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Edição provisória

CONCLUSÕES DO ADVOGADO-GERAL

ATHANASIOS RANTOS

apresentadas em 2 de fevereiro de 2023 (1)

Processo C-615/21

Napfény-Toll Kft.

contra

Nemzeti Adó- és Vámhivatal Fellebbviteli Igazgatósága

[pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Szegedi Törvényszék (Tribunal Regional de Szeged, Hungria)]

«Reenvio prejudicial – Processo de cobrança do imposto nacional – Imposto sobre o valor acrescentado (IVA) – Regulamentação nacional que prevê a suspensão do prazo de caducidade do direito de liquidar o imposto, no quadro da fiscalização judicial, sem limitação no tempo, independentemente do número de procedimentos fiscais repetidos – Princípios da segurança jurídica e da efetividade do direito da União»






 Introdução

1.        O presente pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação dos princípios da segurança jurídica e da efetividade do direito da União no âmbito da aplicação da Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro de 2006, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado (2) (a seguir «Diretiva IVA»).

2.        Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe a Napfény Toll Kft. (a seguir «recorrente») à Administração Tributária húngara a respeito de montantes de imposto sobre o valor acrescentado (IVA) que esta sociedade deduziu a título do IVA devido sobre várias aquisições de bens que conferem o direito à dedução, realizadas em junho de 2010 e entre novembro de 2010 e setembro de 2011.

 Quadro jurídico

 Direito da União

3.        O artigo 1.° do Regulamento (CE, Euratom) n.° 2988/95 do Conselho, de 18 de dezembro de 1995, relativo à proteção dos interesses financeiros das Comunidades Europeias (3), dispõe:

«1.      Para efeitos da proteção dos interesses financeiros das Comunidades Europeias, é adotada uma regulamentação geral em matéria de controlos homogéneos e de medidas e sanções administrativas relativamente a irregularidades no domínio do direito comunitário.

2.      Constitui irregularidade qualquer violação de uma disposição de direito comunitário que resulte de um ato ou omissão de um agente económico que tenha ou possa ter por efeito lesar o orçamento geral das Comunidades ou orçamentos geridos pelas Comunidades, quer pela diminuição ou supressão de receitas provenientes de recursos próprios cobradas diretamente por conta das Comunidades, quer por uma despesa indevida.»

4.        O artigo 3.° do presente regulamento prevê:

«1.      O prazo de prescrição do procedimento é de quatro anos a contar da data em que foi praticada a irregularidade referida no n.° 1 do artigo 1.° [...]

O prazo de prescrição relativo às irregularidades continuadas ou repetidas corre desde o dia em que cessou a irregularidade. [...]

A prescrição do procedimento é interrompida por qualquer ato, de que seja dado conhecimento à pessoa em causa, emanado da autoridade competente tendo em vista instruir ou instaurar procedimento por irregularidade. O prazo de prescrição corre de novo a contar de cada interrupção.

Todavia, a prescrição tem lugar o mais tardar na data em que termina um prazo igual ao dobro do prazo de prescrição sem que a autoridade competente tenha aplicado uma sanção, exceto nos casos em que o procedimento administrativo tenha sido suspenso em conformidade com o n.° 1 do artigo 6.°

2.      O prazo de execução da decisão que aplica a sanção administrativa é de três anos. Este prazo corre desde o dia em que a decisão se torna definitiva.

Os casos de interrupção e de suspensão são regidos pelas disposições pertinentes do direito nacional.

3.      Os Estados-Membros conservam a possibilidade de aplicar um prazo mais longo que os previstos respetivamente nos n.os 1 e 2.»

5.        O artigo 4.°, n.os 1 e 4, do referido regulamento enuncia:

«1.      Qualquer irregularidade tem como consequência, regra geral, a retirada da vantagem indevidamente obtida:

– através da obrigação de pagar os montantes em dívida ou de reembolsar os montantes indevidamente recebidos,

[...]

4.      As medidas previstas no presente artigo não são consideradas sanções.»

6.        Nos termos do artigo 6.°, n.° 1, do mesmo regulamento:

«Sem prejuízo das medidas e sanções administrativas comunitárias [...], a imposição das sanções pecuniárias, com multas administrativas, pode ser suspensa por decisão da autoridade competente se, pelos mesmos factos, tiver sido movido procedimento penal contra a pessoa em questão. A suspensão do procedimento administrativo suspende o prazo de prescrição previsto no artigo 3.°»

 Direito húngaro

7.        Nos termos do artigo 164.° da adózás rendjéről szóló 2003. évi XCII. törvény (Lei XCII de 2003, que institui um Código do Procedimento Tributário) (4), na versão em vigor no momento em que foi iniciada a fiscalização tributária controvertida (a seguir «antigo Código do Procedimento Tributário»):

«1.      O direito de liquidar o imposto caduca no prazo de cinco anos a contar do último dia do ano civil em que a declaração ou notificação relativa a esse imposto devia ter sido feita, ou, na falta de declaração ou notificação, do último dia do ano civil em que o imposto devia ter sido pago.

[...]

5.      No caso de fiscalização judicial da decisão da autoridade tributária, o prazo de caducidade do direito de liquidar o montante correto do imposto devido deixa de correr desde o momento em que a decisão da autoridade tributária de segundo grau se tornou definitiva até ao momento em que a decisão judicial transitou em julgado, ou, em caso de recurso judicial, até que seja proferida decisão sobre o mesmo.»

8.        O antigo Código de Procedimento Tributário foi revogado e substituído, a partir de 1 de janeiro de 2018, pelas disposições da az adóigazgatási rendtartásról szóló 2017. évi CLI. törvény (Lei CLI de 2017, que aprova o Código da Administração Tributária, a seguir «Código da Administração Tributária») (5) e da az adózás rendjéről szóló 2017. évi CL. törvény (Lei CL de 2017, que institui o Código do Procedimento Tributário, a seguir «novo Código do Procedimento Tributário») (6).

9.        O n.° 3 do artigo 203.° do novo Código do Procedimento Tributário retoma, em substância, o conteúdo do artigo 164.° do antigo Código do Procedimento Tributário. Por força desta disposição, se o sujeito passivo tiver interposto um recurso administrativo contencioso da decisão da autoridade tributária, o prazo de caducidade do direito de liquidar o montante correto do imposto devido é suspenso entre o momento em que a decisão da autoridade tributária de segundo grau se tornou definitiva até ao momento em que a decisão judicial transitou em julgado, ou, em caso de recurso judicial, até que seja proferida decisão sobre o mesmo.

10.      O artigo 203.°, n.° 7, alínea c), do novo Código do Procedimento Tributário dispõe que o prazo de caducidade do direito de liquidar o imposto é prorrogado por doze meses se, no âmbito do recurso administrativo contencioso da decisão da autoridade tributária, o órgão jurisdicional ordenar a instauração de um novo procedimento.

11.      Segundo o artigo 271.°, n.° 1, do novo Código do Procedimento Tributário, cuja redação é idêntica à do artigo 139.°, n.° 1, do Código da Administração Tributária, devem ser aplicadas as disposições dessa mesma lei, incluindo, portanto, o artigo 203.°, n.° 7, alínea c), do novo Código do Procedimento Tributário, aos procedimentos instaurados ou repetidos depois da sua entrada em vigor.

 Litígio no processo principal, questão prejudicial e tramitação do processo no Tribunal de Justiça

12.      A recorrente deduziu do IVA que devia pagar o montante deste imposto devido relativamente aos bens que esta sociedade adquiriu em junho de 2010, bem como no período compreendido entre novembro de 2010 e setembro de 2011.

13.      Em dezembro de 2011, a Nemzeti Adó – és Vámhivatal Dél-budapesti Igazgatósága (Administração Nacional Fiscal e Aduaneira – Direção Tributária e Aduaneira de Budapeste-Sul, Hungria, a seguir «Administração Tributária recorrida») ordenou, na qualidade de autoridade tributária de primeiro grau, uma fiscalização que foi notificada à recorrente em 13 de dezembro de 2011.

14.      No seguimento desta fiscalização, a Administração Tributária recorrida considerou que uma parte do IVA deduzido não deveria ter sido objeto de dedução, uma vez que uma parte das faturas apresentadas para o efeito não correspondia a qualquer operação económica efetiva, e outras faziam parte de uma fraude fiscal de que a recorrente tinha conhecimento. Consequentemente, por Decisão de 8 de outubro de 2015, a Administração Tributária recorrida exigiu à recorrente o pagamento do imposto em atraso no montante total de 144 785 000 forints húngaros (HUF) (cerca de 464 581 euros), aplicou-lhe uma coima no montante de 108 588 000 HUF (cerca de 348 433 euros) e uma penalização por mora de 46 080 000 HUF (cerca de 147 860 euros).

 Primeira decisão administrativa de segundo grau

15.      Chamada a decidir uma reclamação da recorrente, por Decisão de 11 de novembro de 2015, notificada em 14 de dezembro de 2015, a Nemzeti Adó – és Vámhivatal Közép-magyarországi Regionális Adó Főigazgatósága (Administração Nacional Tributária e Aduaneira – Direção regional de finanças da Hungria central, Hungria), antecessora da Administração Tributária recorrida, revogou, na sua qualidade de autoridade tributária de segundo grau, a decisão de primeiro grau no que respeita à penalização por mora aplicada, confirmando-a quanto ao restante. A recorrente interpôs recurso desta decisão.

16.      Por Sentença de 2 de março de 2018, que transitou em julgado nesse mesmo dia, o Fővárosi Közigazgatási és Munkaügyi Bíróság (Tribunal Administrativo e do Trabalho de Budapeste-Capital, Hungria) decretou a anulação da decisão da autoridade tributária de segundo grau e ordenou-lhe que iniciasse um novo procedimento. Na fundamentação da decisão, o referido órgão jurisdicional declarou ter constatado que aquela decisão estava ferida de uma contradição de fundamentos. Com efeito, apesar de a decisão de segundo grau conter factos diferentes dos que foram apurados na decisão de primeiro grau, esta declarava, ao mesmo tempo, que a autoridade tributária de primeiro grau tinha estabelecido corretamente os factos.

 Segunda decisão administrativa de segundo grau

17.      Por Decisão de 5 de março de 2018, notificada à recorrente em 7 de março de 2018, a Administração Tributária recorrida adotou uma segunda decisão administrativa de segundo grau, confirmando, em substância, a decisão de primeira instância. Todavia, esta decisão reduziu o montante da penalização por mora aplicada.

18.      Na sequência do recurso da recorrente, por Decisão de 5 de julho de 2018, que transitou em julgado nesse mesmo dia, o Fővárosi Közigazgatási és Munkaügyi Bíróság (Tribunal Administrativo e do Trabalho de Budapeste-Capital) anulou a segunda decisão de segundo grau e ordenou à Autoridade Tributária recorrida que iniciasse um novo procedimento. Na fundamentação da sua decisão, o referido órgão jurisdicional declarou que, por um lado, a segunda decisão de segundo grau, tomada no primeiro dia útil após a prolação da Sentença de 2 de março de 2018, reproduzia em grande parte ipsis verbis a primeira decisão de segundo grau, sem indicar em que medida alterava a constatação estabelecida pela autoridade tributária de primeiro grau. Por conseguinte, a Autoridade Tributária apenas cumpriu formalmente as obrigações que lhe tinham sido impostas pela referida decisão. Por outro lado, a segunda decisão de segundo grau continuava a conter constatações contraditórias no que respeita à veracidade das operações em causa.

19.      Chamada a pronunciar-se em sede de recurso judicial interposto pela Autoridade Tributária, por Acórdão de 30 de janeiro de 2020, a Kúria (Supremo Tribunal, Hungria) confirmou, quanto ao mérito, a Sentença de 5 de julho de 2018. Por um lado, na medida em que a fundamentação da segunda decisão de segundo grau reproduzia a da primeira decisão de segundo grau, o Fővárosi Közigazgatási és Munkaügyi Bíróság (Tribunal Administrativo e do Trabalho de Budapeste-Capital) concluiu acertadamente que a Autoridade Tributária recorrida não tinha respeitado as orientações fixadas, com trânsito em julgado, na Sentença de 2 de março de 2018. É certo que esta Autoridade Tributária apenas dispunha, como alega a recorrida, de um curto espaço de tempo antes de o direito de liquidar o imposto, e, consequentemente, o montante de IVA a pagar caducarem, mas tal circunstância não pode dispensá-la do cumprimento das suas obrigações legais. Além disso, a segunda decisão de segundo grau estava efetivamente ferida, como tinha concluído o Fővárosi Közigazgatási és Munkaügyi Bíróság (Tribunal Administrativo e do Trabalho de Budapeste-Capital), de uma contradição de fundamentos.

Terceira decisão administrativa de segundo grau

20.      Em 6 de abril de 2020, a Autoridade Tributária recorrida adotou uma nova decisão que confirmou a decisão de primeiro grau, alterando embora a penalização por mora aplicada. Para fundamentar a sua posição, a Autoridade Tributária recorrida indicou que não tinha constatado factos diferentes dos estabelecidos pela autoridade tributária de primeiro grau na sua decisão, a qual cumprira a sua obrigação de esclarecer os factos.

21.      A recorrente interpôs recurso desta terceira decisão no Szegedi Törvényszék (Tribunal Regional de Szeged, Hungria), o órgão jurisdicional de reenvio, argumentando, nomeadamente, que, por força do artigo 164.°, n.os 1 e 5, do antigo Código do Procedimento Tributário, o direito da Autoridade Tributária de liquidar os montantes de IVA a pagar caduca no prazo de cinco anos a contar do último dia do ano civil em que a declaração ou a notificação relativa a esse imposto foram feitas, ou, na falta de declaração ou de notificação, do último dia do ano civil em que o imposto devia ter sido pago. Ora, o direito da Autoridade Tributária de liquidar os montantes de IVA a pagar no que diz respeito aos períodos em causa caducou antes da data de prolação da terceira decisão de segundo grau (a saber, 6 de abril de 2020). Com efeito, a recorrente considera que a adoção repetida de decisões é contrária ao princípio da segurança jurídica que a caducidade se destina a preservar. Isto é tanto mais verdade quanto, no processo principal, o segundo procedimento repetido teve lugar porque a Autoridade Tributária não respeitou as orientações contidas na primeira decisão judicial. Por conseguinte, terá sido por falta imputável a esta última que o procedimento se estendeu por cerca de dez anos em relação ao início da fiscalização.

22.      O órgão jurisdicional de reenvio salienta que o artigo 164.°, n.° 5, do antigo Código do Procedimento Tributário não prevê um limite máximo no que respeita ao número de procedimentos repetidos a que a Administração Tributária pode dar início ou à duração total da suspensão. Ora, segundo a jurisprudência da Kúria (Supremo Tribunal), o prazo de caducidade é suspenso durante todo o decurso da fiscalização jurisdicional de uma decisão da Administração Tributária. Por conseguinte, em caso de fiscalização judicial, não há limite temporal para a suspensão do prazo de caducidade, pelo que o direito da Autoridade Tributária de liquidar os montantes de IVA a pagar poderá prolongar-se por vários anos, ou até, em casos extremos, por dezenas de anos. Por este motivo, o órgão jurisdicional de reenvio tem dúvidas quanto à compatibilidade da legislação nacional em causa e da jurisprudência relevante com os princípios da segurança jurídica e da efetividade do direito da União.

23.      Nestas circunstâncias, o Szegedi Törvényszék (Tribunal Regional de Szeged) decidiu suspender a instância e submeter à apreciação do Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial:

«Devem os princípios da segurança jurídica e da efetividade, que fazem parte [do direito da União], ser interpretados no sentido de que não se opõem a uma regulamentação de um Estado-Membro que não confere ao juiz nenhuma margem de apreciação, como a prevista no artigo 164.°, n.° 5, [do antigo Código do Procedimento Tributário), nem à prática que assenta nessa regulamentação, por força das quais, em matéria de [IVA], o prazo de caducidade do direito da Administração Tributária de liquidar o imposto é suspenso durante todo o decurso da fiscalização judicial, independentemente do número de procedimentos administrativos fiscais repetidos, sem limitação da duração acumulada das suspensões, quando se verificam várias fiscalizações jurisdicionais seguidas, incluindo no caso de o órgão jurisdicional que se pronuncia sobre uma decisão da autoridade tributária tomada no âmbito de um procedimento repetido subsequente a uma decisão judicial anterior que declara que a autoridade tributária não respeitou as orientações constantes dessa decisão judicial, ou seja, quando o novo processo judicial ocorrer por falta imputável à referida autoridade[?]»

24.      Após a apresentação do presente pedido de decisão prejudicial, o órgão jurisdicional de reenvio enviou ao Tribunal de Justiça, por carta de 3 de maio de 2022, uma cópia da decisão do Alkotmánybíróság (Tribunal Constitucional, Hungria) de 25 de janeiro de 2022, através da qual este último anulou a referência aos procedimentos repetidos constante do artigo 271.°, n.° 1, do novo Código do Procedimento Tributário, bem como uma cópia de uma segunda decisão do Alkotmánybíróság (Tribunal Constitucional) igualmente neste sentido, datada de 26 de abril de 2022.

25.      Por carta de 30 de junho de 2022, o órgão jurisdicional de reenvio foi convidado pelo Tribunal de Justiça, através de um pedido de informações, a confirmar, tendo em conta determinadas indicações fornecidas inicialmente, que, na sequência da decisão do Alkotmánybíróság (Tribunal Constitucional) de anular a referência aos procedimentos repetidos constante do artigo 271.°, n.° 1, do novo Código do Procedimento Tributário, o processo principal não está, em todo o caso, prescrito.

26.      Por carta de 7 de julho de 2022, o órgão jurisdicional de reenvio declarou, em substância, que a decisão do Alkotmánybíróság (Tribunal Constitucional) tinha unicamente por efeito a caducidade do direito da Administração Tributária de liquidar o montante do IVA a pagar relativamente ao período sobre o qual incide a fiscalização durante o ano de 2010. Todavia, no que diz respeito ao exercício fiscal de 2011, a questão da caducidade ou não da ação da Administração Tributária dependerá da resposta do Tribunal de Justiça.

27.      Foram apresentadas observações escritas pela recorrente, os Governos húngaro e espanhol e a Comissão Europeia. Estas partes apresentaram igualmente observações orais na audiência de alegações realizada em 10 de novembro de 2022.

 Análise

 Observações preliminares

28.      A título preliminar, importa salientar que o processo principal tem por objeto não a compatibilidade, enquanto tal, com o direito da União do prazo de preclusão, em que, por um lado, o sujeito passivo pode exercer o seu direito à dedução, nem do prazo, por outro lado, durante o qual a Administração Tributária pode pôr em causa as declarações efetuadas por um sujeito passivo, mas sim a compatibilidade com o direito da União da suspensão desse prazo em caso de processos judiciais, sem limite de tempo e independentemente dos motivos pelos quais tais procedimentos tiveram, de acordo com as circunstâncias, de ser repetidos.

29.      No caso em apreço, há que constatar que o presente processo se insere num contexto específico, em que foram sucessivamente instaurados, no âmbito do mesmo litígio em matéria fiscal, vários procedimentos administrativos e processos judiciais, sem que este processo tenha sido decidido de forma definitiva por razões que, segundo o órgão jurisdicional de reenvio, são imputáveis à Administração Tributária, sendo que a regulamentação fiscal em causa não prevê esta situação nem pode resolvê-la.

30.      A este respeito, o órgão jurisdicional de reenvio afirma que, de acordo com a prática do Estado-Membro em questão, quando se verificam várias fiscalizações judiciais seguidas, a duração acumulada das suspensões não é limitada, incluindo no caso de o órgão jurisdicional, que se pronuncia sobre uma decisão da Autoridade Tributária tomada no âmbito de um novo procedimento subsequente a uma decisão judicial anterior, declarar que a autoridade tributária não respeitou as orientações constantes da decisão judicial anterior e de o novo processo judicial ocorrer por falta imputável à referida autoridade.

31.      Nestas circunstâncias, o órgão jurisdicional de reenvio interroga-se sobre a compatibilidade com o direito da União da legislação e da prática húngaras em matéria de suspensão dos prazos de caducidade por um período, no essencial, ilimitado e em que medida tal legislação e prática são suscetíveis de pôr em causa os princípios da segurança jurídica e da efetividade. O órgão jurisdicional de reenvio considera ainda que o exercício do direito à dedução previsto pela Diretiva IVA poderá revelar-se excessivamente difícil, nomeadamente em casos como os do processo principal, em que a Autoridade Tributária adota decisões novas, sem respeitar as decisões anteriores proferidas pelos tribunais competentes, e tal num curto espaço de tempo na sequência de decisões que ordenaram a instauração de novos procedimentos, pelo que o prazo de caducidade do direito de liquidar o imposto pode prorrogar-se de forma significativa devido à suspensão da caducidade aquando da fiscalização judicial.

32.      Neste contexto, em que não é claro que a situação em questão possa ser imputada não apenas (e diretamente) à legislação em causa no processo principal, mas também ao comportamento, talvez a uma falha da Administração Tributária, bem como potencialmente dos órgãos jurisdicionais nacionais, considero oportuno analisar separadamente estes dois aspetos no âmbito das presentes conclusões.

 Compatibilidade da regulamentação relativa à suspensão do prazo de caducidade com o direito da União

33.      Antes de proceder à análise da compatibilidade da legislação húngara com os princípios da efetividade e da segurança jurídica do direito da União, como o órgão jurisdicional de reenvio nos convida a fazer, é necessário examinar se esta regulamentação se insere efetivamente no campo de aplicação das disposições específicas do direito da União em matéria fiscal.

 Aplicabilidade da Diretiva IVA

34.      A título preliminar, importa observar que, não obstante o facto de o presente processo se inserir no âmbito de um litígio relativo ao IVA, a questão prejudicial não diz respeito à interpretação de qualquer disposição da Diretiva IVA. Neste contexto, esta diretiva limita-se a estabelecer os requisitos materiais e formais relativos ao direito à dedução do IVA (7), sem, contudo, fixar um prazo dentro do qual os sujeitos passivos podem apresentar um pedido de reembolso do IVA (8) ou dentro do qual, uma vez estabelecida a existência de um direito ao reembolso de um determinado montante do imposto pago, tal direito pode ser reivindicado.

 Aplicabilidade do Regulamento n.° 2988/95

35.      Em primeiro lugar, é importante salientar que decorre do âmbito de aplicação do Regulamento n.° 2988/95 que este regulamento abrange qualquer «irregularidade» detetada pela administração e «[qualquer] violação de uma disposição de direito [da União] que resulte de um ato ou omissão de um agente económico» que tenha por efeito lesar o orçamento geral [da União] ou os seus recursos próprios.

36.      Ora, o Tribunal de Justiça considerou que os recursos próprios da União incluem, nomeadamente, as receitas provenientes da aplicação de uma taxa uniforme à matéria coletável harmonizada do IVA, determinada segundo as regras da União, e que existe, assim, uma relação direta entre, por um lado, a cobrança das receitas do IVA no respeito do direito da União aplicável e, por outro, a colocação à disposição do orçamento da União dos recursos IVA correspondentes, uma vez que qualquer falha na cobrança das receitas está potencialmente na origem de uma redução dos recursos próprios (9). Daqui pode deduzir-se que o prazo de caducidade dentro do qual as autoridades tributárias podem liquidar o montante correto do IVA a pagar relativamente a um período específico enquadra-se no âmbito de aplicação do Regulamento n.° 2988/95.

37.      Em segundo lugar, no que diz respeito ao prazo de prescrição, o artigo 3.°, n.° 1, do Regulamento n.° 2988/95 prevê um prazo de prescrição do procedimento de quatro anos no que se refere às «irregularidades» abrangidas por este regulamento. Em conformidade com a jurisprudência do Tribunal de Justiça, o prazo de prescrição previsto neste artigo abrange quer as irregularidades que conduzem à aplicação de uma sanção administrativa, na aceção do artigo 5.° do referido regulamento, quer [as] que são alvo de uma medida administrativa, na aceção do artigo 4.° do mesmo regulamento, medida que tem por objeto a retirada de uma vantagem indevidamente obtida, sem, no entanto, revestir caráter de sanção (10).

38.      Importa, contudo, notar que, ao adotar o Regulamento n.° 2988/95, em especial o seu artigo 3.°, n.° 1, primeiro parágrafo, o legislador da União pretendeu apenas definir um prazo mínimo a aplicar em todos os Estados-Membros. Com efeito, em conformidade com o artigo 3.°, n.° 3, deste regulamento, os Estados-Membros podem aplicar um prazo de prescrição mais longo que o prazo de quatro anos enunciado no artigo 3.°, n.° 1, do referido regulamento (11). Uma vez que esta possibilidade está implicitamente, mas necessariamente, sujeita à condição de que os prazos adotados sejam razoáveis, qualquer duração mais longa deverá, portanto, ser examinada com base nos mesmos princípios que os aplicáveis aos prazos que não são abrangidos por este regulamento (12).

39.      Em terceiro lugar, é também de realçar que, no artigo 3.°, n.° 1, primeiro parágrafo, o Regulamento n.° 2988/95 estabelece as regras relativas à contagem dos prazos. Com efeito, por um lado, o artigo 3.°, n.° 1, terceiro parágrafo, deste regulamento prevê que a prescrição do procedimento, ao qual a jurisprudência equipara amplamente toda a forma de ação por parte da administração, é interrompida por qualquer ato tendo em vista instruir ou instaurar [um] procedimento por irregularidade. Por outro lado, o artigo 3.°, n.° 1, quarto parágrafo, do referido regulamento enuncia que a prescrição tem lugar o mais tardar na data em que termina um prazo igual ao dobro do prazo de prescrição sem que a autoridade competente tenha aplicado uma sanção, tendo esta disposição sido interpretada pelo Tribunal de Justiça como impondo um limite absoluto (13), em que a única exceção expressamente reconhecida é a suspensão em caso de procedimento penal em conformidade com o n.° 1 do artigo 6.° do Regulamento n.° 2988/95. Ora, não é o que sucede no caso em apreço, como resulta tanto do pedido de decisão prejudicial como da resposta dada a este respeito pelo Governo húngaro durante a audiência.

40.      Além disso, este regulamento abrange apenas os procedimentos administrativos e nenhuma das suas disposições abrange a duração dos processos judiciais instaurados por uma parte à qual foi aplicada uma sanção administrativa, nem a suspensão do prazo de caducidade em caso de fiscalização judicial.

41.      Decorre do que foi acima exposto que, embora o Regulamento n.° 2988/95 possa ser aplicado no que respeita às regras nacionais que estabelecem o prazo de caducidade dentro do qual as autoridades tributárias podem liquidar o imposto, uma regulamentação como a que está em causa no presente processo, que prevê a suspensão do prazo de caducidade para liquidar o montante do IVA durante a totalidade do período da fiscalização judicial, está excluída do seu âmbito de aplicação.

1.      Análise da regulamentação em causa à luz dos princípios gerais do direito da União

42.      Na ausência de legislação da União nesta matéria [e uma vez que nem a Diretiva IVA, nem o Regulamento n.° 2988/95 contêm regras específicas que permitam responder à questão prejudicial colocada], cabe, segundo uma jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, à ordem jurídica interna dos Estados-Membros estabelecer as regras relativas à prescrição dos processos judiciais e à suspensão destes prazos, em conformidade com o princípio da autonomia processual dos Estados-Membros e nomeadamente os princípios da equivalência e da efetividade, sob reserva de que estes Estados exerçam as suas competências no respeito do direito da União (14).

43.      Neste contexto, embora, no texto da sua questão prejudicial, o órgão jurisdicional de reenvio se tenha referido unicamente ao princípio da segurança jurídica e ao da efetividade, tal não impede a tomada em consideração, tanto no âmbito da presente análise, como no âmbito da análise que compete ao Tribunal de Justiça realizar, de outros princípios gerais do direito da União que possam assumir relevância no contexto do presente processo.

44.      Em primeiro lugar, no que diz respeito ao princípio da equivalência, este exige que as modalidades processuais para a aplicação do direito da União previstas pela ordem jurídica interna não sejam mais restritivas do que as relativas à aplicação do direito interno com um objeto ou causa equivalente. No caso de regras de prescrição, o seu cumprimento implica que existe, para além da regra de prescrição em causa, uma regra de prescrição aplicável a situações internas que, à luz do seu objeto e dos seus elementos essenciais, podem ser consideradas equivalentes (15).

45.      Note-se, a este respeito, que não decorre nem dos factos descritos pelo órgão jurisdicional de reenvio, nem das observações escritas das partes, nem mesmo das precisões efetuadas na audiência que o regime processual previsto pelo Código do Procedimento Tributário húngaro (incluindo o regulamento em causa no processo principal) é menos favorável em matéria de prazo de caducidade que o prazo aplicável às situações internas e que este regime se aplica tanto aos recursos baseados na violação do direito da União, como aos recursos, do mesmo tipo, relativos à violação do direito interno.

46.      Em segundo lugar, no que se refere ao princípio da efetividade, este último exige que as disposições que regem os procedimentos nacionais não devem tornar impossível, na prática, ou excessivamente difícil o exercício dos direitos conferidos pela ordem jurídica da União (16).

47.      É importante começar por recordar que, no âmbito da Diretiva IVA, os Estados-Membros estão sujeitos a uma dupla obrigação. Assim, por um lado, devem assegurar que os sujeitos passivos possam efetivamente exercer o seu direito à dedução do IVA, sem serem impedidos por regras processuais ou regras substantivas que sejam incompatíveis com o direito da União e, em particular, com a Diretiva IVA. Por outro lado, os Estados-Membros devem adotar todas as medidas legislativas e administrativas necessárias para garantir a cobrança da integralidade do IVA devido no seu território e lutar contra a fraude e a evasão fiscais (17).

48.      Ora, embora, no caso em apreço, a recorrente alegue que o seu direito à dedução do IVA foi limitado, resulta da decisão de reenvio que a Autoridade Tributária constatou a existência de uma fraude fiscal e que esta apreciação não parece ter sido ainda posta em causa pelas decisões proferidas até ao presente no processo principal. A este respeito, importa observar que, segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça, um Estado-Membro pode, em princípio, suspender o reembolso do IVA até que o litígio seja resolvido definitivamente no âmbito de um procedimento administrativo ou de um processo judicial, na medida em que a recusa do direito à dedução deve satisfazer sempre a exigência de proporcionalidade (18), o que compete ao órgão jurisdicional de reenvio verificar.

49.      Em segundo lugar, a existência de um prazo de caducidade, em matéria fiscal, é tão importante para o sujeito passivo como para a Autoridade Tributária, na medida em que a fixação de prazos razoáveis se destina a proteger tanto o sujeito passivo como a Autoridade Tributária ao não impossibilitar ou não dificultar excessivamente o exercício dos direitos conferidos pela ordem jurídica da União.

50.      A este respeito, é necessário estabelecer uma distinção entre, por um lado, o prazo de preclusão em que os sujeitos passivos podem exercer o seu direito à dedução do IVA e, por outro, o prazo de prescrição dentro do qual a Autoridade Tributária pode agir (19). Assim, em alguns acórdãos, o Tribunal de Justiça admitiu que a ação da administração pode estar sujeita a prazos diferentes dos aplicáveis aos particulares (20). Por conseguinte, no que se refere ao prazo de prescrição aplicável à Autoridade Tributária, o Tribunal de Justiça já teve oportunidade de declarar que um prazo de cinco anos a contar da data em que a declaração deve, em princípio, ser efetuada era conforme com o princípio da efetividade (21).

51.      No entanto, cumpre precisar que, ainda que o presente processo destaque a problemática de uma eventual restrição do exercício do direito à dedução da recorrente, este processo não diz diretamente respeito à compatibilidade com o direito da União das regras processuais que regem o referido direito, mas sim à regulamentação nacional que rege o prazo de caducidade da ação da Autoridade Tributária.

52.      Em terceiro lugar, quanto à suspensão do prazo de caducidade durante o processo judicial, importa concluir que a existência de motivos de interrupção do prazo de caducidade destina-se precisamente a assegurar o respeito pelo princípio da efetividade, garantindo que o prazo de caducidade não terminará durante o processo judicial, apesar de os direitos conferidos pela ordem jurídica da União serem exercidos pelo sujeito passivo. Além disso, o objetivo da suspensão do prazo de caducidade durante o processo judicial consiste em permitir que a Autoridade Tributária tenha em conta o resultado da fiscalização judicial. Ora, na falta de uma tal regulamentação, o direito de recurso poderá ser objeto de abuso, uma vez que, se a caducidade ocorrer no decurso de um eventual processo judicial (cuja duração não é, em princípio, determinada de forma precisa e depende, em todo o caso, não das medidas adotadas pelas autoridades tributárias, mas sim do processo judicial), a Autoridade Tributária não poderá proceder a verificações, mesmo que a sua decisão venha a revelar-se conforme com o direito tanto a nível processual como material.

53.      Em terceiro lugar, no que diz respeito ao princípio da segurança jurídica, há que recordar que os prazos de caducidade têm, em geral, por função garantir a segurança jurídica e que, para cumprir esta função, as regras que estabelecem estes prazos devem ser fixadas antecipadamente e ser suficientemente claras e precisas a fim de garantir a previsibilidade das situações e das relações jurídicas (22). Além disso, em matéria fiscal, as regras relativas aos prazos de caducidade destinam-se a assegurar que a situação fiscal de um sujeito passivo face à Autoridade Tributária não pode ser indefinidamente suscetível de ser posta em causa (23).

54.      Ora, no caso em apreço, não se contesta que, no presente processo, as regras relativas à caducidade e à suspensão dos prazos são do conhecimento dos sujeitos passivos que sabem que o facto de invocarem as garantias de que dispõem, como o direito de interpor recurso, pode conduzir à suspensão do prazo de caducidade.

55.      Além disso, importa referir que as regras relativas à prescrição extintiva se destinam precisamente a evitar que uma situação jurídica seja indefinidamente posta em causa. Com efeito, o mecanismo da prescrição extintiva tem por objetivo não deixar os direitos indefinidamente incertos e sancionar o seu abandono pelo seu titular. No entanto, este mecanismo exige a existência de motivos de interrupção do prazo de caducidade, nomeadamente, em caso de exercício dos direitos pelos seus titulares e, mais concretamente, através das vias de recurso, sendo que esse mecanismo se baseia precisamente no facto de que os seus titulares não exercem esses direitos ou de que, se estes decidirem invocá-los, tal decisão implicará um atraso no processo. Daqui resulta que o facto de os prazos de caducidade serem suspensos sempre que um sujeito passivo exerce os seus direitos não pode, em princípio, ser considerado como um fator que põe indefinidamente em causa esses direitos, uma vez que esta suspensão está ligada ao início de um novo procedimento distinto do procedimento administrativo, nomeadamente o da fiscalização judicial que se rege por regras diferentes, incluindo no que diz respeito aos prazos aplicáveis aos seus próprios procedimentos (24).

56.      Além disso, o Tribunal de Justiça declarou que o princípio da segurança jurídica não se opõe a uma prática das autoridades tributárias nacionais que consiste em revogar, dentro do prazo legal de revogação, uma decisão pela qual reconheceram ao sujeito passivo o direito a dedução do IVA, exigindo-lhe depois, na sequência de uma nova fiscalização, o imposto acrescido de majorações (25). Embora essa prática da Autoridade Tributária no âmbito de um procedimento administrativo (e sem intervenção de uma decisão judicial) tenha sido considerada como não pondo indefinidamente em causa a situação fiscal do sujeito passivo, não há nenhuma dúvida de que o facto de a Autoridade Tributária adotar novas decisões para executar as sentenças proferidas não pode constituir, em si mesmo, uma violação do princípio da segurança jurídica.

57.      Decorre do que precede que os princípios da segurança jurídica e da efetividade não se opõem a uma regulamentação nacional segundo a qual o prazo de caducidade é suspenso durante todo o decurso do processo judicial, se o sujeito passivo exercer o seu direito de recurso, e segundo a qual o prazo de caducidade é prorrogado se a Autoridade Tributária for condenada a dar início a um novo procedimento. Caso contrário, a caducidade poderia ocorrer mesmo durante o processo judicial, incluindo nomeadamente no decurso do procedimento relativo ao reenvio prejudicial (mesmo na hipótese de a decisão da Autoridade Tributária estar perfeitamente fundamentada), o que tornaria inútil este procedimento, privaria o sujeito passivo da possibilidade de exercer o deu direito de recurso e, ademais, impediria a Administração Tributária de se pronunciar, em execução da decisão do órgão jurisdicional nacional, sobre a situação fiscal do sujeito passivo.

 Prática da administração húngara relativamente à suspensão do prazo de caducidade

58.      Das constatações efetuadas pelo órgão jurisdicional de reenvio decorre que o arrastamento do procedimento é, em parte, imputável à Autoridade Tributária, não tendo esta respeitado as indicações fornecidas na decisão judicial pertinente aquando da adoção da nova decisão. No entender deste órgão jurisdicional, o arrastamento injustificado, por uma duração impossível de prever, do procedimento tributário destinado à verificação das condições financeiras e materiais do direito à dedução teria como resultado tornar excessivamente difícil o exercício do direito à dedução (do IVA) (26).

59.      Neste contexto e apesar de o órgão jurisdicional de reenvio não ter formulado o pedido neste sentido, é necessário determinar, em primeiro lugar, a relevância do princípio da boa administração no presente processo.

60.      Com efeito, conforme o Tribunal de Justiça já determinou na sua jurisprudência, quando um Estado-Membro aplica o direito da União, as exigências que decorrem do direito a uma boa administração, que refletem um princípio geral do direito da União, concretamente, o direito de todas as pessoas a que os seus assuntos sejam tratados de forma imparcial e num prazo razoável, são aplicáveis no âmbito de um procedimento de fiscalização tributária (27). O Tribunal de Justiça salientou igualmente que este princípio da boa administração exige que uma autoridade administrativa como a Administração Fiscal em causa no processo principal proceda, no âmbito das obrigações de fiscalização que lhe incumbem, a um exame diligente e imparcial de todos os aspetos relevantes, a fim de se assegurar de que dispõe, quando toma a sua decisão, dos elementos o mais completos e fiáveis possível para o fazer (28).

61.      Compete, portanto, ao órgão jurisdicional de reenvio (que é o único que tem conhecimento de todas as circunstâncias do processo principal) determinar se a complexidade deste processo pode ter conduzido a um arrastamento do procedimento ou se a repetição dos procedimentos tributários e as numerosas suspensões do prazo de caducidade podem ser imputadas a uma falha da Autoridade Tributária e em que medida esta prática pode ter causado danos à recorrente. Todavia, não constitui, enquanto tal, uma falha da Autoridade Tributária, suscetível de pôr em causa as disposições relativas à suspensão da caducidade, qualquer erro cometido por esta autoridade ou qualquer tentativa falhada desta última de dar cumprimento a uma decisão judicial, mesmo no caso de tal ter ocorrido mais do que uma vez.

62.      Em segundo lugar, é importante salientar que, na audiência, o Governo húngaro defendeu que os órgãos jurisdicionais nacionais dispunham dos meios necessários para, em princípio, fazer face a uma situação como a do caso em apreço. Assim, caso a Autoridade Tributária não cumpra as injunções que lhe foram impostas por um órgão jurisdicional nacional (por razões que lhe são diretamente imputáveis), este último pode, segundo o Governo húngaro, «apoderar-se» do processo submetido à sua apreciação e pronunciar-se sobre o mesmo alterando uma decisão adotada pela Autoridade Tributária e, assim, encerrando definitivamente o litígio.

63.      A este respeito, cumpre recordar que o artigo 47.°, segundo parágrafo, da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia prevê, nomeadamente, que toda a pessoa tem direito a que a sua causa seja julgada de forma equitativa, publicamente e num prazo razoável. Decorre da jurisprudência do Tribunal de Justiça que o caráter razoável do prazo é apreciado em função das circunstâncias próprias de cada processo e, designadamente, da importância do litígio para o interessado, da complexidade do processo, bem como do comportamento do demandante e das autoridades competentes (29).

64.      Por conseguinte, o órgão jurisdicional nacional deve igualmente verificar em que medida o arrastamento do procedimento pode ser imputado aos órgãos jurisdicionais nacionais, caso se demonstre que estes, apesar de disporem de meios para fazer face a essa situação, não fizeram uso dos mesmos. Neste caso, compete ao órgão jurisdicional de reenvio analisar se deve ser concedida uma indemnização à recorrente devido a um atraso ou a uma falha imputável não só às autoridades tributárias, mas também aos órgãos jurisdicionais nacionais.

65.      Resulta do que precede que incumbe ao órgão jurisdicional nacional competente, tendo em conta todas as circunstâncias do caso em apreço, tais como a complexidade do processo, apreciar se a repetição do procedimento tributário e as fiscalizações judiciais em causa ocorreram devido principalmente a insuficiências da Autoridade Tributária ou se este atraso é suscetível de ser imputado aos órgãos jurisdicionais nacionais e daí retirar as necessárias conclusões, incluindo a existência de um eventual direito a indemnização a favor do sujeito passivo interessado.

 Conclusão

66.      À luz das considerações que precedem, proponho ao Tribunal de Justiça que responda da seguinte forma à questão prejudicial submetida pelo Szegedi Törvényszék (Tribunal Regional de Szeged, Hungria):

Os princípios da segurança jurídica e da efetividade do direito da União devem ser interpretados no sentido de que não se opõem à legislação de um Estado-Membro segundo a qual, em matéria de imposto sobre o valor acrescentado, o prazo de caducidade do direito da Administração Tributária de liquidar o imposto é suspenso durante todo o decurso da fiscalização judicial em causa, mesmo quando este recurso é interposto de decisões consecutivas proferidas por uma autoridade tributária e relativas ao mesmo imposto.

Todavia, compete ao órgão jurisdicional de reenvio, tendo em conta todas as circunstâncias do caso em apreço, como a complexidade do processo, apreciar se a repetição do procedimento tributário e as fiscalizações judiciais em causa ocorreram devido principalmente a insuficiências da Autoridade Tributária ou se este atraso é suscetível de ser imputado aos órgãos jurisdicionais nacionais e daí retirar as necessárias conclusões, incluindo sobre a existência de um eventual direito a indemnização a favor do sujeito passivo interessado.


1      Língua original: francês.


2      JO 2006, L 347, p. 1.


3      JO 1995, L 312, p. 1.


4      Magyar Közlöny 2003/131, 14 de novembro de 2003, p. 9990.


5      Magyar Közlöny 2017/192, 22 de novembro de 2017, p. 31694.


6      Magyar Közlöny 2017/192, 22 de novembro de 2017, p. 31586.


7      A Diretiva IVA rege estes requisitos, tanto materiais como formais, no seu Título X, respetivamente nos Capítulos 1 («Origem e âmbito do direito à dedução», artigos 168.° e segs.) e 4 («Disposições relativas ao exercício do direito à dedução», artigos 178.° e segs.).


8      Acórdão de 14 de fevereiro de 2019, Nestrade (C-562/17, EU:C:2019:115, n.° 35).


9      Acórdãos de 26 de fevereiro de 2013, Åkerberg Fransson (C-617/10, EU:C:2013:105, n.° 26), e de 8 de setembro de 2015, Taricco e o. (C-105/14, EU:C:2015:555, n.° 38).


10      Acórdãos de 24 de junho de 2004, Handlbauer (C-278/02, EU:C:2004:388, n.os 33 e 34), e de 17 de setembro de 2014, Cruz & Companhia (C-341/13, EU:C:2014:2230, n.° 45).


11      V. Acórdão de 7 de abril de 2022, IFAP (C-447/20 e C-448/20, EU:C:2022:265, n.° 48 e jurisprudência referida).


12      V., neste sentido, Acórdão de 17 de setembro de 2014, Cruz & Companhia (C-341/13, EU:C:2014:2230, n.° 59 e jurisprudência referida).


13      V., neste sentido, Acórdão de 2 de março de 2017, Glencore Céréales France (C-584/15, EU:C:2017:160, n.° 54 e jurisprudência referida).


14      Acórdão de 28 de julho de 2016, Astone (C-332/15, EU:C:2016:614, n.o 34 e jurisprudência referida).


15      Acórdão de 20 de dezembro de 2017, Caterpillar Financial Services (C-500/16, EU:C:2017:996, n.° 38 e jurisprudência referida).


16      Acórdão de 15 de março de 2017, Aquino (C-3/16, EU:C:2017:209, n.° 52).


17      V. artigo 273.° da Diretiva IVA e Acórdão de 26 de fevereiro de 2013, Åkerberg Fransson (C-617/10, EU:C:2013:105, n.os 25 e 26).


18      Acórdão de 18 de dezembro de 1997, Molenheide e o. (C-286/94, C-340/95, C-401/95 e C-47/96, EU:C:1997:623, n.os 54 e 55).


19      Por um lado, no que diz respeito ao sujeito passivo, a existência de um prazo de preclusão no quadro do exercício dos seus direitos permite-lhe contestar as decisões da Autoridade Tributária por forma a solicitar e, se for caso disso, obter a restituição de pagamentos indevidos ou previstos pela regulamentação específica de cada imposto. Por outro lado, o prazo de prescrição permite às autoridades tributárias exercerem as fiscalizações necessárias a fim de determinar a situação fiscal de um sujeito passivo e de identificar as irregularidades e os abusos que possam ter ocorrido, e as suas consequências, para evitar uma perda de receitas do IVA.


20      V., nomeadamente, Acórdão de 8 de maio de 2008, Ecotrade (C-95/07 e C-96/07, EU:C:2008:267, n.os 49 a 54), em que o Tribunal de Justiça considerou que o princípio da efetividade não é violado no caso de um prazo nacional de prescrição supostamente mais favorável para a Autoridade Tributária do que o fixado aos particulares.


21      Acórdãos de 8 de setembro de 2011, Q-Beef e Bosschaert (C-89/10 e C-96/10, EU:C:2011:555, n.° 37), e de 20 de dezembro de 2017, Caterpillar Financial Services (C-500/16, EU:C:2017:996, n.° 43).


22      Acórdão de 5 de março de 2019, Eesti Pagar (C-349/17, EU:C:2019:172, n.° 112 e jurisprudência referida).


23      Acórdão de 20 de maio de 2021, BTA Baltic Insurance Company (C-230/20, não publicado, EU:C:2021:410, n.° 46).


24      Com efeito, o prazo aplicável ao processo judicial, cuja instauração está na origem da suspensão do prazo de prescrição, rege-se não pela legislação fiscal, mas sim pelas regras relativas aos processos judiciais.


25      V., neste sentido, Acórdão de 9 de julho de 2015, Salomie e Oltean (C-183/14, EU:C:2015:454, n.os 40 e 41).


26      Esta constatação é igualmente partilhada pela recorrente que sustenta que a lentidão do procedimento se deveu a lacunas na análise dos factos efetuada pela Autoridade Tributária, o que acabou por conduzir a suspensões do prazo de caducidade.


27      Acórdão de 14 de maio de 2020, Agrobet CZ (C-446/18, EU:C:2020:369, n.° 43).


28      Acórdão de 14 de maio de 2020, Agrobet CZ (C-446/18, EU:C:2020:369, n.° 44).


29      V., neste sentido, Acórdão de 9 de setembro de 2008, FIAMM e o./Conselho e Comissão (C-120/06 P e C-121/06 P, EU:C:2008:476, n.° 212 e jurisprudência referida).