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Processo C-105/07

Lammers & Van Cleeff NV

contra

Belgische Staat

(pedido de decisão prejudicial apresentado pelo rechtbank van eerste aanleg te Antwerpen)

«Liberdade de estabelecimento – Livre circulação de capitais – Legislação fiscal – Imposto sobre as sociedades – Juros pagos por uma filial como remuneração de fundos emprestados pela sociedade-mãe estabelecida noutro Estado-Membro – Requalificação dos juros como dividendos tributáveis – Não-requalificação no caso de juros pagos a uma sociedade residente»

Acórdão do Tribunal de Justiça (Quarta Secção) de 17 de Janeiro de 2008 

Sumário do acórdão

1.     Livre circulação de pessoas – Liberdade de estabelecimento

(Artigo 43.° CE)

2.     Livre circulação de pessoas – Liberdade de estabelecimento – Legislação fiscal – Imposto sobre as sociedades

(Artigos 43.° CE e 48.° CE)

1.     A simples circunstância de ser concedido um empréstimo a uma sociedade residente por uma sociedade do grupo estabelecida noutro Estado-Membro não pode gerar uma presunção geral de práticas abusivas e justificar uma medida de restrição ao exercício de uma liberdade fundamental garantida pelo Tratado. Ao invés, uma medida nacional que restrinja a liberdade de estabelecimento pode ser justificada por motivos de luta contra práticas abusivas quando vise especificamente os expedientes puramente artificiais, desprovidos de realidade económica, cuja finalidade é escapar à aplicação da legislação do Estado-Membro em causa e, em especial, eludir o imposto normalmente devido pelos lucros gerados por actividades realizadas no território nacional

(cf. n.os 26-28)

2.     Os artigos 43.° CE e 48.° CE opõem-se a uma legislação nacional, por força da qual os juros pagos por uma sociedade residente num Estado-Membro a um administrador que seja uma sociedade estabelecida noutro Estado-Membro são requalificados como dividendos e são, enquanto tal, tributáveis, quando, no início do período tributável, o montante total dos suprimentos sobre os quais se vencem juros for superior ao do capital subscrito acrescido das reservas tributáveis, enquanto, nas mesmas circunstâncias, quando estes juros são pagos a um administrador que seja uma sociedade estabelecida no mesmo Estado-Membro, os mesmos não são requalificados como dividendos e não são, enquanto tal, tributáveis.

Com efeito, essa diferença de tratamento entre sociedades residentes em função do lugar de estabelecimento da sociedade que, tendo a qualidade de administradora, lhes concedeu um empréstimo constitui uma restrição à liberdade de estabelecimento, uma vez que torna menos atractivo o exercício desta liberdade pelas sociedades estabelecidas noutros Estados-Membros, as quais poderiam, consequentemente, renunciar à gestão de uma sociedade no Estado-Membro que promulga essa medida, ou mesmo renunciar à aquisição, criação ou manutenção de uma filial no referido Estado-Membro.

Ainda que a aplicação de um limite como o previsto na referida legislação vise lutar contra práticas abusivas, o mesmo vai, de qualquer modo, além do que é necessário para atingir este objectivo, porque afecta igualmente as situações nas quais a transacção em questão não pode ser considerada um expediente puramente artificial. Se os juros pagos às sociedades não residentes são requalificados como dividendos desde que ultrapassem o referido limite, não se pode excluir que esta requalificação se aplique também aos juros pagos como remuneração de empréstimos concedidos em condições de plena concorrência.

(cf. n.os 23, 32-34, disp.)







ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quarta Secção)

17 de Janeiro de 2008 (*)

«Liberdade de estabelecimento – Livre circulação de capitais – Legislação fiscal – Imposto sobre as sociedades – Juros pagos por uma filial como remuneração de fundos emprestados pela sociedade-mãe estabelecida noutro Estado-Membro – Requalificação dos juros como dividendos tributáveis – Não-requalificação no caso de juros pagos a uma sociedade residente»

No processo C-105/07,

que tem por objecto um pedido de decisão prejudicial nos termos do artigo 234.° CE, apresentado pelo rechtbank van eerste aanleg te Antwerpen (Bélgica), por decisão de 17 de Janeiro de 2007, entrado no Tribunal de Justiça em 22 de Fevereiro de 2007, no processo

Lammers & Van Cleeff NV

contra

Belgische Staat,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quarta Secção),

composto por: K. Lenaerts, presidente de secção, G. Arestis (relator), R. Silva de Lapuerta, J. Malenovský e T. von Danwitz, juízes,

advogada-geral: J. Kokott,

secretário: R. Grass,

vistos os autos,

vistas as observações apresentadas:

–       em representação da Lammers & Van Cleeff NV, por D. Merckx, advocaat,

–       em representação da Comissão das Comunidades Europeias, por R. Lyal e A. Weimar, na qualidade de agentes,

vista a decisão tomada, ouvida a advogada-geral, de julgar a causa sem apresentação de conclusões,

profere o presente

Acórdão

1       O pedido de decisão prejudicial tem por objecto a interpretação dos artigos 12.° CE, 43.° CE, 46.° CE, 48.° CE, 56.° CE e 58.° CE.

2       Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio entre a sociedade Lammers & Van Cleeff NV, com sede social na Bélgica (a seguir «filial belga»), e o Belgische Staat (Estado belga) quanto à liquidação do imposto sobre as sociedades correspondente aos anos fiscais de 1996 e 1997.

 Quadro jurídico

3       O artigo 18.°, primeiro parágrafo, n.° 3, do Código dos Impostos sobre o Rendimento de 1992 (code des impôts sur les revenus de 1992), coordenado pelo Decreto real de 10 de Abril de 1992 (Moniteur belge de 30 de Julho de 1992, p. 17120), na versão aplicável ao litígio no processo principal (a seguir «CIR 1992»), previa:

«Os dividendos incluem:

[…]

3°      os juros sobre os suprimentos, se e na medida em que forem ultrapassados os seguintes limites:

–       o limiar estabelecido no artigo 55.°;

–       sempre que o montante total dos suprimentos sobre os quais se vencem juros for superior ao do capital subscrito, acrescido das reservas tributáveis, no início do período de tributação.»

4       O artigo 18.°, segundo parágrafo, do CIR 1992 dispunha:

«Considera-se suprimento qualquer crédito representado ou não por valores mobiliários, do administrador de uma sociedade de capitais sobre essa sociedade ou de um sócio de uma sociedade em nome colectivo sobre essa sociedade, bem como qualquer crédito do cônjuge ou descendentes do administrador ou do sócio sobre as referidas sociedades, sempre que o administrador, sócio ou cônjuge tenham a fruição legal dos rendimentos dos seus descendentes, com excepção:

1°      das obrigações emitidas mediante apelo à subscrição pública;

2°      dos créditos sobre sociedades cooperativas reconhecidas pelo Nationale Raad van de Coöperatie [Conselho Nacional da Cooperação];

3°      dos créditos detidos por administradores ou sócios que sejam sociedades a que se refere o artigo 179.°»

5       O artigo 179.° do CIR 1992 tem a seguinte redacção:

«São sujeitos passivos do imposto sobre as sociedades as sociedades residentes, bem como, a partir de 1 de Janeiro de 1995, as caixas de poupança comunais referidas no artigo 124.° da nova lei comunal.»

6       O artigo 55.° do CIR 1992 prevê, nomeadamente, que os juros de obrigações, empréstimos, créditos, depósitos e outros títulos constitutivos de empréstimos apenas são tomados em consideração como despesas profissionais na medida em que não ultrapassem um montante correspondente à taxa praticada no mercado tendo em conta os elementos particulares adequados à apreciação do risco ligado à operação e, nomeadamente, a situação financeira do devedor e a duração do empréstimo.

 Litígio no processo principal e questão prejudicial

7       A filial belga foi criada em 25 de Julho de 1991. Nesta data e em conformidade com as disposições legais em vigor, foram nomeados três administradores, a saber, os dois accionistas da filial belga e a sociedade-mãe, B. V. Lammers & Van Cleeff, estabelecida nos Países Baixos.

8       A título de um crédito da sociedade-mãe B. V. Lammers & Van Cleeff sobre a filial belga, esta última pagou-lhe juros. Em conformidade com o artigo 18.°, primeiro parágrafo, n.° 3, segundo travessão, do CIR 1992, estes juros foram parcialmente considerados pela Administração Fiscal belga como dividendos e tributados como tal.

9       A filial belga apresentou, em seguida, reclamações contra as liquidações em causa ao director dos impostos directos de Antwerpen II. Por decisão de 17 de Junho de 2002, este último manteve as liquidações controvertidas. Em 16 de Setembro de 2002, a filial belga interpôs recurso para o rechtbank van eerste aanleg te Antwerpen pedindo a anulação da referida decisão.

10     Na sua decisão de reenvio, este órgão jurisdicional observa que resulta do artigo 18.°, segundo parágrafo, n.° 3, do CIR 1992 que os juros não são requalificados como dividendos e não são, por conseguinte, tributáveis, quando são pagos a um administrador que seja uma sociedade belga, embora estes juros sejam efectivamente requalificados como dividendos e, por conseguinte, tributáveis quando são pagos a um administrador que seja uma sociedade estrangeira.

11     Nestas condições, o rechtbank van eerste aanleg te Antwerpen decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial:

«Os artigos 12.° [CE], 43.° [CE], 46.° [CE], 48.° [CE], 56.° [CE] e 58.° CE opõem-se a normas legais belgas como o primeiro parágrafo, n.° 3, e o segundo parágrafo, n.° 3, do artigo 18.° do CIR 1992, na redacção em vigor à data dos factos, por força das quais os juros não seriam requalificados como dividendos, não estando portanto sujeitos a imposto, se fossem pagos a um administrador que fosse uma sociedade belga, ao passo que, nas mesmas circunstâncias, esses juros seriam requalificados como dividendos, estando portanto sujeitos a imposto, se fossem pagos a um administrador que fosse uma sociedade estrangeira?»

 Quanto à questão prejudicial

12     A título preliminar, recorde-se que, segundo jurisprudência assente, embora a fiscalidade directa seja da competência dos Estados-Membros, estes últimos devem, contudo, exercer essa competência no respeito do direito comunitário e abster-se de qualquer discriminação em razão da nacionalidade (v., nomeadamente, acórdãos de 8 de Março de 2001, Metallgesellschaft e o., C-397/98 e C-410/98, Colect., p. I-1727, n.° 37; de 12 de Dezembro de 2002, Lankhorst-Hohorst, C-324/00, Colect., p. I-11779, n.° 26; e de 13 de Março de 2007, Test Claimants in the Thin Cap Group Litigation, C-524/04, Colect., p. I-2107, n.° 25).

13     O órgão jurisdicional de reenvio refere-se, na sua questão prejudicial, aos artigos 12.° CE, 43.° CE, 46.° CE, 48.° CE, 56.° CE e 58.° CE.

14     A este respeito, importa salientar que resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que o artigo 12.° CE, que estabelece um princípio geral de proibição de qualquer discriminação em razão da nacionalidade, só deve ser aplicado de modo autónomo a situações regidas pelo direito comunitário em relação às quais o Tratado CE não preveja regras específicas de não discriminação. Ora, o Tratado prevê, nomeadamente nos artigos 43.° CE e 56.° CE, normas específicas de não discriminação nos domínios da liberdade de estabelecimento e da livre circulação de capitais (v., nomeadamente, acórdão Metallgesellschaft e o., já referido, n.os 38 e 39, e acórdão de 11 de Outubro de 2007, Hollmann, C-443/06, ainda não publicado na Colectânea, n.os 28 e 29).

15     Na medida em que o órgão jurisdicional de reenvio interroga o Tribunal de Justiça sobre a interpretação tanto do artigo 43.° CE, relativo à liberdade de estabelecimento, como do artigo 56.° CE, relativo à livre circulação de capitais, cumpre determinar se uma legislação de um Estado-Membro como a que está em causa no processo principal, que prevê a tributação como dividendos dos juros pagos por uma sociedade residente apenas quando são pagos a um administrador ou a um sócio que tenha a qualidade de sociedade não residente, é susceptível de ser abrangida por estas liberdades.

16     No caso concreto, resulta dos autos que os juros pagos pela filial belga foram requalificados como dividendos, uma vez que se referem a um empréstimo concedido por uma sociedade-mãe não residente que tem a qualidade de administrador da referida filial.

17     Há, por conseguinte, que examinar a legislação em causa, em primeiro lugar, sob a perspectiva das disposições do Tratado relativas à liberdade de estabelecimento.

18     A liberdade de estabelecimento, que o artigo 43.° CE reconhece aos nacionais da Comunidade e que compreende tanto o acesso às actividades não assalariadas e o seu exercício como a constituição e a gestão de empresas, nas condições definidas na legislação do país de estabelecimento para os seus próprios nacionais, abrange, nos termos do artigo 48.° CE, em relação às sociedades constituídas em conformidade com a legislação de um Estado-Membro e que tenham a sua sede social, administração central ou estabelecimento principal na Comunidade Europeia, o direito de exercer a sua actividade no Estado-Membro em causa através de uma filial, de uma sucursal ou de uma agência (v., nomeadamente, acórdãos de 21 de Setembro de 1999, Saint-Gobain ZN, C-307/97, Colect., p. I-6161, n.° 35; de 12 de Setembro de 2006, Cadbury Schweppes e Cadbury Schweppes Overseas, C-196/04, Colect., p. I-7995, n.° 41; e Test Claimants in the Thin Cap Group Litigation, já referido, n.° 36).

19     No que respeita às sociedades, a sua sede, na acepção do artigo 48.° CE, serve para determinar, à semelhança da nacionalidade das pessoas singulares, a sua subordinação à ordem jurídica de um Estado. Admitir que o Estado-Membro de estabelecimento de uma filial lhe possa aplicar livremente um tratamento diferente unicamente pelo facto de a sede da sua sociedade-mãe estar situada noutro Estado-Membro significaria esvaziar o artigo 43.° CE do seu conteúdo (v., neste sentido, acórdãos de 13 de Julho de 1993, Commerzbank, C-330/91, Colect., p. I-4017, n.° 13; Metallgesellschaft e o., já referido, n.° 42; e Test Claimants in the Thin Cap Group Litigation, já referido, n.° 37). A liberdade de estabelecimento destina-se, assim, a garantir o benefício do tratamento nacional no Estado-Membro de acolhimento, proibindo qualquer discriminação baseada no local em que as sociedades têm a sua sede (v., neste sentido, acórdãos, já referidos, Saint-Gobain ZN, n.° 35, e Test Claimants in the Thin Cap Group Litigation, n.° 37).

20     No caso concreto, importa salientar que a legislação nacional em causa no processo principal introduz, no que diz respeito à tributação dos juros pagos no âmbito de um crédito por uma sociedade residente a um administrador que seja uma sociedade, uma diferença de tratamento conforme esta última tenha ou não a sua sede na Bélgica.

21     Com efeito, resulta da referida legislação que os juros pagos por uma sociedade a um administrador que seja uma sociedade residente não são requalificados como dividendos e não são, enquanto tal, tributáveis, ainda que ultrapassem um dos dois limites previstos no artigo 18.°, primeiro parágrafo, n.° 3, do CIR 1992. Pelo contrário, quando ultrapassem um destes limites, os juros pagos por uma sociedade a um administrador que é uma sociedade não residente são requalificados como dividendos e são, enquanto tal, tributáveis. As sociedades geridas por um administrador que seja uma sociedade não residente são, por esse motivo, objecto de um tratamento fiscal menos vantajoso do que aquele de que beneficiam as geridas por um administrador que seja uma sociedade residente.

22     Do mesmo modo, relativamente aos grupos de sociedades no seio dos quais uma sociedade-mãe assume as funções de gestão numa das suas filiais, essa legislação introduz uma diferença de tratamento entre as filiais residentes conforme a sociedade-mãe tenha ou não a sua sede na Bélgica, sujeitando as filiais de uma sociedade-mãe não residente a um tratamento menos vantajoso do que aquele de que beneficiam as filiais de uma sociedade-mãe residente.

23     Ora, há que salientar que uma diferença de tratamento entre sociedades residentes em função do lugar de estabelecimento da sociedade que, tendo a qualidade de administradora, lhes concedeu um empréstimo constitui uma restrição à liberdade de estabelecimento, uma vez que torna menos atractivo o exercício desta liberdade pelas sociedades estabelecidas noutros Estados-Membros, as quais poderiam, consequentemente, renunciar à gestão de uma sociedade no Estado-Membro que promulga essa medida, ou mesmo renunciar à aquisição, criação ou manutenção de uma filial no referido Estado-Membro (v., neste sentido, acórdãos Lankhorst-Hohorst, já referido, n.° 32; Test Claimants in the Thin Cap Group Litigation, já referido, n.° 61; e de 18 de Julho de 2007, Oy AA, C-231/05, ainda não publicado na Colectânea, n.° 39).

24     Daí resulta que a diferença de tratamento à qual estão sujeitas, no âmbito de uma legislação nacional como a que está em causa no processo principal, as sociedades residentes em função do lugar de estabelecimento do seu administrador constitui uma restrição à liberdade de estabelecimento proibida, em princípio, pelos artigos 43.° CE e 48.° CE.

25     Uma tal restrição só pode ser admitida se prosseguir um objectivo legítimo compatível com o Tratado e se se justificar por razões imperiosas de interesse geral. Mas é ainda necessário, nesse caso, que a sua aplicação seja adequada para garantir a realização do objectivo assim prosseguido e que não ultrapasse o que é necessário para o atingir (v., nomeadamente, acórdãos de 13 de Dezembro de 2005, Marks & Spencer, C-446/03, Colect., p. I-10837, n.° 35, e Cadbury Schweppes e Cadbury Schweppes Overseas, já referido, n.° 47).

26     A este respeito, há que recordar que, segundo jurisprudência assente, uma medida nacional que restrinja a liberdade de estabelecimento pode ser justificada quando vise especificamente os expedientes puramente artificiais cuja finalidade é escapar à aplicação da legislação do Estado-Membro em causa (acórdão Test Claimants in the Thin Cap Group Litigation, já referido, n.° 72 e jurisprudência aí referida).

27     A simples circunstância de ser concedido um empréstimo a uma sociedade residente por uma sociedade do grupo estabelecida noutro Estado-Membro não pode gerar uma presunção geral de práticas abusivas e justificar uma medida de restrição ao exercício de uma liberdade fundamental garantida pelo Tratado (acórdão Test Claimants in the Thin Cap Group Litigation, já referido, n.° 73 e jurisprudência aí referida).

28     Para que uma restrição à liberdade de estabelecimento possa ser justificada por motivos de luta contra práticas abusivas, o objectivo específico de tal restrição deve ser o de impedir comportamentos que consistam em criar expedientes puramente artificiais, desprovidos de realidade económica, com o objectivo de eludir o imposto normalmente devido pelos lucros gerados por actividades realizadas no território nacional (acórdão Test Claimants in the Thin Cap Group Litigation, já referido, n.° 74 e jurisprudência aí referida).

29     No n.° 80 do acórdão Test Claimants in the Thin Cap Group Litigation, já referido, o Tribunal de Justiça decidiu que uma legislação de um Estado-Membro se pode justificar por razões relativas ao combate às práticas abusivas, quando prevê que os juros pagos por uma filial residente a uma sociedade-mãe não residente sejam qualificados como lucros distribuídos unicamente se e na medida em que ultrapassem o que essas sociedades teriam acordado em condições de plena concorrência, ou seja, em condições comerciais sobre as quais essas sociedades teriam podido chegar a acordo se não pertencessem ao mesmo grupo de sociedades.

30     Com efeito, o facto de ter sido concedido um empréstimo a uma sociedade residente, por uma sociedade não residente, em condições que não correspondem ao que as sociedades em causa teriam acordado em condições de plena concorrência constitui, para o Estado-Membro de residência da sociedade mutuária, um elemento objectivo e verificável por terceiros, para determinar se a transacção em causa é, no todo ou em parte, um expediente puramente artificial cuja finalidade é escapar à aplicação da legislação fiscal desse Estado-Membro. A este respeito, trata-se de saber se, caso não houvesse relações especiais entre as sociedades em causa, o empréstimo não teria sido concedido, ou se teria sido concedido num montante ou a uma taxa de juro diferentes (acórdão Test Claimants in the Thin Cap Group Litigation, já referido, n.° 81).

31     No caso concreto, resulta da decisão de reenvio que os juros pagos pela filial belga como remuneração de um empréstimo concedido por uma sociedade não residente que tem a qualidade de administrador foram requalificados como dividendos, dado o limite previsto no segundo travessão do artigo 18.°, primeiro parágrafo, n.° 3, do CIR 1992 ter sido ultrapassado, uma vez que, no início do período tributável, o montante total dos suprimentos que vencem juros era superior ao do capital subscrito acrescido das reservas tributáveis.

32     Impõe-se concluir que, ainda que a aplicação de tal limite vise lutar contra práticas abusivas, o mesmo vai, de qualquer modo, além do que é necessário para atingir este objectivo.

33     Com efeito, como salientou a Comissão das Comunidades Europeias nas suas observações, o limite previsto no segundo travessão do artigo 18.°, primeiro parágrafo, n.° 3, do CIR 1992 afecta igualmente as situações nas quais a transacção em questão não pode ser considerada um expediente puramente artificial. Se os juros pagos às sociedades não residentes são requalificados como dividendos desde que ultrapassem o referido limite, não se pode excluir que esta requalificação se aplique também aos juros pagos como remuneração de empréstimos concedidos em condições de plena concorrência.

34     Consequentemente, há que responder à questão prejudicial que os artigos 43.° CE e 48.° CE devem ser interpretados no sentido de que se opõem a uma legislação nacional, como a que está em causa no processo principal, por força da qual os juros pagos por uma sociedade residente num Estado-Membro a um administrador que seja uma sociedade estabelecida noutro Estado-Membro são requalificados como dividendos e são, enquanto tal, tributáveis, quando, no início do período tributável, o montante total dos suprimentos sobre os quais se vencem juros for superior ao do capital subscrito acrescido das reservas tributáveis, enquanto, nas mesmas circunstâncias, quando estes juros são pagos a um administrador que seja uma sociedade estabelecida no mesmo Estado-Membro, os mesmos não são requalificados como dividendos e não são, enquanto tal, tributáveis.

35     As disposições do Tratado relativas à liberdade de estabelecimento opõem-se, assim, a uma legislação nacional como a que está em causa no processo principal, pelo que não é necessário examinar se as disposições do Tratado relativas à livre circulação de capitais se opõem igualmente à mesma legislação.

 Quanto às despesas

36     Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional nacional, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efectuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Quarta Secção) declara:

Os artigos 43.° CE e 48.° CE opõem-se a uma legislação nacional, como a que está em causa no processo principal, por força da qual os juros pagos por uma sociedade residente num Estado-Membro a um administrador que seja uma sociedade estabelecida noutro Estado-Membro são requalificados como dividendos e são, enquanto tal, tributáveis, quando, no início do período tributável, o montante total dos suprimentos sobre os quais se vencem juros for superior ao do capital subscrito acrescido das reservas tributáveis, enquanto, nas mesmas circunstâncias, quando estes juros são pagos a um administrador que seja uma sociedade estabelecida no mesmo Estado-Membro, os mesmos não são requalificados como dividendos e não são, enquanto tal, tributáveis.

Assinaturas


* Língua do processo: neerlandês.