relativas a esta disposição no Regulamento de Execução (UE) n.o 282/2011 do Conselho, de 15 de março de 2011, que estabelece medidas de aplicação da Diretiva 2006/112/CE relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado, em vigor desde 1 de julho de 2011 ( 4 ). O seu artigo 10.o define com mais pormenor o conceito de sede da atividade económica, e o seu artigo 11.o o conceito de estabelecimento estável.

B.   Direito nacional

8.

O legislador português transpôs as exigências das referidas disposições da Diretiva IVA.

9.

O Regime do Registo Nacional de Pessoas Coletivas (a seguir «Regime do RNPC») regula o registo das pessoas coletivas no Registo Nacional de Pessoas Coletivas (a seguir «RNPC»).

10.

Em conformidade com o artigo 4.o, n.o 1, alíneas a) e b), do Regime do RNPC, este registo integra inscrições tanto de pessoas coletivas sujeitas ao direito português ou ao direito estrangeiro como de representantes de pessoas coletivas internacionais ou de direito estrangeiro que habitualmente exerçam atividade em Portugal.

11.

O artigo 13.o do Regime do RNPC estipula que a cada pessoa coletiva inscrita no RNPC é atribuído um número de identificação de pessoa coletiva (a seguir «NIPC») e regula os termos da atribuição desse número.

III. Matéria de facto e tramitação do processo principal

12.

A TGE Gas Engineering GmbH (a seguir «TGE Bonn») é uma sociedade de direito alemão com sede em Bona. Em 3 de março de 2009, obteve em Portugal o NIPC 980410878, correspondente a entidade não residente sem estabelecimento estável, para a realização de ato isolado (aquisição de participações sociais).

13.

A requerente no processo principal é a sucursal portuguesa da TGE Bonn, denominada «TGE Gas Engineering GmbH – Sucursal em Portugal» (a seguir «TGE Portugal»). Em 7 de abril de 2009, obteve em Portugal o NIPC 980412463, correspondente a entidade não residente com estabelecimento estável.

14.

A TGE Bonn constituiu, em 17 de abril de 2009, com a Somague Engenharia, SA (a seguir «Somague»), um Agrupamento Complementar de Empresas, denominado «Projesines Expansão do Terminal de GNL de Sines, ACE» (a seguir «Agrupamento»).

15.

O contrato constitutivo estabelece as contribuições dos membros para o Agrupamento na proporção de 85% para a Somague e de 15% para a TGE Bonn. Contudo, um acordo interno do Agrupamento estipula a distribuição dos resultados e dos encargos do Agrupamento na proporção de 64,29% para a TGE Bonn e de 35,71% para a Somague.

16.

Na constituição do Agrupamento, a TGE Bonn utilizou o NIPC 980410878 que lhe foi atribuído enquanto entidade não residente sem estabelecimento estável e não o NIPC obtido pela TGE Portugal.

17.

O próprio Agrupamento é parte num contrato com a Redes Energéticas Nacionais (a seguir «REN»), uma empresa portuguesa de eletricidade, e executa, por conta desta, o projeto de expansão do Terminal de Sines, um terminal de gás natural liquefeito.

18.

Em 4 de maio de 2009, o Agrupamento celebrou com a TGE Portugal um contrato de subempreitada. Um contrato semelhante existia igualmente com a Somague.

19.

Com base nestes contratos, a TGE Portugal e a Somague realizaram fornecimentos e serviços como subcontratantes do Agrupamento. Em conformidade com o estipulado no contrato de subempreitada celebrado entre o Agrupamento e a TGE Portugal («Full back-to-back general principle»), o Agrupamento faturou à REN, enquanto dono da obra, todos os fornecimentos e outros serviços que a TGE Portugal lhe efetuou.

20.

O Agrupamento faturou à TGE Portugal os custos incorridos com a sua própria atividade económica, na proporção de 64,29%, utilizando o NIPC atribuído à TGE Portugal. O Agrupamento faturou à Somague 35,71% dos custos. A faturação destinava-se apenas a repartir os custos do Agrupamento pelos seus membros. Assim, os custos foram distribuídos em conformidade com o acordo interno dos membros relativamente à assunção das responsabilidades do Agrupamento. No entanto, este indicou o IVA nas faturas e pagou-o à Administração Fiscal Portuguesa, o que esta nunca contestou.

21.

Seguidamente, a TGE Portugal procedeu à dedução do IVA indicado nas referidas faturas.

22.

No âmbito de uma ação inspetiva à TGE Portugal, pela Autoridade Tributária e Aduaneira (a seguir «ATA»), relativamente aos anos de 2009, 2010 e 2011, foi elaborado um relatório de inspeção tributária. Nele, a ATA concluiu que a TGE Portugal e a TGE Bonn deviam, em virtude dos diferentes NIPC, ser tratadas como entidades jurídicas diferentes. Uma vez que a TGE Bonn é membro do Agrupamento, mas a TGE Portugal não, o Agrupamento faturou indevidamente os seus custos à TGE Portugal. A dedução do IVA pela TGE Portugal em relação a estes custos foi indevida.

23.

Com base nestas constatações, a ATA emitiu à TGE Portugal liquidações de IVA e de juros compensatórios. Em 28 de março de 2014, a TGE Portugal apresentou reclamação graciosa contra essas liquidações respeitantes aos exercícios de 2010 e 2011, que a ATA indeferiu.

24.

Em 19 de setembro de 2014, a TGE Portugal apresentou recurso hierárquico contra a referida decisão de indeferimento, o qual foi indeferido por despacho que lhe foi notificado em 25 de setembro de 2015.

25.

Em 22 de dezembro de 2015, a TGE Portugal apresentou no órgão jurisdicional de reenvio o pedido de pronúncia arbitral contra essa decisão.

IV. Pedido de decisão prejudicial e tramitação processual no Tribunal de Justiça

26.

Com a decisão arbitral de 29 de junho de 2016, que deu entrada em 16 de janeiro de 2017, o Tribunal Arbitral Tributário (Portugal) submeteu ao Tribunal de Justiça, nos termos do artigo 267.o TFUE, a seguinte questão prejudicial:

«Os artigos 44.o, 45.o, 132.o, n.o 1, alínea f), 167.o, 168.o, 169.o, 178.o, 179.o e 192.o-A, 193.o, 194.o e 196.o da Diretiva IVA (Diretiva n.o 2006/112), os artigos 10.o e 11.o do Regulamento de Execução (UE) n.o 282/2011 e o princípio da neutralidade devem ser interpretados no sentido de que se opõem a que a Administração Fiscal Portuguesa recuse o direito a dedução de IVA por uma sucursal de uma sociedade de direito alemão, numa situação em que:

a sociedade de direito alemão obteve um número de identificação fiscal em Portugal para a realização de ato isolado, designadamente “aquisição de participação social”, correspondente a entidade não residente sem estabelecimento estável;

posteriormente, foi registada em Portugal a sucursal da referida sociedade de direito alemão, sendo-lhe atribuído um número fiscal próprio, como estabelecimento estável desta sociedade;

depois, a sociedade de direito alemão, utilizando o primeiro número de identificação, celebrou com outra empresa um contrato de constituição de um Agrupamento Complementar de Empresas (ACE), para execução de um contrato de empreitada em Portugal;

posteriormente, a sucursal, usando o seu número fiscal próprio, celebrou um contrato de subempreitada com o ACE, sendo nele acordadas as prestações recíprocas entre a sucursal e o ACE e que este último deveria debitar aos sub-empreiteiros, nas proporções acordadas, custos em que incorresse;

o ACE indicou nas notas de débito que emitiu para debitar custos à sucursal o número de identificação fiscal desta e liquidou IVA;

a sucursal deduziu o IVA liquidado nas notas de débito;

as operações ativas do ACE são constituídas (por via de subempreitada), pelas operações ativas da sucursal e da outra empresa integrante do ACE, tendo aquelas faturado ao ACE a totalidade da receita que este faturou ao dono da obra?»

27.

Em resposta a um pedido de informações do Tribunal de Justiça, o órgão jurisdicional de reenvio acrescentou — à semelhança da requerente no processo principal — que o único objetivo das faturas do Agrupamento consistia na repartição dos custos comuns da sua atividade económica pelos membros.

28.

No âmbito do processo no Tribunal de Justiça, a TGE Portugal, a República Portuguesa e a Comissão Europeia apresentaram observações escritas e participaram na audiência realizada em 19 de março de 2018.

V. Apreciação

A.   Legitimidade do órgão jurisdicional de reenvio

29.

Como o Tribunal de Justiça já declarou, o Tribunal Arbitral Tributário deve ser considerado um órgão jurisdicional de um Estado-Membro, na aceção do artigo 267.o TFUE, e, por conseguinte, pode submeter um pedido de decisão prejudicial ao Tribunal de Justiça ( 5 ).

B.   Interpretação da questão prejudicial

30.

Na sua questão, o órgão jurisdicional de reenvio refere-se aos diferentes NIPC que foram atribuídos à TGE Bonn e à TGE Portugal e que foram utilizados em relação ao Agrupamento, nomeadamente o NIPC da TGE Bonn, aquando da celebração do contrato de constituição do Agrupamento, e o NIPC da TGE Portugal, aquando da celebração do contrato de subempreitada com o Agrupamento.

31.

No entanto, a questão submetida pelo órgão jurisdicional de reenvio visa, em substância, esclarecer se a TGE Bonn ou a TGE Portugal têm direito à dedução do imposto quando o Agrupamento fatura os seus custos comuns à TGE Portugal mediante indicação do IVA na fatura. Nesta medida, o órgão jurisdicional de reenvio pretende essencialmente saber se os requisitos da dedução do imposto estão reunidos num caso como o presente.

C.   Direito a dedução

32.

Os requisitos do direito à dedução estão indicados no artigo 168.o, alínea a), da Diretiva IVA: tem direito a deduzir o IVA devido ou pago na etapa anterior, quem for, em si mesmo, sujeito passivo e tenha recebido de outro sujeito passivo uma entrega ou uma prestação de serviços que utiliza para os fins da sua própria atividade económica.

33.

No caso em apreço, é incontestável que o Agrupamento pagou o IVA que faturou à TGE Portugal. É igualmente incontestável que o Agrupamento é, em princípio, um sujeito passivo na aceção da Diretiva IVA.

34.

Todavia, há que esclarecer se a TGE Portugal é destinatária de uma prestação de serviços que constitui a contrapartida do pagamento dos custos.

1. Sujeito passivo enquanto destinatário da prestação de serviços

35.

Em conformidade com o artigo 168.o da Diretiva IVA, só um sujeito passivo tem direito à dedução do IVA. O destinatário do serviço deve, por isso, ser um sujeito passivo na aceção da diretiva.

36.

O artigo 9.o, n.o 1, primeiro parágrafo, da Diretiva IVA estabelece que sujeito passivo é qualquer pessoa que exerça, de modo independente, uma atividade económica.

37.

No que respeita à relação entre uma sociedade e a sua sucursal noutro Estado-Membro, o Tribunal de Justiça já declarou que a sucursal não realiza uma atividade económica independente, porque não suporta ela própria o risco económico da sua atividade económica, em especial, porque não dispõe de capital de dotação ( 6 ). Pelo contrário, o risco económico é suportado apenas pela sociedade à qual a sucursal pertence.

38.

Mesmo que o conceito de sujeito passivo do direito da União deva ser interpretado de maneira autónoma e uniforme ( 7 ) e, por conseguinte, não abranja apenas as pessoas singulares e coletivas mas também entidades sem personalidade jurídica ( 8 ), trata-se, no caso de uma sociedade e respetiva sucursal estabelecida noutro Estado-Membro, de uma mesma entidade jurídica, no âmbito da qual não existem dois sujeitos passivos independentes ( 9 ).

39.

Com base neste critério, a TGE Bonn e a TGE Portugal constituem um sujeito passivo (a seguir «TGE») na aceção da Diretiva IVA.

40.

Esta conclusão não é afetada pelo facto de a TGE Bonn e a TGE Portugal terem NIPC diferentes nem pelo facto de, na criação do Agrupamento, ter sido utilizado o NIPC da TGE Bonn, quando, na faturação da repartição dos custos, foi utilizado o NIPC da TGE Portugal.

2. Existência de uma prestação de serviços

41.

O artigo 168.o, alínea a), da Diretiva IVA exige que uma prestação (entrega, na aceção do artigo 14.o, ou prestação de serviços, na aceção do artigo 24.o, n.o 1, da Diretiva IVA) seja efetuada ao sujeito passivo que tem direito à dedução.

42.

Segundo a jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, uma prestação de serviços só é tributável se existir entre o prestador e o beneficiário uma relação jurídica na vigência da qual são trocadas prestações recíprocas, constituindo a retribuição recebida pelo prestador o contravalor efetivo do serviço prestado ao beneficiário ( 10 ).

43.

Em conformidade, a matéria coletável de uma prestação de serviços é constituída por tudo o que é recebido em contrapartida do serviço prestado, pelo que uma prestação de serviços só é tributável se existir um nexo direto entre o serviço prestado e a contrapartida recebida ( 11 ).

44.

No presente caso, o Agrupamento deveria, portanto, ter efetuado uma prestação concreta de serviços cujo destinatário fosse a TGE. Só então os montantes faturados à TGE pelo Agrupamento e pagos pela TGE constituiriam a contrapartida de uma prestação de serviços em relação à qual é efetivamente devido IVA.

45.

No entanto, como referem o órgão jurisdicional de reenvio e a requerente no processo principal nas suas respostas ao pedido de informações do Tribunal de Justiça, os montantes em questão consistem nos custos comuns da atividade económica do Agrupamento. As faturas tinham como único objetivo repartir os custos pela TGE enquanto membro. Os montantes não foram pagos em contrapartida de serviços prestados pelo Agrupamento à TGE e, por conseguinte, não tinham natureza remuneratória.

46.

Assim, há que considerar que, no caso em apreço, não foi efetuada ao sujeito passivo nenhuma prestação de serviços concreta. Ao invés, os montantes faturados à TGE e pagos por esta consistem na repartição dos custos comuns do Agrupamento pelos seus membros, com fundamento na participação nos ganhos e perdas, e não numa contrapartida de uma atividade concreta.

47.

Esta conclusão é confirmada pelo acórdão do Tribunal de Justiça no processo Cibo Participations. Nesse processo, o Tribunal de Justiça decidiu que o pagamento de um dividendo não representa a contrapartida de uma prestação de serviços, mas sim uma mera manifestação da propriedade das participações e, assim, do estatuto de sócio. Em especial, a atribuição de dividendos pressupõe normalmente a existência de lucros distribuíveis e depende, assim, do resultado do exercício da sociedade ( 12 ). No caso em apreço, não são atribuídos dividendos, ou seja, lucros, aos membros pelo Agrupamento. Pelo contrário, são os membros que pagam um montante ao Agrupamento. Contudo, como foi referido pela Administração Fiscal no processo principal, trata-se dos custos comuns da atividade económica do Agrupamento. Esta participação nas perdas funciona, em última análise, como o reflexo do pagamento de dividendos no processo Cibo Participations: o valor do montante faturado pelo Agrupamento depende da sua situação financeira, tal como o montante dos dividendos distribuídos dependia da situação financeira das sociedades nas quais a Cibo Participations participava. Em virtude do seu estatuto, um sócio não tem só direito à participação nos lucros, mas, neste caso, é também obrigado a suportar os custos incorridos. Enquanto o processo Cibo Participations dizia respeito à participação nos lucros, o presente caso tem por objeto a cobertura das despesas incorridas. Em ambos os casos, os pagamentos efetuados são uma manifestação do estatuto de sócio e não representam, por conseguinte, uma contrapartida de uma prestação de serviços.

48.

A falta de uma contrapartida distingue o presente caso daquele que deu origem ao processo Heerma. Ali, o sócio de uma sociedade civil arrenda a essa sociedade um imóvel, pelo qual a sociedade lhe pagava uma renda que era independente da sua participação nos lucros e perdas da sociedade. O Tribunal de Justiça decidiu, neste caso, que o arrendamento do imóvel constituía uma prestação sujeita a IVA, uma vez que a contrapartida consistia numa retribuição concreta ( 13 ).

49.

Por último, o presente caso também não pode ser comparado com a quota de um membro de uma associação. É verdade que, no processo Kennemer Golf, o Tribunal de Justiça decidiu que a quotização constitui matéria coletável para efeitos do IVA, se for a contrapartida da possibilidade de utilização de bens da associação ( 14 ). Com efeito, por um lado, a obrigação de pagamento da quota não resulta diretamente do facto de a associação obter lucros ou registar perdas, baseando-se antes na liberdade estatutária da associação. Além disso, naquele processo, a quotização reportava-se a um direito de utilização concreta dos membros no que respeita às instalações desportivas da associação. No presente caso, o valor dos montantes faturados à TGE e pagos por esta depende, pelo contrário, apenas do resultado económico do Agrupamento. Por outro lado, o Agrupamento não concede à TGE a possibilidade de utilização dos seus bens, faturando, para o efeito, uma contraprestação. Pelo contrário, este montante faturado é uma manifestação do estatuto de membro da TGE e da obrigação de participação nos ganhos e perdas daí resultante.

50.

Contrariamente à tese defendida pela Comissão na audiência, não estamos perante um caso de prestação de serviços por comissão, na aceção do artigo 28.o da Diretiva IVA. O objeto do processo principal é apenas a faturação das despesas em que o Agrupamento incorreu devido a entregas e prestações de serviços realizadas por terceiros. No entanto, estas prestações de terceiros foram prestadas ao próprio Agrupamento. Destinavam-se à atividade económica do Agrupamento e não foram prestadas aos seus membros. De facto, tal como o órgão jurisdicional de reenvio salientou expressamente a este respeito, não existe nenhuma prestação do Agrupamento aos seus membros. Isto significa que não estão reunidos os requisitos previstos no artigo 28.o da Diretiva IVA («numa prestação de serviços»).

51.

Do princípio da neutralidade não resulta outra coisa.

52.

De acordo com a jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, o direito a dedução constitui um princípio fundamental do sistema comum do IVA e visa libertar inteiramente o empresário do peso do IVA devido ou pago no âmbito de todas as suas atividades económicas ( 15 ).

53.

O sistema comum do IVA garante, por conseguinte, a neutralidade quanto à carga fiscal de todas as atividades económicas. No entanto, condição para tal é elas próprias estarem, em princípio, sujeitas ao IVA ( 16 ).

54.

Uma vez que, como já referido, falta a realização de uma prestação de serviços na aceção do artigo 24.o, n.o 1, da Diretiva IVA, o Agrupamento já não devia IVA para a «refaturação» dos custos comuns da sua atividade empresarial que repartiu pelos seus membros. Assim, o IVA foi incorretamente pago. Uma vez que este imposto não era devido nos termos do direito da União, não existe qualquer margem para a aplicação do princípio da neutralidade. No presente caso, este não impõe propriamente que a TGE seja exonerada do IVA sobre os montantes pagos ao Agrupamento, se o imposto nem sequer chegou a ser devido à luz do direito da União.

55.

Deve, por conseguinte, concluir-se que o Agrupamento não efetua nenhuma prestação de serviços à TGE que justifique o direito desta à dedução.

3. Lugar da prestação

56.

O órgão jurisdicional de reenvio também solicita ao Tribunal de Justiça a interpretação dos artigos 44.o e 45.o da Diretiva IVA, que determinam o lugar das prestações de serviços.

57.

Em conformidade com o artigo 44.o, primeira frase, da Diretiva IVA, o lugar das prestações de serviços efetuadas a um sujeito passivo é o lugar da sede da atividade económica do destinatário da prestação de serviços. O legislador da União escolheu este ponto de conexão como prioritário, pois, enquanto critério objetivo, simples e prático, oferece grande segurança jurídica ( 17 ).

58.

Em contrapartida, a conexão ao lugar do estabelecimento estável do destinatário das prestações de serviços, previsto no artigo 44.o, segunda frase, da Diretiva IVA, é secundária e constitui uma derrogação à regra geral ( 18 ).

59.

Embora o Tribunal de Justiça tenha clarificado a relação entre estes dois pontos de conexão no processo Welmory, o elemento essencial reside, tanto nos termos do artigo 44.o, primeira frase, como do artigo 44.o, segunda frase, da Diretiva IVA, na receção de uma prestação de serviços pelo sujeito passivo.

60.

Todavia, tal como acima referido, no caso em apreço, não existiu uma prestação de serviços. Na falta de uma prestação de serviços, não é possível, portanto, determinar o lugar da prestação.

61.

Por conseguinte, a questão colocada pelo órgão jurisdicional de reenvio a este respeito não pode ser respondida.

VI. Conclusão

62.

No contexto das considerações precedentes, proponho ao Tribunal de Justiça que responda ao pedido de decisão prejudicial do Tribunal Arbitral Tributário (Centro de Arbitragem Administrativa) (Portugal), do seguinte modo:

O artigo 168.o da Diretiva IVA deve ser interpretado no sentido de que, na falta de entrega ou de prestação de serviços sujeitas ao IVA, não existe direito à dedução quando um Agrupamento Complementar de Empresas reparte os custos comuns da sua atividade empresarial por uma sociedade de direito estrangeiro, membro do Agrupamento, mesmo que tenha sido incorretamente pago o IVA relativo a esse montante e o mesmo tenha sido faturado à sucursal nacional da sociedade membro do Agrupamento.


( 1 ) Língua original: alemão.

( 2 ) Acórdãos de 27 de janeiro de 2000, Heerma (C-23/98, EU:C:2000:46), e de 27 de setembro de 2001, Cibo Participations (C-16/00, EU:C:2001:495).

( 3 ) JO 2006, L 347, p. 1.

( 4 ) JO 2011, L 77, p. 1.

( 5 ) Acórdão de 12 de junho de 2014, Ascendi Beiras Litoral e Alta, Auto Estradas das Beiras Litoral e Alta (C-377/13, EU:C:2014:1754, n.os 23 a 34).

( 6 ) Acórdão de 23 de março de 2006, FCE Bank (C-210/04, EU:C:2006:196, n.os 33 a 37), e de 17 de setembro de 2014, Skandia America (USA), filial Sverige (C-7/13, EU:C:2014:2225, n.os 25 e 26).

( 7 ) Acórdão de 17 de setembro de 2014, Skandia America (USA), filial Sverige (C-7/13, EU:C:2014:2225, n.o 23).

( 8 ) Acórdão de 27 de janeiro de 2000, Heerma (C-23/98, EU:C:2000:46, n.o 8).

( 9 ) Conclusões do advogado-geral P. Léger no processo FCE Bank (C-210/04, EU:C:2005:582, n.o 38).

( 10 ) Acórdãos de 3 de março de 1994, Tolsma (C-16/93, EU:C:1994:80, n.o 14); de 21 de março de 2002, Kennemer Golf (C-174/00, EU:C:2002:200, n.o 39); de 23 de março de 2006, FCE Bank (C-210/04, EU:C:2006:196, n.o 34); e de 17 de setembro de 2014, Skandia America (USA), filial Sverige (C-7/13, EU:C:2014:2225, n.o 24).

( 11 ) Acórdãos de 3 de março de 1994, Tolsma (C-16/93, EU:C:1994:80, n.o 13), e de 21 de março de 2002, Kennemer Golf (C-174/00, EU:C:2002:200, n.o 39).

( 12 ) Acórdão de 27 de setembro de 2001, Cibo Participations (C-16/00, EU:C:2001:495, n.os 42 e 43); o que significa que a distribuição dos dividendos depende do resultado económico da sociedade.

( 13 ) Acórdão de 27 de janeiro de 2000, Heerma (C-23/98, EU:C:2000:46, n.os 13 e 19).

( 14 ) Acórdão de 21 de março de 2002, Kennemer Golf (C-174/00, EU:C:2002:200, n.o 40).

( 15 ) Acórdãos de 27 de setembro de 2001, Cibo Participations (C-16/00, EU:C:2001:495, n.o 27); de 12 de setembro de 2013, Le Crédit Lyonnais (C-388/11, EU:C:2013:541, n.os 26 e 27); e de 15 de setembro de 2016, Barlis 06 – Investimentos Imobiliários e Turísticos (C-516/14, EU:C:2016:690, n.os 37 a 39).

( 16 ) Acórdãos de 27 de setembro de 2001, Cibo Participations (C-16/00, EU:C:2001:495, n.o 27); de 12 de setembro de 2013, Le Crédit Lyonnais (C-388/11, EU:C:2013:541, n.o 27); e de 15 de setembro de 2016, Barlis 06 – Investimentos Imobiliários e Turísticos (C-516/14, EU:C:2016:690, n.o 39).

( 17 ) Acórdão de 16 de outubro de 2014, Welmory (C-605/12, EU:C:2014:2298, n.os 53 a 55).

( 18 ) Acórdão de 16 de outubro de 2014, Welmory (C-605/12, EU:C:2014:2298, n.o 56).