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CONCLUSÕES DO ADVOGADO-GERAL

MANUEL CAMPOS SÁNCHEZ-BORDONA

apresentadas em 27 de fevereiro de 2019 ( 1 )

Processo C-26/18

Federal Express Corporation Deutsche Niederlassung

contra

Hauptzollamt Frankfurt am Main

[pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Hessisches Finanzgericht (Tribunal Tributário de Hesse, Alemanha)]

«Questão prejudicial — Dívida aduaneira — Regulamento (CEE) n.o 2913/92 — Sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado (IVA) — Diretiva 2006/112/CE — Âmbito de aplicação — Conceito de importação — Necessidade de entrada dos bens no circuito económico da União — Presunção»

1. 

Nos Acórdãos Eurogate Distribution e DHL Hub Leipzig ( 2 ) e Wallenborn Transports ( 3 ), o Tribunal de Justiça respondeu a duas questões prejudiciais, submetidas pelo Finanzgericht Hamburg e pelo Hessisches Finanzgericht (Tribunais Tributários de Hamburgo e de Hesse, Alemanha), sobre a possibilidade de liquidar em simultâneo o IVA na importação e a dívida aduaneira, quando na operação sujeita a tributação não sejam cumpridas determinadas condições estabelecidas pela legislação aduaneira.

2. 

Nas conclusões do primeiro daqueles processos ( 4 ), salientei que essa possibilidade não é tão automática como se poderia deduzir do teor literal da parte decisória do Acórdão do Tribunal de Justiça de 15 de maio de 2014, X ( 5 ). Mantive que a constituição de uma dívida aduaneira não implica, necessariamente, a obrigação de pagar IVA na importação. O Tribunal de Justiça acolheu esta tese nos dois Acórdãos acima referidos.

3. 

O Hessisches Finanzgericht (Tribunal Tributário de Hesse) suscita uma nova questão prejudicial sobre esta dupla tributação. Em especial, considera que existe alguma contradição entre os dois últimos acórdãos, no que respeita às condições exigidas pelo Tribunal de Justiça para determinar se uma mercadoria entrou no circuito económico da União. Este é, afinal, o elemento-chave que permite determinar, se se pode acumular uma dívida aduaneira e uma dívida de IVA.

I. Quadro jurídico

A.   Direito da União

1. Código Aduaneiro Comunitário ( 6 )

4.

Segundo o artigo 202.o:

«1.   É facto constitutivo da dívida aduaneira na importação:

a)

A introdução irregular no território aduaneiro da Comunidade de uma mercadoria sujeita a direitos de importação; ou

b)

Se se tratar de tal mercadoria colocada numa zona franca ou num entreposto franco, a sua introdução irregular numa outra parte desse território.

Na aceção do presente artigo, entende-se por introdução irregular qualquer introdução com violação das disposições dos artigos 38.o a 41.o e do segundo travessão do artigo 177.o

2.   A dívida aduaneira considera-se constituída no momento da introdução irregular.

[…]»

5.

O artigo 203.o determina:

«1.   É facto constitutivo da dívida aduaneira na importação:

a subtração à fiscalização aduaneira de uma mercadoria sujeita a direitos de importação.

2.   A dívida aduaneira considera-se constituída no momento em que a mercadoria é subtraída à fiscalização aduaneira.

[…]»

6.

O artigo 204.o dispõe:

«1.   É facto constitutivo da dívida aduaneira na importação:

a)

O incumprimento de uma das obrigações que, para uma mercadoria sujeita a direitos de importação, derivam da sua permanência em depósito temporário ou da utilização do regime aduaneiro ao qual foi submetida

ou

b)

A não observância de uma das condições fixadas para a sujeição de uma mercadoria a esse regime ou para a concessão de um direito de importação reduzido ou nulo, em função da utilização da mercadoria para fins especiais,

em casos distintos dos referidos no artigo 203.o, salvo se se provar que o incumprimento ou a não observância não tiver reais consequências para o funcionamento correto do depósito temporário ou do regime aduaneiro em questão.

2.   A dívida aduaneira considera-se constituída quer no momento em que cessa o cumprimento da obrigação cujo incumprimento dá origem à dívida aduaneira quer no momento em que a mercadoria foi submetida ao regime aduaneiro em causa quando se verificar a posteriori que não foi, na realidade, cumprida uma das condições fixadas para a sujeição dessa mercadoria a esse regime ou para a concessão de um direito de importação reduzido ou nulo, em função da utilização da mercadoria para fins especiais.

[…]»

2. Diretiva 2006/112/CE ( 7 )

7.

Em conformidade com o artigo 2.o, n.o 1, alínea d), estão sujeitas a IVA «[a]s importações de bens».

8.

O artigo 30.o dispõe:

«Entende-se por “importação de bens” a introdução na Comunidade de um bem que não se encontre em livre prática na aceção do artigo 24.o do Tratado.

Para além da operação referida no primeiro parágrafo, considera-se importação de bens a introdução na Comunidade de um bem em livre prática proveniente de um território terceiro que faça parte do território aduaneiro da Comunidade.»

9.

O artigo 60.o prevê:

«A importação de bens é efetuada no Estado-Membro em cujo território se encontra o bem no momento em que é introduzido na Comunidade.»

10.

O artigo 61.o dispõe:

«Em derrogação do disposto no artigo 60.o, quando um bem que não se encontre em livre prática esteja abrangido, desde a sua introdução na Comunidade, por um dos regimes ou situações previstos no artigo 156.o ou por um regime de importação temporária com isenção total de direitos de importação ou por um regime de trânsito externo, a sua importação é efetuada no Estado-Membro em cujo território o bem deixa de estar abrangido por esses regimes ou situações.

Da mesma forma, quando um bem que se encontre em livre prática esteja sujeito, desde a sua introdução na Comunidade, a um dos regimes ou situações previstos nos artigos 276.o e 277.o, a sua importação é efetuada no Estado-Membro em cujo território o bem deixa de estar sujeito a esses regimes ou situações.»

11.

Nos termos do artigo 71.o:

«1.   Quando um bem esteja abrangido, desde a sua introdução no território da Comunidade, por um dos regimes ou situações previstos nos artigos 156.o, 276.o e 277.o, ou por um regime de importação temporária com isenção total de direitos de importação ou por um regime de trânsito externo, o facto gerador e a exigibilidade do imposto só se verificam no momento em que o bem deixa de estar abrangido por esses regimes ou situações.

Todavia, quando os bens importados estejam sujeitos a direitos aduaneiros, a direitos niveladores agrícolas ou a encargos de efeito equivalente, estabelecidos no âmbito de uma política comum, o facto gerador ocorre e o imposto torna-se exigível no momento em que ocorram o facto gerador e a exigibilidade desses direitos.

2.   Quando os bens importados não estejam sujeitos a nenhum dos direitos referidos no segundo parágrafo do n.o 1, os Estados-Membros aplicam as disposições em vigor em matéria de direitos aduaneiros no que diz respeito ao facto gerador e à exigibilidade do imposto.»

12.

Em conformidade com o artigo 156.o, n.o 1, alínea a), os Estados-Membros podem isentar, entre outras operações, «[a]s entregas de bens que se destinem a ser apresentados na alfândega e colocados, eventualmente, em depósito temporário».

B.   Direito nacional. Umsatzsteuergesetz (Lei do imposto sobre o volume de negócios) ( 8 )

13.

Nos termos do § 1:

«(1) Estão sujeitas a imposto as seguintes operações:

1.   as entregas e outras prestações realizadas a título oneroso em território alemão por uma empresa no âmbito da sua atividade.

[…]

4.   as importações de bens na Alemanha […] (imposto sobre o volume de negócios na importação);

[…]»

14.

Nos termos do § 13, o § 21, n.o 2, da UStG aplica-se ao imposto sobre o volume de negócios na importação.

15.

O § 21, n.o 2, dispõe:

«[a]s normas aduaneiras são aplicáveis, por analogia, ao imposto sobre o volume de negócios na importação […]».

II. Matéria de facto e questões prejudiciais

16.

Por carta de 23 de outubro de 2008, o Departamento dos Serviços Aduaneiros do aeroporto de Atenas informou o Hauptzollamt Frankfurt am Main (Serviço Aduaneiro Principal de Francoforte do Meno; a seguir «estância aduaneira») de que, em janeiro de 2008, se tinham constatado irregularidades no regime de trânsito comunitário aéreo em 18 remessas efetuadas pela Federal Express Corporation Deutsche Niederlassung (a seguir «FedEx»). As investigações revelavam que se tratava de mercadorias provenientes de Israel, do México e dos Estados Unidos, com destinatários na Grécia.

17.

Em 30 de novembro e 1 de dezembro de 2010, a estância aduaneira enviou à FedEx, um total de cinco notificações em que reclamava, em especial, o IVA na importação pelas referidas remessas.

18.

Segundo a estância aduaneira,

relativamente a 14 daquelas remessas, as mercadorias não respeitaram o artigo 40.o do CAC (apresentação na alfândega) e, por conseguinte, foram introduzidas no território aduaneiro da União de forma irregular, tendo levado à constituição de uma dívida aduaneira (artigo 202.o do CAC). No que respeita ao IVA na importação, a estância aduaneira invocou o § 21, n.o 2, da UStG;

relativamente às 4 restantes remessas, tinham sido retiradas sem autorização do entreposto, tendo assim sido constituída uma dívida aduaneira nos termos do artigo 203.o do CAC.

19.

A FedEx pagou o IVA sobre a importação resultante das liquidações recebidas. No entanto, em novembro de 2011, requereu reembolso, alegando, em especial, que a dupla tributação aplicada era contrária ao direito da União.

20.

A estância aduaneira indeferiu o pedido de reembolso do IVA. Foram igualmente indeferidas a maioria das reclamações da FedEx, que interpôs recurso para o Hessisches Finanzgericht (Tribunal Tributário de Hesse).

21.

Segundo o referido órgão jurisdicional, a controvérsia centra-se nos bens que chegaram à União, tendo acedido em primeiro lugar ao território da República Federal da Alemanha por via aérea, para, em seguida, serem transportados, a partir desse mesmo aeroporto, noutro avião, para a Grécia. Há que esclarecer a questão de saber se o IVA sobre a importação é devido na Alemanha quando a introdução daqueles bens na União violou disposições em matéria aduaneira ou quando, não tendo existido nenhuma infração, o seu transporte posterior para a Grécia não foi submetido ao regime aduaneiro de trânsito comunitário externo.

22.

Neste contexto, o Hessisches Finanzgericht (Tribunal Tributário de Hesse) submete a seguinte questão prejudicial:

«Primeira questão:

Uma importação no sentido do artigo 2.o, n.o 1, alínea d), e do artigo 30.o da Diretiva 2006/112/[…] pressupõe que o bem introduzido no território da União entre no circuito económico da União ou é suficiente o mero risco de o bem introduzido entrar no circuito económico da União?

Caso uma importação pressuponha a entrada do bem no circuito económico da União:

Segunda questão:

A entrada no circuito económico da União de um bem introduzido no território desta verifica-se quando, em violação da legislação aduaneira, o bem não está abrangido por um regime previsto no artigo 61.o, primeiro parágrafo, da diretiva ou quando o mesmo começa por estar abrangido por um regime deste tipo, mas posteriormente deixa de estar sujeito a esse regime na sequência de uma conduta ilícita em matéria aduaneira, ou, em caso de conduta ilícita em matéria aduaneira, a entrada no circuito económico da União implica que se pode pressupor que, em virtude da referida conduta no território fiscal do Estado-Membro, o bem entrou no circuito económico da União no território fiscal do Estado-Membro em que se verificou a conduta e que podia ser objeto de consumo ou utilização?»

III. Tramitação processual no Tribunal de Justiça e alegações das partes

23.

O pedido de decisão prejudicial foi apresentado no Tribunal de Justiça em 16 de janeiro de 2018.

24.

Apresentaram observações escritas a FedEx, o Governo grego e a Comissão. Todos eles, bem como o representante da estância aduaneira, compareceram na audiência pública realizada em 5 de dezembro de 2018.

25.

A FedEx alega que, após a chegada a Atenas, as mercadorias foram introduzidas em livre prática e no consumo, tendo-lhes sido aplicado o IVA na importação grego. Na sua opinião, do Acórdão Wallenborn Transports retira-se que, para acrescentar à dívida aduaneira uma dívida de IVA, não basta a existência do simples risco de entrada das mercadorias no circuito económico da União devido ao comportamento ilícito que deu origem à dívida aduaneira, uma vez que compete ao órgão jurisdicional nacional verificar se essa entrada não teve lugar.

26.

Para a FedEx, tendo-se constituído uma dívida aduaneira nos termos do artigo 202.o, n.o 1, ou do artigo 203.o, n.o 1, do CAC, há ainda que examinar se se verificou uma importação na aceção do artigo 2.o, n.o 1, alínea d), da Diretiva 2006/112. Não basta que o bem tenha sido introduzido na União, é necessário que se encontre em livre prática ou que tenha saído de um dos regimes previstos no artigo 61.o e no artigo 71.o, n.o 1, primeiro parágrafo, da referida diretiva.

27.

Por conseguinte, segundo a FedEx, deve responder-se à questão prejudicial que uma importação pressupõe que o bem introduzido no território da União entra no seu circuito económico e que, em caso de violação da legislação aduaneira, possa presumir-se que a mercadoria foi introduzida no referido circuito através do território fiscal do Estado-Membro em que a infração foi cometida.

28.

A estância aduaneira alega que a introdução de mercadorias no tráfego da União ocorreu na Alemanha, por ser nesse Estado-Membro que se cometeu a infração à legislação aduaneira. Por conseguinte, o IVA seria exigível na Alemanha e não na Grécia.

29.

O Governo grego propõe que se responda à primeira questão no sentido de que uma importação pressupõe não se verifica apenas com a introdução das mercadorias no circuito económico da União, mas também quando existe o risco de que essa introdução se realize. Por conseguinte, não é necessário responder à segunda questão.

30.

A Comissão salienta que os bens em causa entraram no circuito económico da União provavelmente na Grécia, o que implica a constituição de uma dívida de IVA na importação. A única dúvida consiste em saber onde e quando se constitui essa dívida.

31.

A Comissão acrescenta que também se constituiu uma dívida aduaneira na Alemanha, quer porque os bens entraram irregularmente nesse território, quer porque, foram subtraídos à fiscalização aduaneira nesse Estado-Membro. Qualquer destas duas situações daria lugar ao IVA na importação, mas só se se puder admitir que os bens entraram no circuito económico da União, não sendo para esse efeito suficiente o simples risco da sua entrada.

32.

No que diz respeito à segunda questão, a Comissão observa que o órgão jurisdicional de reenvio deve analisar se se justifica a presunção de que a infração à legislação aduaneira gerou, além de uma dívida aduaneira, uma dívida de IVA na importação, na sequência da introdução das mercadorias no circuito económico da União.

33.

Para a Comissão, caso o órgão jurisdicional de reenvio confirme que os bens deixaram a Alemanha em direção a outro Estado-Membro no qual foram distribuídos aos seus destinatários, deve admitir-se que entraram no circuito económico da União. Se foi na Alemanha, por infração à legislação aduaneira, a dívida de IVA na importação terá sido constituída nesse Estado-Membro. Na opinião da Comissão, essa situação não alteraria o facto de o IVA ter de ser pago uma única vez e de dever ser repercutido sobre o consumidor final, o que fica assegurado nas diferentes hipóteses que desenvolve sobre este ponto.

34.

A Comissão sugere, por isso, que se responda à segunda questão, no sentido de que a entrada do bem no circuito económico da União pode ter ocorrido no local e no momento em que o bem não estava abrangido por nenhum regime aduaneiro ou deixou de estar.

IV. Apreciação

A.   Sobre a elegibilidade (parcial)

35.

O órgão jurisdicional de reenvio baseia-se numa interpretação da Diretiva 2006/112, segundo a qual existe uma «importação de bens» sujeita a esse imposto, quando uma mercadoria tiver sido introduzida no território da União, sem estar abrangida por nenhum dos regimes ou situações a que se refere o artigo 61.o, n.o 1, da referida diretiva ou quando, mesmo estando-o inicialmente, deixa de o estar posteriormente.

36.

No entanto, acrescenta, tendo em consideração a finalidade do IVA e, sobretudo, as considerações do Tribunal de Justiça em acórdãos recentes ( 9 ), poder-se-á suscitar a dúvida de que a mera introdução de uma mercadoria naquelas condições possa ser entendida como uma «importação». Para tal, poderá ser necessário que a mercadoria tenha efetivamente entrado no circuito económico da União, sem que seja suficiente o simples risco da entrada.

37.

Segundo a informação constante do despacho de reenvio, o que está em causa no processo a quo é saber se os bens que chegaram à União, entrando por via aérea no território da República Federal da Alemanha para, sem sair do aeroporto de Francoforte do Meno, serem transportados, em seguida, pela mesma via, para a Grécia, estão sujeitos ao IVA na importação quando se verificam duas situações:

as disposições aduaneiras foram violadas na Alemanha; ou

foram transportados para a Grécia sem sujeição ao regime aduaneiro de trânsito comunitário externo previsto na legislação aduaneira ( 10 ).

38.

Partindo desta abordagem, o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber: a) se o momento e o local em que se torna exigível o IVA na importação dependem da entrada das mercadorias no circuito económico da União e b) se basta o risco de que essa entrada tenha tido lugar.

39.

No entanto, no seu despacho de reenvio, o Hessisches Finanzgericht (Tribunal Tributário de Hesse) afirma que as mercadorias nunca entraram, no território fiscal alemão, tendo seguido para Atenas, onde foram introduzidas no circuito económico da União ( 11 ).

40.

Se os factos tiveram lugar desta forma, a primeira questão prejudicial poderia ser qualificada como hipotética e, por conseguinte, inadmissível ( 12 ). Com efeito, uma vez comprovado e reconhecido, pelo órgão jurisdicional de reenvio, que os bens não entraram no circuito económico da União na Alemanha, mas na Grécia, onde foram destinados ao consumo, pelo que já não faz sentido perguntar «se é suficiente a mera existência do risco de que o bem introduzido [no território da União] entre [no] trânsito [desta última]».

41.

Na situação descrita no despacho de reenvio, repito, não existiu o risco de as mercadorias entrarem no circuito económico da União através da Alemanha. Na verdade, foi garantido de forma categórica que foi na Grécia que ocorreu essa entrada e foram destinados ao consumo. Assim sendo, não me parece necessário recorrer a uma presunção, quando o facto já tenha sido dado como provado, e será de mais especular sobre o risco de que este se concretize.

42.

Não é, portanto, admissível uma questão abstrata, sobre «a mera existência do risco de que o bem introduzido entre no tráfego [económico da União]», quando, no contexto do processo principal e à luz dos factos que o órgão jurisdicional de reenvio considera provados, não existe, repito, um problema de risco, mas sim a constatação da entrada dessas mercadorias no circuito económico da União.

43.

A primeira questão do órgão jurisdicional de reenvio não tem, pois, outro interesse para além do puramente hipotético.

44.

De qualquer forma, caso o Tribunal de Justiça não partilhe da minha opinião, debruçar-me-ei quanto ao mérito desta primeira questão ao analisar, na resposta à segunda, em que medida e em que condições a simples violação da legislação aduaneira pode conduzir à presunção de que um bem entrou no circuito económico da União.

B.   Quanto ao mérito

45.

Como salientei nas conclusões do processo Wallenborn Transports ( 13 ), «[o] determinante para o facto gerador do IVA na importação é que os bens sobre os quais incide possam integrar-se no circuito económico da União e, portanto, ser objeto de consumo posterior».

46.

Recordava então o que tinha sido confirmado pelo Tribunal de Justiça no Acórdão Eurogate Distribution, ao considerar que a dívida aduaneira constituída por uma infração à legislação aduaneira, «uma dívida de IVA pode somar-se à dívida aduaneira se a conduta ilícita que deu origem a esta dívida permitisse presumir que as mercadorias em causa tinham entrado no circuito económico da União e foram consumidas, desencadeando assim o facto gerador do IVA» ( 14 ).

47.

O Tribunal de Justiça reiterou o mesmo princípio, ao decidir o processo Wallenborn Transports ( 15 ).

48.

Em ambos os casos, o Tribunal de Justiça declarou que, em função da «conduta ilícita que deu origem a esta dívida» — ou seja, em função da infração concreta à legislação aduaneira em causa nos respetivos processos e do seu contexto —, não se podia aceitar que as mercadorias em causa tivessem entrado no circuito económico da União:

no processo Eurogate Distribution, tendo em consideração que, apesar de não ter sido respeitada a obrigação de registar em tempo útil, na contabilidade de existências, a saída da mercadoria do regime de entreposto aduaneiro, ficou demonstrado que os bens tinham estado abrangidos pelo regime de entreposto aduaneiro até à sua reexportação, «e não é contestado que não existia qualquer risco de entrada dessas mercadorias no circuito económico da União» ( 16 );

no processo Wallenborn Transports, porque, apesar de as mercadorias terem sido subtraídas à fiscalização aduaneira no interior de uma zona franca e já não se encontravam na referida zona, o órgão jurisdicional de reenvio considerou provado que, antes de os bens deixarem a zona franca com destino final a um Estado terceiro, «não se [tinha] verificado uma introdução no circuito económico do Estado-Membro a cujo território pertence a zona franca, uma vez que, na sequência da sua subtração à fiscalização aduaneira, a mercadoria permaneceu inicialmente na zona franca e não foi introduzida em livre prática, nem consumida ou utilizada nesse território» ( 17 ).

49.

É certo que, no processo Eurogate Distribution, o Tribunal de Justiça assinalou o risco de que os bens em causa tivessem entrado no circuito económico da União ( 18 ).

50.

O órgão jurisdicional de reenvio parece interpretar esta referência como se aquilo que é determinante para estabelecer se houve importação, fosse comprovar a existência desse risco. E, uma vez que no processo Wallenborn Transports afirmou que o elemento decisivo consistia em verificar que as mercadorias não tivessem entrado no circuito económico ( 19 ), o órgão jurisdicional a quo alerta para uma certa contradição, o que o leva a questionar se é suficiente, ou não, o simples risco de entrada no circuito económico da União para que seja devido o IVA na importação.

51.

Uma leitura atenta dos referidos acórdãos permite excluir qualquer indício de contradição entre os mesmos.

52.

A ideia de base foi sempre a de que o IVA na importação é devido com a entrada dos bens no circuito económico da União. Nesse sentido, a resposta à primeira das questões submetidas pelo tribunal a quo não geraria dúvidas: «Uma importação no sentido do artigo 2.o, n.o 1, alínea d), e do artigo 30.o da Diretiva [do IVA] pressupõe que o bem introduzido no território da União entre no circuito económico da União» sem que «[seja] suficiente o mero risco de o bem introduzido entrar no circuito económico da União».

53.

Ora, a entrada das mercadorias no circuito económico da União pode: a) constatar-se como um facto realmente ocorrido (entrada física) ou b) ser meramente presumido. A esta última hipótese refere-se a Diretiva 2006/112 quando estão reunidas uma série de circunstâncias (por exemplo, não ter sido cumprida a legislação aduaneira).

54.

Na realidade, nesta matéria, existe uma sucessão de presunções legais:

a primeira é a de que qualquer mercadoria introduzida no território de um Estado-Membro a partir de um Estado terceiro se destina ao consumo e, por conseguinte, visa ser integrado no circuito económico da União. Essa presunção pode ser ilidida se os bens beneficiarem de determinados regimes previstos na legislação aduaneira, como o de trânsito externo ou o de entreposto aduaneiro;

o facto de as mercadorias estarem abrangidas pelos referidos regimes dá lugar à segunda presunção. Neste cenário (presume-se) que, embora se encontrem fisicamente no território de um Estado-Membro, as mercadorias não entraram na União e, por conseguinte, não podem ser integradas no seu circuito económico;

a terceira presunção produz efeitos quando a segunda cai em virtude da inobservância da legislação aduaneira que a permitiu. Neste contexto, poderia dizer-se que recupera a sua vigência a presunção inicial (isto é, que os bens que entram no território da União integram-se no circuito económico da União) e encerra-se o círculo.

55.

Por outras palavras, isto é o que o Tribunal de Justiça afirma nos Acórdãos Wallenborn Transports e Eurogate Distribution: «uma dívida de IVA pode acrescer à dívida aduaneira se o comportamento ilícito que deu origem a essa dívida permitir presumir que as mercadorias em causa entraram no circuito económico da União e, portanto, puderam ser objeto de consumo, acionando assim o facto gerador de IVA» ( 20 ).

56.

Se tanto a primeira presunção (integração no circuito económico da União dos bens introduzidos a partir de um Estado terceiro), como a segunda (não integração no circuito dos bens que são objeto de determinado regime) podem ser afastadas, também a terceira (integração no circuito económico dos bens que não respeitaram a legislação aduaneira que permitia a segunda presunção) pode ser. Nenhuma dessas três presunções é inilidível (juris et de jure) e todas admitem prova em contrário (juris tantum).

57.

Nos processos Wallenborn Transports e Eurogate Distribution foi exatamente isso o que aconteceu: a presunção de que os bens tinham entrado no circuito económico por incumprimento da legislação aduaneira (terceira presunção) foi afastada, por se ter provado que, não obstante esse incumprimento, as mercadorias não tinham entrado nesse circuito:

no processo Eurogate Distribution, porque, apesar da não observância da obrigação de registo, ficou provado que os bens estiveram abrangidos pelo regime de entreposto aduaneiro até à sua reexportação ( 21 );

no processo Wallenborn Transports, porque, apesar de se ter subtraído a mercadoria à fiscalização aduaneira, ficou provado que permaneceu na zona franca e não foi introduzida em livre prática, nem consumida ou utilizada ( 22 ).

58.

Com efeito, no Acórdão Eurogate Distribution, o Tribunal de Justiça declarou que «estas mercadorias estavam abrangidas pelo regime de entreposto aduaneiro até à sua reexportação e não é contestado que não existia qualquer risco de entrada dessas mercadorias no circuito económico da União» ( 23 ). Conforme já indiquei, esta última frase parece suscitar a dúvida do órgão jurisdicional de reenvio, que a interpreta no sentido de que seria suficiente invocar a existência desse risco para ter como certa a entrada das mercadorias no circuito económico da União.

59.

Na minha opinião, com essa frase pretendeu-se dizer que, estando os bens controvertidos daquele processo abrangidos pelo regime de entreposto aduaneiro, o incumprimento da legislação aduaneira não permitia concluir, nas circunstâncias descritas, que tenham entrado no circuito económico da União. Por outras palavras, face à violação da legislação aduaneira pode-se opor, com sucesso, que as mercadorias tinham sido reexportadas e, por conseguinte, não entraram no circuito económico da União ( 24 ).

60.

Por conseguinte, não se conclui que o simples risco de entrada de um bem no circuito económico da União, associado ao incumprimento de determinadas regras aduaneiras, implique, necessariamente, um facto gerador do IVA na importação.

61.

Transpondo estas considerações para o caso em apreço, sempre a partir da descrição dos factos do despacho de reenvio, o incumprimento das disposições aduaneiras no aeroporto de Francoforte do Meno, onde as mercadorias foram transferidas, sem mais, de um avião para outro com destino à Grécia, torna-se irrelevante para a cobrança, na Alemanha, do IVA na importação (apesar da constituição da dívida aduaneira, o que ninguém contesta).

62.

Esse mesmo incumprimento das obrigações formais não teria permitido liquidar o IVA na importação, em conformidade com o Acórdão Wallenborn Transports, se os bens tivessem como destino a reexportação, precedida do seu depósito no aeroporto de Francoforte do Meno, uma vez que a reexportação não implicava a sua entrada no circuito económico da União. Não entendo por que razão deveria suceder de forma contrária quando o destino dos bens era, após o trânsito aeroportuário em Francoforte do Meno ( 25 ), a Grécia, país em que teve lugar a sua entrada económica (isto é, o verdadeiro acesso ao circuito económico da União) e a sua posterior introdução no consumo.

63.

Por outras palavras, tendo-se provado que, na verdade, as mercadorias não entraram no circuito económico da União na Alemanha, mas na Grécia, a irregularidade formal ocorrida no aeroporto de Francoforte do Meno não proporciona, por si só, uma base jurídica suficiente para que o IVA na importação seja exigível na Alemanha.

64.

Concordo, portanto, com a interpretação que o próprio órgão jurisdicional de reenvio faz do Acórdão Eurogate Distribution, para a aplicar ao litígio, sobre o qual tem de se pronunciar: «[c]om base neste critério, no caso em litígio deveria ser negada a exigibilidade do imposto sobre o volume de negócios [IVA] na importação alemão, na medida em que nem a introdução irregular nem a subtração à fiscalização aduaneira levaram a que as mercadorias entrassem, na jurisdição fiscal alemã, no circuito económico da União. Uma vez que ficou provado que prosseguiram para Atenas e que foi aí [Grécia] que puderam ser objeto de consumo» ( 26 ).

65.

Deste modo, é aplicável a regra do artigo 60.o da Diretiva 2006/112, isto é, a importação do bem (e, como corolário, a cobrança do IVA) «é efetuada no Estado-Membro em cujo território se encontra o bem no momento em que é introduzido na Comunidade».

66.

Questão diferente é o facto de, tal como indicou a Comissão na audiência, o órgão jurisdicional de reenvio não ter conhecimento de que, na verdade o IVA tenha sido pago na Grécia ( 27 ). Não obstante, o que se pretende determinar no caso em apreço não é o que realmente sucedeu, mas o que devia suceder à luz das disposições do direito da União aplicáveis ao presente caso.

67.

O que devia suceder, em conformidade com o direito da União, é que, tendo o órgão jurisdicional de reenvio constatado que os bens não entraram no circuito económico da União através da Alemanha, as autoridades deste Estado-Membro não poderiam exigir o pagamento do IVA na importação, mas apenas o pagamento da dívida decorrente da violação à legislação aduaneira.

V. Conclusão

68.

Tendo em conta o exposto, proponho ao Tribunal de Justiça que declare inadmissível a primeira questão prejudicial submetida pelo Hessisches Finanzgericht (Tribunal Tributário de Hesse, Alemanha) e que responda à segunda questão nos seguintes termos:

«O artigo 2.o, n.o 1, alínea d), da Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro de 2006, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado, lido em conjugação com os artigos 30.o e 60.o da mesma diretiva, deve ser interpretado no sentido de que:

a importação de um bem implica a sua entrada no circuito económico da União, devendo presumir-se que essa entrada ocorreu no Estado-Membro em que esse bem deixou de estar abrangido por algum dos regimes referidos no artigo 61.o, n.o 1, da Diretiva 2006/112;

em circunstâncias como as do presente caso, o órgão jurisdicional nacional pode considerar ilidida esta presunção se for demonstrado que, apesar da infração à legislação aduaneira que regula os regimes do artigo 61.o, n.o 1, da Diretiva 2006/112 — com a consequente constituição de uma dívida aduaneira no Estado-Membro em que foi cometida a infração —, o bem foi introduzido no circuito económico da União através do território de outro Estado-Membro, no qual foi destinado ao consumo, sendo exigível o IVA neste último Estado-Membro.»


( 1 ) Língua original: espanhol.

( 2 ) Acórdão de 2 de junho de 2016 (C-226/14C-228/14, EU:C:2016:405; a seguir «Acórdão Eurogate Distribution»).

( 3 ) Acórdão de 1 de junho de 2017 (C-571/15, EU:C:2017:417; a seguir «Acórdão Wallenborn Transports»).

( 4 ) Processos C-226/14C-228/14, EU:C:2016:1.

( 5 ) Processo C-480/12, EU:C:2014:329.

( 6 ) Regulamento (CEE) n.o 2913/92 do Conselho, de 12 de outubro de 1992, que estabelece o Código Aduaneiro Comunitário (JO 1992, L 302, p. 1; a seguir «CAC»).

( 7 ) Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro de 2006, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado (JO 2006, L 347, p. 1).

( 8 ) Lei de 21 de fevereiro de 2005 (BGBl. 2005 I, p. 386, na versão aplicável aos factos; a seguir «UStG»).

( 9 ) Em especial, Acórdãos Eurogate Distribution e Wallenborn Transports; de 15 de maio de 2014, X (C-480/12, EU:C:2014:329), e de 18 de maio de 2017, Latvijas Dzelzceļš (C-154/16, EU:C:2017:392).

( 10 ) Parte I, ponto 1, do despacho de reenvio.

( 11 ) Parte II, ponto 2, alínea b), n.o 2, do despacho de reenvio.

( 12 ) O caráter hipotético da questão constitui um dos motivos, juntamente com a irrelevância do pedido prejudicial no que respeita ao objeto do litígio no processo principal, ou a insuficiência de elementos de facto ou de direito necessários para dar uma resposta útil, que permitem afastar a presunção de pertinência das questões prejudiciais. V. Acórdãos de 16 de junho de 2015, Gauweiler e o. (C-62/14, EU:C:2015:400, n.os 24 e 25); de 4 de maio de 2016, Pillbox 38 (C-477/14, EU:C:2016:324, n.os 15 e 16); de 5 de julho de 2016, Ognyanov (C-614/14, EU:C:2016:514, n.o 19); de 15 de novembro de 2016, Ullens de Schooten (C-268/15, EU:C:2016:874, n.o 54); de 28 de março de 2017, Rosneft (C-72/15, EU:C:2017:236, n.os 50 e 155); e de 10 de julho de 2018, Jehovan todistajat (C-25/17, EU:C:2018:551, n.o 31).

( 13 ) Processo C-571/15, EU:C:2016:944, n.o 67.

( 14 ) Acórdão Eurogate Distribution, n.o 65.

( 15 ) Acórdão Wallenborn Transports, n.o 54.

( 16 ) Acórdão Eurogate Distribution, n.o 65.

( 17 ) Esta situação reflete o Acórdão Wallenborn Transports no seu n.o 56.

( 18 ) Acórdão Eurogate Distribution, n.o 65.

( 19 ) Nas palavras do Tribunal de Justiça, «quando, em circunstâncias como as do processo principal, […] se verifique que não houve introdução dos bens no circuito económico da União, […] não é devido qualquer IVA na importação» (Acórdão Wallenborn Transports, n.o 56).

( 20 ) Acórdão Wallenborn Transports, n.o 54. O sublinhado é meu.

( 21 ) Acórdão Eurogate Distribution, n.o 65.

( 22 ) Acórdão Wallenborn Transports, n.o 56.

( 23 ) Acórdão Eurogate Distribution, n.o 65. O sublinhado é meu.

( 24 ) O Tribunal de Justiça entendeu, então, que o incumprimento de uma determinada obrigação aduaneira (registo na contabilidade de existências) não tinha significado, nas circunstâncias do caso em apreço, que as mercadorias tinham sido integradas no circuito económico da União, uma vez que, como ficou demonstrado, acabaram por ser reexportadas.

( 25 ) Segundo o despacho de reenvio, o transporte dos bens a Atenas foi antecedido, em qualquer caso, de um regime de trânsito externo no aeroporto de Paris, de onde foram transferidos para Francoforte do Meno.

( 26 ) Secção II, n.o 3, alínea b, cc), quarto parágrafo, do despacho de reenvio.

( 27 ) A FedEx não pôde fornecer ao órgão jurisdicional de reenvio elementos de prova documentais da liquidação do IVA grego, que imputa ao período decorrido desde a entrega dos bens na Grécia (2007 e 2008).