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Edição provisória

CONCLUSÕES DO ADVOGADO-GERAL

ATHANASIOS RANTOS

apresentadas em 20 de maio de 2021 (1)

Processo C-299/20

Icade Promotion SAS, anteriormente Icade Promotion Logement SAS

contra

Ministère de l'Action et des Comptes publics

[pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Conseil d’État (Conselho de Estado, em formação jurisdicional, França)]

«Reenvio prejudicial — Sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado (IVA) — Diretiva 2006/112/CE — Regime de tributação da margem — Âmbito de aplicação — Entregas de imóveis e de terrenos para construção adquiridos para fins de revenda — Sujeito passivo que não teve direito à dedução no momento da aquisição dos imóveis — Revenda sujeita a IVA — Conceito de “terrenos para construção”»






I.      Introdução

1.        O presente pedido de decisão prejudicial inscreve-se no âmbito de um litígio que opõe a sociedade Icade Promotion SAS (a seguir «recorrente») à Administração Fiscal francesa [e mais precisamente ao ministère de l’Action et des Comptes publics (Ministério da Ação e das Contas Públicas)] a propósito da restituição do imposto sobre o valor acrescentado (IVA) relativo à venda de terrenos para construção a particulares, durante os anos de 2007 e 2008, pago pela recorrente.

2.        Este pedido tem por objeto a interpretação do artigo 392.° da Diretiva 2006/112/CE (2) (a seguir «Diretiva IVA»), que estabelece um regime de tributação da margem por derrogação ao regime comum, que prevê uma tributação sobre o preço de venda.

3.        Com as suas questões, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o regime derrogatório de tributação da margem previsto no artigo 392.° da Diretiva IVA se aplica a determinadas operações relativas a terrenos, nas quais o sujeito passivo não teve direito a dedução no momento da aquisição dos mesmos, quando estes são revendidos, após divisão em lotes e após obras de urbanização, como terrenos para construção.

4.        O presente processo suscita uma problemática inédita que levará o Tribunal de Justiça a precisar as condições de aplicação do regime de tributação da margem numa situação muito particular, através da interpretação dos termos chave do artigo 392.° da Diretiva IVA.

II.    Quadro jurídico

A.      Direito da União

1.      Diretiva IVA

5.        O artigo 9.°, n.° 1, da Diretiva IVA enuncia:

«Entende-se por “sujeito passivo” qualquer pessoa que exerça, de modo independente e em qualquer lugar, uma atividade económica, seja qual for o fim ou o resultado dessa atividade.

Entende-se por “atividade económica” qualquer atividade de produção, de comercialização ou de prestação de serviços, incluindo as atividades extrativas, agrícolas e as das profissões liberais ou equiparadas. É em especial considerada atividade económica a exploração de um bem corpóreo ou incorpóreo com o fim de auferir receitas com caráter de permanência.

[...]»

6.        O artigo 12.° desta diretiva prevê:

«1.      Os Estados-Membros podem considerar sujeito passivo qualquer pessoa que realize, a título ocasional, uma operação relacionada com as atividades referidas no segundo parágrafo do n.° 1 do artigo 9.° e, designadamente, uma das seguintes operações:

a)      Entrega de um edifício ou de parte de um edifício e do terreno da sua implantação, efetuada antes da primeira ocupação;

b)      Entrega de um terreno para construção.

2.      Para efeitos da alínea a) do n.° 1, entende-se por “edifício” qualquer construção incorporada no solo.

Os Estados-Membros podem estabelecer as regras de aplicação do critério referido na alínea a) do n.° 1 às transformações de imóveis e, bem assim, à noção de terreno da sua implantação.

Os Estados-Membros podem aplicar outros critérios para além do critério da primeira ocupação, tais como o do prazo decorrido entre a data de conclusão do imóvel e a da primeira entrega, ou o do prazo decorrido entre a data da primeira ocupação e a da entrega posterior, desde que tais prazos não ultrapassem, respetivamente, cinco e dois anos.

3.      Para efeitos da alínea b) do n.° 1, entende-se por “terrenos para construção” os terrenos, urbanizados ou não, definidos como tal pelos Estados-Membros.»

7.        Nos termos do artigo 73.° da referida diretiva:

«Nas entregas de bens e às prestações de serviços, que não sejam as referidas nos artigos 74.° a 77.°, o valor tributável compreende tudo o que constitui a contraprestação que o fornecedor ou o prestador tenha recebido ou deva receber em relação a essas operações, do adquirente, do destinatário ou de um terceiro, incluindo as subvenções diretamente relacionadas com o preço de tais operações.»

8.        O artigo 135.° da mesma diretiva dispõe:

«1.      Os Estados-Membros isentam as seguintes operações:

[...]

j)      As entregas de edifícios ou de partes de edifícios e do terreno da sua implantação, que não sejam as referidas na alínea a) do n.° 1 do artigo 12.°;

k)      As entregas de bens imóveis não edificados, que não sejam as entregas de terrenos para construção referidas na alínea b) do n.° 1 do artigo 12.°;

[...]»

9.        O artigo 137.°, n.° 1, da Diretiva IVA enuncia:

«Os Estados-Membros podem conceder aos seus sujeitos passivos o direito de optar pela tributação das seguintes operações:

[...]

b)      As entregas de edifícios ou de partes de edifícios e do terreno da sua implantação, que não sejam as referidas na alínea a) do n.° 1 do artigo 12.°;

c)      As entregas de bens imóveis não edificados, que não sejam as entregas de terrenos para construção referidas na alínea b) do n.° 1 do artigo 12.°;

[...]»

10.      No título XIII desta diretiva, intitulado «Derrogações», o capítulo 1, intitulado «Derrogações aplicáveis até à introdução do regime definitivo», inclui o artigo 392.°, que dispõe:

«Os Estados-Membros podem estabelecer que, relativamente às entregas de edifícios e de terrenos para construção adquiridos para fins de revenda por um sujeito passivo que não tenha tido direito à dedução no momento da aquisição, o valor tributável é constituído pela diferença entre o preço de venda e o preço de compra.»

2.      Regulamento de Execução (UE) n.° 1042/2013

11.      O Regulamento de Execução (UE) n.° 1042/2013 do Conselho, de 7 de outubro de 2013, que altera o Regulamento de Execução (UE) n.° 282/2011 no que diz respeito ao lugar das prestações de serviços (3) (a seguir «regulamento de execução»), previu a inclusão de um artigo 13.°-B no texto deste último regulamento, que enuncia:

«Para a aplicação da Diretiva [IVA], consideram-se “bens imóveis”:

[...]

b)      Qualquer edifício ou construção fixado ao solo ou no solo, acima ou abaixo do nível do mar, que não possa ser facilmente desmantelado ou deslocado;

[...]»

12.      O artigo 31.°-A do regulamento de execução dispõe:

«1.      Os serviços relacionados com bens imóveis a que se refere o artigo 47.° da Diretiva [IVA] incluem apenas os serviços que tenham uma relação suficientemente direta com esses bens. Considera-se que os serviços têm uma relação suficientemente direta com bens imóveis nos seguintes casos:

a)      Quando derivam de um bem imóvel e esse bem é um elemento constitutivo do serviço e constitui um elemento central e essencial para a prestação dos serviços;

b)      Quando são prestados ou destinados a um bem imóvel e têm por objeto a alteração jurídica ou material desse bem.

2.      O n.° 1 abrange, em especial, o seguinte:

[...]

d)      A construção de estruturas permanentes num terreno, bem como as obras de construção e demolição efetuadas em estruturas permanentes, como condutas de gás, de água, de esgotos e afins;

[...]»

B.      Direito francês

13.      O artigo 257.° do code général des impôts (Código Geral dos Impostos), na sua versão aplicável ao litígio no processo principal, enuncia:

«Estão também sujeitas ao imposto sobre o valor acrescentado:

[...]

6.°       Sem prejuízo do ponto 7.°:

a)      As operações que incidem sobre imóveis [...] e cujos resultados devem ser incluídos na matéria coletável do imposto sobre o rendimento a título de benefícios industriais e comerciais;

[...]

7.°      As operações que contribuem para a construção ou para a entrega de imóveis.

Essas operações são tributáveis mesmo quando revestem natureza civil.

1.      São referidos, nomeadamente:

a)      As vendas [...] de terrenos para construção [...];

São referidos nomeadamente pelo primeiro parágrafo os terrenos relativamente aos quais, no prazo de quatro anos a contar da data do ato que constata a operação, o adquirente […] obtém a licença de construção ou de obras, ou inicia as obras necessárias para construir um imóvel ou um conjunto de imóveis ou para construir novas habitações com aumento de pisos.

Estas disposições não são aplicáveis aos terrenos adquiridos por pessoas singulares para a construção de imóveis que essas pessoas afetem a habitação.

[...]

b)      As vendas de imóveis [...]»

14.      O artigo 268.° do code général des impôts (Código Geral dos Impostos) dispõe:

«Quanto às operações referidas no ponto 6.° do artigo 257.°, o valor tributável para o imposto sobre o valor acrescentado é constituído pela diferença entre:

a)      Por um lado, o preço declarado acrescido dos encargos, ou o valor venal do bem se for superior ao preço acrescido dos encargos;

b)      Por outro lado, [...]

–        [...] as quantias que o cedente pagou, a qualquer título, pela aquisição do bem;

[...]»

15.      O artigo 231.°, n.° 1, do anexo II do code général des impôts (Código Geral dos Impostos), cujas disposições foram reproduzidas, com efeitos a partir de 1 de janeiro de 2008, no artigo 206.°, IV, n.° 2, ponto 9.°, desse anexo, prevê:

«As pessoas designadas no [ponto 6.°] do artigo 257.° do code général des impôts (Código Geral dos Impostos) não podem deduzir o imposto que incidiu sobre o preço de aquisição ou de construção dos imóveis [...]»

III. Matéria de facto e tramitação no processo principal

16.      No âmbito da sua atividade na área dos loteamentos, a recorrente adquiriu terrenos não urbanizados a pessoas que não são sujeitos passivos de IVA (particulares ou órgãos de poder local) (4). Estas aquisições não foram, portanto, sujeitas a IVA.

17.      Numa primeira fase, após ter dividido esses terrenos em lotes e procedido a obras de instalação de diversas redes (arruamentos, água potável, eletricidade, gás, saneamento, telecomunicações), a recorrente vendeu os lotes com essas infraestruturas a pessoas singulares durante os anos de 2007 e 2008, como terrenos para construção, com vista à construção de imóveis destinados a habitação. A recorrente sujeitou as cedências de terrenos para construção, celebradas no período compreendido entre 1 de janeiro de 2007 e 31 de dezembro de 2008, ao regime do IVA sobre a margem a título das disposições então previstas no ponto 6.° do artigo 257.° e no artigo 268.° do code général des impôts (Código Geral dos Impostos).

18.      Numa segunda fase, a recorrente reclamou à Administração Fiscal a restituição desse IVA sobre a margem, que ascendeu a 2 826 814 euros relativamente ao ano de 2007 e a 2 369 881 euros relativamente ao ano de 2008. A este respeito, a recorrente contestou a posição da Administração Fiscal segundo a qual a cedência desses terrenos devia estar sujeita ao regime do IVA sobre a margem. Com efeito, a recorrente tinha interesse em ser abrangida pelo regime comum do IVA sobre o preço de venda, uma vez que, em conformidade com a regulamentação nacional em vigor à data dos factos no processo principal, as cedências de terrenos para construção a pessoas singulares para fins de construção de imóveis para habitação estavam isentas de IVA. Em contrapartida, esta mesma regulamentação proibia a dedução do IVA que onerava as aquisições de bens imóveis cuja revenda era abrangida pelo IVA baseado na margem.

19.      Tendo a sua reclamação sido indeferida pela Administração Fiscal, a recorrente interpôs recurso no tribunal administratif de Montreuil (Tribunal Administrativo de Montreuil, França), que foi julgado improcedente por Sentença de 27 de abril de 2012.

20.      Por Acórdão de 18 de julho de 2014, a cour administrative d’appel de Versailles (Tribunal Administrativo de Recurso de Versalhes, França) negou, pela primeira vez, provimento ao recurso interposto pela recorrente.

21.      Todavia, esse acórdão foi parcialmente anulado pelo Conseil d’État (Conselho de Estado, em formação jurisdicional, França) em 28 de dezembro de 2016 e o processo foi remetido para a cour administrative d’appel de Versailles (Tribunal Administrativo de Recurso de Versalhes) que, num segundo Acórdão, de 19 de outubro de 2017, negou provimento ao recurso interposto pela recorrente.

22.      Esta última interpôs então recurso de cassação deste segundo acórdão no Conseil d’État (Conselho de Estado, em formação jurisdicional).

23.      A recorrente sustenta que tinha realizado aquisições de terrenos não edificados que não são abrangidos pelo âmbito de aplicação do IVA, com o objetivo de os revender sem aí edificar construções, em seguida tinha dividido os terrenos adquiridos em lotes e realizado obras de instalação de diversas redes que servem esses lotes, antes de os vender a pessoas singulares, como terrenos para construção, com vista à construção de imóveis destinados a habitação.

24.      Para contestar a aplicação do regime do IVA sobre a margem às vendas assim realizadas ao abrigo das disposições conjugadas do artigo 257.°, ponto 6.° e do artigo 268.° do code général des impôts (Código Geral dos Impostos), a recorrente alega que esta aplicação não está em conformidade com o artigo 392.° da Diretiva IVA, em dois aspetos.

25.      Em primeiro lugar, segundo a recorrente, o artigo 392.° dessa diretiva só autoriza os Estados-Membros a sujeitarem as entregas de terrenos para construção a um regime de tributação da margem quando o sujeito passivo que realiza essas entregas tiver suportado o IVA aquando da aquisição dos terrenos, sendo privado do direito de efetuar a dedução.

26.      Todavia, a cour administrative d’appel de Versailles (Tribunal Administrativo de Recurso de Versalhes) declarou que a inexistência de «direito à dedução» aquando da aquisição prevista no artigo 392.° da Diretiva IVA abrange unicamente os casos em que a aquisição não foi sujeita a IVA.

27.      Em segundo lugar, de acordo com a recorrente, o artigo 392.° da Diretiva TVA só autoriza os Estados-Membros a sujeitarem as entregas de terrenos para construção a um regime de tributação da margem quando o sujeito passivo que realiza tais entregas se limita a comprar e a revender esses terrenos no mesmo estado. Assim, o artigo 392.° desta diretiva não é aplicável às operações de venda de terrenos para construção que foram objeto de transformações após a sua aquisição.

28.      A este respeito, a cour administrative d’appel de Versailles (Tribunal Administrativo de Recurso de Versalhes, França) declarou que a referência, no artigo 392.° da referida diretiva, a entregas de terrenos para construção «adquiridos para fins de revenda» não tem por objeto nem por efeito excluir as aquisições de terrenos não edificados seguidos de revenda como terrenos para construção.

IV.    Questões prejudiciais

29.      Nestas circunstâncias, o Conseil d’État (Conselho de Estado, em formação jurisdicional, França) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1) Deve o artigo 392.° da Diretiva [TVA] ser interpretado no sentido de que reserva a aplicação do regime de tributação sobre a margem a operações de entrega de imóveis cuja aquisição foi sujeita ao [IVA] sem que o sujeito passivo que os revende tenha tido o direito de efetuar a dedução desse imposto? Ou permite aplicar esse regime a operações de entrega de imóveis cuja aquisição não foi sujeita a esse imposto, seja porque essa aquisição não se enquadra no âmbito de aplicação deste, seja porque, enquadrando-se no seu âmbito de aplicação, está isenta dele?

2) Deve o artigo 392.° da Diretiva [TVA] ser interpretado no sentido de que exclui a aplicação do regime de tributação sobre a margem a operações de entrega de terrenos para construção nas duas seguintes hipóteses:

–        quando esses terrenos, adquiridos ainda não edificados, passaram, entre o momento da sua aquisição e o da sua revenda pelo sujeito passivo, a terrenos para construção;

–        quando esse terrenos foram objeto, entre o momento da sua aquisição e o da sua revenda pelo sujeito passivo, de alterações das suas características, como a sua divisão em lotes ou a realização de trabalhos que permitem o seu acesso a diversas redes (arruamentos, água potável, eletricidade, gás, saneamento, telecomunicações)?»

30.      As partes no processo principal propõem que se responda à primeira questão prejudicial nos seguintes termos:

–        A recorrente propõe ao Tribunal de Justiça que declare que a aplicação do artigo 392.° da Diretiva IVA está reservada aos casos em que o sujeito passivo revendedor suportou o IVA não recuperável aquando da sua aquisição. A recorrente alega que, à luz do requisito previsto no artigo 392.° desta diretiva, segundo o qual o regime do IVA sobre a margem pressupõe que o sujeito passivo «não tenha tido direito à dedução no momento da aquisição», este regime de tributação dos bens imóveis só é aplicável na hipótese de o sujeito passivo revendedor ter suportado IVA aquando da aquisição, sem o poder deduzir. Em contrapartida, a aplicação do referido regime deve ser excluída quando a aquisição foi sujeita a IVA que o sujeito passivo revendedor pôde deduzir ou então quando a aquisição não foi sujeita a IVA.

–        Segundo o Governo francês, o artigo 392.° da Diretiva IVA deve ser interpretado no sentido de que permite a aplicação do regime de tributação da margem a operações de entrega de terrenos para construção quer quando a sua aquisição foi sujeita a IVA, sem que o sujeito passivo que os revenda tenha tido direito a deduzir esse imposto, quer quando a sua aquisição não foi sujeita a IVA, quer porque essa operação não estava abrangida pelo seu âmbito de aplicação, quer porque, apesar de estar abrangida pelo seu âmbito de aplicação, dele estava isenta.

31.      No que respeita à primeira subquestão da segunda questão prejudicial, as partes no processo principal propõem que se responda do seguinte modo:

–        A recorrente sustenta que, para que o regime do IVA sobre a margem seja aplicável, importa que a aquisição realizada pelo sujeito passivo revendedor diga respeito a um terreno já qualificado de terreno para construção pela legislação fiscal no momento da sua compra.

–        Segundo o Governo francês, o artigo 392.° da Diretiva IVA deve ser interpretado no sentido de que permite a aplicação do regime de tributação da margem a operações de entrega de terrenos para construção quando esses terrenos tenham sido adquiridos não edificados pelo sujeito passivo revendedor.

32.      Quanto à segunda subquestão da segunda questão prejudicial, as partes no processo principal propõem que se responda do seguinte modo:

–        A recorrente não vê qualquer obstáculo à aplicação do regime do IVA sobre a margem no caso de uma divisão em lotes de um terreno para construção que não seja acompanhado da obtenção da licença de construção ou de obras, ou ainda da realização de obras de urbanização do terreno pelo vendedor. Em contrapartida, considera que a aplicação do IVA sobre a margem deve ser excluída em caso de realização de obras que permitam que o terreno seja servido por diversas redes (arruamentos, água potável, eletricidade, gás, saneamento, telecomunicações) na medida em que essas obras são consideradas construções, devido à sua incorporação no solo.

–        Segundo o Governo francês, o artigo 392.° da Diretiva IVA deve ser interpretado no sentido de que permite a aplicação do regime de tributação da margem a operações de entrega de terrenos para construção quando esses terrenos foram objeto, entre o momento da sua aquisição e o da sua revenda pelo sujeito passivo, de alterações às suas características, como a sua divisão em lotes ou a realização de obras de urbanização, que permitem que seja servido pelos arruamentos e as redes diversas.

33.      A Comissão Europeia, que propôs uma resposta comum às duas questões submetidas pelo órgão jurisdicional de reenvio, considera que o regime derrogatório de tributação da margem previsto no artigo 392.° da Diretiva IVA não se aplica à revenda de um terreno, adquirido sem IVA, que foi dividido em lotes e para os quais foram realizadas obras que permitem que sejam servidos por diversas redes (arruamentos, água potável, eletricidade, gás, saneamento, telecomunicações).

V.      Análise

A.      Observações preliminares

34.      A título preliminar, importa observar que o Tribunal de Justiça ainda não teve oportunidade de se pronunciar sobre a interpretação do artigo 392.° da Diretiva IVA.

35.      Verifica-se igualmente que, segundo as informações fornecidas pela Comissão, só a República Francesa recorreu às disposições do artigo 392.° da Diretiva IVA e exerceu a faculdade de prever um regime derrogatório de tributação da margem, uma vez que os outros Estados-Membros não optaram por esse regime de tributação.

36.      Com as suas questões, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta se o regime derrogatório de tributação da margem previsto no artigo 392.° da Diretiva IVA se aplica a certas operações relativas a terrenos, relativamente às quais o sujeito passivo não tenha tido direito à dedução no momento da sua aquisição, quando esses terrenos são revendidos, após divisão em lotes e após obras de urbanização, como terrenos para construção.

37.      Compete, portanto, ao Tribunal de Justiça interpretar, por um lado, o conceito de «direito à dedução no momento da aquisição» e, por outro, o de bens «adquiridos para fins de revenda», na aceção do artigo 392.° da Diretiva IVA.

38.      Antes de proceder à análise mais aprofundada dos termos chave desta disposição, afigura-se-me importante indicar previamente que, em minha opinião, o litígio relativo à transação imobiliária que deu origem ao pedido de decisão prejudicial no presente processo não está abrangido pelo âmbito de aplicação do artigo 392.° da Diretiva IVA. Com efeito, a aquisição de um terreno não edificado, que não está sujeita a IVA, seguida (da realização de obras e) da sua revenda como terreno para construção situa-se fora do âmbito de aplicação do regime derrogatório da tributação sobre a margem. Assim, este último parece referir-se unicamente a alguns casos específicos de terrenos para construção e edifícios adquiridos para fins de revenda, relativamente aos quais foi pago IVA a montante sem ter sido em seguida deduzido, contrariamente aos terrenos não edificados que são expressamente isentos desse imposto ao abrigo da Diretiva IVA.

39.      A análise que se segue visa apoiar a precedente observação, dedicando-se a uma interpretação literal, contextual e teleológica do artigo 392.° da Diretiva IVA, a fim de permitir ao Tribunal de Justiça dar uma resposta útil ao órgão jurisdicional de reenvio.

B.      Quanto à primeira questão prejudicial

40.      Com a sua primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 392.° da Diretiva IVA deve ser interpretado no sentido de que permite a aplicação do regime de tributação da margem a operações de entrega de terrenos para construção quer quando a sua aquisição foi sujeita a IVA, sem que o sujeito passivo que os revenda tenha tido o direito de deduzir esse imposto, quer quando a sua aquisição não foi sujeita a IVA, seja porque esta operação não estava abrangida pelo âmbito de aplicação do mesmo, quer porque ainda que abrangida por este último dele estava isenta.

1.      Quanto à interpretação literal dos termos «direito à dedução no momento da aquisição»

41.      A recorrente alega que o regime de tributação da margem dos bens imóveis só é aplicável na hipótese de o sujeito passivo revendedor ter suportado o IVA no momento da aquisição, sem o poder deduzir. Em contrapartida, segundo a recorrente, a aplicação deste regime deve ser excluída quando essa aquisição foi sujeita ao IVA que o sujeito passivo revendedor pôde deduzir ou então quando a referida aquisição não foi onerada com IVA.

42.      A interpretação da recorrente apoia-se, em especial, na versão em língua inglesa do artigo 392.° da Diretiva IVA, que refere especificamente «a não dedutibilidade do IVA» (5) na compra, para concluir que este artigo apenas visa as situações em que o adquirente suportou de facto esse imposto inicialmente, sem poder deduzi-lo em seguida.

43.      Por seu turno, o Governo francês considera que se deve apoiar na interpretação literal da versão em língua francesa do artigo 392.° da Diretiva IVA, que não faz qualquer referência ao IVA que onera a cedência de terrenos destinados à revenda. Daqui decorre, segundo esse governo, que a formulação utilizada na versão em língua francesa («droit à déduction à l’occasion de l’acquisition») pode, com efeito, englobar tanto uma situação em que a cedência não estava sujeita a este imposto (daí a inexistência de direito à dedução) como uma situação em que, pelo contrário, a venda inicial estava sujeita a IVA, mas em que o sujeito passivo estava privado do direito de efetuar a dedução.

44.      Uma leitura das diferentes versões linguísticas do artigo 392.° da Diretiva IVA revela, com efeito, divergências quanto aos termos utilizados, de modo que podem suscitar questões de interpretação. Com efeito, a versão em língua francesa dessa disposição refere-se unicamente à inexistência de «direito à dedução» sem precisar se a inexistência desse direito se deve simplesmente ao facto de a transação inicial não estar sujeita a IVA ou de estar sujeita sem no entanto dar posteriormente direito à dedução (6). Todavia, a versão em língua inglesa da referida disposição refere-se especificamente ao «IVA sobre a aquisição» (ou «suportado aquando da aquisição») precisando que este «não era dedutível» («the VAT on the purchase was not deductible»), deixando assim poucas dúvidas em relação ao facto de a cedência de tais terreno dever, em princípio, ser sujeita a IVA (7).

45.      Tendo em conta as divergências observadas nas diferentes versões linguísticas do artigo 392.° da Diretiva IVA, há que recordar que, segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, a formulação utilizada numa das versões linguísticas de uma disposição do direito da União não pode servir de base única à interpretação dessa disposição nem lhe pode ser atribuído caráter prioritário em relação às outras versões linguísticas (8).

46.      Importa igualmente recordar que, em caso de disparidade entre as diferentes versões linguísticas de um diploma da União, a disposição em causa deve ser interpretada em função da economia geral e da finalidade da regulamentação de que constitui um elemento (9).

2.      Quanto à interpretação contextual dos termos «direito à dedução no momento da aquisição»

47.      Segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, a génese de uma disposição do direito da União pode revestir elementos pertinentes para a sua interpretação (10). Importa, por conseguinte, que nos debrucemos sobre o contexto existente à época da adoção da Diretiva IVA para examinar a questão de saber se existem elementos que permitam clarificar o seu conteúdo e facilitar a sua interpretação.

48.      A este respeito, a Comissão sustenta que, em conformidade com a interpretação que deu ao artigo 392.° da Diretiva IVA durante o ano de 1992, o regime do IVA sobre a margem deve aplicar-se a terrenos cuja aquisição foi feita sem IVA.

49.      Mais precisamente, a Comissão sublinha que, no seu relatório dirigido ao Conselho da União Europeia (11) relativo às disposições transitórias, quanto à derrogação prevista no artigo 28.°, n.° 3, alínea f), da Sexta Diretiva 77/388/CEE (12), precisou que «[e]ste artigo permite aos Estados-Membros considerarem, como matéria coletável para o [IVA], a diferença entre o preço de compra e o preço de venda de edifícios ou de terrenos para construção adquiridos para fins de revenda por um sujeito passivo que não teve direito à dedução no momento da aquisição. A derrogação diz respeito, pois, aos sujeitos passivos que comercializam edifícios que não foram construídos recentemente ou terrenos cuja compra não estava incluída no âmbito de aplicação do [IVA]».

50.      Segundo a Comissão, esta interpretação corresponde igualmente à lógica apresentada na exposição de motivos da Sexta Diretiva IVA, que foi revogada pela Diretiva IVA, segundo a qual uma matéria coletável reduzida pode ser aplicada no caso de um bem que já tenha suportado o IVA a título definitivo (por exemplo, um imóvel de habitação, bem «consumido» em resultado da sua primeira ocupação) ser posteriormente reintroduzido no «circuito comercial» e estar novamente sujeito a IVA. Assim, para ter em conta esta nova comercialização do imóvel que implicaria uma carga fiscal demasiado pesada sobre o comércio imobiliário, teria sido necessário afastar-se da tributação segundo os princípios gerais e prever a possibilidade de os Estados-Membros determinarem a matéria coletável do IVA através da dedução «base sobre base» (13).

51.       Apesar do facto de a interpretação contextual do artigo 392.° da Diretiva IVA parecer, com efeito, revelar as intenções do legislador da União no que respeita ao âmbito de aplicação do regime derrogatório da tributação sobre a margem, considero que, ao limitar a minha análise apenas a esta interpretação, correria o risco de dar uma resposta parcial e incompleta à questão prejudicial submetida. Assim, sou da opinião de que o regime derrogatório da tributação sobre a margem não deve aplicar-se unicamente à situação considerada pela Comissão com base na interpretação contextual, ou seja, à compra seguida de revenda de um terreno para construção adquirido sem IVA por um sujeito passivo que comercializa esse bem, mas deve igualmente aplicar-se no caso de o sujeito passivo revendedor ter suportado o IVA aquando da aquisição, sem poder deduzi-lo. A interpretação teleológica dos termos «direito à dedução no momento da aquisição» que vou agora abordar confirma esta posição, ao mesmo tempo que permite dar uma resposta completa ao órgão jurisdicional de reenvio.

3.      Quanto à interpretação teleológica dos termos «direito à dedução no momento da aquisição»

a)      Tributação da margem como regime derrogatório do regime comum de tributação das cedências dos «terrenos para construção» com base no seu preço de venda

52.      Antes de proceder à análise detalhada dos objetivos da Diretiva IVA e do seu artigo 392.°, afigura-se-me necessário estabelecer a aplicabilidade desta diretiva a terrenos como os que estão em causa no presente processo.

53.      Em primeiro lugar, importa recordar que o regime do IVA sobre a margem previsto no artigo 392.° da Diretiva IVA constitui um regime derrogatório do princípio estabelecido no artigo 73.° desta diretiva, segundo o qual o IVA é calculado com base na prestação recebida, ou seja, o preço de venda.

54.      Assim, a entrega de um terreno para construção efetuada por um sujeito passivo está sujeita ao IVA, em princípio, segundo o regime comum, por força dos artigos 9.°, n.° 1, e 12.°, n.° 1, da Diretiva IVA, ou, em derrogação, para os Estados-Membros que tenham previsto essa possibilidade, segundo o regime de tributação da margem previsto no artigo 392.° desta diretiva.

55.      Esta última disposição dá aos Estados-Membros a possibilidade de prever um regime de tributação da margem (e não do preço de venda à semelhança do regime comum) no qual o valor tributável é constituído pela diferença entre o preço de venda e o preço de compra.

56.      Tratando-se de uma derrogação ao princípio geral da Diretiva IVA segundo o qual o IVA deve, em princípio, ser cobrado sobre o preço praticado entre as partes, há que interpretar o artigo 392.° desta diretiva de forma estrita, sem no entanto esvaziar esta disposição da sua substância (14).

57.      Em segundo lugar, importa também sublinhar que a Diretiva IVA estabelece uma distinção clara entre, por um lado, as entregas de terrenos para construção que (à semelhança dos imóveis), estão abrangidas pelo regime comum e estão sujeitas ao IVA e, por outro, as entregas de terrenos não edificados, que estão isentas deste imposto (15).

58.      Assim, nos termos do artigo 12.°, n.° 3, da Diretiva IVA, entende-se por «terrenos para construção», para efeitos do n.° 1, alínea b), deste artigo, os terrenos, urbanizados ou não, definidos como tal pelos Estados-Membros. Estes últimos, ao definir os terrenos que devem ser considerados «terrenos para construção», são obrigados a respeitar o objetivo prosseguido pelo artigo 135.°, n.° 1, alínea k), desta diretiva, que visa isentar de IVA unicamente as entregas de terrenos não edificados que não se destinem a suportar um edifício (16).

59.      A margem de apreciação dos Estados-Membros na definição do conceito de «terreno para construção» é igualmente limitada pelo alcance do conceito de «edifício», definido de maneira muito ampla pelo legislador da União no artigo 12.°, n.° 2, primeiro parágrafo, da Diretiva IVA como incluindo «qualquer construção incorporada no solo» (17).

60.      Tendo em conta o que precede, considero que a vontade do legislador da União era reservar a isenção fiscal unicamente à cedência de terrenos não edificados e de sujeitar qualquer entrega de terrenos para construção efetuada a título oneroso por um sujeito passivo ao IVA, quer sobre o preço de venda em conformidade com o regime comum quer sobre a margem em conformidade com o regime derrogatório.

b)      Quanto à interpretação dos termos «direito a dedução» à luz do objetivo de neutralidade fiscal prosseguido pela Diretiva IVA

61.      Tanto o Governo francês como a recorrente salientam que a Diretiva IVA tem nomeadamente por finalidade garantir o princípio da neutralidade fiscal e que o artigo 392.° desta diretiva deve ser interpretado à luz deste princípio. No entanto, as partes em causa parecem retirar uma interpretação diferente do referido princípio.

62.      Antes de mais, importa recordar que, segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça, o princípio da neutralidade fiscal opõe-se, por um lado, a que entregas de bens semelhantes, que se encontrem em concorrência entre si, sejam tratadas de modo diferente do ponto de vista do IVA e, por outro, a que os operadores económicos que efetuem as mesmas operações sejam tratados diferentemente em matéria de cobrança do IVA (18).

63.      Segundo a recorrente, a sujeição ao IVA sobre a margem é uma aplicação do princípio da neutralidade do IVA, destinada a compensar o remanescente do IVA não dedutível. Assim, esta derrogação justifica-se para evitar uma dupla tributação, ou seja, uma obrigação fiscal sobre um preço que inclui o IVA suportado na aquisição do terreno que o sujeito passivo revendedor não pôde deduzir. A fim de atenuar este remanescente de IVA e de não basear o IVA no preço de venda que inclui o IVA não deduzido na aquisição do terreno, o artigo 392.° da Diretiva IVA permite tributar apenas a margem, a saber, a diferença entre o preço de venda e o preço de compra, sendo assim deduzido da margem o IVA não recuperado aquando da aquisição, a fim de restabelecer a neutralidade do imposto. Assim, a recorrente considera que a tributação calculada sobre a totalidade do preço de venda obtido por uma empresa na entrega de um terreno, quando, no momento da sua aquisição, não pôde deduzir o IVA que continua incorporado no preço de compra, implicaria uma dupla tributação.

64.      Pelo contrário, nada justifica, segundo a recorrente, à luz do objetivo atribuído ao regime do IVA sobre a margem, que este se aplique à venda de um terreno cuja aquisição não foi sujeita a IVA ou, sendo caso disso, quando o IVA foi recuperado. A ser assim, o sujeito passivo revendedor beneficiaria, segundo a recorrente, de uma vantagem financeira e concorrencial injustificada, em detrimento das finanças públicas.

65.      Por seu turno, o Governo francês sustenta que a interpretação proposta pela recorrente viola, por um lado, o princípio da neutralidade fiscal, e, por outro, as características essenciais do IVA (19). Com efeito, a aplicação dessas características essenciais conduz, para assegurar a neutralidade do IVA, a prever regimes especiais para certos bens específicos que, depois de terem sido objeto de um primeiro consumo final, são reintegrados num processo económico de produção ou de distribuição com vista a serem objeto de um segundo consumo final.

66.      O Governo francês sustenta que, em tais situações, uma tributação sobre o preço de venda total na sequência deste primeiro consumo conduziria, na impossibilidade de dedução, a incluir na matéria coletável não apenas um preço já onerado com uma carga de IVA definitiva mas também o montante dessa carga em si mesma. Isso teria também como consequência que a carga definitiva de IVA dependeria do circuito económico, nomeadamente do número de consumos finais sucessivos e dos preços então pagos, em violação do objetivo de neutralidade prosseguido.

67.      Esta interpretação é igualmente retomada pela Comissão, que se baseia na exposição de motivos da Sexta Diretiva IVA referida nos n.os 48 a 50 das presentes conclusões.

68.      É assim possível, a meu ver, deduzir das intenções do legislador da União que a matéria coletável reduzida prevista pelo regime do IVA sobre a margem se destina a ser aplicada, antes de mais, no caso de um bem cuja aquisição não estava abrangida pelo âmbito de aplicação do IVA (por exemplo, os imóveis de habitação, bens «consumidos» em resultado da sua primeira ocupação) ser posteriormente reintroduzido no «circuito comercial» e estar novamente sujeito a IVA.

69.      Saliento também que tal interpretação é conforme com a jurisprudência do Tribunal de Justiça em matéria de fiscalidade de bens em segunda mão, que estão sujeitos a um regime análogo ao que está em causa no processo principal. Assim, o Tribunal de Justiça declarou que a tributação, sobre a totalidade do seu preço, da entrega de um bem em segunda mão por um sujeito passivo revendedor, quando o preço a que este último adquiriu esse bem inclui uma quantia de IVA paga a montante por uma pessoa que não pôde deduzi-lo (como o sujeito passivo revendedor), implica, com efeito, uma dupla tributação (20).

70.      Tal interpretação permite também assegurar a aplicação do princípio da neutralidade fiscal em conformidade com a jurisprudência do Tribunal de Justiça, garantindo simultaneamente que entregas de bens semelhantes, que se encontram em concorrência entre si, não sejam tratadas de maneira diferente do ponto de vista do IVA, e que os operadores económicos, que efetuem as mesmas operações, não sejam tratados diferentemente em matéria de cobrança do IVA (21).

71.      Assim, por um lado, nem todas as aquisições de terrenos para construção por um sujeito passivo para fins de revenda, na aceção do artigo 392.° da Diretiva IVA, estão necessariamente sujeitas ao IVA. A aquisição de um terreno para construção não está, por exemplo, sujeita ao IVA quando o seu vendedor inicial é um particular que se limita a gerir o seu património privado, ou seja, a exercer o seu direito de propriedade, sem que essa cedência se inscreva no âmbito da realização, pelo interessado, de qualquer atividade económica (22).

72.      Por outro lado, considerar que o artigo 392.° da Diretiva IVA deve ser interpretado unicamente no sentido de que reserva a aplicação do regime de tributação da margem apenas às entregas de terrenos para construção cuja aquisição foi sujeita ao IVA, sem que o sujeito passivo que os revende tenha tido o direito de deduzir esse imposto, e excluir, portanto, a aplicação desse regime quando essa aquisição não tenha sido sujeita ao IVA (na hipótese de uma reintegração desses terrenos num processo económico com vista a serem objeto de um segundo consumo), conduz a que as entregas de bens semelhantes, que se encontram, portanto, em concorrência entre si, e os operadores económicos que as efetuam sejam tratados de maneira diferente do ponto de vista do IVA. Com efeito, entre essas entregas de terrenos para construção semelhantes, apenas as primeiras estão sujeitas ao regime de tributação da margem, enquanto as segundas estão sujeitas ao regime comum do IVA.

73.      Observo igualmente que, apesar das analogias que o seu modo de cálculo apresenta com outros impostos sobre o rendimento imobiliário, como o imposto sobre as mais-valias imobiliárias (23), que se encontra em muitos Estados-Membros, o regime do IVA sobre a margem previsto no artigo 392.° da Diretiva IVA não condiciona a sujeição ao imposto a um período de posse preciso. Ora, considero que tal critério permitiria, por um lado, delimitar de forma clara e precisa o âmbito de aplicação deste regime derrogatório, e, por outro, assegurar uma aplicação uniforme e transparente deste último a todos os agentes económicos envolvidos nas operações visadas neste artigo.

74.      Tendo em conta o que precede afigura-se-me evidente que o regime do IVA sobre a margem é aplicável na situação preconizada pelo Governo francês e pela Comissão, em que a aquisição de um terreno para construção ou de um imóvel destinado à revenda não está sujeita ao IVA, quando o preço de aquisição pago pelo sujeito passivo revendedor incorpora, na realidade, um montante de IVA, não dedutível, que foi pago a montante pelo vendedor inicial (não sujeito passivo).

75.      De acordo com o raciocínio desenvolvido nos n.os 70 a 72 das presentes conclusões, considero que o artigo 392.° da Diretiva IVA também deve ser aplicado na situação mencionada pela recorrente, em que um sujeito passivo compra um terreno para construção sob o regime comum do IVA, sem poder, seja por que motivo for, deduzir o IVA a montante antes de revender esse terreno. No caso em apreço, a aplicação do regime do IVA sobre a margem nessa hipótese permitiria, também ela, assegurar o princípio da neutralidade fiscal, evitando uma dupla tributação.

76.      No entanto, nem a interpretação literal nem a interpretação contextual e teleológica podem justificar a aplicação deste regime derrogatório a terrenos não construídos que estão, no caso em apreço, inteiramente isentos de IVA. Assim, nem a aquisição isolada nem as aquisições sucessivas de terrenos(s) não edificados(s) podem ser sujeitas a IVA.

77.      Daqui resulta que não existe qualquer risco de dupla tributação em caso de revenda desses terrenos, mesmo na hipótese de estes se terem entretanto tornado «tributáveis» enquanto terrenos para construção. Do mesmo modo, devido à sua isenção do IVA, os terrenos não edificados não podem ser objeto de «consumo(s) final(/is)», na aceção da Diretiva IVA, pelo que a questão da sua «reintrodução» no circuito comercial não ocorre. Assim, nestas duas situações, não se coloca a hipótese de o IVA «permanecer incorporado» nesse bem devido a uma eventual tributação anterior.

78.      Tendo em conta o que precede, considero que, numa situação como a do processo principal, a venda de terrenos para construção que eram anteriormente terrenos não edificados deve estar abrangida pelo regime comum do IVA sobre o preço de venda ao abrigo dos artigos 9.°, n.° 1, e 12.°, n.° 1, da Diretiva IVA, e não pelo regime derrogatório do artigo 392.° desta diretiva.

79.      Em conclusão, parece-me que a aplicação do artigo 392.° da Diretiva IVA deve ser reservada aos edifícios e terrenos para construção adquiridos para fins de revenda nos dois casos seguintes: quando a sua aquisição foi sujeita ao IVA, sem que o sujeito passivo que os revende tenha tido o direito de deduzir esse imposto, ou quando a sua aquisição não foi sujeita ao IVA, porque essa operação não estava abrangida pelo âmbito de aplicação deste, mesmo quando o preço a que o sujeito passivo revendedor adquiriu esses bens incorpora um montante de IVA que foi pago a montante pelo vendedor inicial (não sujeito passivo).

80.      Tal interpretação permitiria garantir os objetivos e o efeito útil do artigo 392.° da Diretiva IVA, dando-lhe ao mesmo tempo uma interpretação restritiva enquanto regime derrogatório.

81.      Tendo em conta o que precede, proponho que se responda à primeira questão que o artigo 392.° da Diretiva IVA deve ser interpretado no sentido de que permite aplicar o regime de tributação da margem a operações de entrega de terrenos para construção quer quando a sua aquisição foi sujeita a IVA, sem que o sujeito passivo que os revende tenha tido o direito de deduzir esse imposto, quer quando a sua aquisição não foi sujeita ao IVA pelo facto de essa operação não estar abrangida pelo seu âmbito de aplicação, quando o preço pelo qual o sujeito passivo revendedor adquiriu esses bens incorpora um valor de IVA que foi pago a montante pelo vendedor inicial (não sujeito passivo). Todavia, esta disposição não se aplica a operações de entrega de terrenos para construção cuja aquisição inicial enquanto terrenos não edificados estava isenta do âmbito de aplicação da Diretiva IVA.

C.      Quanto à segunda questão prejudicial

82.      Com a sua segunda questão, o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber, em substância, se o artigo 392.° da Diretiva IVA deve ser interpretado no sentido de que exclui a aplicação do regime de tributação da margem a operações de entregas de terrenos para construção nas duas hipóteses seguintes:

–        quando esses terrenos, adquiridos não edificados, passaram, entre o momento da sua aquisição e o da sua revenda pelo sujeito passivo, a terrenos para construção;

–        quando esse terrenos foram objeto, entre o momento da sua aquisição e o da sua revenda pelo sujeito passivo, de alterações às suas características, como a sua divisão em lotes ou a realização de obras que permitem que sejam servidos por diversas redes (arruamentos, água potável, eletricidade, gás, saneamento, telecomunicações).

83.      Gostaria, desde já, de salientar que a análise que conduziu à proposta de resposta à primeira questão parece responder à segunda questão no seu conjunto, no sentido de que o artigo 392.° da Diretiva IVA só é aplicável quando a aquisição realizada pelo sujeito passivo revendedor diz respeito a um terreno já qualificado de terreno para construção pela legislação fiscal no momento da sua compra. Assim, o regime do IVA sobre a margem não se aplica a entregas de terrenos para construção cuja aquisição inicial como terrenos não edificados não estava abrangida pelo âmbito de aplicação da Diretiva IVA.

84.      No entanto, examinarei a questão colocada na sua totalidade, a fim de permitir ao Tribunal de Justiça dar uma resposta útil ao órgão jurisdicional de reenvio.

1.      Quanto à aplicação do artigo 392 da Diretiva IVA a «terrenos para construção» inicialmente adquiridos como «terrenos não edificados»

85.      Com a sua primeira subquestão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 392.° da Diretiva IVA deve ser interpretado no sentido de que permite a aplicação do regime de tributação da margem a operações de entrega de terrenos para construção quando esses terrenos tenham sido adquiridos não edificados pelo sujeito passivo revendedor.

86.      A este respeito, importa recordar que a Diretiva IVA estabelece uma distinção clara entre os «terrenos para construção» e os «terrenos não edificados», reservando-lhes um tratamento fiscal diferente. O regime jurídico que enquadra a venda desses terrenos foi descrito nos n.os 57 a 60 das presentes conclusões.

87.      A redação do artigo 392.° da Diretiva IVA parece reservar sem qualquer ambiguidade o regime derrogatório da tributação da margem apenas aos «terrenos para construção» quando estes são «adquiridos para fins de revenda». Esta interpretação é igualmente confirmada pela interpretação contextual e teleológica do artigo 392.° desta diretiva (24).

88.      Assim, o âmbito de aplicação desta disposição afigura-se claramente limitado a terrenos que são desde logo destinados a suportar um edifício e que já eram qualificados de «terrenos para construção» pela legislação nacional aquando da sua aquisição. Daqui resulta que os terrenos não edificados que não se destinam a suportar um edifício e estão, em princípio, isentos de IVA devem ser excluídos do âmbito de aplicação da referida disposição. Dito de outra forma, a alteração da qualificação jurídica de terrenos como os que estão em causa no processo principal parece excluir a aplicação do regime de tributação da margem, que pressupõe uma identidade jurídica entre o bem adquirido e o bem revendido.

89.      Esta interpretação é igualmente conforme com o princípio segundo o qual o artigo 392.° da Diretiva IVA, enquanto regime derrogatório, deve ser interpretado de forma estrita (25).

90.      Tendo em conta o que precede, proponho que se responda à primeira subquestão da segunda questão que o artigo 392.° da Diretiva IVA deve ser interpretado no sentido de que o regime de tributação da margem não se pode aplicar a operações de entrega de terrenos para construção quando esses terrenos foram adquiridos não edificados pelo sujeito passivo revendedor.

2.      Quanto à aplicação do artigo 392 da Diretiva IVA a terrenos para construção quando estes tenham sido objeto de alterações às suas características

91.      Com a sua segunda subquestão, o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber, em substância, se o artigo 392.° da Diretiva IVA exclui a aplicação do regime de tributação da margem a uma entrega de terrenos para construção quando esses terrenos tenham sido objeto, entre o momento da sua aquisição e o da sua revenda pelo sujeito passivo, de alterações às suas características, como a divisão em lotes ou a realização de obras de urbanização que permitam que sejam servidos por diversas redes (arruamentos, água potável, eletricidade, gás, saneamento, telecomunicações).

92.      Esta subquestão leva-me a examinar a questão de saber se os termos «adquiridos para fins de revenda» utilizados no artigo 392.° da Diretiva IVA implicam uma revenda do bem no mesmo estado, sem que aí sejam iniciadas obras de envergadura, como sustenta a Comissão, ou pelo contrário, se essas obras não obstam à aplicação desta disposição, em conformidade com a interpretação do Governo francês.

93.      Por seu turno, a recorrente considera que algumas das alterações efetuadas, como a divisão por lotes de um terreno, não impedem a aplicação do regime do IVA sobre a margem, enquanto, pelo contrário, a realização de obras maiores nesses terrenos (como as empreendidas para permitir a instalação de diversas redes) obsta à aplicação desse regime.

94.      Tendo em conta a resposta proposta à primeira subquestão da segunda questão, que consiste em excluir a aplicação do artigo 392.° da Diretiva IVA a terrenos destinados à revenda inicialmente adquiridos enquanto terrenos não edificados, considero que esta questão não apresenta interesse jurídico no presente processo.

95.      Todavia, para permitir ao Tribunal de Justiça dar uma resposta útil ao órgão jurisdicional de reenvio analisarei a hipótese de o terreno objeto da revenda não ter sido especificamente qualificado de terreno «não edificado» pela legislação nacional aquando da sua aquisição inicial, podendo, por isso, ser considerado «terreno para construção», tendo em conta as diferenças limitadas que podem existir, na prática, entre estes dois tipos de terrenos.

96.      Com efeito, tendo em conta o facto de que compete aos Estados-Membros definir os terrenos que devem ser considerados «terrenos para construção», o Governo francês parece sugerir que um terreno não urbanizado como o que foi objeto da revenda no processo principal possa eventualmente ser qualificado de «terreno para construção» desde a sua aquisição inicial.

97.      Assim, o Governo francês sustenta que, uma vez que um terreno não urbanizado é considerado um terreno para construção, segundo a definição adotada pelo Estado-Membro em causa, as transformações introduzidas para o tornar um terreno urbanizado, que permanece assim destinado a ser construído, não têm incidência na sua qualificação de «terreno para construção» enquanto essas obras de urbanização não puderem ser qualificadas de «edifícios». Segundo este governo, esta posição é confirmada pela jurisprudência do Tribunal de Justiça (26).

98.      Seguindo este raciocínio, poderia sustentar-se que as transformações eventualmente sofridas pelo terreno em causa não têm incidência na aplicação do artigo 392.° da Diretiva IVA (qualquer que seja a sua importância) enquanto este conservar a sua qualidade de «terreno para construção».

99.      Todavia, pelas razões que passo a expor, considero que tal raciocínio não pode ser acolhido.

100. Com efeito, em primeiro lugar, quero recordar que a margem de apreciação de que dispõem os Estados-Membros na definição do conceito de «terrenos para construção» é limitada pela própria Diretiva IVA (27). Considero, portanto, que o cenário apresentado pelo Governo francês é hipotético, ao mesmo tempo que observo que este incorre no risco de ser contrário às disposições da Diretiva IVA.

101. Por outro lado, acolher tal interpretação violaria não só os objetivos do regime do IVA sobre a margem mas também os princípios de base da Diretiva IVA, nomeadamente o que prevê a tributação do «valor acrescentado» criado, em particular por obras como as descritas na segunda questão prejudicial.

102. A este respeito, observo que, numa interpretação literal, os termos «adquiridos para fins de revenda» indicam uma revenda do bem no mesmo estado, sem se realizarem obras de envergadura. Parece, assim, que o regime do IVA sobre a margem visa unicamente as vendas sucessivas de bens imóveis. Ainda que certas intervenções ou obras não possam ser excluídas, não se afigura que o artigo 392.° da Diretiva IVA vise obras de grande envergadura suscetíveis não só de alterar as características comerciais do bem em causa mas também de criar um «valor acrescentado» suscetível de ser tributado na sua totalidade em conformidade com o regime comum do IVA.

103. Isso parece ser igualmente confirmado pela jurisprudência do Tribunal de Justiça segundo a qual um edifício que tenha sido objeto de uma transformação ou de obras de modernização deve estar sujeito ao regime comum do IVA pelo facto de essas operações terem gerado um valor acrescentado, à semelhança da construção inicial do mesmo (28).

104. Considero que este raciocínio deve ser aplicado por analogia ao caso em apreço. Assim, o regime de tributação da margem não deve ser aplicado em caso de transformação substancial de um bem, criadora de valor acrescentado, a qual deve estar, em princípio, sujeita ao regime comum do IVA sobre o preço de venda.

105. Em segundo lugar, a interpretação proposta pelo Governo francês parece ignorar o facto de que a natureza das obras realizadas pela recorrente incorre no risco de provocar uma alteração na qualificação jurídica dos terrenos em causa, que se tornariam «edifícios» à luz do direito da União e da jurisprudência do Tribunal de Justiça e, por isso, obstar à aplicação do regime do IVA sobre a margem.

106. A este respeito, no que respeita ao âmbito de aplicação da Diretiva IVA, o regulamento de execução qualifica de «bens imóveis» qualquer «edifício» ou «construção fixado ao solo ou no solo, acima ou abaixo do nível do mar, que não possa ser facilmente desmantelado ou deslocado», como «[a] construção de estruturas permanentes num terreno, bem como as obras de construção e demolição efetuadas em estruturas permanentes, como condutas de gás, de água, de esgotos e afins» (29).

107. Afigura-se, assim, que as construções empreendidas pela recorrente, como, por exemplo, as obras de viabilização, a preparação de uma estrada ou a instalação da ligação de diversas redes, são abrangidas pelo conceito de «edifício» devido, nomeadamente, à sua incorporação no solo.

108. Como acertadamente salientam a recorrente e a Comissão, há, portanto, uma transformação das características do terreno através das suas construções, ou mesmo o início de uma operação de construção de um novo edifício, e não uma simples operação de compra e de revenda de um terreno.

109. Tendo em conta o que precede, considero que os termos «adquiridos para fins de revenda», utilizados no artigo 392.° da Diretiva IVA, implicam a revenda do bem no estado atual sem efetuar obras de envergadura. Isto também parece estar em conformidade com o espírito do regime da tributação da margem, que é um regime derrogatório de interpretação estrita.

110. Por último, por uma questão de exaustividade, importa também examinar se a resposta que proponho a esta subquestão continuaria a ser a mesma na hipótese de, entre o momento da aquisição inicial e o da revenda, a recorrente não ter efetuado obras como as descritas na segunda questão, tendo-se limitado a dividir esses terrenos em lotes. Esta parece ser a primeira parte da segunda subquestão do órgão jurisdicional de reenvio.

111. Seguindo o raciocínio exposto nos n.os 104 a 106 das presentes conclusões, o loteamento de um terreno que não seja acompanhado nem da obtenção de licença de construção nem de obras de urbanização como as efetuadas pela recorrente, não pode alterar a qualificação jurídica dos terrenos à luz do direito da União e da jurisprudência do Tribunal de Justiça.

112. Assim, uma divisão cadastral que permite a venda de um terreno em vários lotes não deve, em princípio, ser criadora de um valor acrescentado que justifique a sujeição ao regime comum do IVA sobre o preço da venda. Além disso, na falta de obras, esse terreno não pode ser qualificado de «edifício».

113. Daqui resulta que a divisão de um terreno resultante de uma simples alteração cadastral que permite a revenda de vários lotes pode estar sujeita ao regime do IVA sobre a margem prevista no artigo 392.° da Diretiva IVA. No entanto, devo salientar que, de maneira diferente dos factos do processo principal, tal interpretação pressupõe que o terreno objeto da divisão cadastral, seguida da revenda, tenha a qualidade de «terreno para construção» desde a sua aquisição.

114. Tendo em conta o que precede, proponho que se responda à segunda subquestão da segunda questão que o regime derrogatório da tributação da margem previsto no artigo 392.° da Diretiva IVA não se aplica à revenda de um terreno, que foi objeto, entre o momento da sua aquisição e o da sua revenda, de alterações às suas características, como a realização de obras que permitem que seja servido por diversas redes (arruamentos, água potável, eletricidade, gás, saneamento, telecomunicações). Todavia, o artigo 392.° desta diretiva aplica-se na situação em que, entre o momento da aquisição inicial de um terreno para construção e o da sua revenda, as transformações sofridas por esse terreno estão limitadas à divisão do mesmo em lotes.

VI.    Conclusão

115. Tendo em conta as considerações precedentes, proponho que o Tribunal de Justiça responda às questões prejudiciais submetidas pelo Conseil d’État (Conselho de Estado, em formação jurisdicional, França) do seguinte modo:

1)      O artigo 392.° da Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro de 2006, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado, deve ser interpretado no sentido de que permite a aplicação do regime de tributação da margem a operações de entrega de terrenos para construção quer quando a sua aquisição foi sujeita a imposto sobre o valor acrescentado (IVA), sem que o sujeito passivo que os revende tenha tido o direito de deduzir esse imposto, quer quando a sua aquisição não foi sujeita ao IVA pelo facto de essa operação não estar abrangida pelo seu âmbito de aplicação, quando o preço a que o sujeito passivo revendedor adquiriu esses bens incorpora um valor de IVA que foi pago a montante pelo vendedor inicial (não sujeito passivo). Todavia, esta disposição não se aplica a operações de entrega de terrenos para construção cuja aquisição inicial enquanto terrenos não edificados estava isenta do âmbito de aplicação desta diretiva.

2)      O artigo 392.° da Diretiva 2006/112 deve ser interpretado no sentido de que o regime de tributação da margem não se pode aplicar a operações de entrega de terrenos para construção quando esses terrenos foram adquiridos não edificados pelo sujeito passivo revendedor.

O regime derrogatório da tributação da margem previsto nesse artigo 392.° não se aplica à revenda de um terreno, que foi objeto, entre o momento da sua aquisição e o da sua revenda, de alterações às suas características, como a realização de obras que permitem que seja servido por diversas redes (arruamentos, água potável, eletricidade, gás, saneamento, telecomunicações). Todavia, o referido artigo 392.° aplica-se na situação em que, entre o momento da aquisição inicial de um terreno para construção e o da sua revenda, as transformações sofridas por esse terreno estão limitadas à divisão do mesmo em lotes.


1      Língua original: francês.


2      Diretiva do Conselho, de 28 de novembro de 2006, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado (JO 2006, L 347, p. 1).


3      JO 2013, L 284, p. 1.


4      A data da aquisição inicial desses terrenos não surge nem no pedido de decisão prejudicial nem nas observações das partes no processo principal.


5      A versão inglesa do artigo 392.° da Diretiva IVA tem a seguinte redação: «Member States may provide that, in respect of the supply of buildings and building land purchased for the purpose of resale by a taxable person for whom the VAT on the purchase was not deductible, the taxable amount shall be the difference between the selling price and the purchase price» (o sublinhado é meu).


6      Esta formulação foi igualmente reproduzida noutras versões linguísticas do artigo 392.° da Diretiva IVA, incluindo as versões em língua espanhola («no haya tenido derecho a deducción»), alemã («kein Recht auf Vorsteuerabzug»), grega («δεν είχε δικαίωμα έκπτωσης κατά την αγορά»), italiana («non ha avuto diritto alla detrazione») e neerlandesa («geen recht op aftrek»).


7      Esta formulação foi reproduzida noutras versões linguísticas do artigo 392.° da Diretiva IVA, incluindo as versões em língua búlgara («за което ДДС върху покупката не подлежи на приспадане»), húngara («nem volt adólevonásra jogosult»), polaca («który nie miał prawa do odliczenia VAT przy nabyciu»), romena («care nu a fost deductibilă TVA la cumpărare») e finlandesa («ei ollut oston arvonlisäveron vähennysoikeutta»).


8      V. Acórdão de 12 de setembro de 2019, A e o. (C-347/17, EU:C:2019:720, n.° 38 e jurisprudência referida).


9      V., neste sentido, Acórdão de 8 de outubro de 2020, United Biscuits (Pensions Trustees) e United Biscuits Pension Investments (C-235/19, EU:C:2020:801, n.° 46 e jurisprudência referida).


10      V. Acórdão de 12 de dezembro de 2019, G.S. e V.G. (Ameaça para a ordem pública) (C-381/18 e C-382/18, EU:C:2019:1072, n.° 55 e jurisprudência referida).


11      Relatório relativo às disposições transitórias decorrentes do n.° 3 do artigo 28.° da Sexta Diretiva 77/388/CEE, do n.° 1 do artigo [1].° da Décima Oitava Diretiva 89/465/CEE apresentado nos termos do artigo 3.° da Décima Oitava Diretiva do Conselho, de 18 de julho de 1989 [SEC (92) 1006 final].


12      Diretiva do Conselho, de 17 de maio de 1977, relativa à harmonização das legislações dos Estados-Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios — sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado: matéria coletável uniforme (JO L 145, p. 1; EE 09 F1 p. 54, a seguir «Sexta Diretiva IVA»).


13      Proposta da Sexta Diretiva do Conselho relativa à harmonização das legislações dos Estados-Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios - sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado: matéria coletável uniforme [COM (1973) 950 final].


14      V., por analogia, Acórdãos de 29 de novembro de 2018, Mensing (C-264/17, EU:C:2018:968, n.os 22 e 23) e de 5 de setembro de 2019, Regards Photographiques (C-145/18, EU:C:2019:668, n.° 32).


15      V., neste sentido, Acórdão de 17 de janeiro de 2013, Woningstiching Maasdriel (C-543/11, EU:C:2013:20, n.° 30 e jurisprudência referida).


16      V., neste sentido, Acórdãos de 17 de janeiro de 2013, Woningstiching Maasdriel (C-543/11, EU:C:2013:20, n.° 30) e de 4 de setembro de 2019, KPC Herning (C-71/18, EU:C:2019:660, n.° 53).


17      V. Acórdão de 4 de setembro de 2019, KPC Herning (C-71/18, EU:C:2019:660, n.° 54).


18      V. Acórdão de 17 de janeiro de 2013, Woningstiching Maasdriel (C-543/11, EU:C:2013:20, n.° 31 e jurisprudência referida).


19      As características essenciais do IVA são, como recorda o Governo francês, em primeiro lugar, a aplicação geral do IVA às transações que tenham por objeto bens ou serviços, em segundo lugar, a fixação do seu montante proporcionalmente ao preço recebido pelo sujeito passivo em contrapartida dos bens e serviços que presta, em terceiro lugar, a cobrança desse imposto em cada fase do processo de produção e de distribuição, incluindo a da venda a retalho, qualquer que seja o número de transações ocorridas anteriormente, e, em quarto lugar, a dedução do IVA devido por um sujeito passivo dos montantes pagos nas fases anteriores do processo de produção e de distribuição, de modo que este imposto só se aplique, numa dada fase, ao valor acrescentado nessa fase e que a carga final desse imposto seja, em definitivo, suportada pelo consumidor (v. Acórdão de 12 de junho de 2019, Oro Efectivo, C-185/18, EU:C:2019:485, n.° 23).


20      V., Acórdão de 3 de março de 2011, Auto Nikolovi (C-203/10, EU:CU:2011:118, n.° 48). V., igualmente neste sentido, Acórdãos de 1 de abril de 2004, Stenholmen (C-320/02, EU:C:2004:213, n.° 25) e de 8 de dezembro de 2005, Jyske Finans (C-280/04, EU:C:2005:753, n.° 38).


21      V. n.° 62 das presentes conclusões.


22      Acórdão de 15 de setembro de 2011, Slaby e o. (C-180/10 e C-181/10, EU:C:2011:589, n.° 50).


23      V., nomeadamente, artigos 150.° U e 150.° VD do code général des impôts (Código Geral dos Impostos); artigo 90.°, ponto 10.° do code belge des impôts sur les revenus 1992 (Código belga do Imposto sobre os Rendimentos); artigo 41.°, n.° 5, do kodikas forologias isodimatos [Código do Imposto sobre o Rendimento (Grécia), N.4172/2013, Lei 4172/2013 (FEK A’ 167/23.8.2013), conforme alterada pela Lei 4254/2014 (FEK A’ 85/07.04.2014)].


24      V. n.os 47 a 81 das presentes conclusões.


25      V. n.° 56 das presentes conclusões.


26      V. Acórdão de 4 de setembro de 2019, KPC Herning (C-71/18, EU:C:2019:660, n.° 53 e jurisprudência referida).


27      V. n.os 58 e 59 das presentes conclusões.


28      V., por analogia, Acórdão de 16 de novembro de 2017, Kozuba Premium Selection (C-308/16, EU:C:2017:869, n.os 32 e 33).


29      V. artigos 13.°-B, alínea b), e 31.°-A, n.° 2, alínea d), do regulamento de execução.