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Edição provisória

CONCLUSÕES DO ADVOGADO-GERAL

MACIEJ SZPUNAR

apresentadas em 25 de março de 2021 (1)

Processo C-21/20

Balgarska natsionalna televizia

contra

Direktor na Direktsia «Obzhalvane i danachno-osiguritelna praktika» – Sofia pri Tsentralno upravlenie na NAP

[pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Administrativen sad Sofia-grad (Tribunal Administrativo de Sófia, Bulgária)]

«Reenvio prejudicial - Imposto sobre o valor acrescentado (IVA) – Diretiva 2006/112/CE – Artigo 2.o, n.° 1, alínea c) – Âmbito de aplicação – Prestação de serviços a título oneroso – Artigo 132.o, n.° 1, alínea q) – Isenção – Difusão de programas televisivos financiados em parte pelo orçamento do Estado e em parte por atividades comerciais – Direito à dedução do imposto devido»






 Introdução

1.        Os Estados-Membros financiam a rádio e a televisão públicas de dois modos principais: através da fixação de uma taxa específica, ligada geralmente à posse de um aparelho recetor de rádio ou de televisão, cuja receita é afetada às necessidades dos operadores públicos de televisão (taxa de subscrição), ou diretamente a partir do orçamento do Estado (2). Alguns Estados-Membros combinam estes dois modos, completando a receita das taxas, considerada insuficiente em relação às missões sociopolíticas que incumbem aos operadores públicos de radiodifusão, com subvenções diretas do orçamento.

2.        O presente processo tem por objeto a questão de saber como devem ser qualificados os métodos de financiamento dos operadores públicos de radiodifusão do ponto de vista do imposto sobre o valor acrescentado (a seguir «IVA») e dos efeitos que essa qualificação tem na situação dos referidos operadores públicos de televisão enquanto sujeitos passivos desse imposto.

3.        O Tribunal de Justiça já teve ocasião de declarar que uma atividade de serviço público de radiodifusão como a que está em causa no processo principal, financiada por uma taxa legal obrigatória paga pelos proprietários ou detentores de um aparelho recetor de rádio e exercida por uma sociedade de radiodifusão criada por lei, não constitui uma prestação de serviços «efetuada a título oneroso», na aceção das disposições relativas ao IVA, e não está abrangida pelo seu âmbito de aplicação (3). Coloca-se, porém, a questão de saber se se impõe a mesma solução relativamente a um operador público de radiodifusão financiado por uma subvenção proveniente do orçamento geral do Estado.

4.        O Tribunal de Justiça terá igualmente oportunidade de desenvolver a sua jurisprudência a este respeito ao apreciar a questão relativa à formulação do direito do operador público de radiodifusão de deduzir o imposto devido ou pago sobre bens e serviços por ele adquiridos para a sua atividade.

 Quadro jurídico

 Direito da União

5.        Nos termos do artigo 2.°, n.° 1, alínea c), da Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro de 2006, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado (4):

«Estão sujeitas ao IVA as seguintes operações:

[…]

c)      As prestações de serviços efetuadas a título oneroso no território de um Estado-Membro por um sujeito passivo agindo nessa qualidade;

[...]»

6.        O artigo 132.°, n.° 1, alínea q), desta diretiva dispõe:

«Os Estados-Membros isentam as seguintes operações:

[…]

q)      As atividades dos organismos públicos de radiotelevisão, que não tenham caráter comercial.

[...]»

7.        Nos termos do artigo 168.° da diretiva referida:

«Quando os bens e os serviços sejam utilizados para os fins das suas operações tributadas, o sujeito passivo tem direito, no Estado-Membro em que efetua essas operações, a deduzir do montante do imposto de que é devedor os montantes seguintes:

a)      O IVA devido ou pago nesse Estado-Membro em relação aos bens que lhe tenham sido ou venham a ser entregues e em relação aos serviços que lhe tenham sido ou venham a ser prestados por outro sujeito passivo;

b)      O IVA devido em relação a operações assimiladas a entregas de bens e a prestações de serviços, em conformidade com a alínea a) do artigo 18.o e o artigo 27.o;

c)      O IVA devido em relação às aquisições intracomunitárias de bens, em conformidade com o artigo 2.°, n.° 1, alínea b), subalínea i);

d)      O IVA devido em relação a operações assimiladas a aquisições intracomunitárias, em conformidade com os artigos 21.o e 22.o;

e)      O IVA devido ou pago em relação a bens importados para esse Estado-Membro.»

8.        Por último, nos termos do artigo 173.o, n.º 1, primeiro parágrafo, da Diretiva 2006/112:

«No que diz respeito aos bens e aos serviços utilizados por um sujeito passivo para efetuar tanto operações com direito à dedução, referidas nos artigos 168.o, 169.o e 170.o, como operações sem direito à dedução, a dedução só é admitida relativamente à parte do IVA proporcional ao montante respeitante à primeira categoria de operações.»

 Direito búlgaro

9.        Por força do artigo 6.o, n.º 3, da Zakon za radioto i televiziata (Lei Reguladora da Rádio e da Televisão) a Balgarska natsionalna televizia (a seguir «BNT») é uma pessoa coletiva, fornecedora pública de serviços de comunicações audiovisuais. Nos termos do artigo 70.o, n.o 3, dessa lei, a BNT é financiada por uma subvenção do orçamento do Estado, por rendimentos provenientes da publicidade e de outras fontes.

10.      A Diretiva 2006/112 foi transposta para o direito búlgaro pelas disposições da Zakon za danak varhu dobavenata stoynost (Lei relativa ao IVA). O artigo 42.o dessa lei isenta de IVA, nomeadamente, a atividade da BNT, na medida em que é financiada pelo orçamento do Estado.

 Factos, tramitação processual e questões prejudiciais

11.      A BNT é um operador público búlgaro de televisão, ou seja, uma entidade cuja atividade pode, em princípio, beneficiar da isenção prevista no artigo 132.o, n.º 1, alínea q), da Diretiva 2006/112. A BNT é financiada em parte por uma subvenção do orçamento do Estado e em parte por rendimentos resultantes da sua atividade comercial. Esta atividade consiste tanto na emissão de conteúdos pagos, nomeadamente publicidade, como em atividades que não a radiodifusão, como a venda de direitos de propriedade intelectual ou a locação de equipamentos.

12.      O litígio no processo principal tem por objeto o direito da BNT à dedução do imposto pago ou devido pela sua aquisição de bens e serviços por ela utilizados para essa atividade. Na origem do litígio está o facto de a BNT e as autoridades fiscais búlgaras terem diferentes conceções da atividade da BNT do ponto de vista do IVA. Com efeito, segundo a BNT, não se pode considerar que as subvenções do orçamento de Estado constituem um pagamento pela emissão de um programa, pelo que estão totalmente fora do âmbito de aplicação do sistema do IVA. Tal leva a BNT a concluir que dispõe, para os bens e serviços utilizados para efeitos da sua atividade, financiada tanto por subvenções como por rendimentos comerciais, de um direito à dedução integral do imposto devido. As autoridades tributárias consideram, por sua vez, que a atividade da BNT, na medida em que é financiada pelo orçamento do Estado, está sujeita à isenção prevista no artigo 132.o, n.° 1, alínea q), da Diretiva 2006/112, pelo que, consequentemente, o direito à dedução só existe proporcionalmente, na medida em que a atividade de radiodifusão da BNT é financiada por rendimentos provenientes de atividades comerciais.

13.      Este litígio deu origem a uma decisão fiscal de 14 de dezembro de 2016, na qual a autoridade tributária ordenou a retificação do montante da dedução do imposto devido relativamente ao período compreendido entre 1 de setembro de 2015 e 31 de março de 2016, declarado pela BNT. A BNT apresentou reclamação dessa decisão, que a autoridade tributária em causa, que é parte no processo principal, indeferiu por Decisão de 27 de fevereiro de 2017. Esta última decisão foi impugnada pela BNT no órgão jurisdicional de reenvio.

14.      Nestas condições, o Administrativen sad Sofia-grad (Tribunal Administrativo de Sófia, Bulgária) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)      Pode a prestação de serviços de comunicação audiovisuais aos telespetadores pelo operador público de televisão ser considerada uma prestação de serviços efetuada a título oneroso na aceção do artigo 2.°, n.° 1, alínea c), da Diretiva [2006/112], quando é financiada pelo Estado através de subvenções, não pagando os telespetadores uma taxa pela transmissão, ou não constitui uma prestação de serviços efetuada a título oneroso na aceção desta disposição e não é abrangida pelo âmbito de aplicação desta Diretiva?

2)      No caso de a resposta à primeira questão ser que os serviços de comunicação audiovisuais prestados aos telespetadores pelo operador público de televisão estão abrangidos pelo âmbito de aplicação do artigo 2.°, n.° 1, alínea c), da Diretiva 2006/112/CЕ, deve considerar-se que se trata de uma operação isenta ao abrigo do artigo 132.°, n.° 1, alínea q), da Diretiva [2006/112] e pode uma disposição nacional isentar esta atividade apenas porque, para a exercer, o operador público recebe pagamentos do orçamento do Estado, independentemente da questão de saber se essa atividade também tem caráter comercial?

3)      É compatível com o artigo 168.° da Diretiva 2006/112/CЕ uma prática que condiciona a dedução do imposto devido ou pago a montante relativo a aquisições de bens e serviços não apenas à afetação desses bens e serviços (à atividade tributável ou à atividade não tributável), mas também ao modo de financiamento desses bens e serviços – a saber, por um lado, com rendimentos próprios (prestações de serviços de publicidade, entre outros), e, por outro, com subvenções do Estado – e que apenas confere o direito à dedução total do imposto devido ou pago a montante relativamente às aquisições de bens e serviços financiadas com rendimentos próprios e não às financiadas com subvenções do Estado, sendo exigida a respetiva separação?

4)      No caso de se considerar que a atividade do operador público de televisão consiste em operações tributáveis e em operações isentas, tendo em conta o respetivo modo de financiamento misto, qual o alcance do direito à dedução do imposto devido ou pago a montante relativo a estas aquisições e que critérios se devem aplicar para a sua determinação [?]»

15.      O pedido de decisão prejudicial deu entrada no Tribunal de Justiça em 17 de janeiro de 2020. A BNT, o Governo espanhol e a Comissão Europeia apresentaram observações escritas. A BNT e a Comissão responderam por escrito às questões do Tribunal de Justiça.

 Análise

16.      O órgão jurisdicional de reenvio colocou quatro questões prejudiciais. Examiná-las-ei pela ordem em que foram submetidas.

 Quanto à primeira questão prejudicial

17.      Com a sua primeira questão prejudicial, o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber se o artigo 2.°, n.° 1, alínea c), da Diretiva 2006/112 deve ser interpretado no sentido de que a atividade de um operador público de televisão que consiste na prestação de serviços de comunicação audiovisual, na medida em que é financiada pelo Estado através de subvenções, constitui uma prestação de serviços efetuada a título oneroso na aceção desta disposição.

 Observações preliminares

18.      A dúvida do órgão jurisdicional de reenvio nesta matéria está relacionada com um Acórdão adotado em 23 de abril de 2018 pelo Varhoven administrativen sad (Supremo Tribunal Administrativo), no qual declarou que as atividades da BNT estavam abrangidas pelo sistema comum do IVA. Este órgão jurisdicional fundamentou a sua decisão, em especial, no artigo 25.°, alínea c), da Diretiva 2006/112, nos termos do qual uma prestação de serviços na aceção dessa diretiva pode consistir, designadamente, na execução de um serviço em virtude de ato das autoridades públicas ou em seu nome ou por força da lei (5). Ora, segundo esse órgão jurisdicional, é esse o caso no que respeita às atividades da BNT que são exercidas por força da lei. A este respeito, o Varhoven administrativen sad (Supremo Tribunal Administrativo) remeteu para o Acórdão do Tribunal de Justiça Le Rayon d’Or (6). Considerou também que, tendo em conta as diferenças do modo de financiamento da BNT face a operadores públicos de televisão financiados por uma taxa de subscrição, o Acórdão Český rozhlas (7) do Tribunal de Justiça não era aplicável à BNT.

19.      A posição da autoridade tributária no processo principal é coerente com o referido Acórdão de 23 de abril de 2018.

20.      A questão de saber se as conclusões resultantes do Acórdão Český rozhlas (8) são aplicáveis à situação de um operador público de radiodifusão financiado por uma subvenção do Tesouro Público é essencial para responder à primeira questão prejudicial no presente processo. Recordarei, portanto, brevemente, este acórdão.

 Acórdão Český rozhlas

21.      No Acórdão Český rozhlas (9), o Tribunal de Justiça recordou, em primeiro lugar, a sua jurisprudência anterior segundo a qual uma prestação de serviços é efetuada «a título oneroso» na aceção do artigo 2.o, ponto 1, da Diretiva 77/388/CEE (10), e só é, portanto, tributável, se existir entre o prestador e o beneficiário uma relação jurídica no âmbito da qual são efetuadas prestações recíprocas, constituindo a retribuição recebida pelo prestador o contravalor efetivo do serviço fornecido ao beneficiário (11). Por conseguinte, segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça, o conceito de «prestações de serviços efetuadas a título oneroso», na aceção do referido artigo 2.o, ponto 1, pressupõe a existência de um nexo direto entre o serviço prestado e o contravalor recebido (12).

22.      Em seguida, o Tribunal de Justiça declarou que não existia uma relação jurídica entre o operador público financiado pela taxa de subscrição e as pessoas obrigadas a pagá-la. Com efeito, por um lado, a obrigação de pagamento está ligada não à utilização do serviço público de radiodifusão mas apenas à posse de um aparelho recetor e, por outro, o acesso a esse serviço não está sujeito ao pagamento da taxa de subscrição. Esta não constitui, portanto, o pagamento de um serviço prestado pelo operador público (13).

23.      O Tribunal de Justiça rejeitou igualmente a argumentação do Governo checo que se baseia na existência dessa relação jurídica entre o operador público e o Estado que lhe assegura uma remuneração sob a forma de obrigação de pagamento de uma taxa de subscrição (14).

24.      Do mesmo modo, o Tribunal de Justiça rejeitou a aplicabilidade da solução que resulta do seu Acórdão Le Rayon d’Or (15) à situação de um operador público de radiodifusão financiado por uma taxa de subscrição. Com efeito, o Tribunal de Justiça salientou que, no processo que deu origem a esse acórdão, existia um nexo direto entre a prestação de serviços efetuada e a contrapartida recebida, ainda que essa contrapartida fosse fixa, pelo que essa retribuição fixa constituía a contrapartida das prestações de serviços efetuadas a título oneroso e, portanto, estava abrangida pelo âmbito de aplicação do IVA. Em contrapartida, no caso de um operador público de radiodifusão financiado por uma taxa de subscrição, não existe esse nexo direto (16).

25.      Tendo em conta o que precede, o Tribunal de Justiça declarou que uma atividade de serviço público de radiodifusão como a que está em causa no processo principal que deu origem ao Acórdão Český rozhlas, financiada por uma taxa legal obrigatória paga pelos proprietários ou detentores de um aparelho recetor de rádio e exercida por uma sociedade de radiodifusão criada por lei, não constitui uma prestação de serviços «efetuada a título oneroso», na aceção do artigo 2.°, ponto 1, da Diretiva 77/388, e não está, portanto, abrangida pelo âmbito de aplicação da referida diretiva (17).

 Aplicação ao caso em apreço

26.      Considero que se impõe uma solução análoga no caso de um operador público de radiodifusão financiado por subvenções provenientes do orçamento de Estado. É certo que esse operador não beneficia da taxa especial paga pelos detentores de aparelhos recetores. Em contrapartida, recebe uma subvenção diretamente do orçamento do Estado, destinada a financiar as missões que lhe foram confiadas por força da lei.

27.      Em princípio isso não afeta, porém, a apreciação da natureza da atividade desse operador do ponto de vista do IVA. Com efeito, essa subvenção não constitui uma contrapartida pelos serviços prestados pelo operador público de radiodifusão, mas antes o modo de financiamento de determinado tipo de funções públicas. A concessão desta subvenção ou o estabelecimento de outro modo de financiamento é condição necessária e inerente à atribuição das referidas funções públicas. Por outras palavras, não se trata aqui de duas contrapartidas que são funcionalmente independentes: os serviços prestados pelo operador público de televisão e a remuneração paga com o orçamento do Estado. Aqui trata-se da atividade de um Estado que organiza um serviço público de rádio ou de televisão confiando a sua execução a um operador público de radiodifusão, assegurando, simultaneamente, o financiamento desse serviço sob a forma, por exemplo, de uma subvenção concedida a esse operador. Deste ponto de vista, esse operador não se distingue fundamentalmente de outras instituições públicas como as escolas, o exército ou a polícia (18).

28.      Por conseguinte, tal como entre o operador público de televisão e as pessoas obrigadas a pagar uma taxa de subscrição, também não existe uma relação jurídica entre um operador público financiado por uma subvenção e o Estado, no âmbito da qual são realizadas prestações recíprocas, na aceção da jurisprudência do Tribunal de Justiça relativa ao âmbito de aplicação do sistema comum do IVA (19). Ora, embora exista um nexo direto entre o serviço prestado pelo operador público de radiodifusão e a subvenção que recebe, não se trata de um vínculo entre duas prestações recíprocas, mas de um nexo indissociável e necessário entre o exercício de determinada função pública e o seu financiamento.

29.      É por esta razão que a solução adotada pelo Tribunal de Justiça no Acórdão Le Rayon d’Or (20) não pode ser transposta para a situação de um operador público de radiodifusão financiado por subvenções do orçamento do Estado. Com efeito, no processo que deu origem a esse acórdão, tratava-se de serviços prestados a destinatários particulares, em contrapartida dos quais o prestador recebia uma remuneração que, embora sendo fixa e paga por uma pessoa diferente do destinatário, tinha a natureza de uma prestação recíproca.

30.      Por estas razões, partilho da opinião expressa tanto pela BNT como pelo Governo espanhol, segundo a qual uma subvenção a cargo do orçamento do Estado destinada a financiar a atividade de um operador público de televisão não constitui uma contrapartida e que essa mesma atividade, na medida em que é financiada por uma subvenção, não constitui uma prestação de serviços efetuada a título oneroso na aceção do referido artigo 2.o, n.o 1, alínea c), da Diretiva 2006/112.

31.      É certo que podem existir situações em que o Estado adquire a um operador público de radiodifusão determinados serviços a título oneroso na aceção do artigo 2.o, n.º 1, alínea c), da Diretiva 2006/112. Todavia, teria de tratar-se de casos bem delimitados em que um operador público de televisão preste serviços que ultrapassam o âmbito normal da missão que lhe é confiada por lei, devendo a contrapartida dessas prestações estar estreitamente relacionada com a sua execução, e refletir o âmbito e o valor desses serviços, para que possa ser considerada o preço dos referidos serviços. Com efeito, é esse preço que constitui, nos termos do artigo 1.o, n.º 2, da Diretiva 2006/112, o valor tributável do IVA (21).

32.      Em contrapartida, uma subvenção geral do orçamento de Estado destinada a cobrir os custos da atividade do operador público de radiodifusão, definida de modo geral, não preenche esses critérios. Por conseguinte, não partilho do ponto de vista da Comissão, expresso nas suas observações, segundo o qual a subvenção da BNT poderia ser considerada uma contrapartida pelos serviços prestados por esse organismo de radiodifusão, pelo simples facto de ser calculada proporcionalmente ao tempo de difusão do programa. O modo de cálculo do montante da subvenção em nada altera o facto de constituir o modo de financiamento das missões públicas exercidas pelo operador e não a prestação recíproca a título dos serviços por ele prestados. Ora, a qualificação das atividades do sujeito passivo do ponto de vista do IVA deve basear-se nas características essenciais dessa atividade, incluindo no seu modo de financiamento, quando o financiamento tem incidência nessa qualificação, e não no modo de cálculo desse financiamento.

 Artigo 25.°, alínea c), da Diretiva 2006/112

33.      Estas conclusões quanto à natureza da atividade do operador público de radiodifusão enquanto atividade não abrangida pelo sistema comum do IVA não são postas em causa pelo artigo 25.o, alínea c), da Diretiva 2006/112.

34.      Esta disposição figura no título IV da diretiva referida, sob a epígrafe «Operações tributáveis». Este título contém as definições das operações tributáveis referidas no artigo 2.°, n.° 1, da Diretiva 2006/112. O capítulo 3 deste título diz respeito à prestação de serviços. A definição geral de prestação de serviços figura no artigo 24.°, n.° 1, da referida diretiva. Esta definição reveste caráter aberto dado que dispõe que se entende por prestação de serviços qualquer operação que não constitua uma entrega de bens. As outras disposições contidas no referido capítulo 3 completam e explicam esta definição e preveem a possibilidade de algumas derrogações para os Estados-Membros.

35.      Quanto ao artigo 25.° da Diretiva 2006/112, este esclarece que uma prestação de serviços pode consistir, designadamente, em três tipos de operações, sendo que o facto de serem abrangidas pelo conceito de prestação de serviços não é necessariamente evidente. Trata-se da cessão de um bem incorpóreo [artigo 25.°, alínea a)], da obrigação de não fazer ou de tolerar um ato ou uma situação [artigo 25.°, alínea b)] e, por último, da execução de um serviço em virtude de ato das autoridades públicas ou em seu nome ou por força da lei [artigo 25.°, alínea c)]. A expressão «pode» utilizada nesta disposição não implica, a este respeito, uma habilitação facultativa dos Estados-Membros para considerarem, ou não, essas operações como uma prestação de serviços (22) mas a constatação de que uma prestação de serviços pode, em determinadas situações, revestir a forma de uma dessas operações.

36.      O artigo 25.° da diretiva não alarga, portanto, a definição de prestação de serviços, mas precisa apenas, em caso de dúvida, que certas atividades constituem prestações de serviços. Não altera, porém, que segundo o artigo 2.°, n.° 1, alínea c), da Diretiva 2006/112, uma prestação só está sujeita a IVA se for efetuada a título oneroso, na aceção desta disposição. Esta condição abrange todas as operações que constituam uma prestação de serviços, incluindo as enumeradas no artigo 25.° Assim, tanto a cessão de um bem incorpóreo como a obrigação de não fazer ou de tolerar um ato ou uma situação bem como a execução de um serviço em virtude de ato das autoridades públicas ou em seu nome ou por força da lei estão sujeitas a IVA, quando efetuadas a título oneroso na aceção do artigo 2.°, n.° 1, alínea c), da referida diretiva.

37.      O artigo 25.°, alínea c), da Diretiva 2006/112, não pode, portanto, servir de base para sujeitar a IVA os serviços prestados por um operador público de radiodifusão, caso o modo de financiamento desses serviços não permita considerá-los prestados a título oneroso.

38.      Portanto, proponho que se responda à primeira questão prejudicial que o artigo 2.°, n.° 1, alínea c), da Diretiva 2006/112, deve ser interpretado no sentido de que a prestação de serviços de comunicação audiovisuais pelo operador público de televisão, na medida em que seja financiada pelo Estado através de subvenções, não constitui uma prestação de serviços efetuada a título oneroso, na aceção desta disposição.

 Quanto à segunda questão prejudicial

39.      Com a sua segunda questão prejudicial, o órgão jurisdicional de reenvio pretende, essencialmente, saber se as prestações de serviços efetuadas por um operador público de radiodifusão podem ser consideradas serviços isentos de IVA ao abrigo do artigo 132.o, n.º 1, alínea q), da Diretiva 2006/112, pelo facto de serem financiadas por subvenções do orçamento do Estado e na medida em que sejam financiadas dessa forma.

40.      O órgão jurisdicional de reenvio coloca esta questão na hipótese de, em resposta à primeira questão, se dever considerar que os serviços de um operador público de radiodifusão financiados por subvenções do orçamento de Estado estão sujeitos a IVA. Parece-me útil, porém, abordar esta questão também em caso de resposta à primeira questão como proponho. Com efeito, independentemente de se considerar que a atividade do operador público de radiodifusão escapa ou não ao âmbito de aplicação do IVA, há ainda que determinar em que medida esse operador dispõe do direito à dedução do imposto pago ou devido a montante. É esse o objeto da terceira e quarta questões prejudiciais. Ora, a análise da segunda questão permitirá distinguir a atividade do operador público de radiodifusão exercida no interesse geral(23), da sua atividade comercial.

 Atividade comercial dos organismos públicos de radiodifusão

41.      O artigo 132.°, n.° 1, alínea q), da Diretiva 2006/112, impõe a isenção de IVA das «atividades dos organismos públicos de radiotelevisão, que não tenham caráter comercial». Além disso, em conformidade com a jurisprudência do Tribunal de Justiça acima referida(24), bem como com a minha proposta de resposta à primeira questão prejudicial, os serviços prestados pelos operadores públicos de radiodifusão (organismos públicos de radiotelevisão) não estão sujeitos a IVA, na medida em que não podem ser considerados prestados a título oneroso. Em contrapartida, estão sujeitas a este imposto (no sentido de que são tributáveis e não isentas) as operações efetuadas por esses organismos no âmbito das suas atividades de «caráter comercial». A aplicação correta do sistema comum do IVA às operações efetuadas por esses organismos de radiodifusão exige, portanto, que se determine o significado do conceito de «caráter comercial».

42.      Nem o artigo 132.°, n.° 1, alínea q), da Diretiva 2006/112, nem nenhuma outra disposição da mesma definem o conceito de «caráter comercial». Em especial, este conceito não pode ser equiparado ao de «atividade económica», definido no artigo 9.°, n.° 1, dessa diretiva, dado que este conceito abrange também as operações isentas. A definição do conceito de «caráter comercial» deve, portanto, ser construída em função da sistemática e dos objetivos do artigo 132.°, n.° 1, alínea q), da Diretiva 2006/112.

43.      Antes de mais, só as operações efetuadas a título oneroso, na aceção do artigo 2.° da Diretiva 2006/112, devem, na minha opinião, ser consideradas atividades comerciais. Com efeito, uma vez que a atividade comercial dos operadores públicos de radiodifusão constitui uma exceção ao princípio geral da isenção da sua atividade, deve dizer respeito a operações tributáveis e, portanto, efetuadas a título oneroso, uma vez que só essas operações podem beneficiar da isenção. Por conseguinte, os serviços prestados pelos operadores públicos de radiodifusão que, devido ao seu modo de financiamento, não podem ser considerados prestados a título oneroso não são abrangidos pelo conceito de atividades de «caráter comercial» desses operadores. Por outras palavras, a atividade de um operador público de radiodifusão financiada por uma subvenção do orçamento de Estado não pode ser considerada a sua atividade com caráter comercial na aceção do artigo 132.°, n.° 1, alínea q), da Diretiva 2006/112.

44.      A atividade principal dos operadores de radio e televisão consiste em emitir programas (25). No caso dos operadores públicos de radiodifusão, essas atividades são frequentemente financiadas a partir de dois tipos de fonte. A primeira são os recursos públicos, seja sob a forma de uma taxa de subscrição, como no processo que deu origem ao Acórdão Český rozhlas (26), ou sob a forma de subvenção, como no caso em apreço. A segunda fonte é a difusão de publicidade e de outras «comunicações comerciais audiovisuais» (o patrocínio, a televenda e a colocação de produto) para utilizar a terminologia da Diretiva 2010/13/UE (27), ou os seus equivalentes radiofónicos.

45.      Na medida em que esse tipo de comunicações são difundidas mediante pagamento, e que regra geral o são, uma vez que é essa a sua função, constituem uma prestação de serviços efetuada a título oneroso na aceção do referido artigo 2.°, n.° 1, alínea c), da Diretiva 2006/112, e fazem parte das atividades de caráter comercial dos organismos públicos de radiotelevisão, na aceção do artigo 132.°, n.° 1, alínea q), desta diretiva. Em princípio, são, portanto, tributadas sendo a matéria coletável constituída pelo preço que os anunciantes pagam pela difusão desse conteúdo.

46.      Ora, é evidente que as receitas geradas por essas comunicações não servem unicamente para cobrir os custos dessa difusão, os quais são, aliás, mínimos em relação ao conjunto dos custos de funcionamento dos operadores de radio ou televisão. O objetivo da difusão de publicidade e de comunicações pagas similares é financiar a atividade principal dos operadores de radiodifusão, que é a difusão de programas, isto é, de forma mais geral, qualquer conteúdo, com exceção das comunicações comerciais, por cuja emissão o operador de radiodifusão não cobra aos telespetadores. Coloca-se, portanto, a questão de saber como deve ser tratada do ponto de vista do IVA a difusão dessas emissões pelos operadores públicos de radiodifusão, na medida em que é financiada por rendimento proveniente da emissão de comunicações comerciais.

47.      No caso dos organismos privados financiados integralmente com rendimento proveniente de comunicações comerciais pagas, a sua atividade é considerada no seu todo, isto é, tanto a emissão de comunicações pagas como a de outros conteúdos é considerada uma única e a mesma atividade. Por conseguinte, para efeitos da aplicação das disposições relativas ao IVA, considera-se que o custo da atividade de radiodifusão no seu todo corresponde ao custo das operações tributadas, como são os serviços de emissão de comunicações comerciais pagas (28).

48.      No caso dos operadores públicos de radiodifusão a situação é mais complicada. Com efeito, em primeiro lugar, são normalmente financiados em parte por fundos públicos (sob a forma de uma taxa de subscrição ou de uma subvenção), pelo que, segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça (29) e a minha proposta de resposta à primeira questão prejudicial, a sua atividade nessa parte não é tributável. Em segundo lugar, mesmo quando as suas atividades são tributáveis está, em princípio, isenta por força do artigo 132.°, n.° 1, alínea q), da Diretiva 2006/112, com exceção das atividades de caráter comercial. A questão que se coloca é, portanto, a de saber se a emissão de programas diferentes das comunicações comerciais pagas, na medida em que é financiada por rendimento gerado por essas emissões, deve ser qualificada de atividade comercial dos operadores públicos de radiodifusão.

 Regras relativas aos auxílios de Estado

49.      O ato que, no sistema do direito da União, rege pormenorizadamente a questão da delimitação entre as atividades de interesse geral e as atividades comerciais dos operadores públicos de radiodifusão é a Comunicação da Comissão relativa à aplicação das regras em matéria de auxílios estatais ao serviço público de radiodifusão (30) (a seguir «Comunicação da Comissão»). A sua leitura mostra que, segundo a Comissão, devem ser consideradas atividades comerciais, principalmente, a emissão de comunicações comerciais a título oneroso, a atividade de comércio eletrónico e os serviços semelhantes (31), bem como os serviços pelos quais o organismo de radiodifusão cobra uma taxa aos telespetadores Em contrapartida, a emissão gratuita de outros conteúdos constitui, ou de algum modo pode constituir, uma atividade de interesse geral (32).

50.      Caso esses critérios fossem aplicados com base no artigo 132.°, n.° 1, alínea q), da Diretiva 2006/112, isso significaria que só a emissão de conteúdos comerciais a título oneroso constitui uma atividade tributável, ao passo que qualquer outra atividade de emissão não seria tributável ou estaria isenta enquanto atividade de interesse geral.

51.      Todavia, há que ter em conta o facto de a Comunicação da Comissão não prosseguir os mesmos objetivos da Diretiva 2006/112, nomeadamente do seu artigo 132.°, n.° 1, alínea q). Esta comunicação tem por objetivo, por um lado, assegurar a liberdade dos Estados-Membros na definição da chamada missão dos organismos públicos de radiodifusão (33) e, por outro, evitar comportamentos anticoncorrenciais, como a sobrecompensação dos custos do cumprimento dessa missão e a subvenção cruzada das atividades comerciais (34). Por sua vez, o financiamento dessa missão com as receitas da atividade comercial não é problemático. À luz destes objetivos, é razoável restringir o âmbito das atividades consideradas comerciais.

52.      Em contrapartida, o objetivo do artigo 132.°, n.º 1, alínea q), da Diretiva 2006/112, é, por um lado, reduzir os custos das atividades de interesse geral isentando-as de IVA e, por outro, evitar as distorções da concorrência que poderiam resultar da isenção da atividade desenvolvida em condições de concorrência com os operadores privados de radiodifusão. Para atingir esses objetivos, não é necessário restringir o conceito de atividade de «caráter comercial» dos organismos públicos de radiodifusão como na Comunicação da Comissão. De facto, do ponto de vista das regras da concorrência, basta que a atividade destes organismos seja tributada no que respeita aos serviços que prestam a título oneroso, a saber, o serviço de radiodifusão de comunicações comerciais. Com efeito, isto garante que esses operadores têm nesse mercado as mesmas condições que os operadores de radiodifusão privados. Em contrapartida, qualificar a radiodifusão de outros conteúdos, quando é financiada por receitas provenientes de emissões comerciais a título oneroso, como não tributável ou isenta, em nada contribui para a realização dos objetivos do artigo 132.°, n.° 1, alínea q), da Diretiva 2006/112. Pelo contrário, pode contribuir para o aumento dos custos dessa atividade, uma vez que essa qualificação teria por único efeito privar os operadores públicos de radiodifusão do direito à dedução do imposto pago ou devido a montante por bens e serviços utilizados para efeitos dessa atividade.

53.      Por conseguinte, considero que os critérios de delimitação da atividade dos operadores públicos de radiodifusão exercida no interesse geral e das suas atividades comerciais, adotados na Comunicação da Comissão, não devem ser transpostos para o âmbito de aplicação do artigo 132.°, n.° 1, alínea q), da Diretiva 2006/112.

 Interpretação proposta pela BNT

54.      Nas suas observações, a BNT apresenta um ponto de vista interessante quanto a esta questão da delimitação. Se bem percebi a sua posição, considera atividade comercial a emissão todos os conteúdos que, segundo ela, atraem audiências e permitem também vender tempo de antena para a publicidade. Trata-se, antes de mais, da difusão de acontecimentos desportivos, filmes estrangeiros ou programas de entretenimento. Nesta base, a BNT deduziu integralmente, durante o período em causa no processo principal, o IVA pago e devido sobre os elementos constitutivos do custo de emissão desses programas. Em contrapartida, na opinião da BNT, a emissão de outros tipos de programas é efetuada no âmbito da sua missão de serviço público e, enquanto tal, não está sujeita a IVA.

55.      Todavia, esta posição está, em minha opinião, incorreta por duas razões.

56.      Por um lado, a divisão das emissões que a BNT fez, entre as que geram receitas publicitárias e as que não as geram, parece-me arbitrária, e que não corresponde necessariamente à realidade. É fácil indicar as categorias de emissões que, par excellence, cumprem os critérios da missão de serviço público e reúnem, ao mesmo tempo, habitualmente um grande número de telespetadores, sendo um excelente «veículo» de publicidade, como por exemplo os programas de informação. Em contrapartida, as categorias de emissões que a BNT classifica de comerciais podem perfeitamente estar abrangidas pela atividade dos operadores públicos de radiodifusão desenvolvida no interesse geral. Este interesse está afinal associado «às necessidades de natureza democrática, social e cultural d[a] […]sociedade (35), abrangendo estas necessidades também domínios como os filmes, o desporto ou o entretenimento.

57.      Em segundo lugar, o método preconizado pela BNT para a classificação das suas prestações de serviços não tem em conta o elemento em que assenta o sistema do IVA e que é a relação entre os bens e os serviços que o sujeito passivo adquire para efeitos da sua atividade e a entrega de bens ou a prestação de serviços tributável que efetua no âmbito dessa atividade. Por outras palavras, para que os bens e os serviços adquiridos a montante pelo sujeito passivo possam ser considerados utilizados para efeitos da sua atividade, o custo da sua aquisição deve, em princípio, fazer parte dos elementos constitutivos do preço das operações tributadas efetuadas a jusante por esse sujeito passivo (36).

 Proposta de decisão

58.      No que respeita aos custos de aquisição de bens ou de serviços que não são diretamente utilizados para efeito de operações tributadas, como é o caso de emissões transmitidas a título gratuito que apenas têm uma ligação indireta com a prestação de serviços de radiodifusão de emissões comerciais pagas (37), esse objetivo pode ser atingido de duas maneiras. O primeiro consiste na afetação estrita de certas receitas da atividade tributada à aquisição de determinados bens ou serviços que servem para a difusão de programas gratuitos, por exemplo, a aquisição de direitos de emissão de filmes ou de transmissão de competições desportivas. Todavia, como alegam com razão as autoridades fiscais no processo principal, isso implica a manutenção de uma contabilidade separada que permita estabelecer a relação entre as receitas e as despesas.

59.      A segunda forma consiste em calcular o pro rata em que a atividade do operador de radiodifusão é financiada por subvenções do orçamento do Estado (ou por uma taxa de subscrição) e o pro rata em que o é por rendimentos provenientes de operações tributáveis. Este segundo cálculo, após dedução de eventuais rendimentos provenientes de operações isentas nos termos do artigo 132.°, n.° 1, alínea q), da Diretiva 2006/112, refletirá a parte da atividade comercial do operador público de radiodifusão em todas as suas atividades. Os custos suportados pelo operador público de radiodifusão podem então ser imputados nessa proporção às atividades, sem que seja necessário atribuir de forma rigorosa os custos à atividade comercial ou à atividade de interesse público (38).

60.      Por conseguinte, considero que se deve entender que o conceito de atividades de «caráter comercial» dos operadores públicos de radiodifusão, na aceção do artigo 132.°, n.° 1, alínea q), da Diretiva 2006/112, abrange não só as prestações de serviços efetuadas a título oneroso, em sentido estrito, como a radiodifusão de emissões comerciais, mas também as prestações de serviços relativamente às quais os destinatários dos serviços não pagam, nomeadamente a radiodifusão de programas disponíveis gratuitamente, na medida em que sejam financiadas por receitas provenientes da primeira categoria de prestações de serviços.

61.      Considero que esta posição coincide com a do Governo espanhol e da Comissão, expressas nas suas observações no presente processo (39). Sou de opinião que esta posição também é apoiada pelas Orientações do Comité do IVA que resultam da 52.ª reunião, que decorreu em 28 e 29 de maio de 1997 (40). Os Estados-Membros consideraram aí «quase unanimemente» que as únicas atividades dos operadores públicos de radiodifusão que não são atividades comerciais são as de difusão de programas financiados por fundos públicos (isto é, a partir de uma taxa de subscrição ou de uma subvenção). Logicamente, a emissão de programas, na medida em que seja financiada por receitas provenientes de atividades comerciais, deve ser incluída nas atividades comerciais.

62.      Face ao exposto, proponho, por conseguinte, que se responda à segunda questão que o artigo 132.°, n.° 1, alínea q), da Diretiva 2006/112, deve ser interpretado no sentido de que o conceito de atividades de «caráter comercial» dos organismos públicos de rádio e televisão, na aceção desta disposição, abrange as operações efetuadas a título oneroso e que não constituem atividades de interesse geral, bem como os serviços prestados a título gratuito, na medida em que sejam financiadas com as receitas dessas operações a título oneroso.

 Quanto às terceira e quarta questões

63.      Com a terceira e quarta questões prejudiciais, que proponho examinar em conjunto, o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber, em substância, qual o alcance do direito do operador público de radiodifusão de deduzir o imposto devido ou pago sobre os bens e os serviços adquiridos por este último para as necessidades da sua atividade, quando essa atividade é financiada tanto por subvenções do orçamento de Estado como por receitas provenientes de atividades comerciais.

64.      Nas Conclusões no processo Český rozhlas (41) analisei esta questão em pormenor, tratando-se aí de um radiodifusor público financiado por uma taxa de subscrição. Todavia, essa problemática extravasava o âmbito das questões prejudiciais submetidas nesse processo e não foi resolvida pelo Tribunal de Justiça no seu acórdão. Na minha opinião, as conclusões que ali apresentei são transponíveis para o processo em apreço. À luz deste processo, gostaria de acrescentar as seguintes observações.

 Regras de dedução do imposto para atividades mistas

65.      Segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, as operações efetuadas por um sujeito passivo que não estão sujeitas a IVA, por exemplo, porque não são efetuadas a título oneroso na aceção do artigo 2.°, n.° 1, da Diretiva 2006/112, não conferem direito à dedução do imposto devido ou pago em relação aos bens e serviços adquiridos para efeitos dessas operações. Trata-se da mesma regra vigente para as operações isentas (42).

66.      Este princípio é fácil de aplicar aos bens e serviços adquiridos por um sujeito passivo unicamente para efeitos das suas operações não sujeitas a tributação – o sujeito passivo não adquire o direito à dedução do imposto pago sobre esses bens e serviços.

67.      A dificuldade coloca-se em relação aos bens e serviços que o sujeito passivo utiliza simultaneamente para as suas operações tributadas e para as operações isentas e não tributáveis. Nessa situação, o direito à dedução é conferido ao sujeito passivo de modo proporcional à parte dos bens e dos serviços que adquiriu nas suas operações tributadas.

68.      Embora, no que respeita às operações isentas de IVA, os artigos 173.° a 175.° da Diretiva 2006/112 contenham regras de cálculo detalhadas sobre esse pro rata, estas disposições não se aplicam, no entanto, às operações não sujeitas a este imposto. Nestas condições, compete ao direito nacional dos Estados-Membros definir as regras do seu cálculo, no respeito da economia e dos objetivos do sistema comum do IVA. Estas regras devem permitir uma tomada em conta objetiva da parte correspondente dos custos nas operações tributadas e não tributadas (43).

 Aplicação aos operadores públicos de radiodifusão

69.      No que respeita ao presente processo, como resulta da resposta que proponho dar à primeira questão prejudicial, um operador público de radiodifusão não realiza operações sujeitas a IVA, quando as suas atividades são financiadas por subvenções do orçamento geral do Estado. Esta atividade não lhe confere, portanto, direito à dedução do imposto pago pelos bens e serviços utilizados para os fins dessa atividade.

70.      Em contrapartida, como resulta da minha proposta de resposta à segunda questão prejudicial, na medida em que a atividade de um operador de serviço público de radiodifusão é financiada pelas receitas provenientes da emissão de comunicações comerciais pagas e de outras operações tributáveis, esta atividade constitui a sua atividade comercial na aceção do artigo 132.°, n.° 1, alínea q), da Diretiva 2006/112. Esta atividade deve, no seu conjunto, ser considerada uma atividade realizada a título oneroso e que confere, portanto, direito à dedução do imposto pago ou devido sobre os bens e os serviços utilizados para essa atividade.

71.      Daqui resulta que um operador público de radiodifusão cuja atividade é financiada tanto por subvenções do orçamento de Estado e de eventuais operações isentas, como por receitas provenientes de operações tributáveis, tem o direito de deduzir o imposto devido ou pago sobre os bens e os serviços utilizados para os fins dessa atividade, na medida em que a sua atividade seja financiada por estas últimas receitas.

72.      Como já referi, a Diretiva 2006/112 não define as regras de cálculo do pro rata dos custos das atividades não tributáveis. Tal compete, portanto, ao direito nacional dos Estados-Membros. Assim sendo, partilho da opinião da Comissão, expressa na sua resposta à questão do Tribunal de Justiça, segundo a qual os Estados-Membros podem, mas não têm de, aplicar por analogia as regras fixadas nos artigos 173.° a 175.° desta diretiva às operações tributáveis e às operações isentas.

73.      A adoção da definição de atividade comercial dos operadores públicos de radiodifusão que proponho permitirá, nomeadamente, aplicar o método principal de cálculo deste pro rata, conforme definido no artigo 174.°, n.° 1, da Diretiva 2006/112. Segundo este método, o direito à dedução do IVA devido ou pago a montante é conferido proporcionalmente ao volume de negócios obtido com as operações tributadas em relação à totalidade do volume de negócios do sujeito passivo. Ao aplicar este método aos operadores públicos de radiodifusão financiados tanto por subvenções do orçamento de Estado como por operações efetuadas a título oneroso, há que incluir no numerador da ração o volume de negócios relativo a essas operações, e no denominador o volume de negócios e o montante das subvenções. Em seguida, se o operador de radiodifusão efetua operações a título oneroso mas isentas de IVA, ao abrigo do artigo 132.°, n.° 1, alínea q), da Diretiva 2006/112, há que aplicar ao pro rata assim obtido a regra contida nos artigos 173.° a 175.° desta diretiva para obter o pro rata definitivo em que este organismo dispõe do direito à dedução do IVA pago ou devido a montante.

74.      Os Estados-Membros podem, obviamente, adotar outras regras de cálculo deste pro rata desde que satisfaçam os critérios enunciados no n.° 68 das presentes conclusões.

75.      Tendo em conta o que precede, proponho, então, que se responda à terceira e quarta questões prejudicais que o artigo 168.° da Diretiva 2006/112 deve ser interpretado no sentido de que um operador público de radiodifusão cuja atividade é financiada tanto por subvenções do orçamento de Estado como por receitas provenientes de operações sujeitas a IVA tem o direito de deduzir o IVA devido ou pago em relação aos bens e serviços utilizados para os fins dessa atividade, na medida em que a sua atividade seja financiada por receitas provenientes de operações tributadas.

 Conclusões

76.      Tendo em conta todas as considerações precedentes, proponho que se responda do seguinte modo às questões prejudiciais submetidas pelo Administrativen sad Sofia-grad (Tribunal Administrativo de Sófia, Bulgária):

1)      O artigo 2.°, n.° 1, alínea c), da Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro de 2006, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado, deve ser interpretado no sentido de que a prestação de serviços de comunicação audiovisuais pelo operador público de televisão, na medida em que é financiada pelo Estado através de subvenções, não constitui uma prestação de serviços efetuada a título oneroso na aceção desta disposição.

2)      O artigo 132.°, n.° 1, alínea q), da Diretiva 2006/112, deve ser interpretado no sentido de que o conceito de atividades de «caráter comercial» dos organismos públicos de rádio e televisão, na aceção desta disposição, abrange as operações efetuadas a título oneroso e que não constituem atividades de interesse geral, bem como os serviços prestados a título gratuito, na medida em que sejam financiadas com as receitas dessas operações a título oneroso.

3)      O artigo 168.° da Diretiva 2006/112 deve ser interpretado no sentido de que um operador público de radiodifusão cuja atividade é financiada tanto por subvenções do orçamento de Estado como por receitas provenientes de operações sujeitas a IVA tem o direito de deduzir o IVA devido ou pago em relação aos bens e serviços utilizados para os fins dessa atividade, na medida em que a sua atividade seja financiada por receitas provenientes de operações tributadas.


1      Língua original: polaco.


2      V.: Ch.E. Berg, A.B. Lund, « Financing Public Service Broadcasting – A Comparative Perspective », Journal of Media Business, n.° 9/2012, p. 7; Ch.M. Bron, «Le financement et le contrôle des offres des radiodiffuseurs de service public», em: Observatoire européen de l’audiovisuel, IRIS Plus 2010-4. Médias de service public: pas de contenu sans financement, Strasbourg 2010, p. 7.


3      Acórdão de 22 de junho de 2016, Český rozhlas (C-11/15, EU:C:2016:470, dispositivo).


4      JO 2006, L 347, p. 1.


5      Esta disposição não foi transposta expressamente para o direito búlgaro, no entanto o Varhoven administrativen sad (Supremo Tribunal Administrativo) considerou que tinha efeito direto. Quanto a este último aspeto, este órgão jurisdicional tem, na minha opinião, razão, uma vez que o artigo 25.° da Diretiva 2006/112 é parte da definição de serviço na aceção desta diretiva e não exige, enquanto tal, uma transposição separada para o direito nacional. Em contrapartida, não se aplica às atividades da BNT financiadas por subvenções do orçamento de Estado, como refiro mais à frente (v. n.os 33 a 37 das presentes conclusões).


6      Acórdão de 27 de março de 2014, C-151/13, EU:C:2014:185.


7      Acórdão de 22 de junho de 2016, C-11/15, EU:C:2016:470.


8      Acórdão de 22 de junho de 2016, C-11/15, EU:C:2016:470.


9      Acórdão de 22 de junho de 2016, C-11/15, EU:C:2016:470.


10      Sexta Diretiva do Conselho, de 17 de maio de 1977, relativa à harmonização das legislações dos Estados-Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios – sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado: matéria coletável uniforme (JO 1977, L 145, p. 1). Atualmente, no que toca à prestação de serviços, artigo 2.°, n.° 1, alínea c), da Diretiva 2006/112.


11      Acórdão de 22 de junho de 2016, Český rozhlas (C-11/15, EU:C:2016:470, n.° 21).


12      Acórdão de 22 de junho de 2016, Český rozhlas (C-11/15, EU:C:2016:470, n.° 22).


13      Acórdão de 22 de junho de 2016, Český rozhlas (C-11/15, EU:C:2016:470, n.os 23 a 27).


14      Acórdão de 22 de junho de 2016, Český rozhlas (C-11/15, EU:C:2016:470, n.os 29 a 30).


15      Acórdão de 27 de março de 2014, C-151/13, EU:C:2014:185.


16      Acórdão de 22 de junho de 2016, Český rozhlas (C-11/15, EU:C:2016:470, n.os 34 e 35).


17      Acórdão de 22 de junho de 2016, Český rozhlas (C-11/15, EU:C:2016:470, dispositivo).


18      Por uma questão de exaustividade, sobre a relação do operador público de radiodifusão com o Estado, v. as minhas Conclusões no processo Český rozhlas (C-11/15, EU:C:2016:181, n.os 30 a 35).


19      V. Acórdão de 22 de junho de 2016, Český rozhlas (C-11/15, EU:C:2016:470, n.° 21 e jurisprudência aí referida).


20      Acórdão de 27 de março de 2014, C-151/13, EU:C:2014:185.


21      Todavia, neste caso, esses serviços poderiam ser isentos de IVA nos termos do artigo 132.°, n.º 1, alínea q), da Diretiva 2006/112.


22      Na medida em que, sendo esse o caso, o legislador da União utilizaria a expressão «os Estados-Membros podem assimilar a», como no artigo 27.° da Diretiva 2006/112, ou outra semelhante.


23      O artigo 132.° da Diretiva 2006/112 figura no capítulo 2 do título IX desta diretiva, intitulado «Isenções em benefício de certas atividades de interesse geral».


24      Acórdão de 22 de junho de 2016, Český rozhlas (C-11/15, EU:C:2016:470).


25      Nas presentes conclusões, focar-me-ei na atividade principal dos operadores públicos de radiodifusão, que é também o objeto das questões prejudiciais, a saber, a emissão de programas. Estes operadores podem efetuar outras operações, como a venda de direitos de propriedade intelectual, serviços de locação de equipamento, organização de eventos culturais, etc. Estas operações são, por norma, efetuadas a título oneroso e enquadram-se, salvo em casos excecionais, na atividade comercial dos operadores públicos de radiodifusão, ou seja, estão sujeitas a tributação. No entanto, vou deixá-las de parte no seguimento da minha exposição, na medida em que não criam dificuldades de interpretação como a atividade do operador de radiodifusão.


26      Acórdão de 22 de junho de 2016, C-11/15, EU:C:2016:470.


27      V. artigo 1.°, n.° 1, alínea h), da Diretiva do Parlamento Europeu e do Conselho, de 10 de março de 2010, relativa à coordenação de certas disposições legislativas, regulamentares e administrativas dos Estados-Membros respeitantes à oferta de serviços de comunicação social audiovisual (Diretiva «Serviços de Comunicação Social Audiovisual») (JO 2010, L 95, p. 1).


28      Quanto a esta questão, v. também as minhas Conclusões no processo Český rozhlas (C-11/15, EU:C:2016:181, n.° 53).


29      Acórdão de 22 de junho de 2016, Český rozhlas (C-11/15, EU:C:2016:470).


30      JO 2009, C 257, p. 1.


31      V., nomeadamente, n.os 48, 49 e 57 da Comunicação da Comissão.


32      V., nomeadamente, n.° 65 da Comunicação da Comissão.


33      V., nomeadamente, n.° 47 da Comunicação da Comissão.


34      V., nomeadamente, n.os 70 a 76 da Comunicação da Comissão.


35      Protocolo (n.° 29) relativo ao serviço público de radiodifusão nos Estados-Membros, anexo aos Tratados UE e FUE.


36      V., por último, Acórdão de 12 de novembro de 2020, Sonaecom (C-42/19, EU:C:2020:913, n.os 41 e 42).


37      Esta ligação reside no facto de, por um lado, esses programas atraírem o público graças ao qual a difusão das comunicações comerciais faz sentido e, por outro, a sua difusão ser financiada por rendimentos gerados com a emissão das referidas comunicações comerciais.


38      À laia de esclarecimento, acrescento que a Comunicação da Comissão proíbe, em princípio, que o financiamento público dos organismos públicos de radiodifusão gere lucro (v. n.os 72 a 74 desta Comunicação). Por conseguinte, embora a aplicação das regras relativas ao IVA deva igualmente respeitar as regras relativas aos auxílios de Estado, qualquer excedente de receitas nas despesas, fora do âmbito autorizado por essa comunicação, deve ser imputado às atividades comerciais.


39      Devo, no entanto, sublinhar que não partilho da posição da Comissão segundo a qual, quando a atividade do organismo de radiodifusão é financiada, no todo ou em parte, por receitas provenientes das comunicações comerciais, a difusão das emissões é de natureza acessória à emissão dessas comunicações comerciais e os únicos destinatários dos serviços desse organismo são os anunciantes. Na minha opinião, trata-se antes de uma situação em que os serviços prestados aos telespetadores ou aos ouvintes (radiodifusão) são financiados pelo público de outros serviços, a saber, os serviços de emissão de comunicações comerciais. Isso em nada altera a qualificação dessas prestações de serviços do ponto de vista do IVA.


40      Documento XXI/1500/96.


41      Conclusões no processo C-11/15, EU:C:2016:181, n.os 44 a 63.


42      V., por último, Acórdão de 8 de maio de 2019, Związek Gmin Zagłębia Miedziowego (C-566/17, EU:C:2019:390, n.os 26 e 27).


43      V., por último, Acórdão de 8 de maio de 2019, Związek Gmin Zagłębia Miedziowego (C-566/17, EU:C:2019:390, n.os 28 e 29).