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Edição provisória

CONCLUSÕES DA ADVOGADA-GERAL

JULIANE KOKOTT

apresentadas em 6 de fevereiro de 2020 (1)

Processo C-716/18

CT

contra

Administraţia Judeţeană a Finanţelor Publice Caraş-Severin – Serviciul Inspecţie Persoane Fizice,

Direcţia Generală Regională a Finanţelor Publice Timişoara – Serviciul Soluţionare Contestaţii 1

[pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Curtea de Apel Timişoara (Tribunal de Recurso de Timisoara, Roménia)]

«Pedido de decisão prejudicial – Diretiva 2006/112/CE – Artigos 287.° e 288.° da Diretiva IVA – Regime especial das pequenas empresas – Isenção em caso de volume de negócios inferior a determinados limiares – Cálculo do limiar de isenção caso sejam exercidas várias atividades económicas – Conceito de “operações imobiliárias” que não têm “caráter de operações acessórias”, a ter em conta no cálculo»






I.      Introdução

1.        O presente processo tem por objeto a chamada isenção para pequenas empresas. Segundo este regime, os Estados-Membros podem conceder uma isenção aos sujeitos passivos cujo volume de negócios anual não exceda determinado montante. Esse montante, no caso da Roménia, é de 65 000 euros. A questão que se coloca é, pois, como deve ser calculado o referido montante, numa situação em que um sujeito passivo exerce várias atividades. No presente caso, o sujeito passivo auferiu, em 2012, rendimentos como contabilista, consultor fiscal, advogado, administrador de insolvência e escritor, para além de ter auferido rendimentos decorrentes da locação de um bem imóvel.

2.        Uma vez que a Roménia não inclui neste cálculo os rendimentos ou as receitas resultantes do exercício da advocacia, o referido limiar de 65 000 euros só é ultrapassado caso se inclua no cálculo as receitas decorrentes da locação. Contudo, o artigo 288.°, primeiro parágrafo, ponto 4, da Diretiva IVA estatui que as «operações imobiliárias» só são incluídas no cálculo se não tiverem o caráter de «operações acessórias». O Tribunal de Justiça tem agora pela primeira vez a oportunidade de esclarecer se a locação de um bem imóvel deve ser considerada uma «operação imobiliária» e quando é que se está perante uma «operação acessória» que não deve ser tida em conta.

II.    Quadro jurídico

A.      Direito da União

3.        O quadro jurídico do direito da União é constituído pelos artigos 287.° e 288.° da Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro de 2006, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado (a seguir «Diretiva IVA») (2).

4.        O artigo 287.°, ponto 18, da Diretiva IVA tem o seguinte teor:

«Os Estados-Membros que tenham aderido depois de 1 de janeiro de 1978 podem conceder uma isenção aos sujeitos passivos cujo volume de negócios anual seja, no máximo, igual ao contravalor em moeda nacional dos seguintes montantes à taxa de conversão do dia da respetiva adesão:

[…]

18)      Roménia: 35 000 euros;

[…]»

5.        Nos termos do artigo 1.° da Decisão de Execução do Conselho, de 26 de março de 2012 (3), em derrogação do ponto 18 do artigo 287.° da Diretiva 2006/112/CE, a Roménia é autorizada a conceder uma isenção do IVA aos sujeitos passivos cujo volume de negócios anual seja, no máximo, igual ao contravalor em moeda nacional de 65 000 euros à taxa de conversão do dia da sua adesão à União Europeia.

6.        O artigo 288.° da Diretiva IVA estatui o seguinte:

«O volume de negócios que serve de referência para a aplicação do regime previsto na presente secção é constituído pelos seguintes montantes, líquidos de IVA:

1.      O montante das entregas de bens e das prestações de serviços, desde que sejam tributadas;

2.      O montante das operações isentas com direito à dedução do IVA pago no estádio anterior por força do disposto nos artigos 110.o e 111.o, no n.° 1 do artigo 125.o, no artigo 127.o e no n.° 1 do artigo 128.o;

3.      O montante das operações isentas por força do disposto nos artigos 146.o a 149.o, 151.o, 152.o e 153.o;

4.      O montante das operações imobiliárias, das operações financeiras referidas nas alíneas b) a g) do n.° 1 do artigo 135.o e das prestações de serviços de seguros, a menos que tais operações tenham caráter de operações acessórias.

Todavia, as cessões de bens de investimento corpóreos ou incorpóreos da empresa não são tomadas em consideração na determinação do volume de negócios.»

7.        Além disso, o artigo 174.°, n.° 2, consagra o seguinte regime, no quadro da distribuição da dedução:

«Em derrogação do disposto no n.o 1, no cálculo do pro rata de dedução não são tomados em consideração os seguintes montantes:

[…]

b)      O montante do volume de negócios relativo às operações acessórias imobiliárias e financeiras;

c)      O montante do volume de negócios relativo às operações referidas nas alíneas b) a g) do n.° 1 do artigo 135.o, se se tratar de operações acessórias.»

B.      Direito romeno

8.        Em direito romeno, as disposições correspondentes constam da Legea nr. 571 din 22 decembrie 2003 privind Codul fiscal (Lei n.° 571 de 22 de dezembro de 2003 que estabelece o Código dos Impostos), sucessivamente alterada e aditada (a seguir «Código dos Impostos»). O artigo 152.° do Código dos Impostos estatui o seguinte:

«(1) O sujeito passivo estabelecido na Roménia em conformidade com o artigo 125.°, n.° 2, alínea a), cujo volume de negócios anual, declarado ou realizado, for inferior ao limiar de 65 000 euros [...] ou seja 220 000 RON, pode pedir a isenção do imposto [...] para as operações previstas no artigo 126.°, n.° 1 […].

(2) O volume de negócios que serve de referência para os fins da aplicação do n.° 1 é constituído pelo valor total, líquido de imposto, na situação dos sujeitos passivos que requeiram o cancelamento do registo das pessoas identificadas para efeitos de IVA, das entregas de bens e das prestações de serviços efetuadas pelo sujeito passivo no decurso de um ano civil, tributáveis ou não, conforme o caso, que poderiam ser sujeitas a imposto se não fossem realizadas por uma pequena empresa, das operações resultantes de atividades económicas para as quais o lugar da entrega ou da prestação se considera situado no estrangeiro, se o imposto fosse dedutível caso essas operações tivessem sido realizadas na Roménia em conformidade com o artigo 145.°, n.° 2, alínea b), das operações isentas com direito à dedução e das isentas sem direito à dedução, previstas no artigo 141.°, n.° 2, alíneas a), b), e) e f), se não forem acessórias da atividade principal [...].»

9.        O ponto 47, n.° 3, do Hotărârea Guvernului României nr. 44 din 22 ianuarie 2004 pentru aprobarea Normelor metodologice de aplicare a Legii nr. 571/2003 privind Codul fiscal (Decreto do Governo romeno n.° 44, de 22 de janeiro de 2004, que estabelece as normas de execução da Lei n.° 571 de 2003 relativa ao Código dos Impostos), com as alterações e aditamentos introduzidos pelo Decreto do Governo n.° 670, de 4 de julho de 2012, estabelece o seguinte:

«Uma operação é acessória da atividade principal se estiverem cumulativamente preenchidas as seguintes condições:

a)      a realização da operação em causa necessita de recursos técnicos limitados no que respeita a equipamento e utilização de pessoal;

b)      a operação não está diretamente ligada à atividade principal do sujeito passivo; e

c)      o montante das aquisições efetuadas para efeitos da operação e o montante do imposto dedutível relativo à operação são insignificantes.»

III. Matéria de facto e processo de decisão prejudicial

10.      Tal como já foi referido, o recorrente no processo principal (a seguir «recorrente») exerce, para além da atividade de docente universitário, várias profissões liberais, entre as quais as de contabilista, de consultor fiscal, de administrador de insolvência e de advogado. Também obtém, ocasionalmente, receitas provenientes de direitos de autor.

11.      Nos termos da legislação romena, o recorrente obteve um código único de atividade económica fiscal, para «atividades de contabilidade e revisão de contas, consultor fiscal», previsto para as profissões de consultor fiscal e contabilista. Para o exercício dessas profissões, o recorrente declarou vários domicílios profissionais. O domicílio do seu escritório individual de administrador de insolvência está registado no endereço de um imóvel do qual é proprietário.

12.      Desde 2007, o recorrente obtém receitas provenientes da locação do bem imóvel supramencionado. O bem foi arrendado a uma sociedade comercial da qual o recorrente é sócio e administrador. A sociedade em causa tem a sua sede social no imóvel locado e aí exerce, designadamente, atividades de consultoria, contabilidade e revisão de contas, bem como consultoria fiscal. O objeto principal de atividade declarado consiste em «atividades de consultoria para negócios e gestão».

13.      Em 2016, o recorrente foi sujeito a uma inspeção fiscal relativa ao IVA devido para o período entre 1 de janeiro de 2011 e 30 de junho de 2016. Na sequência dessa inspeção, a Autoridade Tributária (Administraţia Judeţeană a Finanţelor Publice, a seguir «AJFP») constatou que, no ano de 2012, o recorrente ultrapassou o limiar do volume de negócios de 220 000 RON (65 000 euros) fixado para efeitos de aplicação do regime especial de isenção para as pequenas empresas, pelo que o recorrente era obrigado a registar-se como sujeito passivo para efeitos do IVA. Em consequência, a AJFP fixou em 95 184 RON o IVA que o recorrente deveria ter pago.

14.      Para determinar o volume de negócios mencionado, a AJFP teve em conta tanto as receitas provenientes das profissões liberais de consultor fiscal, de contabilista e de administrador de insolvência, como as de direitos de autor, e as resultantes da locação do imóvel detido em compropriedade. Não foram incluídas no cálculo as receitas provenientes da retribuição como docente universitário nem as provenientes da atividade de advogado, que estão sujeitas a regimes de tributação específicos.

15.      A AJFP constatou que, em 2012, 69 % do total das receitas do recorrente provinha da atividade de administrador de insolvência, 17 % da locação do bem imóvel e 14 % da atividade de contabilista e consultor fiscal. Em consequência, a AJFP considerou que a atividade principal do recorrente no ano em causa era a de administrador de insolvência, considerando a importância das receitas provenientes desta última em comparação com o total das receitas provenientes do conjunto da atividade económica; considerou igualmente que a locação do bem imóvel não podia ser classificada como uma «operação acessória» dessa atividade para poder ser excluída do cálculo do volume de negócios no ano mencionado.

16.      A reclamação apresentada contra o aviso de liquidação foi indeferida por Decisão de 22 de agosto de 2017. O recurso jurisdicional administrativo interposto contra esta última decisão foi julgado improcedente pelo Tribunalul Timiş (Tribunal Superior de Timiş, Roménia) por Acórdão de 26 de março de 2018. O recorrente interpôs deste último acórdão recurso para o órgão jurisdicional de reenvio. O Curtea de Apel Timişoara (Tribunal de Recurso de Timisoara, Roménia) suspendeu a instância e submeteu ao Tribunal de Justiça, por via do processo de reenvio prejudicial, ao abrigo do artigo 267.° TFUE, as seguintes três questões:

1)      Em circunstâncias como as do litígio em causa, nas quais uma pessoa singular desenvolve uma atividade económica através do exercício de várias profissões liberais, bem como através da locação de bens imóveis, obtendo, assim, receitas com caráter contínuo, as disposições do artigo 288.°, [primeiro parágrafo,] ponto 4, da Diretiva IVA, impõem a identificação de uma atividade profissional determinada, como atividade principal, a fim de verificar se a locação pode ser qualificada como operação acessória dessa atividade e, em caso de resposta em sentido afirmativo, com base em que critérios pode ser identificada a referida atividade principal, ou devem as disposições acima mencionadas ser interpretadas no sentido de que o conjunto das atividades profissionais através das quais se realiza a atividade económica dessa pessoa singular constitui a «atividade principal»?

2)      No caso de o bem imóvel locado por uma pessoa singular a um terceiro não ser destinado e não ser utilizado para desenvolver a restante atividade económica dessa pessoa, não sendo, em consequência, possível estabelecer um elo de ligação entre [o bem imóvel locado] e o exercício das várias profissões da pessoa em causa, permitem, as disposições do artigo 288.° [primeiro parágrafo,] ponto 4, da Diretiva IVA, qualificar a operação de locação como «operação acessória», com a consequência de se excluir esta última do cálculo do volume de negócios que serve de referência para fins de aplicação do regime especial de isenção para as pequenas empresas?

3)      Na hipótese descrita na segunda questão prejudicial, é relevante, para qualificar como «acessória» a operação de locação, o facto de esta ter sido realizada a favor de um terceiro, uma pessoa coletiva na qual a pessoa singular tem a qualidade de sócio e de administrador e que tem sede estável no imóvel em questão e desenvolve atividades profissionais da mesma natureza que a pessoa singular em questão?

17.      No âmbito do processo no Tribunal de Justiça apresentaram observações escritas acerca destas questões o recorrente, a Roménia e a Comissão Europeia.

IV.    Apreciação jurídica

18.      Através das três questões, que - como com razão propõe a Roménia - podem ser respondidas conjuntamente, pretende o órgão jurisdicional de reenvio, no essencial, saber como deve ser interpretado o artigo 288.°, primeiro parágrafo, ponto 4, da Diretiva IVA. Mais concretamente, pretende apurar como determinar que se está perante «operações imobiliárias» que não têm «caráter de operações acessórias».

19.      Isso depende, decisivamente, do sentido e do objetivo da isenção fiscal prevista no artigo 287.° da Diretiva IVA (v. A, infra). Neste contexto, importa esclarecer se a locação de um bem imóvel constitui uma «operação imobiliária» (v. B, infra) e ao abrigo de que critérios essa locação deve considerada uma «operação acessória», na aceção do artigo 288.°, primeiro parágrafo, ponto 4, da Diretiva IVA (v. C, infra). Se, em aplicação desses critérios, se concluir que a locação em causa constitui, no caso concreto, uma operação acessória desse tipo (v. D, infra), o recorrente, no entendimento do órgão jurisdicional de reenvio, não ultrapassa o limiar de receitas da isenção a que se reporta o artigo 287.° da Diretiva IVA.

20.      Uma vez que o Tribunal de Justiça deve fornecer ao órgão jurisdicional de reenvio uma resposta útil para a solução do litígio subjacente ao presente processo, chama-se a atenção, à semelhança da Comissão, para o seguinte: segundo a decisão de reenvio prejudicial, no cálculo do limiar de isenção para as pequenas empresas não foram incluídas nem as receitas provenientes da retribuição do trabalho dependente como docente universitário nem as provenientes da atividade de advogado. A razão deve-se, aparentemente, ao facto de estarem sujeitas a regimes de tributação específicos.

21.      A não inclusão de receitas do trabalho dependente (neste caso, como docente universitário) é compreensível, uma vez que não existem, para efeitos da legislação do imposto sobre valor acrescentado, operações tributáveis. Contudo, uma vez que a atividade como advogado independente constitui inequivocamente uma atividade económica independente, na aceção do artigo 9.°, n.° 1, da Diretiva IVA, trata-se de operações tributáveis que, em princípio devem ser incluídas no cálculo. Para este efeito, é irrelevante se estas operações são ou não abrangidas por outro regime de tributação específico. Só assim não seria se o recorrente tivesse auferido receitas como advogado empregado (ou seja, como trabalhador subordinado) ou se as receitas tivessem sido auferidas não por ele, mas sim pela sociedade. Uma vez que o pedido de decisão prejudicial não é claro sobre este aspeto, compete ao órgão jurisdicional de reenvio apurar a situação.

A.      Sentido e objetivo da isenção fiscal prevista no artigo 287.° da Diretiva IVA

22.      Para poder apurar se o recorrente, apesar das receitas decorrentes da locação, é abrangido pela isenção aplicável às chamadas pequenas empresas (4), na aceção do artigo 287.° da Diretiva IVA, importa começar por determinar quais são o sentido e o objetivo desta isenção especial. Uma vez que esta isenção está ligada não ao tipo de atividade mas unicamente ao facto de o sujeito passivo não ter sido pessoalmente um determinado volume de negócios, impõe-se constatar que o artigo 287.° da Diretiva IVA prevê uma isenção subjetiva.

23.      Tal como já foi decidido pelo Tribunal de Justiça (5) e foi referido por mim noutro contexto (6), o sentido principal desta isenção subjetiva é a simplificação administrativa.

24.      Sem um tal limiar a autoridade tributária teria, desde o primeiro euro, que tratar como sujeito passivo qualquer pessoa que exercesse uma atividade económica na aceção do artigo 9.° da Diretiva IVA, por mais reduzida que esta fosse. Uma situação deste tipo geraria encargos administrativos não apenas do lado do sujeito passivo, mas também do lado da autoridade tributária, sem que daí adviesse para esta uma receita tributária equivalente (7). Este esforço de fiscalização e respetivos encargos suportados pela autoridade tributária, sem receita tributária equivalente, devem ser evitados mediante limiares mínimos. É o que resulta claramente também da proposta da Comissão para a Sexta Diretiva do Conselho relativa à harmonização das legislações dos Estados-Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios, de 1973. Já aí se fazia referência expressa às dificuldades dos Estados-Membros em aplicar o regime geral do IVA às pequenas empresas (8).

25.      O favorecimento que daí decorre para as empresas mais pequenas, no sentido, por exemplo, de fomentar a criação de novas empresas, constitui mais um reflexo do que propriamente o sentido e o objetivo deste regime (9). É o que resulta de forma clara do artigo 288.° da Diretiva IVA, aqui pertinente. Com efeito, infere-se desse artigo que o limiar mínimo do artigo 287.° da Diretiva IVA (limiar esse que é fixado pelos Estados-Membros) não diz respeito à dimensão da empresa ou à sua antiguidade no mercado, mas sim apenas ao valor da receita fiscal prevista.

26.      Efetivamente, o volume de negócios pertinente para determinar se se está perante uma chamada pequena empresa abrange apenas operações tributáveis (artigo 288.°, primeiro parágrafo, ponto 1, da Diretiva IVA) e algumas operações isentas (pontos 2 a 4) da empresa. Por mais elevado que seja o montante das restantes operações isentas isso não se oporia a uma isenção das demais operações tributáveis. Desta forma, ficam, por exemplo, abrangidos grandes hospitais, na medida em que se limitem a realizar operações tributáveis de valor reduzido. Estes sujeitos passivos podem tratar estas operações como isentas, ainda que, tendo em conta a respetiva dimensão, não possam propriamente, em linguagem comum, ser designados como pequenas empresas ou quando, pelo facto de estarem há muitos anos presentes no mercado, não possam ser qualificados como novas empresas.

27.      De resto, também a conexão com o território, estabelecida pela disposição em causa, revela que a isenção não se destina a promover a criação de novas empresas. A mencionada disposição apenas isenta as operações tributáveis no território nacional. Desta forma, grandes empresas nacionais com elevado volume de negócios tributável no estrangeiro e apenas reduzido volume de negócios no território nacional acabam por ser abrangidas pelo âmbito de aplicação da isenção. Além disso, o regime consagrado no artigo 287.° da Diretiva IVA não prevê um valor isento, mas sim um limiar de isenção. Quando se excede este limiar, todas as operações se tornam tributáveis, desde o primeiro euro, embora continuasse a existir um valor isento. Este princípio de «tudo ou nada» é inadaptado para a criação de novas empresas, visto que prejudica as novas empresas de maior sucesso em comparação com as novas empresas de menor sucesso.

28.      Em conclusão, o artigo 287.° da Diretiva IVA prossegue essencialmente objetivos de simplificação administrativa, em benefício dos Estados-Membros.

B.      Interpretação do elemento constitutivo «operações imobiliárias»

29.      Pressupondo-se que o artigo 287.° da Diretiva IVA constitui uma disposição de minimis, que isenta operações tributáveis menores por motivo de simplificação administrativa, importa interpretá-lo de forma estrita. Uma interpretação lata não é compatível com a natureza de uma disposição de minimis (10).

30.      Além disso, segundo o artigo 288.°, primeiro parágrafo, ponto 1, da Diretiva IVA, para efeitos da aplicação do limiar de minimis é incluído no cálculo do volume de negócios o montante das entregas de bens e das prestações de serviços, desde que estas sejam tributadas. Esta disposição precisa expressamente que o cálculo deve incluir todas as operações tributadas.

31.      Por conseguinte, os montantes que constam dos pontos 2 a 4 e que deverão ser incluídos no cálculo só se podem referir a operações isentas. De outra forma, não faria sentido enunciá-las separadamente. De resto, os pontos 2 e 3 do primeiro parágrafo do artigo 288.° da Diretiva IVA referem expressamente o caráter isento das operações em causa.

32.      Também a formulação constante do ponto 4, ao referir-se a «operações imobiliárias», só pode estar a referir-se às operações com imobiliário que são isentas, nos termos do artigo 135.°, n.° 1, alíneas j), k) e l), da Diretiva IVA. Por conseguinte, é irrelevante o facto de o legislador da União não referir expressamente essas disposições - ao contrário do que fez a propósito das operações financeiras igualmente referidas no ponto 4.

33.      O que já não é totalmente claro é se a expressão «operações imobiliárias» só abrange a venda de bens imóveis [artigo 135.°, n.° 1, alíneas j) e k), da Diretiva IVA] ou se também abrange a locação desses bens imóveis [artigo 135.°, n.° 1, alínea l), da Diretiva IVA]. O teor literal parece apontar mais no primeiro sentido, pois as demais versões linguísticas evidenciam uma maior natureza transacional (em francês «opérations immobilières»; em inglês «real estate transactions»). No entanto, estas versões linguísticas também não são de molde a excluir a locação de um bem imóvel segundo a linguagem comum.

34.      Atendendo a esta formulação em aberto, são determinantes o sentido e o objetivo do artigo 287.° da Diretiva IVA, ou seja, o caráter de minimis do regime das pequenas empresas. Neste sentido, parece-me adequado interpretar de forma lata o conceito de operações imobiliárias isentas a incluir, estando, assim, abrangida - como entende a Comissão - a locação de bens imóveis isentas, a fim de delimitar o âmbito de aplicação do artigo 287.° da Diretiva IVA.

35.      Consequentemente, a operação do recorrente tem de ser uma operação de locação isenta, para que se possa sequer colocar a questão de saber se se está ou não perante uma operação acessória. Do pedido de decisão prejudicial não resulta se é este o caso, pelo que deverá o tribunal nacional esclarecer esta questão.

C.      Pressupostos de uma «operação acessória»

36.      Importa então apurar ainda quais são os pressupostos de uma «operação acessória» na aceção do artigo 288.°, primeiro parágrafo, ponto 4, da Diretiva IVA. As operações isentas aí descritas só são consideradas na determinação do limiar de isenção caso não estejam em causa operações acessórias.

37.      Com este regime, o legislador assegura que as empresas que atuam em áreas de atividade que à partida se encontram isentas (bancos, seguradoras e empresas do ramo imobiliário), no que concerne às respetivas operações tributadas que não excedem o limiar de isenção, não podem beneficiar da chamada isenção das pequenas empresas. Pois, no caso das referidas empresas, as operações isentas não são acessórias, mas sim principais.

38.      Até ao momento, o Tribunal de Justiça não decidiu quais são os pressupostos para que se deva considerar que existe uma operação acessória.

39.      Assinale-se que a Diretiva IVA, para efeitos do cálculo do pro rata de dedução, utiliza no artigo 174.°, n.° 2, alíneas b) e c), na versão linguística alemã, o conceito similar de «Hilfsumsatz» (11). Trata-se, aqui, da extensão da dedução do imposto pago quando operações tributadas a montante são utilizadas para operações a jusante tanto tributadas como isentas.

40.      O Tribunal de Justiça já decidiu, a este propósito (12), que uma atividade económica não pode ser qualificada de «acessória» se constituir o prolongamento direto, permanente e necessário da atividade tributável da empresa ou se implicar uma utilização significativa de bens ou de serviços pelos quais é devido IVA.

41.      Esta delimitação negativa é transponível para o domínio da isenção fiscal a que se refere o artigo 287.° da Diretiva IVA. Com efeito, se existe um prolongamento direto, permanente e necessário da atividade tributável da empresa, essa atividade partilha do destino da «atividade principal» da empresa e, por conseguinte, já não pode ser considerada uma «operação acessória». Pura e simplesmente não existe razão material para se conceder um tratamento especial a estas operações.

42.      Acresce que, numa decisão relativa ao artigo 174.°, n.° 2, da Diretiva IVA, o Tribunal de Justiça decidiu que a amplitude dos rendimentos gerados pelas operações financeiras pode constituir um indício de que estas operações não devem ser consideradas acessórias. Contudo, o facto de serem gerados por essas operações rendimentos superiores aos produzidos pela atividade indicada como principal pela empresa em causa não pode, por si só, excluir a sua qualificação de «operações acessórias» na aceção da referida disposição (13).

43.      Esta afirmação poderá ser válida relativamente ao artigo 174.°, n.° 2, da Diretiva IVA e ao pro rata de dedução, mas não no que respeita a uma isenção fiscal por motivo de simplificação administrativa (norma de minimis). Com efeito, o primeiro caso diz respeito à relação entre o imposto pago sobre as operações a montante e o imposto pago sobre as prestações a jusante (para o efeito é necessário um pro rata). Por sua vez, o segundo caso está em causa determinar quando se deve deixar de aplicar uma determinada isenção, por se ter excedido um limiar do volume de negócios, que constitui um mero limiar de minimis (quanto ao sentido e ao objetivo, v. ,supra, n.° 22 e segs.).

44.      Para efeitos de uma isenção deste tipo, o montante das alegadas operações acessórias reveste uma importância decisiva. Assim, em minha opinião, operações imobiliárias isentas, cujo valor exceda por exemplo desde logo o limiar de isenção previsto no artigo 287.°, não podem nunca constituir operações acessórias de uma chamada pequena empresa e isso porque não são insignificantes.

45.      O raciocínio, a meu ver, subjacente ao artigo 288.°, primeiro parágrafo, ponto 4, da Diretiva IVA parece-me ser o seguinte: a isenção fiscal de que beneficia uma empresa em razão de simplificação administrativa não deve desaparecer devido á existência de operações imobiliárias isentas, mais ou menos ocasionais, em especial se constituírem operações únicas, realizadas à margem do objeto efetivo da empresa e que não influenciam o montante da receita fiscal.

46.      Na proposta da Comissão de 1973, figura uma passagem segundo a qual devem ser ignoradas «as operações mais ou menos ocasionais, que insuflam artificialmente o volume de negócios de um ano para o outro», bem como as operações que «não transmitem uma imagem real da dimensão da empresa» (14). Esta ideia é confirmada pelo artigo 288.°, segundo parágrafo, da Diretiva IVA, que exclui expressamente as cessões de bens de investimento da empresa do cálculo do limiar de isenção.

47.      A razão para tal é provavelmente evitar que essas operações «excecionais» causem entre sujeitos passivos isentos (ou seja, entre as chamadas pequenas empresas) um tratamento desigual para efeitos de IVA (no sentido de que um sujeito passivo permaneça uma pequena empresa isenta e o outro perca esse estatuto).

48.      Um exemplo poderia ser a locação com caráter duradouro de ativos privados. Se o artigo 288.°, primeiro parágrafo, ponto 4, da Diretiva IVA não excluísse esta operação do cálculo, uma dada empresa teria de sujeitar a tributação todas as operações anuais das suas restantes atividades. Em contrapartida, uma empresa em situação comparável, que contudo não locasse esses ativos privados poderia continuar a beneficiar da isenção fiscal. Contudo, a circunstância mais ou menos aleatória da utilização de outros ativos não tem propriamente influência sobre o estatuto substancial de «pequena empresa», nas relações de concorrência entre ambas as empresas. Falta uma conexão suficiente com a atividade económica efetiva da chamada pequena empresa. Contudo, a definição como operação acessória acaba por reconduzir-se a uma questão de classificação valorativa (15).

49.      Por conseguinte, a meu ver, o conceito de operação acessória abrange apenas as operações que não apresentem uma conexão mais estreita com a atividade (realmente) tributada do sujeito passivo. Essa conexão não existe quando (1) essas operações constituem atos isolados e excecionais, realizados à margem do objeto efetivo da empresa, ou (2) essas operações não exigem uma utilização extensiva de bens e serviços da empresa devendo, pelo contrário, ser apreciadas de forma separada desta, revestindo, desta forma, um caráter de minimis (seria concebível, por exemplo, o arrendamento por um valor insignificante de ativos privados - v. n.° 44).

D.      Quanto à aplicação ao caso concreto

50.      Impõe-se, portanto, esclarecer se, no caso concreto, a locação do bem imóvel no qual o recorrente exerce a sua atividade de administrador de insolvência, apresenta ou não uma conexão mais estreita com a sua atividade efetivamente tributada.

51.      Parece-me duvidoso. No presente caso, a locação do bem imóvel nem é ocasional nem é dissociável da atividade (de consultoria) do recorrente efetivamente tributada. Por um lado, ele próprio utiliza o bem imóvel como local da sede da sua atividade tributável como administrador de insolvência. Neste sentido, não se está perante um arrendamento independente da atividade da empresa.

52.      Por outro lado, o recorrente, segundo o órgão jurisdicional de reenvio, arrenda o bem imóvel a uma sociedade, da qual o próprio é sócio e gerente e no âmbito da qual o próprio exerce a atividade de consultoria. Não está aqui em causa um ato isolado que não deva distorcer o cálculo do volume de negócios anual (v., supra, n.° 45). Na realidade, existe uma forte conexão (v., supra, n.° 48) com a atividade (de consultor) do recorrente efetivamente tributada.

53.      Por conseguinte, tendo em conta o vínculo material e pessoal estreito, e em conformidade com a opinião da Comissão e da Roménia, já não é possível falar, neste caso, de uma atividade de minimis, realizada à margem da atividade económica efetiva (de consultor) do recorrente.

54.      No entanto, a competência, a titulo principal, do Tribunal de Justiça é interpretar o direito da União. A aplicação dos princípios interpretativos acima referidos e a respetiva classificação valorativa incumbem ao órgão jurisdicional de reenvio realizar.

V.      Conclusão

55.      Em conclusão, proponho que às questões prejudiciais submetidas pelo Curtea de Apel Timişoara (Tribunal de Recurso de Timisoara, Roménia) seja dada a seguinte resposta:

O conceito de operações imobiliárias que têm caráter de operações acessórias inclui todas as operações isentas na aceção do artigo 135.°, n.° 1, alíneas j), k) e l), da Diretiva 2006/112/CE, que não apresentem uma conexão estreita com a atividade (efetiva) tributada do sujeito passivo e que sejam insignificantes, ou seja, que não excedam elas próprias o limiar de isenção. Falta essa conexão mais estreita se essas operações constituírem atos isolados, realizados à margem do objeto efetivo da empresa ou quando não exigem uma utilização extensiva de bens e serviços da empresa.


1      Língua original: alemão.


2      JO 2006, L 347, p. 1, na redação em vigor em 2012.


3      Decisão de Execução 2012/181/EU, do Conselho de 26 de março de 2012, que autoriza a Roménia a introduzir uma medida especial em derrogação do artigo 287.° da Diretiva 2006/112/CE relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado (JO 2012, L 92, p. 26).


4      V. epígrafe do capítulo 1 do título XII («Regime especial das pequenas empresas»).


5      Acórdãos de 2 de maio de 2019, Jarmuškienė (C-265/18, EU:C:2019:348, n.° 37); e de 26 de outubro de 2010, Schmelz (C-97/09, EU:C:2010:632, n.° 63).


6      Conclusões apresentadas no processo Schmelz (C-97/09, EU:C:2010:354, n.° 33).


7      V., expressamente, neste sentido, Acórdão de 2 de maio de 2019, Jarmuškienė (C-265/18, EU:C:2019:348, n.° 38).


8      V. fundamentação relativa ao artigo 25.° (pequenas empresas) na p. 27 na proposta da Comissão de 20 de junho de 1973, COM(73) 950 final.


9      V., a este propósito, Acórdãos de 29 de julho de 2019, B (volume de negócios de um revendedor de veículos em segunda mão) (C-388/18, EU:C:2019:642, n.° 42, com remissões); e de 26 de outubro de 2010, Schmelz (C-97/09, EU:C:2010:632, n.os 63 e 70), bem como as Conclusões por mim apresentadas no processo Schmelz (C-97/09, EU:C:2010:354, n.os 33 e 54).


10      Acórdão de 2 de maio de 2019, Jarmuškienė (C-265/18, EU:C:2019:348, n.° 27), apontando o Tribunal de Justiça neste mesmo sentido ao referir que as disposições que têm caráter de derrogação ou de exceção a uma regra geral são de interpretação estrita - v., a este propósito, a título de mero exemplo, Acórdão de 28 de setembro de 2006, Comissão/Áustria (C-128/05, EU:C:2006:612, n.° 22).


11      Na versão francesa ambas as expressões são inclusivamente iguais («charactère d’opérations accessoires»). O mesmo sucede na versão romena («operațiuni accesorii»). Mas já não é assim nas versões alemã («Nebenumsatz» e «Hilfsumsatz») e inglesa («ancillary transactions» e «incidental transactions»).


12      Acórdão de 29 de outubro de 2009, NCC Construction Danmark (C-174/08, EU:C:2009:669, n.° 31), citando o Acórdão de 29 de abril de 2004, EDM (C-77/01, EU:C:2004:243, n.° 76); e Acórdão de 11 de julho de 1996, Régie dauphinoise (C-306/94, EU:C:1996:290, n.° 22).


13      Acórdão de 29 de abril de 2004, EDM (C-77/01, EU:C:2004:243, n.° 77).


14      V. fundamentação relativa ao artigo 25.° (pequenas empresas) na p. 29 na proposta da Comissão de 20 de junho de 1973, COM(73) 950 final.


15      Neste sentido, Stadie, H. em Rau/Dürrwächter, UStG, § 19, nota112 (estado: 183.ª atualização, julho de 2019).