Edição provisória
ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quinta Secção)
17 de março de 2021 (*)
«Reenvio prejudicial — Harmonização das legislações fiscais — Imposto sobre o valor acrescentado (IVA) — Diretiva 2006/112/CE — Artigos 43.° e 44.° — Lugar das prestações de serviços efetuadas a um sujeito passivo agindo nessa qualidade — Lugar das prestações de serviços de gestão de investimentos recebidas por uma organização de beneficência para uma atividade profissional não económica por parte de prestadores estabelecidos fora da União»
No processo C-459/19,
que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.° TFUE, pelo Upper Tribunal (Tax and Chancery Chamber) [Tribunal Superior (Secção Tributária e da Chancelaria), Reino Unido], por Decisão de 13 de junho de 2019, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 17 de junho de 2019, no processo
The Commissioners for Her Majesty’s Revenue & Customs
contra
Wellcome Trust Ltd,
O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quinta Secção),
composto por: E. Regan, presidente de secção, M. Ilešič, E. Juhász (relator), C. Lycourgos e I. Jarukaitis, juízes,
advogado-geral: G. Hogan,
secretário: A. Calot Escobar,
vistos os autos,
vistas as observações apresentadas:
– em representação da Wellcome Trust Ltd, por P. Nathwani e F. Mitchell, barristers, C. Millard e H. Grantham, solicitors,
– em representação do Governo do Reino Unido, por Z. Lavery, na qualidade de agente, assistida por E. Mitrophanous, barrister,
– em representação da Irlanda, por M. Browne, J. Quaney e A. Joyce, na qualidade de agentes, assistidos por N. Travers, SC,
– em representação do Governo espanhol, por S. Jiménez García, na qualidade de agente,
– em representação da Comissão Europeia, por R. Lyal e A. Armenia, na qualidade de agentes,
ouvidas as conclusões do advogado-geral na audiência de 25 de junho de 2020,
profere o presente
Acórdão
1 O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 44.° da Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro de 2006, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado (JO 2006, L 347, p. 1), conforme alterada pela Diretiva 2008/8/CE do Conselho, de 12 de fevereiro de 2008 (JO 2008, L 44, p. 11) (a seguir «Diretiva IVA»).
2 Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe The Commissioners for Her Majesty’s Revenue & Customs (Administração Tributária e Aduaneira, Reino Unido) à Wellcome Trust Ltd (a seguir «WTL») a respeito do reembolso do imposto sobre o valor acrescentado (IVA) pago relativamente a serviços que foram prestados por gestores de investimento estabelecidos fora da União.
Quadro jurídico
Direito da União
Diretiva 2008/8
3 O considerando 4 da Diretiva 2008/8 enuncia:
«No que respeita às prestações de serviços a sujeitos passivos, a regra geral aplicável ao lugar das prestações de serviços deverá basear-se no lugar onde está estabelecido o destinatário, e não naquele onde está estabelecido o prestador de serviços. Para efeitos das regras de determinação do lugar das prestações de serviços e a fim de reduzir os encargos para as empresas, os sujeitos passivos que também exerçam atividades não tributáveis deverão ser tratados como sujeitos passivos relativamente a todos os serviços que lhes sejam prestados. Do mesmo modo, as pessoas coletivas que não sejam sujeitos passivos e estejam registadas para efeitos do imposto sobre o valor acrescentado deverão ser consideradas sujeitos passivos. Estas disposições, de acordo com as regras habituais, não deverão ser extensivas às prestações de serviços recebidas pelos sujeitos passivos para seu uso próprio ou do seu pessoal.»
Diretiva IVA
4 O artigo 2.°, n.° 1, da Diretiva IVA prevê:
«Estão sujeitas ao IVA as seguintes operações:
[...]
c) As prestações de serviços efetuadas a título oneroso no território de um Estado-Membro por um sujeito passivo agindo nessa qualidade;
[...]»
5 O artigo 9.° desta diretiva, que figura no seu título III, sob a epígrafe «Sujeitos passivos», dispõe, no seu n.° 1:
«Entende-se por “sujeito passivo” qualquer pessoa que exerça, de modo independente e em qualquer lugar, uma atividade económica, seja qual for o fim ou o resultado dessa atividade.
Entende-se por “atividade económica” qualquer atividade de produção, de comercialização ou de prestação de serviços, incluindo as atividades extrativas, agrícolas e as das profissões liberais ou equiparadas. É em especial considerada atividade económica a exploração de um bem corpóreo ou incorpóreo com o fim de auferir receitas com caráter de permanência.»
6 O título V da referida diretiva, relativo ao lugar das operações tributáveis, inclui, nomeadamente, um capítulo 3, intitulado «Lugar das prestações de serviços», ele próprio subdividido em três secções.
7 A secção 1, intitulada «Definições», inclui um único artigo, o artigo 43.° da Diretiva IVA, que tem a seguinte redação:
«Para efeitos da aplicação das regras relativas ao lugar das prestações de serviços:
1) O sujeito passivo que também exerça atividades ou realize operações que não sejam consideradas entregas de bens nem prestações de serviços tributáveis, nos termos do n.° 1 do artigo 2.°, é considerado sujeito passivo relativamente a todos os serviços que lhe sejam prestados;
2) Uma pessoa coletiva que não seja sujeito passivo e esteja registada para efeitos do IVA é considerada sujeito passivo.»
8 A secção 2, intitulada «Disposições gerais», inclui os artigos 44.° e 45.° desta diretiva.
9 O artigo 44.° da referida diretiva tem a seguinte redação:
«O lugar das prestações de serviços efetuadas a um sujeito passivo agindo nessa qualidade é o lugar onde esse sujeito passivo tem a sede da sua atividade económica. Todavia, se esses serviços forem prestados a um estabelecimento estável do sujeito passivo situado num lugar diferente daquele onde este tem a sede da sua atividade económica, o lugar das prestações desses serviços é o lugar onde está situado o estabelecimento estável. Na falta de sede ou de estabelecimento estável, o lugar das prestações dos serviços é o lugar onde o sujeito passivo destinatário tem domicílio ou residência habitual.»
10 O artigo 45.° da mesma diretiva dispõe:
«O lugar das prestações de serviços efetuadas a uma pessoa que não seja sujeito passivo é o lugar onde o prestador tem a sede da sua atividade económica. Todavia, se esses serviços forem prestados a partir de um estabelecimento estável do prestador situado num lugar diferente daquele onde o prestador tem a sede da sua atividade económica, o lugar das prestações desses serviços é o lugar onde está situado o estabelecimento estável. Na falta de sede ou de estabelecimento estável, o lugar das prestações dos serviços é o lugar onde o prestador tem domicílio ou residência habitual.»
11 A secção 3, intitulada «Disposições específicas», inclui os artigos 46.° a 59.°-A da Diretiva IVA, que preveem uma série de conexões específicas.
Regulamento de Execução
12 O considerando 19 do Regulamento de Execução (UE) n.° 282/2011 do Conselho, de 15 de março de 2011, que estabelece medidas de aplicação da Diretiva 2006/112 (JO 2011, L 77, p. 1; a seguir «Regulamento de Execução»), enuncia:
«Deverá ficar claro que, quando os serviços prestados a um sujeito passivo se destinarem ao seu uso próprio ou do seu pessoal, esse sujeito passivo não deve ser considerado como agindo nessa qualidade. Para determinar se o destinatário atua na qualidade de sujeito passivo ou não, a comunicação do seu número de identificação IVA ao prestador é suficiente a não ser que o prestador disponha de informações em contrário. Importa igualmente garantir que um mesmo serviço adquirido para fins profissionais mas também utilizado para uso próprio apenas seja tributado num único lugar.»
13 O capítulo V do Regulamento de Execução, intitulado «Lugar das operações tributáveis», inclui, nomeadamente, uma secção 4, intitulada «Lugar das prestações de serviços (artigos 43.° a 59.° da Diretiva [IVA])», ela própria subdividida em onze subsecções.
14 A subsecção 2, intitulada «Qualidade do destinatário», inclui um único artigo, o artigo 19.° do Regulamento de Execução, com a seguinte redação:
«Para efeitos da aplicação das regras relativas ao lugar das prestações de serviços previstas nos artigos 44.° e 45.° da Diretiva [IVA], um sujeito passivo, ou uma pessoa coletiva que não seja sujeito passivo mas seja considerada sujeito passivo, que receba serviços exclusivamente para uso próprio, incluindo para uso do seu pessoal, não é considerado sujeito passivo.
A não ser que disponha de informações em contrário, tais como sobre a natureza dos serviços prestados, o prestador pode considerar que os serviços se destinam à atividade económica do destinatário caso, para essa operação, este lhe tenha comunicado o seu número individual de identificação IVA.
Quando um mesmo e único serviço se destine tanto a uso próprio, incluindo o do pessoal do destinatário, como à atividade económica, a prestação desse serviço é exclusivamente abrangida pelo artigo 44.° da Diretiva [IVA], desde que não haja práticas abusivas.»
Direito do Reino Unido
15 As regras pertinentes relativas ao lugar das prestações de serviços foram transpostas para o direito do Reino Unido no artigo 7A do Value Added Tax Act 1994 [Lei do Imposto sobre o Valor Acrescentado de 1994] que tem a seguinte redação:
«Lugar das prestações de serviços
(1) Esta secção é aplicável à determinação, para efeitos da presente lei, do país em que os serviços são prestados.
(2) Considera-se que uma prestação de serviços foi efetuada:
(a) no país onde o beneficiário dos serviços está estabelecido quando este é um profissional relevante, e,
(b) nos outros casos, no país onde o prestador está estabelecido.
[...]
(4) Para efeitos da presente lei, considera-se que uma pessoa é um profissional relevante em relação a uma prestação de serviços se esta:
(a) for um sujeito passivo na aceção do artigo 9.° da [Diretiva IVA],
(b) estiver registada em conformidade com as disposições da presente lei,
(c) estiver identificada para efeitos de IVA em conformidade com a legislação de um Estado-Membro diferente do Reino Unido, ou
(d) estiver registada nos termos de um [Act of Tynwald (Lei do Parlamento da Ilha de Man)] para efeitos de qualquer imposto aplicado por ou nos termos do [Act of Tynwald] que corresponda ao [IVA],
e os serviços não forem prestados a essa pessoa para fins exclusivamente privados.»
Litígio no processo principal e questões prejudiciais
16 A WTL é o administrador único de um trust de beneficência, o Wellcome Trust, que concede subsídios para a investigação médica. A WTL aufere rendimentos de investimentos e desenvolve igualmente um determinado número de atividades secundárias, como a venda de bens, a restauração e o arrendamento de bens imóveis, para os quais está registada para efeitos de IVA. Os rendimentos de investimentos, que constituem a principal fonte de financiamento dos subsídios concedidos, provêm essencialmente de investimentos no estrangeiro relativamente aos quais a WTL recebe prestações de serviços de gestores, estabelecidos na e fora da União.
17 No Acórdão de 20 de junho de 1996, Wellcome Trust (C-155/94, EU:C:1996:243), o Tribunal de Justiça declarou que o conceito de «atividades económicas» na aceção do artigo 4.°, n.° 2, da Sexta Diretiva 77/388/CEE do Conselho, de 17 de maio de 1977, relativa à harmonização das legislações dos Estados-Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios — sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado: matéria coletável uniforme (JO 1977, L 145, p. 1; EE 9 F1 p.1), disposição que se converteu posteriormente no artigo 9.°, n.° 1, da Diretiva IVA, não inclui uma atividade que consiste na compra e na venda de ações e outros títulos por parte de um trustee no âmbito da gestão dos bens de um trust de beneficência. Consequentemente, foi recusado à WTL o reembolso do imposto pago a montante pela totalidade das despesas efetuadas relacionadas com a sua carteira fora da União.
18 Segundo o Upper Tribunal (Tax and Chancery Chamber) [Tribunal Superior (Secção Tributária e da Chancelaria), Reino Unido], o órgão jurisdicional de reenvio, é pacífico que, antes de mais, a WTL é um sujeito passivo na aceção dos artigos 2.° e 9.° da Diretiva IVA, que, seguidamente, a atividade que consiste na compra e na venda de ações e outros títulos pela WTL, no âmbito da gestão dos bens do Wellcome Trust, permaneceu inalterada em relação à atividade examinada no referido acórdão, e, por último, que esta atividade não económica é uma atividade profissional e não uma atividade para fins privados.
19 O referido órgão jurisdicional precisa igualmente que a WTL utilizou os serviços adquiridos a prestadores estabelecidos fora da União exclusivamente para a sua atividade profissional e que não utilizou esses serviços para prestações de serviços tributáveis na aceção do artigo 2.°, n.° 1, da Diretiva IVA. Com efeito, a WTL deve ter em conta o estatuto de beneficência do trust e que lhe é proibido exercer uma atividade comercial.
20 Desde 2010, a WTL contabilizou o IVA correspondente aos serviços que lhe foram prestados por gestores de investimento estabelecidos fora da União, em conformidade com o mecanismo de autoliquidação previsto no artigo 196.° da Diretiva IVA, pressupondo que o lugar de prestação desses serviços era o Reino Unido.
21 Entre abril de 2016 e junho de 2017, a WTL apresentou pedidos de reembolso, com o fundamento de que, do seu ponto de vista, tinha contabilizado um montante demasiado elevado de impostos a jusante relacionados com os referidos serviços. Em substância, a WTL alegou que, se fosse um sujeito passivo nos termos dos artigos 2.° e 9.° da Diretiva IVA, não seria um sujeito passivo «agindo nessa qualidade», na aceção do artigo 44.° desta diretiva.
22 Na sua Sentença de 10 de outubro de 2018, o First-tier Tribunal (Tax Chamber) [Tribunal de Primeira Instância (Secção Tributária), Reino Unido] julgou procedentes os argumentos da WTL. Depois de ter salientado que não era necessário que as prestações de serviços fossem abrangidas quer pelo artigo 44.° quer pelo artigo 45.° da Diretiva IVA, o referido órgão jurisdicional constatou que as disposições nacionais que transpuseram o artigo 44.° dessa diretiva, que identificaram como «lugar das prestações de serviços» o Reino Unido para os sujeitos passivos que atuam na qualidade profissional, não estão conformes com o referido artigo 44.°
23 A Administração Tributária e Aduaneira interpôs recurso no órgão jurisdicional de reenvio.
24 Nesse órgão jurisdicional, esta autoridade alegou que, por um lado, o artigo 44.° da Diretiva IVA se aplica com base na redação e na finalidade desta disposição, bem como nas disposições relacionadas com ela e, por outro, por razões de segurança jurídica, um lugar de prestação de serviços deve ser identificável. Ora, uma vez que, no caso em apreço, não foi alegado que as prestações de serviços são abrangidas pelo artigo 45.° da Diretiva IVA ou que se deve aplicar alguma das regras específicas previstas nos artigos 46.° a 59.°-A dessa diretiva, deveria aplicar-se o seu artigo 44.°
25 Segundo a WTL, uma vez que é pacífico que esta não é um «sujeito passivo agindo nessa qualidade», para efeitos do artigo 2.°, n.° 1, da Diretiva IVA, quando exerce as suas atividades de investimentos, também não pode ser um sujeito passivo «agindo nessa qualidade», na aceção do artigo 44.° desta diretiva.
26 O órgão jurisdicional de reenvio refere que a solução do litígio depende do lugar a considerar como lugar das prestações de serviços de gestão de investimentos que a WTL recebeu dos prestadores estabelecidos fora da União. Ora, para poder determinar o lugar dessas prestações de serviços, importa saber se a WTL deve ser considerada um sujeito passivo «agindo nessa qualidade», na aceção do artigo 44.° da Diretiva IVA.
27 Nestas circunstâncias, o Upper Tribunal (Tax and Chancery Chamber) [Tribunal Superior (Secção Tributária e da Chancelaria)] decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:
«1) Deve o artigo 44.° da Diretiva [IVA] ser interpretado no sentido de que, quando um sujeito passivo que exerce uma atividade não económica que consiste na compra e venda de ações e outros títulos no âmbito da gestão dos ativos de um trust de beneficência adquire uma prestação de serviços de gestão de investimentos a uma pessoa estabelecida fora da União exclusivamente para efeitos dessa atividade, deve ser considerado “um sujeito passivo agindo nessa qualidade”?
2) Em caso de resposta negativa à primeira questão e se os artigos 46.° a 49.° da [Diretiva IVA] não forem aplicáveis, aplica-se o artigo 45.° [dessa] diretiva à prestação [de serviços] ou não lhe são aplicáveis nem o artigo 44.° nem o artigo 45.° [da referida diretiva]?»
Quanto às questões prejudiciais
Quanto à primeira questão
28 Com a sua primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 44.° da Diretiva IVA deve ser interpretado no sentido de que, no caso de um sujeito passivo que exerça uma atividade não económica a título profissional adquirir serviços para os fins dessa atividade não económica, esses serviços deverão ser considerados prestados a esse sujeito passivo «agindo nessa qualidade», na aceção deste artigo.
29 Como resulta do pedido de decisão prejudicial, para efeitos da resolução do litígio nele pendente, as interrogações do órgão jurisdicional de reenvio incidem unicamente sobre o aspeto do sistema comum do IVA relativo à determinação do lugar das prestações de serviços. A este respeito, resulta desse artigo 44.° que o lugar das prestações de serviços efetuadas a um sujeito passivo agindo nessa qualidade é, em princípio, o lugar onde esse sujeito passivo tem a sede da sua atividade económica.
30 Há que observar que a condição que figura no artigo 44.° da Diretiva IVA, segundo a qual o sujeito passivo deve agir enquanto tal, figura igualmente no artigo 2.°, n.° 1, desta diretiva.
31 A este respeito, resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que, para efeitos da aplicação desta última disposição, um sujeito passivo atua nessa qualidade quando age para os fins da sua atividade económica, na aceção do artigo 9.°, n.° 1, segundo parágrafo, da Diretiva IVA (v., neste sentido, Acórdãos de 8 de março de 2001, Bakcsi, C-415/98, EU:C:2001:136, n.os 24 e 29, e de 22 de março de 2012, Klub, C-153/11, EU:C:2012:163, n.° 40).
32 Ora, no que respeita à atividade em causa no processo principal, que consiste na compra e na venda de ações e outros títulos pela WTL, na qualidade de trustee, no âmbito da gestão dos bens do seu trust de beneficência, o Tribunal de Justiça já declarou que o conceito de «atividade económica», na aceção do artigo 9.°, n.° 1, segundo parágrafo, da Diretiva IVA, não incluía uma atividade dessa natureza (v., por analogia, Acórdão de 20 de junho de 1996, Wellcome Trust, C-155/94, EU:C:1996:243, n.° 41).
33 Por conseguinte, no âmbito do exercício dessa atividade, a WTL não é um «sujeito passivo agindo nessa qualidade», na aceção do artigo 2.°, n.° 1, alínea c), desta diretiva.
34 No entanto, contrariamente ao que alega a WTL, daí não decorre necessariamente que também não possa ser considerado um «sujeito passivo agindo nessa qualidade», para efeitos da aplicação do artigo 44.° da referida diretiva, um vez que esse artigo se limita, como demonstrado no n.° 29 do presente acórdão, a estabelecer que o lugar das prestações de serviços efetuadas a um sujeito passivo agindo nessa qualidade equivale, em princípio, à sede da atividade económica desse sujeito passivo.
35 Com efeito, se é verdade que, tendo em conta as exigências de unidade e de coerência da ordem jurídica da União, os conceitos utilizados nos atos adotados num mesmo domínio devem ter o mesmo significado, isso não sucede quando o legislador da União tenha manifestado uma vontade diferente (v., neste sentido, Acórdão de 15 de setembro de 2016, Landkreis Potsdam-Mittelmark, C-400/15, EU:C:2016:687, n.° 37 e jurisprudência referida).
36 Ora, decorre do artigo 43.° da Diretiva IVA que o legislador da União quis dar à expressão «sujeito passivo agindo nessa qualidade», na aceção do artigo 44.° desta diretiva, um significado diferente daquele que tem nos termos do artigo 2.°, n.° 1, da referida diretiva.
37 A este respeito, há que salientar que o artigo 43.°, ponto 1, da Diretiva IVA dispõe especificamente que, para efeitos da aplicação das regras relativas ao lugar das prestações de serviços, o sujeito passivo que exerça tanto prestações de serviços tributáveis, na aceção do artigo 2.°, n.° 1, desta diretiva, tanto atividades «que não sejam consideradas [...] prestações de serviços tributáveis, nos termos [desta última disposição], é considerado sujeito passivo relativamente a todos os serviços que lhe sejam prestados». Por conseguinte, o legislador da União previu neste artigo 43.°, ponto 1, uma definição ampla e derrogatória do conceito de «sujeito passivo» apenas para efeitos da aplicação das regras relativas ao lugar das prestações de serviços.
38 Daqui resulta que, à luz do artigo 43.°, ponto 1, da Diretiva IVA, um sujeito passivo pode agir, enquanto tal, na aceção do artigo 44.° desta diretiva, mesmo quando atue para os fins das suas atividades não económicas.
39 Assim sendo, uma interpretação dos artigos 43.° e 44.° da Diretiva IVA não pode conduzir a uma situação em que as entidades que são sujeitos passivos, na aceção do artigo 43.°, ponto 1, desta diretiva, e às quais os serviços são prestados sejam sempre consideradas como agindo nessa qualidade.
40 Com efeito, há que recordar que um sujeito passivo que realiza uma operação a título pessoal não age na qualidade de sujeito passivo, na aceção do artigo 2.°, n.° 1, da Diretiva IVA (v., neste sentido, Acórdão de 9 de julho de 2015, Trgovina Prizma, C-331/14, EU:C:2015:456, n.° 18 e jurisprudência referida). Por outro lado, no âmbito da economia do sistema comum do IVA, a distinção entre atividades económicas e atividades não económicas segue critérios diferentes dos que servem para distinguir uma utilização profissional de uma utilização para fins alheios à empresa, nomeadamente privados (Acórdão de 15 de setembro de 2016, Landkreis Potsdam-Mittelmark, C-400/15, EU:C:2016:687, n.° 32).
41 Tendo em conta o caráter derrogatório do conceito de «sujeito passivo agindo nessa qualidade», na aceção do artigo 44.° da Diretiva IVA, a circunstância de, apenas para efeitos da aplicação deste artigo, um sujeito passivo que não atue para os fins das suas atividades económicas dever ser considerado um sujeito passivo agindo nessa qualidade não pode, portanto, levar a que esse sujeito passivo esteja ainda abrangido pelo âmbito de aplicação do referido artigo quando age não apenas para os fins das suas atividades não económicas, mas, além disso, a título não profissional, nomeadamente para fins pessoais.
42 Por conseguinte, para efeitos da aplicação do artigo 44.° da Diretiva IVA, há que precisar que o sujeito passivo age nessa qualidade no que respeita às suas atividades não económicas, desde que sejam exercidas a título profissional.
43 Ora, no caso em apreço, como resulta das informações fornecidas pelo órgão jurisdicional de reenvio, é pacífico que a atividade não económica exercida pela WTL, que consiste na compra e na venda de ações e de outros títulos no âmbito da gestão, na qualidade de trustee, dos bens do Wellcome Trust, é uma atividade profissional, e não uma atividade privada, e que é exclusivamente para efeitos dessa atividade profissional que as prestações de serviços de gestão de investimentos são efetuadas à WTL por uma pessoa estabelecida fora da União.
44 Esta interpretação é corroborada pelo contexto normativo em que se inscreve o artigo 44.° da Diretiva IVA. Em primeiro lugar, o considerando 4 da Diretiva 2008/8 enuncia, especialmente, que, no que respeita às prestações de serviços a sujeitos passivos, a regra geral aplicável ao lugar das prestações de serviços deverá basear-se no lugar onde está estabelecido o destinatário e que os sujeitos passivos que também exerçam atividades não tributáveis deverão ser tratados como sujeitos passivos relativamente a todos os serviços que lhes sejam prestados. Todavia, resulta do último período deste considerando 4 que as disposições que aplicam essas regras habituais não deverão ser extensivas às prestações de serviços recebidas pelos sujeitos passivos para seu uso próprio ou do seu pessoal.
45 Em segundo lugar, nos termos do considerando 19 do Regulamento de Execução, «[d]everá ficar claro que, quando os serviços prestados a um sujeito passivo se destinarem ao seu uso próprio ou do seu pessoal, esse sujeito passivo não deve ser considerado como agindo nessa qualidade». Do mesmo modo, o artigo 19.°, primeiro parágrafo, desse Regulamento de Execução, dispõe que, «[p]ara efeitos da aplicação das regras relativas ao lugar das prestações de serviços previstas nos artigos 44.° e 45.° da Diretiva [IVA], um sujeito passivo, ou uma pessoa coletiva que não seja sujeito passivo mas seja considerada sujeito passivo, que receba serviços exclusivamente para uso próprio, incluindo para uso do seu pessoal, não é considerado sujeito passivo».
46 Por conseguinte, há que considerar que, no caso de um sujeito passivo que exerça uma atividade não económica adquirir serviços para os fins dessa atividade não económica, esses serviços são prestados a esse sujeito passivo agindo nessa qualidade, na aceção do artigo 44.° da Diretiva IVA, com exceção dos serviços destinados a uso próprio do sujeito passivo ou do seu pessoal.
47 A este respeito, o argumento da WTL relativo ao princípio da igualdade de tratamento que visa contestar tal interpretação deve ser rejeitado.
48 É certo que o Tribunal de Justiça declarou que, à luz do artigo 9.º da Diretiva IVA, se deve considerar que um trustee que se encontre numa situação como a da WTL, se limita a gerir uma carteira de investimentos da mesma forma que um investidor privado (v., por analogia, Acórdão de 20 de junho de 1996, Wellcome Trust, C-155/94, EU:C:1996:243, n.° 36).
49 Todavia, do facto de, ao gerir uma carteira de investimentos, a WTL exercer atividades análogas às desenvolvidas por um investidor privado não pode resultar que esta exerce as referidas atividades a título privado.
50 Com efeito, como resulta do n.° 43 do presente acórdão, uma vez que esta atividade não económica da WTL não é uma atividade privada, a sua situação não é comparável à das pessoas que adquirem serviços unicamente para uso próprio ou do seu pessoal. Ao contrário destas pessoas, a WTL está abrangida, enquanto sujeito passivo, pelo sistema comum do IVA.
51 Tendo em conta todas as considerações precedentes, há que responder à primeira questão prejudicial que o artigo 44.° da Diretiva IVA deve ser interpretado no sentido de que, no caso de um sujeito passivo que exerça uma atividade não económica a título profissional adquirir serviços para os fins dessa atividade não económica, esses serviços deverão ser considerados prestados a esse sujeito passivo «agindo nessa qualidade», na aceção deste artigo.
Quanto à segunda questão
52 Tendo em conta a resposta dada à primeira questão, não há que responder à segunda questão submetida.
Quanto às despesas
53 Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.
Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Quinta Secção) declara:
O artigo 44.° da Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro de 2006, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado, conforme alterada pela Diretiva 2008/8/CE do Conselho, de 12 de fevereiro de 2008, deve ser interpretado no sentido de que, no caso de um sujeito passivo que exerça uma atividade não económica a título profissional adquirir serviços para os fins dessa atividade não económica, esses serviços deverão ser considerados prestados a esse sujeito passivo «agindo nessa qualidade», na aceção deste artigo.
Assinaturas
* Língua do processo: inglês.