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Edição provisória

CONCLUSÕES DA ADVOGADA-GERAL

JULIANE KOKOTT

apresentadas em 1 de dezembro de 2022 (1)

Processo C-620/21

MOMTRADE RUSE ODD

contra

Direktor na Direktsia «Obzhalvane i danachno-osiguritelna praktika» Varna pri Tsentralno upravlenie na Natsionalnata agentsia za prihodite

[pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Varhoven administrativen sad (Supremo Tribunal Administrativo, Bulgária)]

«Reenvio prejudicial – Diretiva IVA – Artigo 132.°, n.° 1, alínea g) – Isenção das prestações de serviços estreitamente relacionadas com a assistência social e com a segurança social – Organismo de caráter social reconhecido como tal – Estado-Membro em causa que reconhece o caráter social do organismo»






I.      Introdução

1.        A evolução demográfica e a globalização transcendem o disposto pelo direito da União em matéria de IVA, o que é demonstrado pelo presente processo. Uma empresa estabelecida na Bulgária envia os seus trabalhadores para toda a União, nomeadamente, para pessoas (singulares) residentes na Alemanha e na Áustria, que necessitam de apoio domiciliário e de cuidados devido à idade ou por razões de saúde. Em princípio, o lugar da prestação destes serviços a pessoas singulares situa-se na sede do prestador, portanto, no caso em apreço, na Bulgária. Por conseguinte, a legislação búlgara é aplicável no que se refere à correta tributação do IVA e, deste modo, também à isenção destes serviços prestados na Alemanha e na Áustria.

2.        A isenção aqui em apreço abrange as prestações de serviços estreitamente relacionadas com a assistência social e com a segurança social, realizadas «por um organismo de caráter social reconhecido como tal pelo Estado-Membro em causa». A questão fundamental consiste em saber qual é esse «Estado-Membro em causa». Trata-se do Estado-Membro em cujo território as prestações de serviços são realizadas (país de destino), uma vez que, regra geral, os seus sistemas sociais pagam a prestação? Ou trata-se do Estado-Membro, que beneficiaria efetivamente da receita fiscal, se a prestação não estivesse isenta? No caso de prestações a pessoas que não são sujeitos passivos, como sucede no caso em apreço, o Estado-Membro em causa seria o país de origem; no caso de prestações a sujeitos passivos (por exemplo, um hospital no estrangeiro), o Estado-Membro em causa seria o país de destino.

3.        Ambas as soluções conduzem a problemas práticos. Se o Estado-Membro do país de destino tomar a decisão de reconhecimento, é difícil para o Estado-Membro do país de origem verificar esta decisão, embora a sua receita fiscal possa ser indiretamente afetada. Se o Estado-Membro do país de origem for responsável por este reconhecimento, este Estado-Membro poderá, através de uma prática de reconhecimento muito ampla, constituir o lugar ideal para as prestações transfronteiriças de serviços de assistência social. Tal poderá conduzir a distorções da concorrência com as empresas estabelecidas no país de destino, que podem, na realidade, ser evitadas através de um sistema harmonizado do IVA.

4.        Porém, uma vez que apenas pode haver uma solução, o Tribunal de Justiça deve decidir, no presente processo, se a isenção de operações realizadas por determinados organismos a reconhecer pelo «Estado-Membro em causa» depende sempre do país do lugar da prestação para efeitos de IVA (no caso em apreço, a Bulgária) ou sempre do país de destino (no caso em apreço, a Alemanha e a Áustria).

II.    Quadro jurídico

A.      Direito da União

5.        O quadro jurídico do direito da União é definido pela Diretiva 2006/112/CE relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado (a seguir «Diretiva IVA») (2).

6.        O artigo 45.° da Diretiva IVA diz respeito ao lugar da prestação efetuada a uma pessoa que não seja sujeito passivo:

«O lugar das prestações de serviços efetuadas a uma pessoa que não seja sujeito passivo é o lugar onde o prestador tem a sede da sua atividade económica. Todavia, se esses serviços forem prestados a partir de um estabelecimento estável do prestador situado num lugar diferente daquele onde o prestador tem a sede da sua atividade económica, o lugar das prestações desses serviços é o lugar onde está situado o estabelecimento estável. Na falta de sede ou de estabelecimento estável, o lugar das prestações dos serviços é o lugar onde o prestador tem domicílio ou residência habitual.»

7.        A alínea g) do artigo 132.°, n.° 1, da Diretiva IVA regula a isenção:

«1. Os Estados-Membros isentam as seguintes operações:

g)      As prestações de serviços e as entregas de bens estreitamente relacionadas com a assistência social e com a segurança social, incluindo as realizadas por centros de terceira idade, por organismos de direito público ou por outros organismos de caráter social reconhecidos como tal pelo Estado-Membro em causa;»

8.        O artigo 133.°, n.° 1, alínea c), da Diretiva IVA permite que os Estados-Membros submetam a concessão da isenção acima referida a uma condição:

«Os Estados-Membros podem fazer depender, caso a caso, a concessão de qualquer das isenções previstas nas alíneas b), g), h), i), l), m) e n) do n.° 1 do artigo 132.° a organismos que não sejam de direito público da observância de uma ou mais das seguintes condições:

c)      Esses organismos devem praticar preços homologados pelas autoridades públicas ou que não excedam tais preços ou, no que diz respeito às atividades não suscetíveis de homologação de preços, preços inferiores aos exigidos para atividades análogas por empresas comerciais sujeitas ao IVA.»

9.        O artigo 134.°, n.° 1, alínea a), da Diretiva IVA prevê o seguinte:

«1. As entregas de bens e as prestações de serviços ficam excluídas do benefício da isenção prevista nas alíneas b), g), h), i), l), m) e n) do n.° 1 do artigo 132.°, nos seguintes casos:

a)       Quando não forem indispensáveis à realização de operações isentas;»

B.      Direito búlgaro

10.      A Diretiva IVA foi transposta pela Zakon za danaka varhu dobavenata stoynost (Lei relativa ao imposto sobre o valor acrescentado, a seguir «ZDDS»).

11.      Nos termos do artigo 21.° da ZDDS, considera-se que o lugar das prestações de serviços efetuadas a uma pessoa que não é sujeito passivo é o lugar onde o prestador tem a sede da sua atividade económica independente.

12.      Nos termos do artigo 40.° da ZDDS, a prestação de serviços sociais na aceção da Zakon za sotsialnoto podpomagane (Lei relativa à assistência social, a seguir «ZSP») está isenta.

13.      Em conformidade com o artigo 16.° da ZSP, os serviços sociais baseiam-se num trabalho social destinado a auxiliar as pessoas com vista ao exercício de atividades quotidianas ou de integração social, e são prestados com base numa avaliação individual das necessidades, a pedido e por escolha das pessoas.

14.      Nos termos do artigo 18.° da ZSP, os serviços sociais, designadamente as pessoas coletivas búlgaras, só são prestados após inscrição num registo na Agentsia za sozialno podpomagane (Agência de Assistência Social, Bulgária).

15.      Segundo a definição legal constante do § 1, ponto 6, das disposições complementares da ZSP, entende-se por «serviços sociais» as atividades que auxiliam as pessoas e que ampliam as suas possibilidades de levar uma vida autónoma; nos termos do ponto 7, «os serviços sociais na Comunidade» são prestados num ambiente familiar ou próximo da família.

16.      Nos termos do artigo 40.° do Pravilnik za prilagane na ZSP (Regulamento de execução da ZSP, a seguir «PPZSP»), as pessoas que pretendam recorrer a serviços sociais apresentam à autoridade gestora um pedido por escrito no local da sua residência atual quando o prestador de serviços sociais seja uma pessoa coletiva. Juntam, a título de referência, uma cópia de um documento de identidade, uma cópia de um relatório médico pessoal, se existir, e, se for caso disso, um parecer médico. A autoridade gestora procede a uma avaliação das necessidades da pessoa em matéria de serviços sociais e regista-as num relatório estandardizado.

17.      Nos termos do artigo 40.°-D do PPZSP, o prestador de serviços sociais estabelecerá, com base na avaliação das necessidades, um plano individual no qual são formulados objetivos e que inclui atividades destinadas a satisfazer, nomeadamente, necessidades quotidianas, para fins de saúde, de educação, de reabilitação ou outras.

18.      Nos termos do artigo 40.°-E do PPZSP, o prestador de serviços sociais deve manter um registo dos clientes que contenha dados relativos à pessoa e ao serviço prestado.

III. Matéria de facto e processo de decisão prejudicial

19.      A Momtrade Ruse OOG (a seguir «Momtrade») é uma sociedade de responsabilidade limitada que fornece principalmente serviços sociais ambulatórios. Está registada numa base voluntária pela ZDDS desde 24 de junho de 2014 como sujeito passivo. Além disso, esta sociedade está registada na Agência de Assistência Social do Ministério búlgaro do Trabalho e da Política Social (3) como prestadora de serviços sociais sob a forma de disponibilização de prestadores de cuidados pessoais, de assistentes sociais e de apoio domiciliário a idosos.

20.      No período compreendido entre 24 de junho de 2014 e 31 de dezembro de 2015, foi realizado, na Momtrade, um procedimento de inspeção tributária. Foram objeto do procedimento os serviços prestados a várias pessoas singulares, de nacionalidade alemã e/ou austríaca, com residência aparentemente na Alemanha ou na Áustria.

21.      Nos termos dos contratos celebrados com estas pessoas singulares, a Momtrade destacou funcionários para os cuidados e o apoio domiciliário no domicílio dos clientes. As diferentes atividades são concretizadas num questionário anexo aos contratos. Este questionário foi elaborado por uma sociedade intermediária registada na Alemanha e na Áustria, que remetia os clientes para a Momtrade ao abrigo de um contrato de mediação.

22.      As atividades referidas incluem, além da assistência ao agregado familiar, o cuidado de pessoas idosas com problemas de saúde que não podem cuidar de si próprias de forma independente. Cada contrato indica tanto o nome do cliente como o nome do intermediário. Os pagamentos efetuados à Momtrade por parte das pessoas singulares não são contestados.

23.      As autoridades tributárias alemãs iniciaram uma troca de informações. Constatou-se então que o lugar da prestação desses serviços se situa na Bulgária. Consequentemente, estes serviços não estão sujeitos a tributação na Alemanha, mas deviam ser tributados na Bulgária em conformidade com a ZDDS búlgara.

24.      Com base nos documentos apresentados pela Momtrade, as autoridades competentes em matéria de receitas, na Bulgária, verificaram a inexistência de um acordo para a prestação de «serviços sociais», uma vez que não eram especificadas as necessidades individuais dos clientes. Consideraram que, como o serviço era de facto prestado noutro Estado-Membro, a legislação alemã ou austríaca também era relevante, além do ZSP. Para efeitos de uma isenção da Momtrade nos termos do artigo 40.°, ponto 1, da ZDDS, estes elementos de prova devem confirmar, segundo o direito do outro Estado-Membro, o caráter social dos serviços prestados no seu território.

25.      O aviso de liquidação de 4 de outubro de 2018 rejeitou, em todo o caso, a isenção das prestações de serviços efetuadas pela Momtrade. Esta sociedade interpôs recurso deste aviso. O órgão jurisdicional de primeira instância, o Administrativen sad Ruse (Tribunal Administrativo de Ruse, Bulgária), considerou que o artigo 40.°, ponto 1, da ZDDS era conforme com o artigo 132.°, n.° 1, alínea g), da Diretiva 2006/112. Para que a isenção fiscal prevista no artigo 40.°, ponto 1, da ZDDS possa ser aplicada, incumbe à pessoa fiscalizada demonstrar que o caráter social da atividade é reconhecido tanto pelo direito búlgaro como pelo direito do Estado-Membro em cujo território são prestados os serviços. O órgão jurisdicional considerou que esse caráter não estava demonstrado à luz da legislação búlgara por pressupor necessariamente uma avaliação social das necessidades da pessoa, que não foi realizada nem documentada.

26.      A Momtrade não apresentou os pedidos exigidos pela legislação búlgara, de prestação de serviços sociais, de avaliações sociais, de relatórios de propostas relevantes, de planos individuais e de registo dos clientes, mas apenas os contratos e os respetivos questionários.

27.      Além disso, os serviços relacionados com os cuidados de pessoas idosas não tinham caráter social, na aceção do artigo 40.°, ponto 1, da ZDDS, uma vez que só era prestada assistência relacionada com tarefas domésticas. Os funcionários não estão vinculados a atividades relacionadas com o estado de saúde das pessoas. Estes também não possuem uma formação que sugira que estão em condições de prestar cuidados médicos.

28.      Consequentemente, o órgão jurisdicional de primeira instância confirmou em grande medida as dívidas fiscais apuradas pelo aviso de liquidação. A Momtrade interpôs recurso desta decisão. À secção de recurso competente coloca-se a questão de determinar os critérios com base nos quais se deve apreciar se se trata de atividades sociais.

29.      Por conseguinte, o Varhoven administrativen sad (Supremo Tribunal Administrativo, Bulgária) decidiu suspender a instância e submeter à apreciação do Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

1. A interpretação do artigo 132.°, n.° 1, alínea g), da Diretiva IVA permite a uma sociedade comercial, registada como prestadora de serviços sociais num Estado-Membro (neste caso, a Bulgária), invocar esta disposição para obter uma isenção fiscal para as prestações sociais que fornece a pessoas singulares nacionais de outros Estados-Membros no território desses Estados? O facto de os destinatários dos serviços terem sido postos em contacto com o prestador por intermediação de sociedades comerciais registadas nos Estados-Membros onde os serviços são prestados é relevante para a resposta a esta questão?

2. Em caso de resposta afirmativa à primeira questão prejudicial, com base em que critérios e segundo que normas — das leis búlgara e/ou austríaca e alemã — se deve apreciar, para efeitos da interpretação e da aplicação das disposições do direito da União invocadas, se a sociedade fiscalizada é um «organismo de caráter social reconhecido como tal» e se se considera ter sido apresentada prova de que se trata de prestações de serviços «estreitamente relacionadas com a assistência social e com a segurança social»?

3. Segundo esta interpretação, o registo de uma sociedade comercial como prestadora de serviços sociais, tal como definidos pelo direito nacional, é suficiente para considerar que essa sociedade constitui um «organismo de caráter social reconhecido como tal» pelo Estado-Membro em causa?

30.      No processo no Tribunal de Justiça, apresentaram observações escritas a Administração Tributária da República da Bulgária e a Comissão Europeia. Nos termos do artigo 76.°, n.° 2, do Regulamento de Processo, o Tribunal de Justiça decidiu não realizar audiência.

IV.    Apreciação jurídica

31.      Começarei por abordar as primeira e terceira questões prejudiciais, uma vez que podem ser respondidas de forma relativamente clara com base na Diretiva IVA e na jurisprudência do Tribunal de Justiça (v., a este respeito, infra, pontos A. e B.). Consagrar-me-ei, em seguida, à segunda questão prejudicial, que contém duas partes a analisar separadamente. Por um lado, o órgão jurisdicional de reenvio pede uma interpretação do conceito de «prestações de serviços estreitamente relacionadas com a assistência social e com a segurança social» e questiona de que forma se deve produzir prova das mesmas. Trata-se, a este respeito, da existência de uma prestação de serviços isenta em si mesma (v., a este respeito, infra, ponto C.), realizada por lares de idosos, organismos de direito público ou outros organismos reconhecidos. Por outro lado, é necessário esclarecer a interpretação do conceito de «Estado-Membro em causa», que reconhece estes «outros organismos» como organismos de caráter social, de modo a que estes sejam abrangidos pelo âmbito de aplicação pessoal da isenção (v., a este respeito, infra, ponto D.).

A.      Aplicabilidade direta do artigo 132.°, n.° 1, alínea g), da Diretiva IVA (primeira questão prejudicial)

32.      A primeira questão prejudicial destina-se a esclarecer se a Momtrade pode invocar diretamente o artigo 132.°, n.° 1, alínea g), da Diretiva IVA. Resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça (4) que em todos os casos em que disposições de uma diretiva mostrem ser, do ponto de vista do seu conteúdo, incondicionais e suficientemente precisas, estas disposições podem ser invocadas, na falta de medidas de aplicação adotadas no prazo, contra toda e qualquer disposição nacional que não esteja em conformidade com a diretiva. Tal pressupõe que estas disposições sejam suscetíveis de definir direitos que os particulares estejam em condições de invocar contra o Estado.

33.      Neste contexto, o Tribunal de Justiça já decidiu, no que diz respeito ao artigo 132.°, n.° 1, alínea g), da Diretiva IVA, que este artigo (ou a disposição que o antecedeu, idêntica em termos de conteúdo, contida no artigo 13.°, A, n.° 1, alínea g), da Sexta Diretiva) indica, de modo suficientemente preciso e incondicional, as atividades que beneficiam da isenção (5).

34.      O conceito de «outros organismos de caráter social reconhecidos como tal pelo Estado-Membro em causa» concede, todavia, aos Estados-Membros um poder de apreciação para reconhecer esse caráter social a certos organismos (6). Enquanto os Estados-Membros respeitarem os limites do poder de apreciação que lhes é consentido pelo artigo 132.°, n.° 1, alínea g), da Diretiva IVA, os particulares não podem, baseando-se nesta disposição, obter a qualidade de organismo de caráter social sem a concordância do Estado-Membro em causa (7).

35.      Porém, quando um particular pede para beneficiar da qualidade de organismo de caráter social, incumbe aos órgãos jurisdicionais nacionais examinar se as autoridades competentes respeitaram os limites do poder de apreciação ao aplicar os princípios do direito da União, em especial o princípio da igualdade de tratamento (8). Neste sentido, o particular pode, então, apesar do poder de apreciação concedido, invocar o artigo 132.°, n.° 1, alínea g), da Diretiva IVA (9).

36.      No que diz respeito à primeira questão do órgão jurisdicional de reenvio, há que precisar que tal se aplica independentemente de o lugar da prestação se basear no princípio do país de destino ou no princípio do país de origem, bem como independentemente de um intermediário ter mediado essa prestação de serviços.

B.      Requisitos para um reconhecimento eficaz (terceira questão prejudicial)

37.      A terceira questão pretende determinar se o registo de uma sociedade comercial como prestadora de serviços sociais é suficiente para se poder falar de um organismo reconhecido eficazmente, na aceção do artigo 132.°, n.° 1, alínea g), da Diretiva IVA.

38.      Compete às autoridades nacionais determinar quais os organismos que devem ser reconhecidos como tendo caráter social, na aceção do artigo 132.°, n.° 1, alínea g), da Diretiva IVA (10). Este artigo não determina o reconhecimento do caráter social a organismos que não sejam de direito público. Cabe, portanto, em princípio, ao direito nacional de cada Estado-Membro definir as regras segundo as quais esse reconhecimento pode ser concedido a esses organismos (11).

39.      A este propósito, resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que, para reconhecerem o caráter social dos outros organismos que não sejam de direito público, compete às autoridades nacionais, em conformidade com o direito da União e sob a fiscalização dos órgãos jurisdicionais nacionais, tomar em consideração diversos elementos.

40.      Entre esses elementos podem incluir-se a existência de disposições específicas, nacionais ou regionais, legislativas ou administrativas, fiscais ou da segurança social, o caráter de interesse geral do organismo em causa, o facto de outros organismos com as mesmas atividades beneficiarem já de um reconhecimento semelhante, bem como o facto de o custo das prestações em questão ser eventualmente assumido, em grande parte, por caixas de seguro de saúde ou por outros organismos de segurança social (12). Neste contexto, também os objetivos prosseguidos, na sua globalidade, por um organismo e a estabilidade do seu compromisso social podem ser tidos em conta (13).

41.      Daqui resulta, ao mesmo tempo, que os Estados-Membros não são livres de qualificar entidades privadas que prosseguem um fim lucrativo (como, no presente caso, a Momtrade) de organismos de caráter social reconhecidos como tal pelo simples facto de essas entidades prestarem também serviços de caráter social (14). Por conseguinte, o simples facto de uma sociedade comercial estar registada como prestadora de serviços sociais numa agência estatal não pode, por si só, ser suficiente para se concluir pela existência de um reconhecimento, sem erros de apreciação, como organismo de caráter social. A situação é diferente se esse registo implicar um exame quanto ao mérito dos elementos acima referidos, o que cabe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar.

C.      Apreciação das prestações de serviços estreitamente relacionadas com a assistência social e com a segurança social (segunda parte da segunda questão prejudicial)

42.      A segunda parte da segunda questão prejudicial diz respeito à apreciação de uma prestação de serviços isenta de imposto, tanto no que se refere aos critérios, como às normas aplicáveis e às provas que devem ser apresentadas. Decorre da redação do artigo 132.°, n.° 1, alínea g), da Diretiva IVA que a isenção prevista nesta disposição apenas se aplica às prestações de serviços e às entregas de bens «estreitamente relacionadas com a assistência social e com a segurança social». A existência de uma prestação de serviços isenta de imposto resulta, portanto, exclusivamente do direito da União.

43.      Segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça, os termos usados para designar as isenções previstas no artigo 132.° da Diretiva IVA são de interpretação estrita, dado que constituem exceções ao princípio geral de que o IVA é cobrado sobre cada prestação de serviços efetuada a título oneroso por um sujeito passivo (15). Todavia, esses termos também não devem ser objeto de uma interpretação demasiado restritiva (16), visto que a interpretação desses termos deve ser feita em conformidade com os objetivos prosseguidos pelas referidas isenções e respeitar as exigências do princípio da neutralidade fiscal inerente ao sistema comum de IVA. Assim, segundo o Tribunal de Justiça, esta regra da interpretação estrita não significa que os termos utilizados para definir as isenções previstas no referido artigo 132.° devam ser interpretados de maneira a privá-las dos seus efeitos (17).

44.      Deste modo, o Tribunal de Justiça exige uma interpretação teleológica das disposições em matéria de isenção de IVA, que tenha em conta os objetivos da isenção e o princípio da neutralidade. Ao interpretar o artigo 132.°, n.° 1, alínea g), da Diretiva IVA deve, além disso, ter-se em consideração o artigo 134.°, alínea a), segundo o qual as prestações de serviços em causa devem ser indispensáveis à realização das operações abrangidas pela assistência social e pela segurança social (18).

45.      A este respeito, o Tribunal de Justiça já declarou que estão, em princípio, estreitamente conexas com a assistência social, na aceção desta disposição, as prestações de cuidados e de economia doméstica fornecidas por um serviço de cuidados ambulatórios a pessoas em estado de dependência física ou económica (19). Do mesmo modo, devem igualmente ser consideradas como tais as prestações de serviços efetuadas a pessoas que se encontram num estado de dependência mental e destinadas a protegê-las nos atos da vida civil, quando essas pessoas correrem o risco de prejudicar os seus próprios interesses, financeiros ou outros (20). No entanto, tal não abrange a cedência de trabalhadores, uma vez que esta não constitui, enquanto tal, uma prestação de serviços de interesse geral cumprida no setor social. O facto de o pessoal em causa ser prestador de cuidados de saúde ou ser cedido a instituições de saúde reconhecidas é, a este respeito, desprovido de pertinência (21).

46.      A questão de saber se a prestação em causa é isenta, deve ser esclarecida pelo Estado-Membro a que a diretiva confere a competência de tributação. Na legislação relativa ao IVA, tal acontece através do lugar da prestação de serviços. Nos termos do artigo 44.° da Diretiva IVA, no caso de prestações fornecidas a sujeitos passivos, o lugar da prestação de serviços é, em princípio, o lugar onde o destinatário tem a sede da sua atividade económica (princípio do país de destino). Nos termos do artigo 45.° da Diretiva IVA, no caso de prestações de serviços fornecidas a pessoas que não são sujeitos passivos, o lugar da prestação de serviços é o lugar onde o prestador tem a sede da sua atividade económica (princípio do país de origem). Em determinadas disposições específicas relativas ao lugar da prestação (como, por exemplo, o artigo 54.° da Diretiva IVA), o direito de tributação depende do lugar onde as atividades são efetivamente realizadas (princípio do lugar da atividade).

47.      No presente caso, estão em causa prestações de serviços fornecidas a pessoas que não são sujeitos passivos, pelo que o Estado, que dispõe do direito de tributação, é, nos termos do artigo 45.° da Diretiva IVA, a Bulgária. Desta forma, caso a Diretiva IVA tenha sido corretamente transposta, a legislação búlgara em matéria de IVA decidirá sobre se foi efetuada uma prestação de serviços isenta. Para o efeito, é irrelevante saber se também a lei em matéria de impostos sobre o volume de negócios, alemã ou austríaca, considera a prestação de serviços em causa como isenta de imposto. No entanto, num domínio harmonizado do direito como a legislação em matéria de IVA, a apreciação deveria idealmente ser a mesma.

48.      A questão de saber se as disposições correspondentes da ZDDS transpõem corretamente a Diretiva IVA deve ser apreciada pelo órgão jurisdicional de reenvio. Se tal não for o caso, o sujeito passivo pode – como foi referido supra (n.os 32 e segs.) – invocar diretamente a Diretiva IVA. Em ambos os casos, para a apreciação da questão de saber se as prestações de serviços em causa constituem igualmente prestações isentas, recai sobre o sujeito passivo um dever de colaboração. Este dever pode incluir igualmente a apresentação de provas. A Diretiva IVA não prevê, todavia, quais são estas provas, nem de que forma devem ser apresentadas.

49.      Na falta de uma tal disposição a nível do direito da União, cabe aos Estados-Membros definir os requisitos dos elementos de prova (princípio da autonomia processual). Tal como o Tribunal de Justiça já decidiu, os Estados-Membros têm a este respeito uma margem de discricionariedade (22) e podem determinar, eles próprios, as modalidades. Todavia, as condições do reembolso não devem ser menos favoráveis do que as que regulam situações semelhantes de natureza interna (princípio da equivalência) nem ser concebidas de forma a, na prática, tornarem impossível ou excessivamente difícil o exercício dos direitos conferidos pelo ordenamento jurídico da União (princípio da efetividade) (23).

50.      No caso em apreço, não se verifica qualquer violação do princípio da equivalência. Não existe, tão-pouco, uma violação do princípio da efetividade. É evidente que certos elementos de provas são adequados, necessários e, na maioria das vezes, também proporcionados para verificar a existência de uma prestação de serviços isenta. Tal aplica-se sobretudo quando as prestações de serviços são realizadas fora da zona de controlo das autoridades fiscais búlgaras (no presente caso, na Alemanha ou na Áustria). Deste modo, o benefício da isenção não me parece, em princípio, ter-se tornado impossível em termos práticos. Porém, esta apreciação compete, em última análise, ao órgão jurisdicional de reenvio.

D.      Quanto ao «Estado-Membro em causa», que reconhece os organismos (primeira parte da segunda questão prejudicial)

1.      Descrição do problema

51.      Cabe, portanto, à Bulgária decidir sobre se existe uma prestação de serviços estreitamente relacionada com a assistência social. Todavia, a alínea g) do artigo 132.°, n.° 1, da Diretiva IVA exige adicionalmente que essa prestação de serviços seja realizada por um determinado sujeito passivo. As prestações de serviços isentas deste tipo só podem ser realizadas «por centros de terceira idade, por organismos de direito público ou por outros organismos de caráter social reconhecidos como tal pelo Estado-Membro em causa».

52.      Uma vez que, no caso em apreço, está apenas em causa a última alternativa, a questão crucial consiste em saber se a Momtrade constitui um organismo de caráter social reconhecido como tal. A Momtrade pode ter sido reconhecida como organismo de caráter social pela Bulgária, embora o simples facto de uma sociedade comercial estar registada como prestadora de serviços sociais numa agência estatal não seja, por si só, suficiente (v., a este respeito, n.os 40 e seg., supra). No lugar da atividade ou nos países de destino, a Alemanha e a Áustria, a Momtrade não parece ter sido reconhecida como um tal organismo. Partindo-se do pressuposto de que a Bulgária reconheceu validamente a Momtrade como um organismo de caráter social, para responder à primeira parte da segunda questão é necessário determinar qual o «Estado-Membro em causa» que deve proceder à adoção dessa decisão de reconhecimento.

53.      A Diretiva IVA refere-se apenas ao «Estado-Membro em causa». À primeira vista, o «Estado-Membro em causa» é também o Estado-Membro do lugar da prestação para efeitos de IVA. Por último, como, por exemplo, a Comissão afirma nas suas observações, este Estado-Membro tem de proceder à tributação.

54.      Porém, as regras relativas ao lugar da prestação só foram alteradas, no que se refere às prestações de serviços, com efeitos a partir de 1 de janeiro de 2010 (24). Esta alteração teve por objetivo ter em conta o caráter de imposto sobre o consumo do IVA (25) também no direito de tributação do Estado-Membro em causa. Por conseguinte, o Estado em que ocorre o consumo deve, em princípio, dispor do direito de tributação (princípio do país de destino). Se tal conduzir, todavia, a problemas de execução – como no caso de prestações de serviços a pessoas que não são sujeitos passivos, v. artigo 45.° da Diretiva IVA –, aplicar-se-á o princípio do país de origem. No entanto, esta finalidade do princípio do país de origem – evitar défices de execução – não me parece ser facilmente transponível para a finalidade do reconhecimento de outros organismos, na aceção do artigo 132.°, n.° 1, alínea g), da Diretiva IVA.

55.      A solução mais simples poderia ser ter em conta, também a este respeito, o país de origem. Neste sentido aponta o facto de o lugar da prestação a pessoas que não são sujeitos passivos ser normalmente o país de origem, o qual dispõe também do direito de tributação. Nesta hipótese, a Bulgária teria, no caso em apreço, competência para o reconhecimento. Por outro lado, nesta solução, um Estado-Membro que imponha requisitos particularmente rigorosos (por exemplo, do ponto de vista qualitativo) para o reconhecimento dificultaria as prestações de serviços transfronteiriças estreitamente relacionadas com a assistência social realizadas pelas empresas estabelecidas no seu território. Inversamente, constituiria, pelo contrário, uma vantagem em termos de localização se tais empresas se estabelecessem no país que impõe os requisitos menos rigorosos para o reconhecimento. Em ambos os casos, seriam inevitáveis distorções da concorrência no país de destino, onde a prestação de serviços é recebida e consumida.

56.      No entanto, a legislação em matéria de IVA foi harmonizada precisamente pelo facto de ter, per se, uma ligação especial com o mercado interno e de tais distorções da concorrência deverem ser evitadas. Assim sendo, a Diretiva IVA assenta na base de competência consagrada no artigo 113.° TFUE e não tem de preencher, ao contrário de outros impostos (nomeadamente, ao contrário dos impostos sobre o rendimento), as condições específicas do artigo 115.° TFUE.

57.      Por conseguinte, é questionável se a formulação «Estado-Membro em causa» se refere efetivamente ao Estado do lugar da prestação para efeitos de IVA, tanto mais que o lugar da prestação depende da qualidade do destinatário da prestação. Se uma mesma prestação de serviços fosse fornecida num mesmo Estado-Membro (estrangeiro) a uma pessoa que não é sujeito passivo (por exemplo, prestações de cuidados a uma pessoa singular) e a um sujeito passivo (por exemplo, prestações de cuidados enquanto subcontratante num centro de terceira idade), seriam necessários dois reconhecimentos, dado que o lugar da prestação se situa uma vez no país de destino (estrangeiro) e uma vez no país de origem (em território nacional).

2.      Redação

58.      O conceito de «organismo [...] reconhecido como tal pelo Estado-Membro em causa» é utilizado apenas em algumas disposições relativas às isenções fiscais, ao passo que outras disposições deste tipo se referem apenas a «estabelecimentos reconhecidos» [v., por exemplo, artigo 132.°, n.° 1, alínea b), da Diretiva IVA].

59.      Esta comparação em termos de redação permite, desde logo, concluir que por «Estado-Membro em causa» poderá entender-se algo diferente do Estado que dispõe do direito de tributação. Esta interpretação, segundo a qual o Estado-Membro em causa se refere sempre ao Estado que também pode tributar a operação, torna a formulação supérflua no seu conjunto. Com efeito, sem esta formulação, é sempre o Estado-Membro em que se situa o lugar da prestação para efeitos fiscais e que, por conseguinte, dispõe do direito de tributação, que examina as condições do facto gerador do imposto e que pode fazer uso do respetivo poder de apreciação.

60.      Por conseguinte, a própria redação indica que por «Estado-Membro em causa» não se entende sempre o Estado que pode tributar a operação.

3.      Tomada em consideração da génese da disposição

61.      Neste sentido aponta igualmente a génese da disposição. No diploma antecedente à Diretiva IVA, a isenção prevista no artigo 132.°, n.° 1, alínea g), da Diretiva IVA encontrava-se consagrada no artigo 13.° da Sexta Diretiva. Segundo a respetiva epígrafe, este artigo tratava de «Isenções no território do país».

62.      Segundo o terceiro considerando da Diretiva IVA, através da sua adoção pretendeu-se apenas reformular a sua estrutura e a sua redação, sem que daí devessem resultar alterações substanciais da legislação existente. Todavia, as alterações substantivas que acabaram por ser efetuadas são enumeradas exaustivamente nas disposições que regem a transposição e a entrada em vigor da diretiva. Nada se diz a propósito do artigo 132.°, n.° 1, alínea g), da Diretiva IVA.

63.      Portanto, ao ter-se em consideração a Sexta Diretiva, pode-se assumir que por isenção no território do país se entendia principalmente as prestações realizadas por «centros de terceira idade, por organismos de direito público ou por outros organismos de caráter social reconhecidos como tal pelo Estado-Membro em causa», estabelecidos normalmente em território nacional, e que prestam os seus serviços também em território nacional. O Estado-Membro em causa, que deve proceder ao reconhecimento, seria, então, aquele em que a prestação foi realizada. Tal corresponderia ao princípio do país de destino.

4.      Interpretação teleológica

64.      Também uma interpretação teleológica se opõe à utilização das disposições relativas ao lugar da prestação para determinar o[s] «Estado[s]-Membro[s] em causa», que decide[m] sobre o reconhecimento. Tal como foi referido acima, as disposições relativas ao lugar devem imputar a base tributária, no caso de entregas e prestações de serviços transfronteiriças, a um dos Estados-Membros em causa. Para o efeito, podem ser aplicados diferentes princípios que têm em conta, ora, mais o caráter de imposto de consumo (princípio do país de destino, princípio do lugar da atividade), ora, mais o princípio de uma administração fiscal eficaz (princípio do país de origem).

65.      No entanto, o objetivo da isenção do IVA prevista no artigo 132.°, n.° 1, alínea g), da Diretiva IVA e a ligação com um reconhecimento estatal pelo «Estado-Membro em causa» é, a meu ver, diferente. Com efeito, não se trata de implementar o caráter de imposto sobre o consumo ou uma administração fiscal eficaz, mas antes, em especial, de financiar os sistemas sociais dos respetivos Estados-Membros.

66.      O objetivo desta isenção consiste nomeadamente em reduzir os custos das prestações destes serviços e, assim, torná-los mais acessíveis aos particulares que deles possam beneficiar (26). Uma vez que a maior parte destes custos é suportada pelos sistemas sociais dos Estados-Membros, a isenção fiscal visa também financiar os sistemas sociais dos Estados-Membros.

67.      Por este motivo, o Tribunal de Justiça já declarou em diversas ocasiões que o Estado-Membro não excede o seu poder de apreciação no reconhecimento de outros organismos ao exigir que as despesas atinentes aos cuidados ambulatórios em causa devam ter sido suportadas no todo ou na sua maior parte pelos organismos legais de segurança social ou de assistência social (27).

68.      No entanto, se o reconhecimento de outro organismo for, por um lado, deixado à apreciação do Estado-Membro e, por outro lado, se a isenção tiver por finalidade reduzir as despesas atinentes aos cuidados ambulatórios, sendo que a maior parte dessas despesas é suportada pelos respetivos sistemas sociais, então, o lugar da prestação para efeitos de IVA não pode ser decisivo. Com efeito, no caso de prestações de serviços transfronteiriças, parece-me difícil imaginar que se deva deixar à apreciação do país de origem (no presente caso, a Bulgária), se os sistemas sociais nos países de destino (no presente caso, os sistemas alemão ou austríaco) estão ou não sujeitos ao IVA.

69.      Tal explica igualmente a razão pela qual o legislador da União se refere explicitamente ao reconhecimento pelo Estado-Membro em causa. Do ponto de vista teleológico, o Estado-Membro em causa é aquele cujo sistema social é afetado pela prestação de serviços e que, por conseguinte, deve poder decidir sobre o reconhecimento do prestador como organismo com caráter social.

70.      Por último, esta interpretação é apoiada pela redação da alínea c) do artigo 133.°, n.° 1, da Diretiva IVA. Ao abrigo desta disposição, o Estado-Membro pode fazer depender a concessão da isenção a «outros organismos» da prática por estes organismos de preços homologados pelas autoridades públicas. Deste modo, por estas autoridades públicas podem apenas entender-se as autoridades do país de destino. Cabendo às autoridades competentes do país de destino aprovar os preços localmente, é evidente que o «Estado-Membro em causa», que decide sobre o reconhecimento, deve ser o Estado-Membro do país de destino.

5.      Tomada em consideração do princípio da neutralidade

71.      Além disso, a interpretação segundo a qual, nos termos do artigo 132.°, n.° 1, alínea g), da Diretiva IVA, o Estado-Membro competente para o reconhecimento é aquele cujos sistemas sociais pagam, regra geral, as prestações de serviços, e não aquele em que o lugar da prestação de serviços é regulado pela Diretiva IVA, respeita o princípio da neutralidade.

72.      O princípio da neutralidade opõe-se nomeadamente a que operadores económicos que efetuem as mesmas operações sejam tratados diferentemente em matéria de cobrança do IVA (28). As empresas em concorrência entre si devem, em princípio, ser tratadas da mesma forma para efeitos de IVA.

73.      A concorrência entre centros de terceira idade, organismos de direito público ou outros organismos reconhecidos – pelo Estado-Membro em causa – ocorre, em princípio, no lugar onde os serviços são prestados e pagos. A Momtrade concorre, neste sentido, principalmente com organismos que prestam serviços comparáveis na Alemanha ou na Áustria. Esta concorrência pode ser significativamente distorcida se os Estados-Membros puderem influenciar, através da sua própria prática de reconhecimento no país de origem, os custos da atividade no país de destino.

74.      Esta distorção da concorrência ocorreria em todas as situações em que a prática de reconhecimento difere em cada Estado-Membro. O poder de apreciação conferido aos Estados-Membros a este respeito (v., a este respeito, n.os 38 e segs., supra) exclui praticamente qualquer prática uniforme. O Estado-Membro que estabelece os requisitos mais rigorosos para o reconhecimento colocaria as empresas, com a sede da sua atividade económica no seu território, em desvantagem no caso de prestações de serviços realizadas no quadro do artigo 45.° da Diretiva IVA. O Estado-Membro, que estabelece as condições menos rigorosas para o reconhecimento, colocaria as empresas, com a sede da sua atividade económica no seu território, em vantagem no caso de prestações de serviços realizadas no quadro do artigo 45.° da Diretiva IVA.

75.      Por conseguinte, tal como a Administração Tributária búlgara referiu, a Bulgária emite uma decisão de reconhecimento que apenas é válida para as prestações de serviços realizadas no território da Bulgária. No presente caso, a Alemanha e a Áustria terão, portanto, de decidir sobre se a Momtrade deve ser reconhecida como um organismo com caráter social.

76.      A Momtrade terá de apresentar esta decisão às autoridades fiscais búlgaras. De acordo com o princípio da confiança mútua (29), tal decisão terá de ser reconhecida na Bulgária. As autoridades fiscais búlgaras examinarão apenas se existe igualmente uma prestação de serviços isenta estreitamente relacionada com a assistência social e com a segurança social, na aceção do artigo 132.°, n.° 1, alínea g), da Diretiva IVA. Se esse não for o caso, a prestação de serviços é tributável; se esse for o caso, a prestação de serviços é isenta. Eventuais litígios sobre se a decisão de reconhecimento estava livre de erros de apreciação terão de ser resolvidos no Estado de cujos sistemas sociais terão, regra geral, de suportar os custos, ou seja, no país de destino.

77.      No entanto, esta interpretação significa que o montante das receitas de IVA na Bulgária é indiretamente influenciado pela decisão de reconhecimento de outro Estado-Membro (no caso em apreço, a Alemanha e a Áustria). A meu ver, tal justifica-se, todavia, através do objetivo específico da alínea g), do artigo 132.°, n.° 1, da Diretiva IVA (redução dos custos dos respetivos sistemas sociais – a este respeito, n.os 65 e segs.) e do princípio da neutralidade concorrencial.

V.      Conclusão

78.      Consequentemente, proponho que o Tribunal de Justiça responda do seguinte modo às questões prejudiciais submetidas pelo Varhoven administrativen sad (Supremo Tribunal Administrativo, Bulgária):

1.      Os particulares podem invocar diretamente o artigo 132.°, n.° 1, alínea g), da Diretiva IVA no Estado-Membro que os tributa, apesar do poder de apreciação aí concedido aos Estados-Membros. Tal é válido independentemente de o lugar da prestação se basear no princípio do país de destino ou no princípio do país de origem e independentemente de um intermediário ter mediado esta prestação de serviços.

2.      O artigo 132.°, n.° 1, alínea g), da Diretiva IVA deve ser interpretado no sentido de que o Estado-Membro em causa, que toma a decisão de reconhecimento relativamente a outros organismos, doe o Estado-Membro em que as prestações de serviços são efetivamente realizadas e de cujos sistemas sociais pagam, regra geral, essas prestações de serviços. No caso de prestações de serviços transfronteiriças, este pode ser também um Estado-Membro ao qual a diretiva não confere a competência de tributação correspondente com base no lugar da prestação.

Pelo contrário, a questão de saber se a prestação em causa constitui uma prestação de serviços estreitamente relacionada com a assistência social e com a segurança social e se está suficientemente comprovada deve ser apreciada pelo Estado-Membro a que a diretiva confere a competência de tributação correspondente com base no lugar da prestação, em conformidade com a sua própria legislação (caso esta transponha corretamente o artigo 132.°, n.° 1, alínea g), da Diretiva IVA).

3.      O simples facto de uma sociedade comercial estar registada como prestadora de serviços sociais numa agência estatal não é, por si só, suficiente para se concluir pela existência de um reconhecimento, sem erros de apreciação, como organismo de caráter social.


1      Língua original: alemão.


2      Diretiva do Conselho, de 28 de novembro de 2006 (JO 2006, L 347, p. 1) com a redação em vigor nos anos controvertidos (2014 e 2015); que foi, entretanto, alterada pela Diretiva 2013/61/UE do Conselho, de 17 de dezembro de 2013 (JO 2013, L 353, p. 5).


3      Ministerstvo na truda i sotsialnata politika


4      Acórdãos de 10 de setembro de 2002, Kügler (C-141/00, EU:C:2002:473, n.° 51), de 26 de setembro de 2000, IGI (C-134/99, EU:C:2000:503, n.° 36), e de 19 de janeiro de 1982, Becker (8/81, EU:C:1982:7, n.° 25).


5      Acórdão de 10 de setembro de 2002, Kügler (C-141/00, EU:C:2002:473, n.° 53). O Acórdão de 21 de janeiro de 2016, Les Jardins de Jouvence (C-335/14, EU:C:2016:36, n.° 47) fala de conceitos autónomos de direito da União, que devem ser objeto de uma definição ao nível da União Europeia.


6      Acórdão de 17 de junho de 2010, Comissão/França (C-492/08, EU:C:2010:348, n.° 41 quanto ao ponto 15 do anexo III).


7      Acórdão de 10 de setembro de 2002, Kügler (C-141/00, EU:C:2002:473, n.° 55).


8      Acórdãos de 8 de outubro de 2020, Finanzamt D (C-657/19, EU:C:2020:811, n.° 45), e de 10 de setembro de 2002, Kügler (C-141/00, EU:C:2002:473, n.° 56).


9      Acórdãos de 15 de novembro de 2012, Zimmermann (C-174/11, EU:C:2012:716, n.° 32), e de 10 de setembro de 2002, Kügler (C-141/00, EU:C:2002:473, n.° 61).


10      Acórdão de 10 de setembro de 2002, Kügler (C-141/00, EU:C:2002:473, n.° 57).


11      Acórdãos de 15 de abril de 2021, Administration de l'Enregistrement, des Domaines et de la TVA (C-846/19, EU:C:2021:277, n.° 69), de 8 de outubro de 2020, Finanzamt D (C-657/19, EU:C:2020:811, n.° 43), de 21 de janeiro de 2016, Les Jardins de Jouvence (C-335/14, EU:C:2016:36, n.os 32 e 34), e de 15 de novembro de 2012, Zimmermann (C-174/11, EU:C:2012:716, n.° 26).


12      Acórdãos de 15 de abril de 2021, Administration de l'Enregistrement, des Domaines et de la TVA (C-846/19, EU:C:2021:277, n.° 70), de 8 de outubro de 2020, Finanzamt D (C-657/19, EU:C:2020:811, n.° 44), de 21 de janeiro de 2016, Les Jardins de Jouvence (C-335/14, EU:C:2016:36, n.° 35), de 12 de março de 2015, «go fair» Zeitarbeit (C-594/13, EU:C:2015:164, n.° 20), e de 15 de novembro de 2012, Zimmermann (C-174/11, EU:C:2012:716, n.° 31 e jurisprudência referida).


13      Acórdão de 17 de junho de 2010, Comissão/França (C-492/08, EU:C:2010:348, n.° 45).


14      Acórdão de 15 de abril de 2021, Administration de l'Enregistrement, des Domaines et de la TVA (C-846/19, EU:C:2021:277, n.° 72), de 17 de junho de 2010, Comissão/França (C-492/08, EU:C:2010:348, n.os 42 e 44), e de 28 de julho de 2016, Conseil des ministres (C-543/14, EU:C:2016:605, n.os 61 e 63).


15      Acórdãos de 15 de abril de 2021, Administration de l'Enregistrement, des Domaines et de la TVA (C-846/19, EU:C:2021:277, n.° 57), de 8 de outubro de 2020, Finanzamt D (C-657/19, EU:C:2020:811, n.° 28), de 12 de março de 2015, «go fair» Zeitarbeit (C-594/13, EU:C:2015:164, n.° 17), de 15 de novembro de 2012, Zimmermann (C-174/11, EU:C:2012:716, n.° 22), e de 7 de setembro de 1999, Gregg (C-216/97, EU:C:1999:390, n.° 12).


16      Acórdão de 26 de maio de 2005, Kingscrest Associates e Montecello (C-498/03, EU:C:2005:322, n.° 32, onde se refere que «não reclama uma interpretação particularmente restritiva»).


17      Acórdãos de 15 de abril de 2021, Administration de l'Enregistrement, des Domaines et de la TVA (C-846/19, EU:C:2021:277, n.° 57), de 8 de outubro de 2020, Finanzamt D (C-657/19, EU:C:2020:811, n.° 28), de 12 de março de 2015, «go fair» Zeitarbeit (C-594/13, EU:C:2015:164, n.° 17), e de 15 de novembro de 2012, Zimmermann (C-174/11, EU:C:2012:716, n.° 22).


18      Acórdãos de 15 de abril de 2021, Administration de l'Enregistrement, des Domaines et de la TVA (C-846/19, EU:C:2021:277, n.° 59), e de 8 de outubro de 2020, Finanzamt D (C-657/19, EU:C:2020:811, n.° 31); neste sentido, igualmente, Acórdão de 9 de fevereiro de 2006, Stichting Kinderopvang Enschede (C-415/04, EU:C:2006:95, n.° 25).


19      Acórdãos de 15 de abril de 2021, Administration de l'Enregistrement, des Domaines et de la TVA (C-846/19, EU:C:2021:277, n.° 62), e de 15 de novembro de 2012, Zimmermann (C-174/11, EU:C:2012:716, n.° 23), v., neste sentido, Acórdão de 10 de setembro de 2002, Kügler (C-141/00, EU:C:2002:473, n.° 44).


20      Acórdão de 15 de abril de 2021, Administration de l'Enregistrement, des Domaines et de la TVA (C-846/19, EU:C:2021:277, n.° 63).


21      Acórdão de 12 de março de 2015, «go fair» Zeitarbeit (C-594/13, EU:C:2015:164, n.° 28).


22      V. quanto à falta de uma norma relativa aos juros na legislação em matéria de IVA: Acórdãos de 23 de abril de 2020, Sole-Mizo e Dalmandi Mezőgazdasági (C-13/18 e C-126/18, EU:C:2020:292, n.° 37), de 24 de outubro de 2013, Rafinăria Steaua Română (C-431/12, EU:C:2013:686, n.° 20 – autonomia), de 28 de julho de 2011, Comissão/Hungria (C-274/10, EU:C:2011:530, n.° 39), e de 12 de maio de 2011, Enel Maritsa Iztok 3 (C-107/10, EU:C:2011:298, n.° 29).


23      Acórdãos de 16 de julho de 2020, UR (Obrigação de IVA dos advogados) (C-424/19, EU:C:2020:581, n.° 25), de 4 de março de 2020, Telecom Italia (C-34/19, EU:C:2020:148, n.° 58), de 10 de julho de 2014, Impresa Pizzarotti (C-213/13, EU:C:2014:2067, n.° 54), de 24 de outubro de 2013, Rafinăria Steaua Română (C-431/12, EU:C:2013:686, n.° 20), de 21 de janeiro de 2010, Alstom Power Hydro (C-472/08, EU:C:2010:32, n.° 17), e de 3 de setembro de 2009, Fallimento Olimpiclub (C-2/08, EU:C:2009:506, n.° 24).


24      Diretiva 2008/8/CE do Conselho, de 12 de fevereiro de 2008, no que diz respeito ao lugar das prestações de serviços (JO 2008, L 44, p. 11).


25      V., por exemplo, terceiro considerando da Diretiva 2008/8/CE.


26      Acórdãos de 8 de outubro de 2020, Finanzamt D (C-657/19, EU:C:2020:811, n.° 29), de 21 de janeiro de 2016, Les Jardins de Jouvence (C-335/14, EU:C:2016:36, n.° 41), e de 26 de maio de 2005, Kingscrest Associates e Montecello (C-498/03, EU:C:2005:322, n.° 30).


27      Acórdão de 15 de novembro de 2012, Zimmermann (C-174/11, EU:C:2012:716, n.° 37), neste sentido, também, Acórdãos de 21 de janeiro de 2016, Les Jardins de Jouvence (C-335/14, EU:C:2016:36, n.° 39), e de 26 de maio de 2005, Kingscrest Associates e Montecello (C-498/03, EU:C:2005:322, n.° 53). De maneira similar, em relação às prestações de serviços de assistência: Acórdãos de 7 de abril de 2022, I (Isenção de IVA das prestações hospitalares) (C-228/20, EU:C:2022:275, n.° 61), e de 5 de março de 2020, Idealmed III (C-211/18, EU:C:2020:168, n.os 30 e 31).


28      V. Acórdãos de 16 de outubro de 2008, Canterbury Hockey Club e Canterbury Ladies Hockey Club (C-253/07, EU:C:2008:571, n.° 30), de 7 de setembro de 1999, Gregg (C-216/97, EU:C:1999:390, n.° 20), e de 11 de junho de 1998, Fischer (C-283/95, EU:C:1998:276, n.° 22).


29      V. relativamente a este princípio no quadro da cooperação no âmbito da justiça penal: Acórdão de 12 de maio de 2021, Bundesrepublik Deutschland (Red Notice, Interpol) (C-505/19, EU:C:2021:376, n.° 80 e jurisprudência referida). V., igualmente, Acórdão de 28 de setembro de 2006, van Straaten (C-150/05, EU:C:2006:614, n.° 43).