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Edição provisória

CONCLUSÕES DA ADVOGADA-GERAL

JULIANE KOKOTT

de 7 de setembro de 2023 (1)

Processo C-314/22

«Consortium Remi Group» AD

contra

Direktor na Direktsia «Obzhalvane i danachno-osiguritelna praktika» Varna pri Tsentralno upravlenie na Natsionalnata agentsia za prihodite

[pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Varhoven administrativen sad (Supremo Tribunal Administrativo, Bulgária)]

«Reenvio prejudicial – Sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado – Diretiva 2006/112/CE – Valor tributável – Redução do valor tributável – Não pagamento total ou parcial do preço após a realização da operação – Possibilidade de derrogação conferida aos Estados-Membros nos termos do artigo 90.°, n.° 2, da Diretiva IVA – Efeito direto do artigo 90.°, n.° 1, da Diretiva IVA – Prazo de caducidade – Início do prazo – Data da redução do valor tributável – Redução sem efeito retroativo – Direito a juros do sujeito passivo»






I.      Introdução

1.        Nas transações económicas sucede com alguma regularidade que um cliente não pague atempadamente as suas faturas, ou não as pague de todo. Isto é particularmente desagradável para uma empresa que seja sujeito passivo na aceção do direito do IVA. Com efeito, no direito do IVA, o sujeito passivo é desde logo devedor do imposto antes de o ter recebido da empresa que deve efetivamente suportar o imposto (a beneficiária da prestação). Isso significa que até que a sua fatura seja paga, a empresa está obrigada a pré-financiar o IVA, concedendo assim ao Estado um empréstimo sem juros. No presente caso estão em causa faturas de 2006 a 2012 que ainda não foram pagas.

2.        Em consequência, muitos Estados-Membros preveem uma retificação correspondente da dívida já contraída pela empresa em matéria de IVA. Segundo o órgão jurisdicional de reenvio, o direito búlgaro, em contrapartida, não prevê qualquer possibilidade de redução do valor tributável em caso de não pagamento total ou parcial. Tal só é possível em caso de alteração do preço. Além disso, o direito fiscal prevê um prazo geral de caducidade de cinco anos para o direito ao reembolso.

3.        Por esse motivo, coloca-se aqui a questão, para o Tribunal de Justiça, de saber se o direito do IVA da União, harmonizado, exige uma possibilidade de retificação e, em caso afirmativo, se o Estado-Membro a pode limitar temporalmente. Em caso de limitação, coloca-se ainda a questão de saber em que data se inicia este prazo.

II.    Quadro jurídico

A.      Direito da União

4.        O enquadramento jurídico de direito da União do presente caso é fornecido pela Diretiva 2006/112/CE de 28 de novembro de 2006 relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado (2) (a seguir «Diretiva IVA»).

5.        O artigo 63.° da Diretiva IVA prevê o seguinte:

«O facto gerador do imposto ocorre e o imposto torna-se exigível no momento em que é efetuada a entrega de bens ou a prestação de serviços.»

6.        O artigo 66.°, alínea b) contém uma exceção:

«Em derrogação do disposto nos artigos 63.°, 64.° e 65.°, os Estados-Membros podem prever que, em relação a certas operações ou a certas categorias de sujeitos passivos, o imposto se torne exigível num dos seguintes momentos: [...]

b)      O mais tardar, no momento em que o pagamento é recebido.»

7.        O artigo 73.° da diretiva regula o valor tributável e estabelece o seguinte:

«Nas entregas de bens e nas prestações de serviços, que não sejam as referidas nos artigos 74.° a 77.°, o valor tributável compreende tudo o que constitui a contraprestação que o fornecedor ou o prestador tenha recebido ou deva receber em relação a essas operações, do adquirente, do destinatário ou de um terceiro, incluindo as subvenções diretamente relacionadas com o preço de tais operações.»

8.        O artigo 90.° da Diretiva IVA regula a redução do valor tributável:

«1. Em caso de anulação, rescisão, resolução, não pagamento total ou parcial ou redução do preço depois de efetuada a operação, o valor tributável é reduzido em conformidade, nas condições fixadas pelos Estados-Membros.

2. Em caso de não pagamento total ou parcial, os Estados-Membros podem derrogar o disposto no n.° 1.»

9.        O artigo 184.° da Diretiva IVA diz respeito à regularização das deduções e tem o seguinte teor:

«A dedução inicialmente efetuada é objeto de regularização quando for superior ou inferior à dedução a que o sujeito passivo tinha direito.»

10.      O artigo 185.° da diretiva abrange o caso de não pagamento e prevê o seguinte:

«1. A regularização é efetuada nomeadamente quando se verificarem, após a declaração de IVA, alterações dos elementos tomados em consideração para a determinação do montante das deduções, por exemplo no caso de anulação de compras ou de obtenção de abatimentos nos preços.

2. Em derrogação do disposto no n.° 1, não é efetuada qualquer regularização no caso de operações total ou parcialmente por pagar, no caso de destruição, perda ou roubo devidamente comprovados ou justificados, bem como no caso das afetações de bens a ofertas de pequeno valor e a amostras referidas no artigo 16.°

No caso de operações total ou parcialmente por pagar e nos casos de roubo, os Estados-Membros podem, todavia, exigir a regularização.»

11.      O artigo 203.° da Diretiva IVA abrange a dívida tributária por fatura incorreta e tem o seguinte teor:

«O IVA é devido por todas as pessoas que mencionem esse imposto numa fatura.»

12.      O artigo 273.° da Diretiva IVA prevê o seguinte:

«Os Estados-Membros podem prever outras obrigações que considerem necessárias para garantir a cobrança exata do IVA e para evitar a fraude, sob reserva da observância da igualdade de tratamento das operações internas e das operações efetuadas entre Estados–Membros por sujeitos passivos, e na condição de essas obrigações não darem origem, nas trocas comerciais entre Estados-Membros, a formalidades relacionadas com a passagem de uma fronteira. [...]»

B.      Direito búlgaro

13.      A Diretiva IVA foi transposta na Bulgária, a partir de 1 de janeiro de 2007, pela Zakon za danaka varhu dobavenata stoynost (Lei do IVA, a seguir «ZDDS»). O artigo 115.°, n.os 1 e 3, da ZDDS prevê o seguinte:

«1. Em caso de alteração do valor tributável ou de anulação de uma operação para a qual foi emitida uma fatura, o fornecedor ou prestador de serviços deve emitir uma nota de crédito ou de débito relativa à fatura.

3. Em caso de aumento da matéria coletável, deve ser elaborada uma nota de débito, e uma nota crédito, em caso de diminuição do valor tributável ou de anulação de operações.»

14.      O Danachno-osiguritelen protsesualen kodeks (Código do Processo Tributário e da Segurança Social, a seguir «DOPK») contém normas relativas aos direitos de reembolso em matéria fiscal. Assim, o artigo 129.°, n.° 1, do DOPK prevê um prazo de caducidade dos direitos de reembolso. Segundo esta disposição, o pedido de compensação ou de reembolso é apreciado se tiver sido apresentado antes de decorridos cinco anos contados a partir de 1 de janeiro do ano seguinte àquele em que se verificaram as circunstâncias que determinaram o reembolso, salvo disposição legal em contrário.

III. Litígio no processo principal

15.      A «Consortium Remi Group» AD (a seguir «CRG»), com sede em Varna (Bulgária), exerce a atividade de construção de edifícios e instalações. Foi registada em conformidade com a ZDDS em 1995, mas o registo foi cancelado em 7 de março de 2019, uma vez que foi constatado que não tinha sistematicamente cumprido as obrigações que lhe incumbiam por força da ZDDS. Por Sentença do Varnenski Okrazhen sad (Tribunal Regional de Varna, Bulgária) de 18 de setembro de 2020, a CRG foi declarada insolvente e foi aberto um processo de insolvência.

16.      Nos anos de 2006 a 2010 e 2012, a CRG emitiu faturas a cinco sociedades búlgaras pela entrega de bens e prestação de serviços. As faturas mencionavam o IVA. De acordo com o pedido de decisão prejudicial, este imposto foi pago em relação à maioria dos períodos de tributação. O montante total dos créditos de IVA, de acordo com essas faturas, é de 618 171 levs búlgaros (a seguir «BGN»), o que corresponde a cerca de 310 000 euros. Na falta de informações mais detalhadas, presume-se que o pedido de decisão prejudicial diz apenas respeito ao IVA declarado e também pago pela CRG.

17.      Por liquidação adicional de 31 de janeiro de 2011, foram apuradas as dívidas da CRG nos termos da ZDDS para o período de 1 de janeiro de 2007 a 1 de julho de 2010, incluindo o IVA mencionado nas faturas a uma das sociedades acima referidas. A CRG interpôs recurso da decisão de revisão, ao qual foi, no entanto, negado provimento por sentença do Tribunal Administrativo de primeira instância, que foi, por sua vez, confirmada por Acórdão do Varhoven administrativen sad (Supremo Tribunal Administrativo, Bulgária).

18.      Em 7 de fevereiro de 2020, a CRG solicitou às autoridades tributárias que procedessem à compensação de um montante de 1 282 582,19 BGN (cerca de 640 000 euros) – um montante principal de 618 171,16 BGN (IVA no valor de cerca de 310 000 euros, mencionado nas faturas dirigidas às referidas destinatárias) e juros no montante de 664 411,03 BGN (cerca de 330 000 euros, calculados desde o primeiro dia do mês seguinte à emissão das faturas até 31 de julho de 2019) – com as suas dívidas por força do direito público.

19.      Por Despacho de compensação e de reembolso de 6 de março de 2020, a Administração Fiscal recusou-se a compensar os montantes de IVA indevidamente pagos e cobrados, com o alcance mencionado. O despacho declarava que, seja como for, o pedido de compensação tinha sido apresentado após o termo do período de caducidade nos termos do artigo 129.°, n.° 1, do DOPK. Além disso, a CRG não provou que montantes tinham sido indevidamente pagos ou cobrados, nem a existência dos respetivos créditos fixados e exigíveis contra o fisco.

20.      A CRG apresentou uma reclamação à Administração contra o despacho de compensação e de reembolso. Em apoio dos seus pedidos, apresentou decisões judiciais de abertura de processos de insolvência contra as sociedades destinatárias das faturas. Três das sociedades tinham, entretanto, sido declaradas insolventes e o início da liquidação dos seus ativos tinha sido ordenado.

21.      No entanto, do pedido de decisão prejudicial não resulta o que sucedeu com os outros destinatários da entrega. Também ficou por esclarecer por que motivo não ocorreu qualquer pagamento e se a CRG tentou (sem sucesso) recuperar os seus créditos de direito civil. O mesmo se diga em relação às datas em que foram instaurados os processos de insolvência. Do pedido de decisão prejudicial também não resulta quando é que estes processos de insolvência foram concluídos. De qualquer forma, estão em causa créditos de 2006 a 2012. Na audiência ficou demonstrado que alguns dos destinatários da entrega já tinham, após a conclusão do processo de insolvência, sido extintos em 2012, 2018 e 2020, no caso de outros, o processo de insolvência ainda está em curso.

22.      O despacho de compensação e de reembolso foi confirmado na sua totalidade pela Decisão do Direktor na Direktsia «Obzhalvane i danachno-osiguritelna praktika» [Varna] pri Tsentralno upravlenie na Natsionalnata agentsia za prihodite (diretor na Direção «Recursos e práticas em matéria de fiscalidade e de segurança social», [da cidade de Varna], dependente da Administração Central da Agência das Receitas Públicas) (a seguir «diretor») de 22 de maio de 2020.

23.      O diretor baseou igualmente a sua decisão no facto de a Bulgária ter derrogado o artigo 90.°, n.° 2, da Diretiva IVA em conformidade com o artigo 90.°, n.° 1, da mesma. Salientou que o direito búlgaro não prevê a possibilidade de reduzir o valor tributável no caso de não pagamento total ou parcial. O artigo 115.°, n.os 1 e 3, da ZDDS abrange apenas outras situações. Além disso, a recorrente em cassação não provou que as faturas não tinham sido pagas no todo ou em parte, tendo-se limitado a alegá-lo. Acresce que todos os destinatários das faturas em questão deduziram o IVA como parte do preço das entregas ou serviços, de modo que um reembolso do imposto liquidado pela destinatária/prestadora de serviços teria certamente como resultado uma perda de receitas fiscais.

24.      A CRG interpôs recurso, sem êxito, do despacho de compensação e de reembolso, para o Administrativen sad Varna (Tribunal Administrativo de Varna, Bulgária). O órgão jurisdicional calculou o prazo geral estabelecido no artigo 129.° do DOPK para apresentar o pedido de reembolso a partir da data em que o IVA foi mencionado nas faturas. Por conseguinte, considerou o pedido de reembolso apresentado em 7 de fevereiro de 2020 inadmissível por ser extemporâneo. A CRG interpôs no órgão jurisdicional de reenvio recurso de cassação da Sentença de 16 de fevereiro de 2021, proferida em primeira instância.

25.      No decurso da apreciação da procedência do recurso de cassação contra o despacho de compensação e reembolso, o Varhoven admninitrativen sad (Supremo Tribunal Administrativo) concluiu que a decisão do litígio pressupunha a interpretação de disposições do direito da União.

IV.    Tramitação no Tribunal de Justiça e questões prejudiciais

26.      Por conseguinte, em 4 de maio de 2022, o Varhoven admninitrativen sad (Supremo Tribunal Administrativo), onde está pendente o litígio, submeteu as seguintes questões ao Tribunal de Justiça:

1.      Quando existe uma derrogação nos termos do artigo 90.°, n.° 2, da Diretiva IVA, o princípio da neutralidade e o artigo 90.° desta diretiva opõem-se a uma disposição de direito nacional, como o artigo 129.°, n.° 1, segundo período, do Danachno-osiguritelen protsesualen kodeks (Código de Processo Tributário e da Segurança Social), que prevê um prazo de caducidade para a apresentação de um pedido de compensação ou de reembolso do imposto liquidado pelo sujeito passivo relativamente à entrega de bens ou à prestação de serviços em caso de não pagamento total ou parcial pelo destinatário da entrega?

2.      Independentemente da resposta à primeira questão, nas circunstâncias do processo principal, é requisito obrigatório para o reconhecimento do direito à redução do valor tributável nos termos do artigo 90.°, n.° 1, da Diretiva IVA que o sujeito passivo, antes de apresentar o pedido de reembolso, retifique a fatura que emitiu relativamente ao IVA apresentado devido ao não pagamento total ou parcial do preço da entrega ou da prestação de serviços pelo destinatário da fatura?

3.      Em função das respostas às duas primeiras questões: como deve ser interpretado o artigo 90.°, n.° 1, da Diretiva IVA para determinar a data em que surge o motivo de redução do valor tributável quando se verifica um caso de não pagamento total ou parcial do preço e, devido à derrogação ao artigo 90.°, n.° 1, não há uma norma nacional?

4.      Como devem ser aplicadas as considerações dos Acórdãos de 27 de novembro de 2017, Enzo Di Maura (C-246/16, EU:C:2017:887, n.° 21 a 27) e de 3 de julho de 2019, UniCredit Leasing (C-242/18, EU:C:2019:558, n.os 62 e 65), se o direito búlgaro não contém requisitos específicos para a aplicação da derrogação nos termos do artigo 90.°, n.° 2, da Diretiva IVA?

5.      O princípio da neutralidade e o artigo 90.° da Diretiva IVA opõem-se a uma prática fiscal e de seguro segundo a qual, em caso de não pagamento, não é permitida nenhuma retificação do imposto liquidado antes de o destinatário dos bens ou serviços, se for um sujeito passivo, ser notificado da anulação do imposto de modo a que a dedução por ele inicialmente efetuada seja retificada?

6.      A interpretação do artigo 90.°, n.° 1, da diretiva permite considerar que um eventual direito a uma redução do valor tributável em caso de não pagamento total ou parcial dá direito ao reembolso do IVA pago pelo fornecedor, acrescido de juros de mora, e a partir de que data?

27.      No processo no Tribunal de Justiça, a Administração Fiscal búlgara e a Comissão Europeia apresentaram observações escritas a respeito destas questões. Intervieram conjuntamente com a República da Bulgária na audiência de 12 de maio de 2023.

V.      Apreciação jurídica

A.      Quanto às questões prejudiciais

28.      As seis questões prejudiciais podem dividir-se em quatro grupos. Assim, o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber em que medida um Estado-Membro pode beneficiar da faculdade conferida pelo artigo 90.°, n.° 2, da Diretiva IVA, em caso de não pagamento total ou parcial e se o artigo 90.°, n.° 1 produz efeito direto (questões 1 e 4, v. a este respeito, B.)

29.      A terceira questão diz respeito à data concreta a partir da qual o sujeito passivo pode reduzir o valor tributável nos termos do artigo 90.° da Diretiva IVA (v. a este respeito, C.).

30.      Além disso, o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber, em substância, quais são as modalidades de retificação do valor tributável pelo sujeito passivo (questões 2 e 5). A este respeito, importa esclarecer se antes da retificação do valor tributável pelo sujeito passivo também pode ser corrigida a fatura original em nome do beneficiário da prestação ou pelo menos se pode ser dado conhecimento ao beneficiário da prestação da retificação do valor tributável. Afinal, a dedução realizada pelo mesmo foi excessiva, se o mesmo nunca tiver chegado a pagar o valor da fatura (v. a este respeito, D.).

31.      Com a sexta questão, o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber se e a partir de quando é que o Estado-Membro deve pagar juros de mora em caso de alteração do valor tributável. No presente caso, a CRG pede juros a partir da emissão da fatura e da falta de pagamento da mesma, apesar de a retificação do valor tributável só ter ocorrido em fevereiro de 2020 (v. a este respeito, E.).

32.      Antes de mais, deve ainda ser esclarecido que o Tribunal de Justiça é competente para interpretar o direito da União unicamente no que se refere à sua aplicação num novo Estado-Membro a partir da data da sua adesão à União Europeia (3). No entanto, o processo principal diz manifestamente respeito a fornecimentos e serviços de 2006, ou seja, anteriores à adesão da República da Bulgária à União, em 1 de janeiro de 2007.

33.      Tal como o Tribunal de Justiça esclareceu a respeito da regularização das deduções ao abrigo dos artigos 184.° e 185.°, da Diretiva IVA (4), a redução do valor tributável visa retificar as deduções efetuadas no passado. A retificação para redução do valor tributável é, assim, indissociável da exigibilidade do IVA. Em consequência, o surgimento, após a adesão de um Estado-Membro à União, de circunstâncias, não permite ao Tribunal de Justiça interpretar a Diretiva IVA se a entrega dos bens ou a prestação de serviços em causa tiverem ocorrido antes dessa adesão (5). Por conseguinte, o Tribunal de Justiça não tem competência para responder às questões do órgão jurisdicional de reenvio que digam respeito à retificação da dívida tributária para fornecimentos e serviços de 2006.

B.      Alcance do artigo 90.°, n.° 2, da Diretiva IVA

34.      Com as suas questões 1 e 4, o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber em que medida um Estado-Membro pode beneficiar do poder conferido pelo artigo 90.°, n.° 2, da Diretiva IVA. O artigo 90.°, n.° 1, da Diretiva IVA prevê, designadamente, que em caso de não pagamento total ou parcial depois de efetuada a operação, o valor tributável é reduzido em conformidade, nas condições fixadas pelos Estados-Membros. O artigo 90.°, n.° 2, desta diretiva permite, no entanto, que os Estados-Membros derroguem esta norma em caso de não pagamento total ou parcial.

1.      Possibilidade de exclusão da redução do valor tributável?

35.      Segundo o órgão jurisdicional de reenvio, a Bulgária fez uso da possibilidade de derrogação e excluiu completamente a retificação do valor tributável em caso de não pagamento total ou parcial.

36.      Esta circunstância não é compatível com a Diretiva IVA. Pelo menos desde a decisão do Tribunal de Justiça no processo Enzo Di Maura, em 2017, ficou esclarecido que embora os Estados-Membros possam derrogar a retificação do valor tributável prevista no artigo 90.°, n.° 1, da Diretiva IVA, o legislador da União não lhes conferiu poderes para a excluir pura e simplesmente (6). Em especial, o poder de derrogação do n.° 2 só é aplicável em caso de incerteza em relação ao caráter definitivo do não pagamento de uma fatura. Não diz respeito à questão de saber se uma redução do valor tributável pode não ser efetuada em caso de não pagamento (7).

37.      Por um lado, o legislador búlgaro pode eliminar para o futuro a circunstância violadora do direito da União em que se encontra o direito búlgaro. Segundo declarações prestadas na audiência, foi realizada uma alteração legislativa nesse sentido, com efeitos a partir de 1 de janeiro de 2023. Por outro lado, esta circunstância pode ser afastada por uma interpretação conforme com a diretiva, se, e na medida em que, o direito búlgaro possa ser interpretado nesse sentido. Esta última hipótese deve ser apreciada pelo órgão jurisdicional de reenvio, mas parece não ser possível. A terceira possibilidade consiste numa aplicação direta do artigo 90.°, n.° 1, da Diretiva IVA a favor do sujeito passivo.

2.      Efeito direto do artigo 90, n.° 1 da Diretiva IVA

38.      Tal como o Tribunal de Justiça já concluiu diversas vezes (8), por um lado, o artigo 90.° da Diretiva IVA deixa aos Estados-Membros uma certa margem de apreciação quando fixam as medidas necessárias para determinar o valor da redução. Essa circunstância não afeta o caráter preciso e incondicional da obrigação de admitir a redução do valor tributável nos casos previstos no referido artigo. Estão, por conseguinte, reunidas as condições para produzir efeito direto (9).

39.      Por outro lado, o Tribunal de Justiça declarou, numa decisão proferida em 2014, que os sujeitos passivos não podem invocar, nos termos do artigo 90.°, n.° 1, da Diretiva IVA, o direito à redução do valor tributável do IVA nos casos de não pagamento do preço se o Estado-Membro em causa tiver decidido aplicar a derrogação prevista no n.° 2 do mesmo artigo (10). Deste modo, a CRG não podia retificar o valor tributável invocando o artigo 90.°, n.° 1, da Diretiva IVA e tinha de interpor uma ação por responsabilidade do Estado contra a Bulgária.

40.      No entanto, à semelhança do órgão jurisdicional de reenvio, considero que a decisão acima referida deve ser matizada tendo em consideração a jurisprudência do Tribunal de Justiça proferida posteriormente, em especial, nos processos Enzo Di Maura e Uni Credit Leasing (11). Tal como acima referido (n.o 36), a faculdade de derrogação prevista no artigo 90.°, n.° 2, da Diretiva IVA apenas permite que os Estados-Membros tenham em consideração a incerteza existente em caso de não pagamento total ou parcial do preço quanto ao caráter definitivo ou apenas transitório desse não pagamento. Tal permite, p. ex., prever determinadas modalidades quanto à questão de saber até quando se pode considerar que se trata de uma incerteza meramente transitória. No entanto, não permite excluir, em princípio, a retificação do valor tributável.

41.      Consequentemente, o artigo 90.°, n.° 1, da Diretiva IVA só não produz efeito direto se o Estado-Membro em causa também pretender fazer uso (conforme com a diretiva) da derrogação nos termos do artigo 90.°, n.° 2, desta diretiva (12). Só assim é, se a sua medida derrogatória continuar, em princípio, a permitir a retificação em caso de não pagamento total ou parcial do preço. Porém, a Bulgária não permite, precisamente, qualquer retificação em caso de não pagamento, não pretendendo, assim, fazer uso da faculdade de derrogação prevista pelo direito da União. Por conseguinte, o artigo 90.°, n.° 1, da Diretiva IVA pode produzir efeito direto.

3.      Limitações temporais do direito à redução do valor tributável

42.      Uma vez que, fora dos limites estabelecidos, o artigo 90.°, n.° 1, da Diretiva IVA e, no entender do Tribunal de Justiça, também o artigo 273.° desta diretiva, não especificam as condições nem as obrigações que os Estados-Membros podem prever, há que concluir que essas disposições lhes conferem uma margem de apreciação, nomeadamente, quanto às formalidades a cumprir pelos sujeitos passivos perante as autoridades fiscais dos referidos Estados, para efeitos de proceder a uma redução do valor tributável (13).

43.      A limitação temporal da retificação do valor tributável também deve ser abrangida por esta margem de apreciação dos Estados-Membros. Tal como o Tribunal de Justiça já declarou diversas vezes, o direito da União não exige a possibilidade de apresentar um pedido de reembolso de IVA sem qualquer limite de tempo. Pelo contrário, tal iria contra o princípio da segurança jurídica, que exige que a situação fiscal do sujeito passivo, tendo em conta os seus direitos e obrigações face à Administração Fiscal, não seja suscetível de ser indefinidamente posta em causa (14).

44.      Por conseguinte, em princípio, o artigo 90.°, n.° 1, da Diretiva IVA não se opõe a uma limitação temporal do direito à redução do valor tributável.

4.      Requisitos de uma limitação temporal da redução do valor tributável conforme com o direito da União

45.      A data a partir da qual esse prazo começa a correr releva do direito nacional, sem prejuízo do respeito pelos princípios da equivalência e da efetividade (15). Em especial, o princípio da efetividade exige que a limitação temporal da redução do valor tributável prevista no artigo 90.°, n.° 1, da Diretiva IVA esteja em conformidade com os princípios de direito da União em matéria de direito do IVA.

46.      Em primeiro lugar, resulta da jurisprudência constante do Tribunal de Justiça que o artigo 90.°, n.° 1, da Diretiva IVA constitui a expressão de um princípio fundamental da Diretiva IVA. Segundo o mesmo, o valor tributável é constituído pela contraprestação efetivamente recebida. Daqui resulta ainda que a Administração Fiscal não pode cobrar a título de IVA um montante superior ao montante que o sujeito passivo recebeu (16). O mesmo obriga o Estado-Membro à correspondente redução do valor tributável (17).

47.      Em segundo lugar, deve ser tido em conta o princípio da neutralidade fiscal. Este constitui um princípio fundamental do IVA decorrente da sua natureza enquanto imposto sobre o consumo (18). Este estabelece, designadamente, que a empresa deve, em princípio, na qualidade de cobradora de impostos por conta do Estado, ser libertada do ónus do IVA (19), desde que a própria atividade empresarial se destine à realização de operações (por princípio) sujeitas a imposto (20).

48.      No entanto, nos termos do artigo 63.° da Diretiva IVA, o imposto torna-se exigível no momento em que é efetuada a entrega de bens ou a prestação de serviços. Não é, no entanto, decisivo que o destinatário também tenha pago a contraprestação (a denominada tributação da contraprestação acordada). Contudo, se a empresa que realiza a prestação estiver obrigada, por razões de técnica fiscal, a pagar durante anos IVA que não conseguiu recuperar, este pré-financiamento onera significativamente a empresa. Neste caso, já não se pode falar de uma neutralidade completa do IVA (21).

49.      Em terceiro lugar, o pré-financiamento do IVA afeta os direitos fundamentais do sujeito passivo (p. ex., a liberdade profissional, a liberdade de empresa e o direito fundamental de propriedade, artigos 15.°, 16.° e 17.°, da Carta dos Direitos Fundamentais). Além disso, pode igualmente considerar-se a possibilidade de uma desigualdade de tratamento nos termos do artigo 20.° da Carta relativamente a empresas em relação às quais o imposto apenas se torna exigível, nos termos do artigo 66.°, alínea b), da Diretiva IVA, no momento em que se recebe o pagamento pela contraprestação (a denominada regra da tributação do pagamento efetivo).

50.      À luz destes princípios de direito da União, a limitação temporal da possibilidade de reduzir o valor tributário nos termos do artigo 90.°, da Diretiva IVA pressupõe, assim, que o prazo esteja associado a uma data a partir da qual o sujeito passivo pudesse igualmente beneficiar do artigo 90.°, n.° 1, da Diretiva IVA. Só nessa altura é tido em conta o raciocínio de que o sujeito passivo age «apenas» como cobrador de impostos por conta do Estado (22) e, consequentemente, não é devedor de mais impostos do que os que conseguiu efetivamente cobrar. Se este prazo também dever servir para garantir a segurança jurídica (v. a este respeito supra, n.° 43), esta data deve poder ser identificada pelo sujeito passivo.

51.      A data da realização da prestação ou da apresentação da fatura, na qual a primeira instância no processo principal se baseia, não é adequada para este efeito (23). Normalmente, nesse momento, o sujeito passivo presume que o preço acordado também será pago. Em consequência, nessa altura, não estão preenchidos os requisitos do artigo 90.°, n.° 1, da Diretiva IVA.

52.      A data de referência escolhida pelo legislador nacional para o início do prazo de caducidade cabe na sua margem de apreciação. O mesmo pode optar pela data mais antiga para a redução do valor tributável (probabilidade suficiente de que o beneficiário da prestação não irá pagar, p. ex., não pagamento apesar de um aviso de pagamento) ou a data mais recente (probabilidade quase certa de que o beneficiário da prestação não irá pagar, p. ex., encerramento do processo de insolvência).

53.      No entanto, sem esta escolha, tal como no presente caso, só a data mais recente possível para o início do prazo de caducidade pode ser tida em consideração. Tal resulta desde logo da decisão do Tribunal de Justiça no processo FGSZ (24). Quando um Estado-Membro tenha previsto que o direito de um credor obter a redução do valor tributável referido no artigo 90.° da Diretiva IVA está sujeito a um prazo de caducidade, «esse prazo deve começar a correr não a partir da data de cumprimento da obrigação de pagamento inicialmente prevista mas da data em que o crédito se tornou definitivamente incobrável».

54.      Esta conclusão pode ser transposta para o presente caso. O único prazo previsto nos termos do direito búlgaro é o prazo geral do artigo 129.°, n.° 1, do DOPK, cujo início despende da existência do direito ao reembolso. O direito búlgaro não estabelece nenhuma norma especial quanto à data em que se constitui o direito de reembolso resultante da redução do valor tributável nos termos do artigo 90.°, n.° 1, da Diretiva IVA.

55.      Contudo, se um Estado-Membro privar o sujeito passivo, em violação do direito da União, da possibilidade de reduzir o valor tributável em caso de não pagamento, o prazo geral de caducidade também poderá só começar a correr na data-limite (supra, n.° 52). Esta é a data em que existe, com toda a segurança, a probabilidade de, tal como também foi alegado pela Comissão, já não se contar com o pagamento, o que sucederá apenas no momento do encerramento do processo de insolvência. Por conseguinte, o artigo 90.°, n.° 1, da Diretiva IVA opõe-se aqui a um prazo de caducidade que esteja associado a uma data mais antiga.

5.      Conclusão intermédia

56.      O artigo 90.°, n.° 1, da Diretiva IVA é diretamente aplicável, se o Estado-Membro tiver feito um uso de tal modo erróneo da possibilidade de derrogação prevista no artigo 90.°, n.° 2, desta diretiva, que não tenha tido em conta a insegurança de um não pagamento definitivo, mas tenha excluído completamente a redução do valor tributável (resposta à quarta questão).

57.      Para tanto, o artigo 90.°, da Diretiva IVA não se opõe a um prazo de caducidade adequado, se este só se iniciar na data ou após a data em que o sujeito passivo, em caso de não pagamento total ou parcial do preço, pudesse reduzir o valor tributável. No entanto, o prazo de caducidade a contar da realização da prestação ou da apresentação da fatura não é compatível com o artigo 90.° desta diretiva. Sem a concretização legislativa desta data, o prazo de caducidade só pode iniciar-se a partir da data em que o crédito se tenha tornado irrecuperável com probabilidade quase certa (resposta à primeira questão).

C.      Data da redução do valor tributável em caso de não pagamento total ou parcial

58.      No entanto, a questão decisiva, que o órgão jurisdicional de reenvio também suscita na terceira questão, é a de saber em que momento pode sequer ocorrer a redução do valor tributável nos termos do artigo 90.°, n.° 1, da Diretiva IVA em caso de não pagamento total ou parcial, a favor do sujeito passivo.

59.      O Tribunal de Justiça refere, no contexto do artigo 90.° da Diretiva IVA, o «direito de proceder a uma redução do valor tributável» (25). Este direito existe em benefício do sujeito passivo. O mesmo permite ao sujeito passivo reduzir o valor tributável se considerar que o recebimento é irrealista num futuro previsível. No entanto, não existe nenhuma obrigação de fazer uso deste direito. O sujeito passivo pode continuar a pré-financiar o IVA, se, e por, presumir que o seu cliente irá pagar em breve.

60.      Em consequência, só o sujeito passivo pode avaliar se o pagamento ainda irá ocorrer numa data previsível ou não irá ocorrer. Assim sendo, a sua declaração sobre a data a partir da qual, em seu entender, se pode considerar o não pagamento como «definitivo», é determinante. Esta declaração ocorre no âmbito do exercício fiscal então em curso.

61.      Em conclusão, a redução do valor tributável de uma operação do prestador depende, portanto, da sua decisão e da sua declaração. Esta não pode produzir efeitos retroativos, uma vez que até esta declaração se pode presumir, num sistema de auto-avaliação (neste caso, num sistema em que o sujeito passivo calcula a sua própria dívida fiscal e a fixa), que o sujeito passivo ainda considera que o pagamento do preço irá ocorrer de forma suficientemente atempada.

62.      Só assim não seria, se a lei nacional previsse uma data concreta, adequada, a partir da qual, em princípio, poderia ser realizada a redução do valor tributável. No entanto, não é o que sucede no presente caso. Em consequência, não existe nenhuma data concreta na qual deverá ser realizada a redução do valor tributável. Pelo contrário, existe um período em que o sujeito passivo pode invocar o seu direito à redução do valor tributável.

1.      Data-limite para a redução do valor tributável

63.      Tal como o Tribunal de Justiça já declarou (26), a data-limite a partir da qual o sujeito passivo pode realizar a redução do valor tributável é a data em que se pode dar por adquirido que já não irá ocorrer nenhum pagamento da operação realizada. Tal pode, p. ex., consistir na conclusão de um processo de insolvência do beneficiário da prestação. No entanto, a redução do valor tributável não pode depender apenas do caráter infrutífero de um processo de insolvência (27).

64.      Neste sentido, o Tribunal de Justiça declarou que tomar por referência o caráter «definitivamente incobrável» não é proporcional (28), tanto mais que os pagamentos atrasados poderiam tornar a aumentar o valor tributável. Além disso, um sistema de responsabilidade objetiva ultrapassaria aquilo que é necessário para preservar os direitos da Administração Fiscal (29). O mesmo é aplicável ao pré-financiamento estrito de longo prazo de um imposto incobrável (p. ex., por um período de vários anos, como, por exemplo, até à conclusão de um processo de insolvência). Em meu entender, também pode ser tida em consideração como data-limite a data da caducidade do direito ao pagamento de natureza civil. Nesta medida, pode considerar-se que o destinatário da prestação, que até então não pagou, não irá certamente pagar um crédito já prescrito.

65.      No entanto, tendo em conta a sua função de cobrador de impostos, os seus direitos fundamentais e o princípio da neutralidade, o sujeito passivo também deve ter a possibilidade de reduzir o valor tributável num momento anterior.

2.      Primeira data para a redução do valor tributável

66.      Não existe, até à data, nenhuma decisão do Tribunal de Justiça relativa à determinação da primeira data a partir da qual se pode considerar a existência do não pagamento total ou parcial que dá direito à redução do valor tributável na aceção do artigo 90.°, n.° 1, da Diretiva IVA. Em meu entender, para a resposta a esta questão, devem ser tidos em consideração os artigos 66.°, alínea b) e 194.° e segs. da Diretiva IVA, em conjugação com o princípio da igualdade de tratamento (artigo 20.° da Carta). Estas disposições exigem uma retificação do valor tributável que possa ser rapidamente efetuada.

67.      Nos termos do artigo 66.°, alínea b), da Diretiva IVA, os Estados-Membros podem prever, em relação a uma categoria de sujeitos passivos (por exemplo, em função do valor da operação), que o imposto se torne exigível «no momento em que o pagamento é recebido» («regra da tributação do pagamento efetivo»). Os Estados-Membros recorreram, pelo menos em determinados casos, a esta possibilidade. Devem ainda ser tidas em consideração as prestações em que a Diretiva IVA prevê ou permite a transferência da condição de sujeito passivo para o destinatário da prestação (artigos 194.° e segs. da Diretiva IVA). As empresas que realizam este tipo de operações — por exemplo, prestações de serviços a empresários estabelecidos no estrangeiro — não estão obrigadas a pré-financiar o IVA. Estes últimos sistemas destinam-se, em sentido amplo, a uma administração fiscal simplificada.

68.      Uma empresa que está obrigada a pré-financiar impostos durante um período prolongado no âmbito de aplicação da tributação da contraprestação acordada — ou seja, nos casos em que o imposto se torna exigível independentemente da receção do pagamento — teria uma desvantagem concorrencial evidente em relação a uma empresa no âmbito de aplicação da regra da tributação do pagamento efetivo, que apenas tem de pagar o imposto correspondente aos preços que cobrou. O mesmo se aplicaria a empresas que apenas efetuam operações no âmbito das quais a qualidade de sujeito passivo é transferida para o destinatário da prestação. Um tratamento desigual deste tipo só pode ser justificado à luz do direito primário, em especial da Carta, quando o período de pré-financiamento não for demasiado prolongado.

69.      Na interpretação do artigo 90.°, n.° 1, da Diretiva IVA também se deve ter em conta que o aumento posterior do valor tributável é sempre possível à luz do direito fiscal (30). Com efeito, caso posteriormente (por exemplo, durante ou após a conclusão do processo de insolvência) ainda se verifique um pagamento a favor da empresa, a dívida fiscal pode voltar a ser aumentada. Esta situação decorre desde logo do artigo 73.° da Diretiva IVA, nos termos do qual o valor tributável compreende tudo o que o destinatário da prestação ou um terceiro paguem em relação a estas operações.

70.      A redução do valor tributável sob reserva de um aumento caso venha a ocorrer um pagamento constitui um meio menos restritivo e, por conseguinte, mais proporcional em comparação com a obrigação de pré-financiamento até à abertura ou mesmo ao encerramento de um processo de insolvência (31).

71.      No direito do IVA, não é possível estabelecer uma diferenciação entre créditos cujo não pagamento está definitivamente certo e créditos em que tal não sucede. Esta situação está relacionada com o facto de não existir uma impossibilidade definitiva de pagamento, no sentido do direito do IVA, o que é desde logo excluído pela redação do artigo 73.° da Diretiva IVA. Nos termos do referido artigo, o valor tributável também compreende pagamentos de um terceiro, pelo que é independente da solvência ou da existência de um devedor (32). Além disso, o direito do IVA não se baseia na existência de um crédito exequível, como demonstra a tributação do pagamento de gorjetas (33), de pagamentos excessivos não intencionais ou do pagamento de uma obrigação natural (34). Apenas existe sempre uma certa probabilidade de não pagamento, que aumenta sobretudo à medida que o não pagamento se prolonga no tempo e pode ser mais concretizada pelas circunstâncias do não pagamento (v. supra n.os 63 e seg.)

72.      Por conseguinte, só pode ser decisivo saber se um crédito não é cobrável no futuro previsível. Tal incobrabilidade pode desde já existir no caso de uma recusa séria de pagamento pelo devedor. Por exemplo, se o devedor contestar a própria existência do crédito, existe uma grande probabilidade de o crédito não ser cobrado durante um longo período de tempo ou não o ser na totalidade.

73.      Por outro lado, no caso de uma cobrança de impostos indireta, o Estado está sempre dependente do empresário para «cobrar» o IVA. Por conseguinte, devem ser consideradas as medidas que estão ao alcance do sujeito passivo e que lhe podem ser exigidas. A questão de saber que medidas podem ser exigidas razoavelmente de uma empresa em cada Estado-Membro, antes de a mesma poder regularizar a sua dívida fiscal devido ao não pagamento da contraprestação, depende das circunstâncias concretas de cada país. O Tribunal de Justiça só pode fornecer pontos de referência a este respeito.

74.      Neste sentido, o Estado-Membro pode exigir determinadas provas de uma provável duração prolongada do não pagamento. A mera declaração do mesmo não é suficiente. A fixação de um prazo adequado de não pagamento [p. ex., em analogia com o artigo 3.°, n.° 3, alínea b), da Diretiva 2011/7/UE que estabelece medidas de luta contra os atrasos de pagamento nas transações comerciais (35), 30 dias após a receção da fatura ou ainda, p. ex., 14 dias após um aviso de pagamento], a partir do qual se pode considerar a ocorrência de um não pagamento na aceção do artigo 90.°, n.° 1, da Diretiva IVA, se não houver indícios em contrário.

75.      Em meu entender, é decisivo que o sujeito passivo possa demonstrar perante a Administração Fiscal uma probabilidade razoável (36) de não pagamento duradouro, não obstante o mesmo ter tentado cumprir a sua função de cobrador de impostos por conta do Estado. Em contrapartida, a obrigação de cobrança judicial de créditos eventualmente sem qualquer valor, a favor do Estado, que acarreta custos consideráveis, não é compatível nem com o princípio da neutralidade nem com o princípio da proporcionalidade.

76.      Em geral, exige-se a tentativa de cobrança de um crédito antes da retificação do valor tributável. Tal é proporcional, se não existirem quaisquer indícios de que esse processo será infrutífero ou antieconómico. Neste sentido, o sujeito passivo pode decidir, através da sua atuação, o momento em que irá invocar o seu «direito à redução do valor tributável» dentro do período de tempo acima delineado.

3.      Conclusão intermédia

77.      A determinação da data a partir da qual um sujeito passivo pode, em caso de não pagamento total ou parcial nos termos do artigo 90.°, n.° 1, da Diretiva IVA, proceder pela primeira vez à redução do valor tributável (primeira data), depende das particularidades de cada Estado-Membro e das circunstâncias do caso concreto, as quais compete ao órgão jurisdicional de reenvio apreciar.

78.      Neste contexto, o princípio da neutralidade proíbe um pré-financiamento do imposto desproporcionadamente longo, desde que o sujeito passivo (prestador) tenha tomado as medidas exigíveis para cumprir a sua função de cobrador de impostos por conta do Estado-Membro. Tal pressupõe, em princípio, um aviso de pagamento (cobrança) infrutífero ao destinatário da prestação. No entanto, não é necessário um processo judicial infrutífero, a abertura ou a conclusão de um processo de insolvência relativo ao património do destinatário da prestação (resposta à terceira questão).

D.      Modalidades de redução do valor tributável pelo sujeito passivo

79.      O artigo 90.°, n.° 1, da Diretiva IVA e, no entender do Tribunal de Justiça (37), também o artigo 273.° desta diretiva, conferem aos Estados-Membros uma margem de apreciação, em especial, relativamente às formalidades que o sujeito passivo deve cumprir perante as autoridades fiscais dos Estados-Membros para reduzir o valor tributável (38). No entanto, estas medidas devem afetar o menos possível os objetivos e os princípios da Diretiva IVA e não podem, por isso, ser utilizadas de forma a pôr em causa a neutralidade do IVA (39).

80.      Por conseguinte, só são permitidos requisitos formais em relação à prova de que a contraprestação não foi definitivamente fornecida, parcial ou totalmente, após a realização da operação (40).

1.      Necessidade de retificação da fatura?

81.      Tal não inclui uma retificação da fatura. Para fazer prova de que não houve pagamento, é adequado um aviso de pagamento, uma ação ou uma recusa de pagamento, por escrito, pelo destinatário da prestação, mas não uma retificação da fatura pelo prestador.

82.      Acresce que, tal como acima referido no n.° 71, o artigo 90.° da Diretiva IVA não exige um não pagamento definitivo na aceção do direito do IVA. Conforme é desde logo demonstrado pelo artigo 73.° desta diretiva, as posteriores tentativas bem sucedidas de execução tornam a aumentar o valor tributável. Se se obrigasse o prestador a proceder a uma retificação da fatura, tal poderia até mesmo eventualmente ser qualificado de renúncia ao crédito, à luz do direito civil.

83.      Além disso, a Diretiva IVA só conhece a necessidade de retificação da fatura (41) quando o prestador se pretende eximir da sua obrigação fiscal nos termos do artigo 203.° da Diretiva IVA. No entanto, o artigo 203.° desta diretiva, contrariamente ao que afirmou a Administração Fiscal búlgara na audiência, não é aplicável ao presente caso. O mesmo diz apenas respeito ao caso de uma declaração de imposto injustificada, por conseguinte, errada e demasiado elevada, tal como o Tribunal de Justiça esclareceu recentemente (42). No entanto, as faturas originais não apresentam nenhum valor de IVA errado. Este valor e toda a fatura do prestador não se tornam errados pelo não pagamento unilateral do preço pelo destinatário da prestação. Por conseguinte, a mesma não deve ser retificada.

84.      Isso também distingue o presente caso, contrariamente ao que afirma a Bulgária, do caso que deu origem à decisão do Tribunal de Justiça no processo Kraft Foods Polska (43). Nesse processo, estava em causa a questão da redução do valor tributável em virtude de descontos posteriormente concedidos pelo prestador. Assim, nesse caso, foi alterada a contraprestação acordada que deveria estar identificada na fatura. Por esse motivo, naquele processo, fazia sentido a afirmação de que a prova do acesso a uma fatura retificada podia constituir uma modalidade em princípio possível na aceção do artigo 90.° da Diretiva IVA (44).

85.      No entanto, uma leitura atenta da decisão permite concluir que o Tribunal de Justiça deu sobretudo ênfase à prova da informação do destinatário da prestação, para este poder retificar a sua eventual dedução do imposto (45), uma vez que o mesmo, devido ao desconto, só era devedor de um preço inferior. Contudo, um destinatário da prestação que não tenha pagado a sua conta, continua a dever o mesmo preço. Nesta medida, não tem de ser informado. Também não tem de ser informado de que realizou uma dedução do imposto demasiado elevada (v. a este respeito, infra, n.° 90), pois ele próprio sabe que não pagou.

86.      Uma vez que não faz qualquer sentido retificar uma fatura correta (mesmo em caso de não pagamento), a Diretiva IVA opõe-se a uma obrigação nesse sentido.

2.       Necessidade de informação da Administração Fiscal ou do destinatário da prestação?

87.      Em consequência, fica apenas por esclarecer se os Estados-Membros, ao transporem o artigo 90.° da Diretiva IVA, podem prever que em caso de não pagamento não seja admissível qualquer redução do valor tributário antes de o destinatário do bem ou do serviço, se for um sujeito passivo, ter conhecimento do mesmo. É neste sentido que parece apontar a quinta questão do órgão jurisdicional de reenvio, uma vez que refere expressamente como objetivo destas medidas a retificação da dedução inicialmente efetuada pelo destinatário da prestação.

88.      Assim, como vem descrito no pedido de decisão prejudicial, as autoridades fiscais só pretendem, em princípio, reduzir o valor tributário do prestador se a dedução tiver sido previamente retificada pelo destinatário da prestação. Assim, a questão relativa ao artigo 90.° da Diretiva IVA inscreve-se no contexto dos artigos 184.° e segs. da Diretiva IVA. Ao passo que o artigo 90.° da Diretiva IVA regula o direito de um prestador reduzir o seu valor tributável se, após a realização de uma operação, não receber a contraprestação prevista ou não a receber na totalidade, o artigo 185.° da mesma diretiva diz respeito à retificação das deduções a montante originalmente realizadas pela contraparte da mesma operação. Por conseguinte, ambos os artigos constituem as duas faces das mesma operação económica (46).

89.      No entanto, os factos que dão origem à retificação nos termos do artigo 90.° e dos artigos 184.° e segs. da Diretiva IVA são independentes entre si. Com efeito, dizem respeito a sujeitos passivos diferentes (47). Assim, «o facto de o IVA devido pelo fornecedor do sujeito passivo não ser regularizado não tem nenhuma influência no direito da Administração Fiscal nacional [...] de exigir a regularização do IVA deduzido por um sujeito passivo» (48).

90.      Esta obrigação de retificação que recai sobre o destinatário da prestação existe de maneira totalmente independente de uma potencial comunicação do prestador ao destinatário e, em regra, já existe antes da mesma. Com efeito, a dedução do imposto visa unicamente, tal como já declarei detalhadamente noutra sede (49), desonerar o destinatário da prestação do encargo do IVA (50). Contudo, se, tal como no presente caso, não houve pagamento, não existe nenhum encargo de IVA para o destinatário da prestação. Por conseguinte, nos termos do artigo 184.° e segs. da Diretiva IVA, este também deve corrigir prontamente a sua dedução do imposto sob pena de ser acusado de fraude fiscal.

91.      Todavia, só a redução do valor tributável pelo prestador permite que as autoridades fiscais analisem a dedução do imposto do destinatário do serviços e, eventualmente, realizem uma retificação ao abrigo dos artigos 184.° e segs. da Diretiva IVA. Nesta medida, a comunicação às autoridades fiscais no quadro da retificação do valor tributável nos termos do artigo 90.° da Diretiva IVA é certamente útil. Por conseguinte, o artigo 90.° da Diretiva IVA não se oporia a outra obrigação de informação, especial, do sujeito passivo às autoridades fiscais. Contudo, no presente caso não está em causa a obrigação de notificação das autoridades fiscais, mas do destinatário da prestação (51).

92.      Esta obrigação de comunicação ao destinatário da prestação deverá, enquanto modalidade no âmbito do artigo 90.°, n.° 1, da Diretiva IVA, em conformidade com o princípio da proporcionalidade, permitir a realização dos objetivos atribuídos a esta diretiva e não ir além do necessário para os alcançar (52).

93.      A comunicação ao destinatário da prestação de que o prestador pretende reduzir o valor tributário nos termos do artigo 90.° da Diretiva IVA indicia que o mesmo não recebeu a contraprestação após a realização da operação. No entanto, o próprio destinatário da prestação sabe que não pagou, tal como sabe que, por esse motivo, não tem direito à dedução do imposto. Por conseguinte, esta comunicação tem pelo menos uma função de lembrete ou de aviso. Por esse motivo, a sua adequação é duvidosa.

94.      Ainda assim, perante o reduzido encargo para o prestador, o Tribunal de Justiça (53) considerou que a obrigação desta comunicação devia, em princípio, ser considerada proporcional. Contudo, na sua fundamentação, o Tribunal de Justiça argumentou que o Estado-Membro devia ter a possibilidade de «agir em tempo útil, no âmbito do processo de insolvência, para recuperar o IVA que pôde ser deduzido a montante por esse mesmo devedor (ou seja, o destinatário da prestação)» (54). No entanto, fica por esclarecer como a comunicação ao destinatário da prestação, não sujeita a quaisquer requisitos especiais de forma, pode colocar o Estado-Membro na situação de poder agir em tempo útil.

95.      A obrigação de comunicação ao destinatário da prestação é totalmente inadequada, se a comunicação já não for possível ou não fizer sentido, por, p. ex., o destinatário da prestação já ter sido extinto na sequência do encerramento do processo de insolvência, ter mudado para um endereço desconhecido ou já ter retificado a sua dedução. Além disso, informar a Administração Fiscal sobre o destinatário da prestação em causa, no quadro da redução do valor tributável, é o meio mais adequado e mais moderado de colocar a Administração Fiscal na situação de controlar e corrigir em tempo útil a dedução do IVA efetuada pelo destinatário da prestação.

3.      Conclusão intermédia

96.      A obrigação legal segundo a qual o prestador deve informar o destinatário da prestação sobre a alteração do valor tributável para o recordar de uma alteração da dedução que eventualmente ainda esteja por realizar é desproporcionada por falta de adequação. Por conseguinte, os Estados-Membros não a podem prever no quadro do artigo 90.° da Diretiva IVA (resposta à quinta questão). Além disso, a obrigação de retificação prévia de uma fatura correta viola a Diretiva IVA (resposta à segunda questão).

E.      Sujeição a juros do direito de reembolso por força da redução do valor tributável

97.      Desta forma, resta apenas esclarecer a partir de quando, em caso de redução justificada do valor tributável, o Estado-Membro deve aplicar juros ao direito de reembolso dela decorrente. No presente caso, a CRG realizou uma redução do valor tributável em 2020, mas pede juros com efeitos retroativos aos anos da emissão das faturas (entre 2006 e 2012).

98.      O princípio da neutralidade do sistema fiscal do IVA exige que as perdas financeiras geradas por causa do reembolso de um excedente de IVA efetuado depois de um prazo razoável sejam compensadas pelo pagamento de juros de mora (55). O mesmo se aplica no que diz respeito aos reembolsos do IVA resultantes de uma redução do valor tributável do IVA em aplicação do artigo 90.°, n.° 1, da Diretiva IVA (56).

99.      Tal como acima referido (n.os 51 e segs.), na falta de modalidades mais precisas previstas no direito nacional, é possível uma redução do valor tributável para o sujeito passivo, dentro de um determinado período de tempo. O que é determinante é a sua declaração quanto ao momento a partir do qual, em seu entender, se pode considerar que existe um não pagamento «definitivo». Esta declaração é feita no âmbito do período fiscal em curso e não produz efeitos retroativos (v. supra n.os 60 e segs.). Consequentemente, a aplicação de juros também só pode, tal como alegaram corretamente a Administração Fiscal búlgara e a Comissão, ocorrer após esta declaração.

100. Antes desta data, o fundamento jurídico para o pagamento do IVA era constituído pelo artigo 63.° da Diretiva IVA. Este último só deixa de ser aplicável perante o não pagamento definitivo com probabilidade razoável (artigo 90.° da Diretiva IVA). Por conseguinte, cabe ao sujeito passivo comunicar o final deste pré-financiamento e pedir o reembolso no âmbito do pagamento do imposto. A partir desse momento, a Administração toma conhecimento do valor tributável reduzido e da sua obrigação de reembolso. Em caso de não pagamento, a mesma entra em mora e fica sujeita a juros de mora.

101. Esta solução também serve a segurança jurídica, uma vez que poupa a todos os intervenientes um litígio dirigido ao passado sobre o início da aplicação de juros e, desta forma, sobre o momento da primeira «impossibilidade de cobrança», quando o sujeito passivo não tenha aparentemente visto, na altura, qualquer necessidade de reduzir o valor tributável.

102. Em consequência, a aplicação de juros ao direito de reembolso devido pela redução do valor tributável não deve ser considerada logo a partir da realização da prestação ou da emissão da fatura em causa (neste momento, o pagamento ainda não era incerto na aceção do artigo 90.° da Diretiva IVA). Pelo contrário, a mesma só pode ser equacionada a partir do momento em que o prestador possa considerar que o pagamento já não será realizado e o declare no âmbito do pagamento do imposto (resposta à sexta questão).

VI.    Proposta de decisão

103. Neste sentido, proponho ao Tribunal de Justiça que responda do seguinte modo, às questões prejudiciais submetidas pelo Varhoven administrativen sad (Supremo Tribunal Administrativo, Bulgária):

1.      O artigo 90.° da Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro de 2006, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado não se opõe a um prazo de caducidade adequado, se este só se iniciar na data ou após a data em que o sujeito passivo, em caso de não pagamento total ou parcial do preço, pudesse reduzir o valor tributável. No entanto, o prazo de caducidade a contar da realização da prestação ou da apresentação da fatura não é compatível com o artigo 90.° desta diretiva. Sem a concretização legislativa desta data, o prazo de caducidade só pode iniciar-se a partir da data em que o crédito se tenha tornado irrecuperável com probabilidade quase certa.

2.      A obrigação de retificação prévia de uma fatura correta como requisito para a redução do valor tributável em caso de não pagamento do preço viola a Diretiva 2006/112.

3.      A determinação da data a partir da qual um sujeito passivo, em caso de não pagamento total ou parcial nos termos do artigo 90.°, n.° 1, da Diretiva 2006/112, pode proceder pela primeira vez à redução do valor tributável (primeira data), depende das particularidades de cada Estado-Membro e das circunstâncias do caso concreto, as quais compete ao órgão jurisdicional de reenvio apreciar. Neste contexto, o princípio da neutralidade proíbe um pré-financiamento do imposto desproporcionadamente longo, desde que o sujeito passivo (prestador) tenha tomado as medidas exigíveis para cumprir a sua função de cobrador de impostos por conta do Estado-Membro. Tal pressupõe, em princípio, um aviso de pagamento (cobrança) infrutífero ao destinatário da prestação. No entanto, não é necessário um processo judicial infrutífero, a abertura ou a conclusão de um processo de insolvência relativo ao património do destinatário da prestação.

4.      O artigo 90.°, n.° 1, da Diretiva 2006/112 é diretamente aplicável, se o Estado-Membro tiver feito um uso de tal modo erróneo da possibilidade de derrogação prevista no artigo 90.°, n.° 2, desta diretiva, que não tenha tido em conta a insegurança de um não pagamento definitivo, mas tenha excluído completamente a redução do valor tributável.

5.      A obrigação legal segundo a qual o prestador deve informar o destinatário da prestação em caso de não pagamento (total ou parcial) do preço sobre a alteração do valor tributável para o recordar de uma alteração da dedução que eventualmente ainda esteja por realizar é desproporcionada por falta de adequação. Por conseguinte, os Estados-Membros não a podem prever no quadro do artigo 90.° da Diretiva 2006/112.

6.      A aplicação de juros ao direito de reembolso devido pela redução do valor tributável só pode ser equacionada a partir do momento em que o prestador possa considerar que o pagamento já não será realizado e o declare no âmbito do pagamento do imposto.


1      Língua original: alemão.


2      JO 2006, L 347, p. 1, com a última alteração introduzida pela Diretiva (UE) 2022/890 do Conselho, de 3 de junho de 2022, que altera a Diretiva 2006/112/CE no respeitante à prorrogação do período de aplicação do mecanismo facultativo de autoliquidação em relação ao fornecimento ou prestação de certos bens e serviços que apresentam um risco de fraude e do mecanismo de reação rápida contra a fraude ao IVA (JO 2022, L 155, p. 1).


3      Acórdãos de 3 de julho de 2019, UniCredit Leasing (C-242/18, EU:C:2019:558, n.° 30), e de 27 de junho de 2018, Varna Holideis (C-364/17, EU:C:2018:500, n.os 17 e segs.).


4      Acórdão de 27 de junho de 2018, Varna Holideis (C-364/17, EU:C:2018:500, n.os 27 e segs.).


5      Neste sentido, Acórdão de 27 de junho de 2018, Varna Holideis (C-364/17, EU:C:2018:500, n.° 31).


6      Despacho de 3 de março de 2021, FGSZ (C-507/20, EU:C:2021:157, n.° 20), e Acórdão de 23 de novembro de 2017, Di Maura (C-246/16, EU:C:2017:887, n.° 21), ainda quanto à disposição anterior com o mesmo teor.


7      Acórdãos de 11 de novembro de 2021, ELVOSPOL (C-398/20, EU:C:2021:911, n.° 28), de 11 de junho de 2020, SCT (C-146/19, EU:C:2020:464, n.° 24), de 8 de maio de 2019, A-PACK CZ (C-127/18, EU:C:2019:377, n.° 21), e de 23 de novembro de 2017, Di Maura (C-246/16, EU:C:2017:887, n.° 22), em sentido semelhante, igualmente, Despacho de 3 de março de 2021, FGSZ (C-507/20, EU:C:2021:157, n.° 20), e Acórdão de 22 de fevereiro de 2018, T – 2 (C-396/16, EU:C:2018:109, n.os 36 e segs.).


8      Acórdãos de 12 de outubro de 2017, Lombard Ingatlan Lízing (C-404/16, EU:C:2017:759, n.° 38), e de 15 de maio de 2014, Almos Agrárkülkereskedelmi (C-337/13, EU:C:2014:328, n.° 34).


9      Despacho de 3 de março de 2021, FGSZ (C-507/20, EU:C:2021:157, n.° 31), Acórdão de 15 de outubro de 2020, E. (IVA – Redução do valor tributável) (C-335/19, EU:C:2020:829, n.os 51 e 52).


10      Acórdão de 15 de maio de 2014, Almos Agrárkülkereskedelmi (C-337/13, EU:C:2014:328, n.° 23), repetido acriticamente no Acórdão de 12 de outubro de 2017, Lombard Ingatlan Lízing (C-404/16, EU:C:2017:759, n.° 39).


11      Acórdãos de 3 de julho de 2019, UniCredit Leasing (C-242/18, EU:C:2019:558), e de 23 de novembro de 2017, Di Maura (C-246/16, EU:C:2017:887).


12      Neste sentido, também Acórdãos de 11 de novembro de 2021, ELVOSPOL (C-398/20, EU:C:2021:911, n.° 38), e de 3 de julho de 2019, UniCredit Leasing (C-242/18, EU:C:2019:55, n.° 65).


13      Acórdãos de 3 de julho de 2019, UniCredit Leasing (C-242/18, EU:C:2019:558, n.° 39), de 12 de outubro de 2017, Lombard Ingatlan Lízing (C-404/16, EU:C:2017:759, n.° 42), e de 15 de maio de 2014, Almos Agrárkülkereskedelmi (C-337/13, EU:C:2014:328, n.° 37).


14      Despacho de 3 de março de 2021, FGSZ (C-507/20, EU:C:2021:157, n.° 23).


15      Despacho de 3 de março de 2021, FGSZ (C-507/20, EU:C:2021:157, n.° 23), v. neste sentido, Acórdãos de 21 de janeiro de 2010, Alstom Power Hydro (C-472/08, EU:C:2010:32, n.os 16 e 17, bem como jurisprudência referida), e de 12 de abril de 2018, Biosafe – Indústria de Reciclagens (C-8/17, EU:C:2018:249, n.os 36 e 37, bem como jurisprudência referida).


16      Acórdãos de 11 de novembro de 2021, ELVOSPOL (C-398/20, EU:C:2021:911, n.° 25), de 6 de outubro de 2021, Boehringer Ingelheim (C-717/19, EU:C:2021:818, n.° 41), de 15 de outubro de 2020, E. (IVA – Redução do valor tributável) (C-335/19, EU:C:2020:829, n.° 21), de 2 de julho de 2015, NLB Leasing (C-209/14, EU:C:2015:440, n.° 35), e de 3 de julho de 1997, Goldsmiths (C-330/95, EU:C:1997:339, n.° 15).


17      Assim, expressamente, também Acórdão de 3 de setembro de 2014, GMAC UK (C-589/12, EU:C:2014:2131, n.° 31), e de 26 de janeiro de 2012, Kraft Foods Polska (C-588/10, EU:C:2012:40, n.° 26).


18      No Acórdão de 13 de março de 2014, Malburg (C-204/13, EU:C:2014:147, n.° 43), o Tribunal de Justiça fala de um princípio de interpretação.


19      Acórdãos de 13 de março de 2008, Securenta (C-437/06, EU:C:2008:166, n.° 25), e de 1 de abril de 2004, Bockemühl (C-90/02, EU:C:2004:206, n.° 39).


20      Acórdãos de 13 de março de 2014, Malburg (C-204/13, EU:C:2014:147, n.° 41), de 21 de abril de 2005, HE (C-25/03, EU:C:2005:241, n.° 57), de 15 de dezembro de 2005, Centralan Property (C-63/04, EU:C:2005:773), n.° 51), e as minhas Conclusões no processo Centralan Property (C-63/04, EU:C:2005:185, n.° 25).


21      Neste sentido ainda Acórdão de 24 de outubro de 1996, Elida Gibbs (C-317/94, EU:C:1996:400, n.° 23).


22      Acórdãos de 20 de outubro de 1993, Balocchi (C-10/92, EU:C:1993:846, n.° 25), e de 21 de fevereiro de 2008, Netto Supermarkt (C-271/06, EU:C:2008:105, n.° 21).


23      Neste sentido, expressamente, também Despacho de 3 de março de 2021, FGSZ (C-507/20, EU:C:2021:157, n.° 27) com referência ao Acórdão de 21 de março de 2018, Volkswagen (C-533/16, EU:C:2018:204, n.° 51) e ao Acórdão de 12 de abril de 2018, Biosafe – Indústria de Reciclagens (C-8/17, EU:C:2018:249, n.° 44).


24      Despacho de 3 de março de 2021, FGSZ (C-507/20, EU:C:2021:157, n.° 28 e parte dispositiva).


25      Despacho de 3 de março de 2021, FGSZ (C-507/20, EU:C:2021:157, n.° 19), Acórdãos de 12 de outubro de 2017, Lombard Ingatlan Lízing (C-404/16, EU:C:2017:759, n.° 44), e de 15 de maio de 2014, Almos Agrárkülkereskedelmi (C-337/13, EU:C:2014:328, n.° 39).


26      O Despacho de 3 de março de 2021, FGSZ (C-507/20, EU:C:2021:157) também deve ser entendido neste sentido; v., igualmente, Acórdão de 23 de novembro de 2017, Di Maura (C-246/16, EU:C:2017:887, n.os 27 e 28).


27      Acórdão de 23 de novembro de 2017, Di Maura (C-246/16, EU:C:2017:887, n.° 29).


28      Acórdão de 23 de novembro de 2017, Di Maura (C-246/16, EU:C:2017:887, n.° 27).


29      Acórdãos de 6 de dezembro de 2012, Bonik (C-285/11, EU:C:2012:774, n.° 42), e de 21 de junho de 2012, Mahagében e Dávid (C-80/11 e C-142/11, EU:C:2012:373, n.° 48).


30      Neste sentido, igualmente, Acórdão de 23 de novembro de 2017, Di Maura (C-246/16, EU:C:2017:887, n.° 27).


31      Neste sentido, desde logo, Acórdão de 23 de novembro de 2017, Di Maura (C-246/16, EU:C:2017:887, n.os 27 e 28).


32      Já aconteceu um banco pagar os créditos de trabalhadores cuja entidade patronal se tinha tornado insolvente, para evitar mais danos para a sua imagem, v. o caso perante o Bundesfinanzhof (Supremo Tribunal Tributário Federal), Acórdão de 19 de outubro de 2001 – V R 75/98, UR 2002, 217.


33      Acórdão de 29 de março de 2001, Comissão/França (C-404/99, EU:C:2001:192, n.os 40 e segs.).


34      Acórdão de 17 de setembro de 2002, Town & County Factors (C-498/99, EU:C:2002:494, n.os 21 e segs.).


35      Diretiva 2011/7/UE do Parlamento Europeu e do Conselho de 16 de fevereiro de 2011 (JO 2011, L 48 p. 1).


36      V., a este respeito, desde logo Acórdão de 15 de outubro de 2020, E. (IVA – Redução do valor tributável) (C-335/19, EU:C:2020:829, n.° 48).


37      V., nomeadamente, Acórdãos de 6 de dezembro de 2018, Tratave (C-672/17, EU:C:2018:989, n.° 35), de 12 de outubro de 2017, Lombard Ingatlan Lízing (C-404/16, EU:C:2017:759, n.° 42), e de 26 de janeiro de 2012, Kraft Foods Polska (C-588/10, EU:C:2012:40, n.° 33).


38      Acórdãos de 6 de dezembro de 2018, Tratave (C-672/17, EU:C:2018:989, n.° 32), de 12 de outubro de 2017, Lombard Ingatlan Lízing (C-404/16, EU:C:2017:759, n.° 42), e de 15 de maio de 2014, Almos Agrárkülkereskedelmi (C-337/13, EU:C:2014:328, n.° 37).


39      Acórdãos de 6 de dezembro de 2018, Tratave (C-672/17, EU:C:2018:989, n.° 33), de 12 de outubro de 2017, Lombard Ingatlan Lízing (C-404/16, EU:C:2017:759, n.° 43), e de 15 de maio de 2014, Almos Agrárkülkereskedelmi (C-337/13, EU:C:2014:328, n.° 38).


40      Em sentido semelhante: Despacho de 3 de março de 2021, FGSZ (C-507/20, EU:C:2021:157, n.° 19), Acórdãos de 12 de outubro de 2017, Lombard Ingatlan Lízing (C-404/16, EU:C:2017:759, n.° 44), e de 15 de maio de 2014, Almos Agrárkülkereskedelmi (C-337/13, EU:C:2014:328, n.° 39).


41      V. Acórdãos de 18 de junho de 2009, Stadeco (C-566/07, EU:C:2009:380, n.° 35), de 6 de novembro de 2003, Karageorgou e o. (C-78/02 a C-80/02, EU:C:2003:604, n.° 49), de 19 de setembro de 2000, Schmeink & Cofreth e Strobel (C-454/98, EU:C:2000:469, n.° 49), e de 13 de dezembro de 1989, Genius (C-342/87, EU:C:1989:635, n.° 18).


42      Acórdão de 8 de dezembro de 2022, Finanzamt Österreich (IVA erradamente faturado aos consumidores finais) (C-378/21, EU:C:2022:968, n.° 23) com referência às minhas Conclusões no mesmo processo (C-378/21, EU:C:2022:657, n.° 26).


43      Acórdão de 26 de janeiro de 2012, Kraft Foods Polska (C-588/10, EU:C:2012:40).


44      Acórdão de 26 de janeiro de 2012, Kraft Foods Polska (C-588/10, EU:C:2012:40, n.° 33).


45      Acórdão de 26 de janeiro de 2012, Kraft Foods Polska (C-588/10, EU:C:2012:40, n.o 32 e n.° 41).


46      Neste sentido, igualmente, Acórdãos de 15 de outubro de 2020, E. (IVA – Redução do valor tributável) (C-335/19, EU:C:2020:829, n.° 37), e de 22 de fevereiro de 2018, T – 2 (C-396/16, EU:C:2018:109, n.° 35).


47      Acórdão de 15 de outubro de 2020, E. (IVA – Redução do valor tributável) (C-335/19, EU:C:2020:829), n.° 42 com referências expressas para as minhas Conclusões no processo E. (IVA – Redução do valor tributável) (C-335/19, EU:C:2020:424, n.os 58 a 60), expressamente também Acórdão de 28 de maio de 2020, World Comm Trading Gfz (C-684/18, EU:C:2020:403, n.os 41 e 43).


48      Acórdão de 28 de maio de 2020, World Comm Trading Gfz (C-684/18, EU:C:2020:403, n.° 41).


49      V. as minhas Conclusões no processo HA.EN. (C-227/21, EU:C:2022:364, n.os 61 e segs.) e no processo Biosafe – Indústria de Reciclagens (C-8/17, EU:C:2017:927, n.os 44 e segs.).


50      V., igualmente, Conclusões do advogado-geral M. Campos Sánchez-Bordona no processo Volkswagen (C-533/16, EU:C:2017:823, n.° 64).


51      O Acórdão de 6 de dezembro de 2018, Tratave (C-672/17, EU:C:2018:989, n.° 38) também parece ter criado alguma confusão a este respeito.


52      Acórdãos de 15 de outubro de 2020, E. (IVA – Redução do valor tributável) (C-335/19, EU:C:2020:829, n.° 47), e de 23 de novembro de 2017, Di Maura (C-246/16, EU:C:2017:887, n.° 25).


53      Acórdão de 6 de dezembro de 2018, Tratave (C-672/17, EU:C:2018:989, n.os 40 e segs.).


54      Acórdão de 6 de dezembro de 2018, Tratave (C-672/17, EU:C:2018:989, n.° 38).


55      Acórdão de 12 de maio de 2021, technoRent International e o. (C-844/19, EU:C:2021:378, n.° 40), e de 14 de maio de 2020, Agrobet CZ (C-446/18, EU:C:2020:369), e de 28 de fevereiro de 2018, Nidera (C-387/16, EU:C:2018:121, n.° 25).


56      Acórdão de 12 de maio de 2021, technoRent International e o. (C-844/19, EU:C:2021:378, n.° 41), V. igualmente as minhas Conclusões no processo technoRent International e o. (C-844/19, EU:C:2021:58, n.° 31).