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CONCLUSÕES DA ADVOGADA-GERAL

JULIANE KOKOTT

apresentadas em 3 de maio de 2018 (1)

Processo C-249/17

Ryanair Ltd

contra

The Revenue Commissioners

[pedido de decisão prejudicial apresentado pela Supreme Court (Irlanda)]

«Reenvio prejudicial — Legislação fiscal — Sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado — Conceito de sujeito passivo — Despesas relativas a serviços obtidos no âmbito da aquisição da totalidade das ações de uma empresa — Direito à dedução do imposto pago a montante — Aquisição falhada de um concorrente»






I.      Introdução

1.        No cerne do presente litígio estão novamente a interpretação do conceito de «sujeito passivo» e a definição de «atividade económica» na aceção do artigo 9.o, n.o 1, da Diretiva IVA (2). O processo dará ao Tribunal de Justiça a possibilidade de clarificar o âmbito de aplicação da sua jurisprudência relativa ao direito à dedução do IVA por parte de sociedades holding.

2.        Em 2006, a companhia aérea Ryanair tentou adquirir a companhia aérea irlandesa Aer Lingus. Embora a aquisição desta sociedade tenha falhado por razões de concorrência, a Ryanair já tinha incorrido em despesas significativas com consultadoria e outros serviços relacionados com a planeada aquisição. Por conseguinte, a Ryanair invocou um direito à dedução do imposto pago a montante pelos serviços referidos, o que foi recusado pela administração fiscal irlandesa.

3.        É certo que o Tribunal de Justiça reconhece na sua jurisprudência que é possível invocar um direito à dedução do imposto pago a montante também no que se refere a investimentos sem sucesso. No entanto, no caso em apreço, o litígio tem origem no facto de, segundo a jurisprudência, a mera aquisição e detenção de ações não constituir uma atividade económica na aceção da Diretiva IVA. Desta forma, em conformidade com a jurisprudência do Tribunal de Justiça, uma sociedade holding, cujo único objetivo é a aquisição de participações, não tem qualquer direito à dedução do imposto pago a montante (3).

4.        Ao contrário da situação clássica de holding, no caso em apreço, uma empresa operacional (portanto, um sujeito passivo) procurou, todavia, realizar uma denominada aquisição estratégica de uma empresa concorrente. Consequentemente, coloca-se a questão de saber se a limitação do direito à dedução resultante da denominada jurisprudência holding (4) é de todo aplicável no presente caso. De facto, a dimensão económica do caso só é reconhecida se se tiver em conta, no quadro de uma análise funcional, a importância da aquisição das ações para a atividade económica já existente.

II.    Quadro jurídico

5.        As disposições do direito da União aplicáveis ao período tributário ora controvertido são as da Sexta Diretiva 77/388/CEE (5), do Conselho, de 17 de maio de 1977, relativa à harmonização das legislações dos Estados-Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios - sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado: matéria coletável uniforme (a seguir, «Sexta Diretiva»). Estas disposições têm um conteúdo idêntico às disposições correspondentes da Diretiva 2006/112/CE (a seguir, «Diretiva IVA») (6).

6.        O artigo 9.o, n.o 1, da Diretiva IVA (anterior artigo 4.o, n.os 1 e 2, da Sexta Diretiva) determina:

«1.      Entende-se por “sujeito passivo” qualquer pessoa que exerça, de modo independente e em qualquer lugar, uma atividade económica, seja qual for o fim ou o resultado dessa atividade.

Entende-se por “atividade económica” qualquer atividade de produção, de comercialização ou de prestação de serviços, incluindo as atividades extrativas, agrícolas e as das profissões liberais ou equiparadas. É em especial considerada atividade económica a exploração de um bem corpóreo ou incorpóreo com o fim de auferir receitas com caráter de permanência. […]»

7.        Nos termos do artigo 167.o da Diretiva IVA, o direito à dedução surge no momento em que o imposto dedutível se torna exigível. O artigo 168.o da referida diretiva (sendo ambas as disposições anteriormente reguladas no artigo 17.o da Sexta Diretiva) dispõe:

«Quando os bens e os serviços sejam utilizados para os fins das suas operações tributadas, o sujeito passivo tem direito, no Estado-Membro em que efetua essas operações, a deduzir do montante do imposto de que é devedor os montantes seguintes:

a)      O IVA devido ou pago nesse Estado-Membro em relação aos bens que lhe tenham sido ou venham a ser entregues e em relação aos serviços que lhe tenham sido ou venham a ser prestados por outro sujeito passivo; […]»

III. Matéria de facto, processo principal e questões prejudiciais

8.        A recorrente no processo principal, a Ryanair Ltd. (a seguir «Ryanair»), é uma companhia aérea privada com sede na Irlanda. Em 23 de outubro de 2006, a Ryanair apresentou uma proposta formal de aquisição com o objetivo de adquirir a totalidade das ações da Aer Lingus. A Aer Lingus é uma antiga companhia aérea estatal da Irlanda, cujas ações, após a companhia ter sido privatizada em 2006, foram admitidas à cotação em bolsa em 2 de outubro de 2006.

9.        Através da decisão de 27 de junho de 2007, a Comissão declarou que a operação de concentração notificada era incompatível com o mercado comum (7). Pelas razões expostas, a Ryanair conseguiu adquirir simplesmente 29% das ações da Aer Lingus.

10.      No âmbito da oferta de aquisição, a Ryanair contratou serviços sujeitos a IVA. A Ryanair invoca o direito à dedução do IVA pago a montante. No entanto, os Revenue Commissioners (Autoridade Fiscal e Aduaneira irlandesa, recorridos no processo principal) indeferiram a dedução reclamada.

11.      A Ryanair interpôs recurso da decisão de indeferimento, em primeiro lugar, para a Tax Appeals Commission (Comissão Tributária irlandesa) e, em segundo lugar, para a Circuit Court (Tribunal Regional). Esta última estabeleceu uma apreciação factual vinculativa e, numa espécie de pedido de decisão prejudicial nacional, submeteu à apreciação da High Court (Tribunal Superior irlandês) a questão jurídica de saber se, nas circunstâncias do processo principal, existe um direito à dedução do imposto pago a montante. A High Court concluiu igualmente que a Ryanair não tem direito à dedução.

12.      A Ryanair interpôs recurso da decisão da High Court para a Supreme Court (Supremo Tribunal irlandês). Por decisão de 8 de maio de 2017, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 12 de maio de 2017, a Supreme Court suspendeu a instância e submeteu à apreciação do Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais nos termos do artigo 267.o TFUE:

«1)      A intenção de prestar serviços de gestão a uma empresa objeto de uma aquisição, caso esta seja bem-sucedida, pode ser considerada suficiente para demonstrar que o potencial adquirente exerce uma atividade económica na aceção do artigo 4.o da Sexta Diretiva IVA, de forma que o IVA cobrado a esse potencial adquirente sobre os bens ou serviços que lhe foram fornecidos com vista a essa potencial aquisição pode eventualmente ser tratado como IVA pago a montante no âmbito da atividade económica prevista de prestação de serviços de gestão?

2)      Existe uma “relação direta e imediata” suficiente, identificada como um requisito pelo Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) no [Acórdão de 27 de setembro de 2001, Cibo Participations, C-16/00, EU:C:2001:495], entre os serviços profissionais prestados no âmbito dessa potencial aquisição e as operações a jusante, constituídas pela potencial prestação de serviços de gestão à empresa objeto da aquisição, caso esta seja bem-sucedida, permitindo assim a dedução do IVA pago sobre esses serviços profissionais?»

13.      No processo no Tribunal de Justiça, a Ryanair, a Irlanda e Comissão Europeia apresentaram observações escritas. Na audiência de 14 de março de 2018, estiveram representadas todas as partes.

IV.    Apreciação jurídica

14.      Ambas as questões prejudiciais dizem respeito ao direito à dedução do IVA pago a montante sobre despesas efetuadas no âmbito da aquisição planeada, mas que veio a não ter êxito, da totalidade das ações de uma sociedade com o objetivo de proceder à aquisição desta. Estas questões devem, por conseguinte, ser respondidas em conjunto.

15.      Com a primeira questão, a Supreme Court pretende saber, em substância, se a intenção da empresa adquirente de prestar serviços de gestão à filial, no caso de uma aquisição bem-sucedida, é suficiente para a qualificar como sujeito passivo na aceção da Diretiva IVA.

16.      No essencial, a Supreme Court interroga-se, assim, quanto à possibilidade de combinar duas linhas de jurisprudência. Por um lado, segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça, existe um direito à dedução igualmente no que se refere a investimentos sem sucesso: no caso de despesas incorridas na preparação de uma atividade económica, é possível invocar um direito à dedução mesmo quando o início da atividade económica falha e não se verificam as operações tributáveis pretendidas (8). Relevante é simplesmente a intenção do sujeito passivo, confirmada por elementos objetivos, de exercer uma atividade económica (9). Por outro lado, segundo a jurisprudência, a atividade económica de uma sociedade holding, necessária para a dedução do imposto pago a montante, pode, em particular, consistir no facto de esta sociedade prestar serviços de gestão à sociedade em que adquiriu participações (10).

17.      Com a segunda questão, a Supreme Court pretende saber se existe a relação direta e imediata, necessária para a dedução do imposto pago a montante, entre as despesas realizadas no âmbito da aquisição das ações da empresa e a prestação de serviços de gestão pretendida.

A.      Contexto da distinção entre uma holding financeira e uma empresa operacional

18.      A denominada jurisprudência holding, à qual se refere a Supreme Court na sua primeira questão, foi desenvolvida tomando como exemplo holdings financeiras puras, cujo único objetivo consiste na aquisição de participações financeiras noutras empresas e que não têm qualquer atividade operacional própria. As suas únicas receitas consistem em dividendos, que não constituem qualquer remuneração pela exploração económica de um bem, sendo antes resultado da simples detenção de uma ação (11).

19.      Por conseguinte, segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça, holdings financeiras puras — que excluem, por exemplo, a prestação de serviços de gestão a título oneroso — não devem ser consideradas sujeitos passivos na aceção do artigo 9.o, n.o 1, da Diretiva IVA (12), uma vez que estas não exercem qualquer atividade económica. Consequentemente, as holdings financeiras não têm tão-pouco qualquer direito à dedução nos termos do artigo 168.o da referida diretiva.

20.      Neste contexto, a Supreme Court interroga-se se esta jurisprudência tem igualmente influência sobre o caso em apreço, uma vez que a Ryanair pretendia, em última análise, adquirir ações e assim o fez, ainda que numa medida menor do que a planeada.

21.      É certo que não se contesta que, no que se refere ao volume de negócios resultante da atividade de transporte aéreo, a Ryanair deve ser plenamente considerada um sujeito passivo na aceção da Diretiva IVA. A finalidade empresarial da aquisição das ações é também imediatamente evidente: mediante a aquisição de um concorrente, a Ryanair pretendia aumentar o seu volume de negócios e provavelmente também criar sinergias e efeitos de rede.

22.      Não obstante, para o reconhecimento de uma atividade económica e, consequentemente, do direito à dedução com base na denominada jurisprudência holding, importa em primeiro lugar é essencialmente determinante saber se a Ryanair tinha a intenção de prestar serviços de gestão a título oneroso à Aer Lingus (v., a este respeito, o ponto B, infra). Todavia, seria absolutamente irrelevante a este respeito saber em que medida deveriam os serviços de gestão ser prestados. Por conseguinte, coloca-se a questão de saber se a dedução, no caso de despesas realizadas para a aquisição de ações, não deveria ser repartida (v., a este respeito, o ponto C, infra). De facto, para além do volume de negócios resultante da prestação de serviços de gestão, poderão haver rendimentos de dividendos substancialmente mais elevados, que não conferem, em si mesmos, o direito à dedução.

23.      No entanto, nem o «desvio» através da prestação de serviços de gestão a título oneroso, nem os problemas de repartição resultantes da aplicação desta solução são necessários se se tiver em conta uma relação funcional entre a aquisição de ações e a atividade operacional principal (v., a este respeito, o ponto D, infra). Considerando-se a função da aquisição planeada para a atividade operacional, os seus custos contrapõem-se ao volume de negócios resultante da atividade operacional. Consequentemente, relevante é apenas, de igual modo, a relação direta e imediata entre estas operações (v., a este respeito, o ponto E, infra).

24.      No entanto, uma vez que o Supreme Court considera que a jurisprudência holding é aplicável à operação controvertida, começarei por analisar se a Ryanair tinha direito, neste contexto, à dedução.

B.      Dedução integral em conformidade com a jurisprudência holding

25.      Como acima se referiu (n.o 18), a detenção de uma participação, por si só, não permite concluir pela existência de uma atividade económica. Por outro lado, segundo jurisprudência assente, o Tribunal de Justiça salienta que a aquisição e a detenção de uma participação por uma sociedade holding constitui efetivamente uma atividade económica na aceção do artigo 9.o, n.o 1, da Diretiva IVA, quando a participação for acompanhada pela interferência direta ou indireta na gestão da sociedade visada (13). Tal interferência pode, por exemplo, consistir na prestação de serviços administrativos, financeiros e comerciais à sociedade visada (14). Contudo, este critério baseia-se simplesmente no facto de para o reconhecimento de uma sociedade holding pura como sujeito passivo deverem existir adicionalmente atividades que estejam sujeitas ao IVA ao abrigo dos artigos 2.o e 9.o da Diretiva IVA (15).

26.      Esta conclusão aplica-se a um caso como o presente — a Supreme Court interroga-se expressamente a este respeito — ainda que, na prática, a prestação de serviços de gestão pretendida não se realize. Com efeito, com vista a garantir a plena neutralidade do sistema do IVA para os sujeitos passivos, deve igualmente existir um direito à dedução no que se refere a despesas incorridas na preparação de uma atividade económica (16). O único fator decisivo é a intenção, confirmada por elementos objetivos, de exercer uma atividade económica (17). Isto é válido, mesmo que já seja conhecido, aquando da primeira fixação do imposto, que a atividade económica pretendida, que conduziria a operações tributáveis, não será na realidade exercida (18).

27.      No caso de se combinarem as duas linhas de jurisprudência referidas pela Supreme Court, o reconhecimento da Ryanair como sujeito passivo dependeria, por conseguinte, da questão de saber se, à data da utilização dos serviços em causa, esta tinha a intenção de prestar serviços de gestão tributáveis à Aer Lingus caso a aquisição fosse bem-sucedida. A Circuit Court declarou a existência desta intenção com efeito vinculativo para o processo principal. Como a Comissão salientou na audiência, o facto de a proposta de aquisição ter, na realidade, falhado e, por conseguinte, não ter sido nem ser possível qualquer interferência na gestão da Aer Lingus, não poderia resultar na subsequente exclusão do direito à dedução.

C.      Limitação da dedução em função de uma pequena taxa de gestão?

28.      No entanto, atendendo apenas à prestação de serviços de gestão a título oneroso, isto conduz, na prática, a construções artificialmente operantes. Com efeito, em conformidade com a jurisprudência do Tribunal de Justiça, para o direito à dedução integral é totalmente irrelevante saber em que medida devem estes serviços de gestão a título oneroso ser prestados (19). Consequentemente, verificam-se, com frequência, grandes excedentes de imposto, isto é, uma desproporção considerável entre as operações a jusante obtidas através de serviços de gestão e a dedução invocada relativamente a operações a montante.

29.      Por conseguinte, a jurisprudência do Tribunal de Justiça permite que as sociedades holding beneficiem de um amplo direito à dedução no que respeita à aquisição de participações, contanto que esta sociedade apenas tenha prestado serviços de gestão a título oneroso (independentemente do montante). Por esta razão, no processo no Tribunal de Justiça, a Comissão propôs expressamente que a dedução do imposto no que respeita à aquisição de ações apenas fosse permitida de forma proporcional às operações a jusante geradas pela prestação de serviços de gestão.

30.      No entanto, a este respeito coloca-se, num segundo momento, a questão do cálculo da proporcionalidade. Uma simples comparação dos valores do volume de negócios resultante da prestação de serviços de gestão e dos dividendos não tem em conta o facto de que a detenção de ações não dá origem a quaisquer despesas recorrentes. Além disso, o excedente de imposto acima descrito também só se verifica no período de tributação em que ocorre a aquisição das ações de uma sociedade. Se os serviços de gestão são prestados a título oneroso ao longo de vários anos, esta análise altera-se. Ademais, os problemas no cálculo agravam-se num caso como este, em que a aquisição é simplesmente planeada. No caso em apreço, poderia ser feita, quando muito, uma estimativa aproximada dos rendimentos de dividendos potenciais.

31.      Além disso, nem todas as detenções de ações por um sujeito passivo são, necessariamente, suscetíveis de conduzir a uma atividade não económica em paralelo da atividade profissional. Tal não é compatível, designadamente, com o princípio da neutralidade do IVA (20). Em conformidade com a abordagem adotada pela Comissão, os sujeitos passivos que também detêm ações apenas poderiam invocar uma dedução proporcional no que diz respeito às despesas gerais resultantes da sua gestão, ainda que não se ponha em causa que estas despesas foram efetuadas no âmbito da sua atividade económica (21). Com efeito, a detenção de uma ação, enquanto tal, dá origem, quando muito, a despesas reduzidas e o montante dos rendimentos de dividendos é igualmente independente das restantes despesas gerais.

32.      Por conseguinte, a opinião da Comissão não é convincente.

D.      Dedução integral com base numa análise funcional da aquisição de ações

33.      Pelo contrário, os problemas acima referidos não se colocam numa análise funcional, a qual tem em conta a atividade operacional principal do sujeito passivo e assenta na relação entre a aquisição de ações e essa atividade económica. Em particular, os custos com a aquisição contrapõem-se ao volume de negócios resultante da atividade operacional. Na verdade, considero que uma abordagem funcional neste sentido em casos como o presente resulta desde logo da jurisprudência do Tribunal de Justiça.

34.      A circunstância típica de situações de holding puras, em que a prestação de serviços de gestão tributáveis é quase uma condição para a existência de uma atividade económica, não se verifica em casos como o do processo principal. Com efeito, a Ryanair já exerce, como foi visto, uma atividade comercial no mercado do transporte aéreo e realiza volumes de negócios correspondentes. Neste contexto, seria artificial ter em conta a prestação futura de serviços de gestão a título oneroso.

35.      Uma análise funcional come mais adequada à dimensão económica do litígio: apesar de, no presente caso, a aquisição de um concorrente dever realizar-se através da aquisição de ações, o caso apresenta, todavia, uma proximidade muito maior com a situação em que uma empresa planeia adquirir a totalidade do equipamento físico e das instalações de um concorrente, do que com a situação em que uma empresa deseja adquirir ações para obter simplesmente dividendos.

36.      Uma abordagem neste sentido implicaria incontestavelmente — como a Comissão também reconheceu na audiência — que o adquirente tivesse direito a uma dedução integral. Esta conclusão resultaria tanto das disposições eventualmente aplicáveis relativas à transferência de atividade em geral (artigo 19.o, primeiro parágrafo, da Diretiva IVA), bem como das regras usuais. Mesmo em caso de fusão total com a sociedade visada, a dedução do imposto pago a montante relativamente às despesas de aquisição estaria fora de questão. Limitar a dedução ao caso de uma «mera» participação a 100% colocaria igualmente em causa o princípio da neutralidade da forma jurídica.

37.      Assim sendo, segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça, a interferência direta na gestão mediante a prestação de serviços de gestão não é, de modo algum, o único caso em que a detenção de uma ação pode constituir uma atividade económica. Pelo contrário, o Tribunal de Justiça afirma a existência de uma atividade económica sempre que a aquisição ou a detenção de ações revestem um caráter empresarial típico (22). Este é o caso, por exemplo, da atividade comercial de negociação de títulos ou quando a aquisição ou a detenção de ações constituem o prolongamento direto, permanente e necessário da atividade tributável (23).

38.      A aquisição estratégica de uma empresa, através da qual a empresa adquirente prossegue o objetivo de expandir ou alterar a sua atividade operacional, deve ser considerada esse prolongamento direto, permanente e necessário da atividade tributável. Apesar de essa aquisição ser acompanhada pela aquisição de ações da empresa, esta constitui uma medida destinada a operações tributáveis (alargadas).

E.      Relação entre a aquisição de ações e o volume de negócios resultante da atividade operacional

39.      Deste modo, a questão da relação entre as despesas incorridas no âmbito da aquisição de ações e a prestação de serviços de gestão pretendida deixou de se colocar (24). Numa abordagem funcional, trata-se aqui, pelo contrário, da relação entre a aquisição de ações e o volume de negócios (pretendido) decorrente da atividade operacional de transporte aéreo. No que diz respeito a este volume de negócios, não há qualquer desproporção entre o valor da dedução e as operações a jusante, pelo que não é necessária uma repartição.

40.      Segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça, tais despesas têm uma relação direta e imediata com determinadas operações a jusante, que fazem parte dos elementos constitutivos do seu preço (25). Além disso, é possível invocar um direito à dedução relativamente às despesas gerais de uma empresa, que fazem parte dos elementos constitutivos do preço dos produtos de uma empresa (26).

41.      As despesas efetuadas no âmbito da aquisição das ações da Aer Lingus são incontestavelmente elementos constitutivos do preço das operações a jusante (pretendidas) decorrentes da atividade de transporte aéreo na sequência da aquisição da Aer Lingus. Estas despesas terão igualmente — se a Ryanair operar de modo rentável — de ser repercutidas de alguma forma nas tarifas aéreas. Assumir o controlo da Aer Lingus teria sido a condição para melhorar o desempenho global da empresa e, assim, obter as operações a jusante pretendidas com a sociedade-mãe e a filial. Tal influência sobre a gestão de um concorrente só é possível se a empresa adquirente detiver a maioria das ações.

42.      Em conformidade com a jurisprudência do Tribunal de Justiça, o facto de a aquisição pretendida e a exploração da Aer Lingus sob o pleno controlo da Ryanair não se terem efetivamente realizado, não tem, como já foi explicado acima (n.o 26), qualquer incidência sobre a presente conclusão. A intenção, confirmada por elementos objetivos, de exercer uma atividade económica é, também aqui, suficiente (27). Esta intenção não pode tão-pouco ser posteriormente posta em causa por, na realidade, não ter havido lugar à aquisição da Aer Lingus (28).

V.      Conclusão

43.      Deste modo, proponho que se responda às questões prejudiciais do seguinte modo:

1)      Em circunstâncias como as do processo principal (por exemplo, no âmbito da denominada aquisição estratégica), a aquisição da totalidade das ações de uma sociedade com a intenção de assim criar um prolongamento direto, permanente e necessário da atividade tributável da sociedade adquirente constitui uma atividade económica na aceção do artigo 4.o da Sexta Diretiva (atual artigo 9.o, n.o 1, da Diretiva 2006/112/CE).

2)      As despesas incorridas pela empresa adquirente no âmbito de uma aquisição estratégica têm uma relação direta e imediata com a sua atividade tributável, pelo que o IVA cobrado sobre essas despesas deve ser deduzido em conformidade com esta atividade.


1      Língua original: alemão.


2      Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro de 2006, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado, JO L 347, p. 1.


3      Acórdãos de 20 de junho de 1991, Polysar Investments Netherlands (C-60/90, EU:C:1991:268, n.o 17); de 14 de novembro de 2000, Floridienne e Berginvest (C-142/99, EU:C:2000:623, n.o 17); e de 16 de julho de 2015, Larentia + Minerva e Marenave Schiffahrt (C-108/14 e C-109/14, EU:C:2015:496, n.o 20).


4      Acórdãos de 27 de setembro de 2001, Cibo Participations (C-16/00, EU:C:2001:495, n.o 21); de 29 de outubro de 2009, AB SKF (C-29/08, EU:C:2009:665, n.os 30 e segs.); de 6 de setembro de 2012, Portugal Telecom (C-496/11, EU:C:2012:557, n.o 34); e de 16 de julho de 2015, Larentia + Minerva e Marenave Schiffahrt (C-108/14 e C-109/14, EU:C:2015:496, n.o 21).


5      JO L 145, p. 1.


6      Para uma forma de citação mais simples, far-se-á referência doravante às disposições da Diretiva IVA.


7      Decisão C (2007) 3104, de 27 de junho de 2007 (Processo COMP/M.4439). O Tribunal Geral negou provimento ao recurso de anulação interposto pela Ryanair desta decisão, v. Acórdão de 6 de julho de 2010, Ryanair/Comissão (T-342/07, EU:T:2010:280).


8      Acórdãos de 14 de fevereiro de 1985, Rompelman (268/83, EU:C:1985:74, n.o 24); de 29 de fevereiro de 1996, INZO (C-110/94, EU:C:1996:67, n.o 17); e de 22 de outubro de 2015, Sveda (C-126/14, EU:C:2015:712, n.o 20).


9      V., recentemente, Acórdão de 21 de setembro de 2017, SMS group (C-441/16, EU:C:2017:712, n.o 46).


10      Acórdãos de 27 de setembro de 2001, Cibo Participations (C-16/00, EU:C:2001:495, n.o 21); de 6 de setembro 2012, Portugal Telecom (C-496/11, EU:C:2012:557, n.o 34); e de 16 de julho de 2015, Larentia + Minerva e Marenave Schiffahrt (C-108/14 e C-109/14, EU:C:2015:496, n.o 21).


11      Acórdãos de 22 de junho de 1993, Sofitam (C-333/91, EU:C:1993:261, n.o 13); de 27 de setembro de 2001, Cibo Participations (C-16/00, EU:C:2001:495, n.o 19); e de 6 de setembro de 2012, Portugal Telecom (C-496/11, EU:C:2012:557, n.o 32).


12      Acórdãos de 20 de junho de 1991, Polysar Investments Netherlands (C-60/90, EU:C:1991:268, n.o 17); de 14 de novembro de 2000, Floridienne e Berginvest (C-142/99, EU:C:2000:623, n.o 17); e de 16 de julho de 2015, Larentia + Minerva e Marenave Schiffahrt (C-108/14 e C-109/14, EU:C:2015:496, n.o 20).


13      Acórdãos de 20 de junho de 1991, Polysar Investments Netherlands (C-60/90, EU:C:1991:268, n.o 14); de 14 de novembro de 2000, Floridienne e Berginvest (C-142/99, EU:C:2000:623, n.o 17); de 27 de setembro de 2001, Cibo Participations (C-16/00, EU:C:2001:495, n.o 19); e de 16 de julho de 2015, Larentia + Minerva e Marenave Schiffahrt (C-108/14 e C-109/14, EU:C:2015:496, n.o 20).


14      Acórdãos de 27 de setembro de 2001, Cibo Participations (C-16/00, EU:C:2001:495, n.o 21); de 6 de setembro de 2012, Portugal Telecom (C-496/11, EU:C:2012:557, n.o 34); e de 16 de julho de 2015, Larentia + Minerva e Marenave Schiffahrt (C-108/14 e C-109/14, EU:C:2015:496, n.o 21).


15      Uma («simples») interferência não remunerada não é, portanto, suficiente, quando não existam adicionalmente quaisquer operações a jusante tributáveis, v. Despachos de 12 de julho de 2001, Welthgrove (C-102/00, EU:C:2001:416, n.os 16 e segs.), e de 12 de janeiro de 2017, MVM (C-28/16, EU:C:2017:7, n.o 34).


16      Acórdãos de 14 de fevereiro de 1985, Rompelman (268/83, EU:C:1985:74, n.o 23); de 8 de junho de 2000, Schloßstrasse (C-396/98, EU:C:2000:303, n.o 39); e de 22 de outubro de 2015, Sveda (C-126/14, EU:C:2015:712, n.o 20).


17      Acórdãos de 14 de fevereiro de 1985, Rompelman (268/83, EU:C:1985:74, n.o 24); de 8 de junho de 2000, Schloßstrasse (C-396/98, EU:C:2000:303, n.o 40); e de 21 de setembro de 2017, SMS group (C-441/16, EU:C:2017:712, n.o 46).


18      Acórdãos de 8 de junho de 2000, Breitsohl (C-400/98, EU:C:2000:304, n.os 34 e segs.)


19      V., neste sentido, Acórdão de 16 de julho de 2015, Larentia + Minerva e Marenave Schiffahrt (C-108/14 e C-109/14, EU:C:2015:496, n.o 25), e Conclusões do advogado-geral J. Mazák no processo Securenta (C-437/06, EU:C:2007:777, n.os 30 e segs.)


20      Quanto a este princípio, v. Acórdãos de 22 de junho de 1993, Sofitam (C-333/91, EU:C:1993:261, n.o 10); de 26 de maio de 2005, Kretztechnik (C-465/03, EU:C:2005:320, n.o 33); e de 29 de outubro de 2009, AB SKF (C-29/08, EU:C:2009:665, n.o 55). No entanto, no caso MVM, contrariamente ao caso em apreço, a relação entre as prestações a montante e a atividade operacional era, em todo o caso, duvidosa, v. Despacho de 12 de janeiro de 2017, MVM (C-28/16, EU:C:2017:7, n.o 39).


21      No processo MVM, o Tribunal de Justiça decidiu que uma sociedade holding mista, que não presta quaisquer serviços de gestão tributáveis às suas filiais e ainda realiza outros volumes de negócios resultantes da sua própria atividade operacional (locação de redes de eletricidade e de gás), apenas pode exercer o direito à dedução proporcionalmente às despesas realizadas pela mesma para aquisição de serviços de consultadoria, caso estas possam ser consideradas despesas gerais para o ramo operacional da sua atividade, v. Despacho de 12 de janeiro de 2017, MVM (C-28/16, EU:C:2017:7, n.os 46 e segs.)


22      V., desde logo, quanto à abordagem tipológica da atividade económica na aceção do artigo 9.o, n.o 1, da Diretiva IVA, as minhas Conclusões no processo Posnania Investment (C-36/16, EU:C:2017:134, n.o 25).


23      Acórdãos de 20 de junho de 1996, Wellcome Trust (C-155/94, EU:C:1996:243, n.o 35); de 6 de fevereiro de 1997, Harnas & Helm (C-80/95, EU:C:1997:56, n.o 16); de 14 de novembro de 2000, Floridienne e Berginvest (C-142/99, EU:C:2000:623, n.o 29); de 8 de fevereiro de 2007, Investrand (C-435/05, EU:C:2007:87, n.os 32/36); de 29 de outubro de 2009, AB SKF (C-29/08, EU:C:2009:665, n.o 31); e de 30 de maio de 2013, X (C-651/11, EU:C:2013:346, n.o 52).


24      Além disso, o Tribunal de Justiça já rejeitou expressamente uma relação direta e imediata entre estas operações, v. Acórdão de 27 de setembro de 2001, Cibo Participations (C-16/00, EU:C:2001:495, n.o 32). Ambígua a este respeito é a formulação contida no Acórdão de 29 de outubro de 2009, AB SKF (C-29/08, EU:C:2009:665, n.o 64). É possível invocar um direito à dedução enquanto despesas gerais, v., Acórdãos de 6 de setembro de 2012, Portugal Telecom (C-496/11, EU:C:2012:557, n.o 37), e de 16 de julho de 2015, Larentia + Minerva e Marenave Schiffahrt (C-108/14 e C-109/14, EU:C:2015:496, n.o 25).


25      Acórdãos de 27 de setembro de 2001, Cibo Participations (C-16/00, EU:C:2001:495, n.o 31); de 26 de maio de 2005, Kretztechnik (C-465/03, EU:C:2005:320, n.o 35); de 29 de outubro de 2009, AB SKF (C-29/08, EU:C:2009:665, n.o 57); e de 17 de outubro de 2013, Iberdrola e o. (C-566/11, C-567/11, C-580/11, C-591/11, C-620/11 e C-640/11, EU:C:2013:660, n.o 28).


26      Acórdãos de 27 de setembro de 2001, Cibo Participations (C-16/00, EU:C:2001:495, n.o 33); de 26 de maio de 2005, Kretztechnik (C-465/03, EU:C:2005:320, n.o 37); de 6 de setembro de 2012, Portugal Telecom (C-496/11, EU:C:2012:557, n.o 37); e de 17 de outubro de 2013, Iberdrola e o. (C-566/11, C-567/11, C-580/11, C-591/11, C-620/11 e C-640/11, EU:C:2013:660, n.o 29).


27      V., a este respeito, Acórdãos de 14 de fevereiro de 1985, Rompelman (268/83, EU:C:1985:74, n.o 24); de 29 de fevereiro de 1996, INZO (C-110/94, EU:C:1996:67, n.o 17); de 22 de outubro de 2015, Sveda (C-126/14, EU:C:2015:712, n.o 20); e de 21 de setembro de 2017, SMS group (C-441/16, EU:C:2017:712, n.o 46).


28      Neste contexto, o órgão jurisdicional de reenvio observa igualmente de forma expressa que a questão de saber se a intenção da Ryanair a este respeito é confirmada por elementos objetivos ou se os elementos objetivos se opõem antes a essa intenção, foi esclarecida de forma definitiva no litígio no processo principal. Esta situação foi igualmente realçada por todas as partes na audiência.