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Processos apensos C-544/03 e C-545/03

Mobistar SA

contra

Commune de Fléron

e

Belgacom Mobile SA

contra

Commune de Schaerbeek

[pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Conseil d'État (Bélgica)]

«Artigo 59.° do Tratado CE (que passou, após alteração, a artigo 49.° CE) – Serviços de telecomunicações – Directiva 90/388/CEE – Artigo 3.°-C – Supressão de todas as restrições – Taxas municipais sobre os pilares, postes e antenas de difusão para GSM»

Conclusões do advogado-geral P. Léger apresentadas em 7 de Abril de 2005 

Acórdão do Tribunal de Justiça (Primeira Secção) de 8 de Setembro de 2005 

Sumário do acórdão

1.     Livre prestação de serviços – Disposições do Tratado – Âmbito de aplicação – Medidas de natureza fiscal – Inclusão – Limites

[Tratado CE, artigo 59.° (que passou, após alteração, a artigo 49.° CE)]

2.     Livre prestação de serviços – Restrições – Sector das telecomunicações – Taxa sobre as infra-estruturas de comunicações móveis e pessoais – Admissibilidade – Condições

[Tratado CE, artigo 59.° (que passou, após alteração, a artigo 49.° CE)]

3.     Concorrência – Empresas públicas e empresas a que os Estados-Membros concedem direitos especiais ou exclusivos – Sector das telecomunicações – Directiva 90/388 – Proibição de restrições relativas à infra-estrutura – Conceito de restrição – Taxa sobre as infra-estruturas de comunicações móveis – Exclusão – Condições

(Directiva 90/388 da Comissão, artigo 3.°-C)

1.     O artigo 59.° do Tratado (que passou, após alteração, a artigo 49.° CE) exige não só a eliminação de quaisquer discriminações contra o prestador de serviços estabelecido noutro Estado-Membro em razão da sua nacionalidade, mas também a supressão de quaisquer restrições, ainda que essas restrições sejam indistintamente aplicadas aos prestadores nacionais e aos de outros Estados-Membros, quando possam proibir ou perturbar mais as actividades do prestador estabelecido noutro Estado-Membro, onde preste legalmente serviços análogos. O referido artigo 59.° opõe-se à aplicação de qualquer legislação nacional que tenha como efeito tornar a prestação de serviços entre Estados-Membros mais difícil do que a prestação de serviços puramente interna a um Estado-Membro.

A este respeito, uma medida fiscal nacional que entrave o exercício da livre prestação de serviços pode constituir uma medida proibida, quer ela emane do próprio Estado quer de uma colectividade local. O artigo 59.° do Tratado não tem, porém, por objecto medidas cujo único efeito é o de gerar custos suplementares para a prestação em causa.

(cf. n.os 28-31)

2.     O artigo 59.° do Tratado (que passou, após alteração, a artigo 49.° CE) deve ser interpretado no sentido de que não se opõe a que uma regulamentação de uma autoridade nacional ou de uma colectividade local institua uma taxa sobre as infra-estruturas de comunicações móveis e pessoais utilizadas no âmbito da exploração das actividades abrangidas pelas licenças e autorizações concedidas aos operadores que é indistintamente aplicável aos prestadores nacionais e aos dos outros Estados-Membros e afecta da mesma maneira a prestação de serviços interna num Estado-Membro e a prestação de serviços entre Estados-Membros, na medida em que não seja demonstrado um efeito cumulativo das taxas locais que comprometa a livre prestação de serviços de telefonia móvel.

(cf. n.os 34, 35, disp. 1)

3.     O artigo 3.°-C da Directiva 90/388, relativa à concorrência nos mercados de serviços de telecomunicações, com a redacção dada, no que diz respeito à introdução da plena concorrência nos mercados das telecomunicações, pela Directiva 96/19, prevê a abolição de todas as restrições impostas aos operadores de sistemas de comunicações móveis e pessoais relativamente às infra-estruturas.

Medidas de natureza fiscal aplicáveis a infra-estruturas de comunicações móveis não são abrangidas por essa disposição, a não ser que essas medidas favoreçam, directa ou indirectamente, os operadores que disponham ou tenham disposto de direitos especiais ou exclusivos em detrimento dos novos operadores e afectem a situação concorrencial de modo significativo.

(cf. n.os  38, 50, disp. 2)




ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Primeira Secção)

8 de Setembro de 2005 (*)

«Artigo 59.° do Tratado CE (que passou, após alteração, a artigo 49.° CE) – Serviços de telecomunicações – Directiva 90/388/CEE – Artigo 3.°-C – Supressão de todas as restrições – Taxas municipais sobre os pilares, postes e antenas de difusão para GSM»

Nos processos apensos C-544/03 e C-545/03,

que têm por objecto pedidos de decisão prejudicial nos termos do artigo 234.° CE, apresentados pelo Conseil d’État (Bélgica), por decisões de 8 de Dezembro de 2003, entrados no Tribunal de Justiça em 23 de Dezembro de 2003, nos processos

Mobistar SA (C-544/03)

contra

Commune de Fléron,

e

Belgacom Mobile SA (C-545/03)

contra

Commune de Schaerbeek,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Primeira Secção),

composto por: P. Jann, presidente de secção, K. Lenaerts, N. Colneric (relatora), E. Juhász e Ilešič, juízes,

advogado-geral: P. Léger,

secretário: M.-F. Contet, administradora principal,

vistos os autos e após a audiência de 20 de Janeiro de 2005,

vistas as observações apresentadas:

–       em representação da Mobistar SA, por Y. van Gerven, A. Vallery e A. Desmedt, avocats,

–       em representação da Belgacom Mobile SA, por H. De Bauw, advocaat, e P. Carreau, avocat,

–       em representação da commune de Fléron, por M. Vankan, avocat,

–       em representação da commune de Schaerbeeck, por J. Bourtembourg, avocat,

–       em representação do Governo belga, por A. Goldman e E. Dominkovits, na qualidade de agentes,

–       em representação do Governo neerlandês, por H. G. Sevenster, na qualidade de agente,

–       em representação da Comissão das Comunidades Europeias, por J.-P. Keppenne, M. Shotter e L. Ström van Lier, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões do advogado-geral na audiência de 7 de Abril de 2005,

profere o presente

Acórdão

1       Os pedidos de decisão prejudicial respeitam à interpretação dos artigos 59.° do Tratado CE (que passou, após alteração, a artigo 49.° CE) e 3.°-C da Directiva 90/388/CEE da Comissão, de 28 de Junho de 1990, relativa à concorrência nos mercados de serviços de telecomunicações (JO L 192, p. 10), conforme alterada, no que diz respeito à introdução da plena concorrência nos mercados das telecomunicações, pela Directiva 96/19/CE da Comissão, de 13 de Março de 1996 (JO L 74, p. 13, a seguir «Directiva 90/388»).

2       Esses pedidos foram apresentados no âmbito de acções intentadas por operadores de telefonia móvel com sede na Bélgica, a sociedade Mobistar SA (a seguir «Mobistar») e a sociedade Belgacom Mobile SA (a seguir «Belgacom Mobile»). Esses dois operadores pedem a anulação das taxas instituídas pelos municípios de Fléron (Bélgica) e de Schaerbeek (Bélgica) respectivamente sobre as antenas, poste e pilares de difusão para GSM e sobre as antenas exteriores.

3       Por despacho do presidente do Tribunal de Justiça de 4 de Março de 2004, os processos foram apensos para efeitos da fase escrita, e oral e do acórdão.

 Quadro jurídico

4       O artigo 59.°, primeiro parágrafo, do Tratado CE dispõe:

«No âmbito das disposições seguintes, as restrições à livre prestação de serviços na Comunidade serão progressivamente suprimidas, durante o período de transição, em relação aos nacionais dos Estados-Membros estabelecidos num Estado da Comunidade que não seja o do destinatário da prestação.»

5       O artigo 86.°, primeiro parágrafo, do Tratado CE (que passou a artigo 82.°, primeiro parágrafo, CE) prevê:

«É incompatível com o mercado comum e proibido, na medida em que tal seja susceptível de afectar o comércio entre os Estados-Membros, o facto de uma ou mais empresas explorarem de forma abusiva uma posição dominante no mercado comum ou numa parte substancial deste.»

6       O artigo 90.° do Tratado CE (que passou a artigo 86.° CE) tem o seguinte teor:

«1. No que respeita às empresas públicas e às empresas a que concedam direitos especiais ou exclusivos, os Estados-Membros não tomarão nem manterão qualquer medida contrária ao disposto no presente Tratado, designadamente ao disposto nos artigos 12.° e 81.° a 89.° inclusive.

2. As empresas encarregadas da gestão de serviços de interesse económico geral ou que tenham a natureza de monopólio fiscal ficam submetidas ao disposto no presente Tratado, designadamente às regras de concorrência, na medida em que a aplicação destas regras não constitua obstáculo ao cumprimento, de direito ou de facto, da missão particular que lhes foi confiada. O desenvolvimento das trocas comerciais não deve ser afectado de maneira que contrarie os interesses da Comunidade.

3. A Comissão velará pela aplicação do disposto no presente artigo e dirigirá aos Estados-Membros, quando necessário, as directivas ou decisões adequadas.»

7       Nos termos do artigo 3.°-A da Directiva 90/388:

«Para além dos requisitos estabelecidos no n.° 2 do artigo 2.°, os Estados-Membros, ao fazer acompanhar as licenças ou autorizações gerais para sistemas de comunicações móveis e pessoais de condições, devem assegurar o seguinte:

i)      Os procedimentos de licenciamento não podem incluir requisitos que não se justifiquem pelo respeito de exigências essenciais e, no caso dos sistemas para utilização do público em geral, exigências de serviço público sob a forma de normas comerciais nos termos do artigo 3.°;

ii)      Os procedimentos de licenciamento para os operadores da rede móvel devem assegurar um comportamento transparente e não discriminatório entre operadores de redes fixas e de redes móveis em propriedade comum;

iii)      As condições de licenciamento não podem incluir quaisquer restrições técnicas injustificadas. Os Estados-Membros não podem, em especial, restringir a oferta de tecnologias distintas que utilizem frequências diferentes, nos casos em que estiverem disponíveis equipamentos que satisfaçam normas múltiplas.

[…]»

8       O artigo 3.°-C da Directiva 90/388 prevê:

«Os Estados-Membros assegurarão a abolição de todas as restrições impostas aos operadores de sistemas de comunicações móveis e pessoais relativamente à criação da sua própria infra-estrutura, à utilização de infra-estruturas fornecidas por terceiros e à partilha de infra-estruturas, outros serviços e instalações, sempre que se limite a utilização dessas infra-estruturas às actividades objecto da sua licença ou autorização.»

9       Os artigos 3.°-A e 3.°-C da Directiva 90/388 foram aditados pela Directiva 96/2/CE da Comissão, de 16 de Janeiro de 1996, que altera a Directiva 90/388 no que respeita às comunicações móveis e pessoais (JO L 20, p. 59). O primeiro considerando da Directiva 96/2 tem o seguinte teor:

«Considerando que, na sua comunicação sobre as consultas relativas ao ‘livro-verde’ das comunicações móveis e pessoais de 23 de Novembro de 1994, a Comissão estabeleceu as principais medidas para o futuro enquadramento regular necessárias para explorar o potencial deste meio de comunicação. O ‘livro-verde’ acentuava a necessidade de suprimir, tão rapidamente quanto possível, todos os direitos exclusivos e especiais remanescentes nesta área, através da plena aplicação das regras comunitárias da concorrência incluindo se necessário a alteração da Directiva 90/388/CEE [...], com a última redacção que lhe foi dada pela Directiva 95/51/CE [...]; por outro lado, a comunicação tomou em consideração a supressão das restrições à liberdade de escolha de instalações subjacentes utilizadas pelos operadores de redes móveis para o funcionamento e desenvolvimento das suas redes para as actividades autorizadas nas suas licenças ou autorizações. Esta medida foi considerada essencial a fim de ultrapassar as existentes distorções da concorrência leal e, especialmente, para permitir que esses operadores controlem a sua base de custos.»

10     Nos termos do quarto considerando desta mesma directiva:

«Considerando que diversos Estados-Membros abriram já à concorrência alguns serviços de comunicações móveis e introduziram regimes de licença para esses serviços. No entanto, em muitos Estados-Membros, o número de licenças é ainda limitado pela discricionariedade ou, no caso de operadores que se encontrem em concorrência com organismos de telecomunicações, sujeito a restrições técnicas, tais como a proibição de utilizar infra-estruturas que não as fornecidas pelo organismo de telecomunicações. [...]»

11     O décimo sexto considerando da referida directiva precisa:

«[...] que, para além disso, as restrições ao auto-fornecimento de infra-estruturas e à utilização de infra-estruturas de terceiros está a abrandar o desenvolvimento dos serviços móveis, em especial devido ao facto de a eficácia do serviço itinerante pan-europeu com tecnologia GSM depender de uma ampla disponibilidade de sistemas de sinalização direccionados, tecnologia que não é ainda universalmente oferecida pelos organismos de telecomunicações de toda a União Europeia;

Que essas restrições ao fornecimento e utilização de infra-estruturas restringem a prestação de serviços de comunicações móveis e pessoais por parte de operadores de outros Estados-Membros, sendo deste modo incompatíveis com o artigo 90.° em conjugação com o artigo 59.° do Tratado; que, na medida em que a prestação concorrencial de serviços móveis de telefonia vocal é impedida devido ao facto do organismo de telecomunicações não poder satisfazer a procura de infra-estruturas por parte dos operadores móveis ou não o fazer com base em tarifas que não sejam orientadas para os custos da capacidade de linha alugada em causa, tais restrições favorecem inevitavelmente a oferta de serviços de telefonia fixa por parte dos organismos de telecomunicações, relativamente aos quais a maior parte dos Estados-Membros mantém ainda direitos exclusivos; que a restrição ao fornecimento e utilização de infra-estruturas constitui, por conseguinte, uma infracção ao artigo 90.°, em conjugação com o artigo 86.° do Tratado que, por conseguinte, os Estados-Membros devem suprimir tais restrições e conceder, quando solicitado, aos operadores móveis relevantes numa base não discriminatória acesso aos insuficientes recursos necessários para instalarem as suas próprias infra-estruturas, incluindo radiofrequências.»

12     O artigo 11.°, n.° 1, da Directiva 97/13/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 10 de Abril de 1997, relativa a um quadro comum para autorizações gerais e licenças individuais no domínio dos serviços de telecomunicações (JO L 117, p. 15), sob a epígrafe «Taxas e encargos relativos a licenças individuais», tem o seguinte teor:

«Os Estados-Membros devem zelar por que quaisquer taxas cobradas a empresas no quadro dos processos de autorização se destinam apenas a cobrir os custos administrativos decorrentes da emissão, gestão, controlo e aplicação das licenças individuais. As taxas relativas a uma licença individual devem ser proporcionais ao trabalho envolvido e devem ser publicadas de modo adequado e suficientemente pormenorizado, por forma a facilitar o acesso a essas informações.»

13     As Directivas 90/388 e 97/13 foram revogadas, com efeitos a partir de 25 de Julho de 2003, respectivamente, pela Directiva 2002/77/CE da Comissão, de 16 de Setembro de 2002, relativa à concorrência nos mercados de redes e serviços de comunicações electrónicas (JO L 249, p. 21), e pela Directiva 2002/21/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 7 de Março de 2002, relativa a um quadro regulamentar comum para as redes e serviços de comunicações electrónicas (directiva-quadro) (JO L 108, p. 33), que são, todavia, posteriores aos litígios nos processos principais.

 Os litígios nos processos principais e as questões prejudiciais

 Processo C-544/03

14     O conselho municipal de Fléron adoptou, em sessão de 27 de Janeiro de 1998, um regulamento-taxa relativo aos pilares, postes e antenas de difusão para GSM. O tributo era instituído a partir de 1 de Janeiro de 1998, por um período de três anos até 31 de Dezembro de 2000. A taxa ascendia a 100 000 BEF por pilar, poste ou antena e era devida pelo seu proprietário.

15     Em 12 de Abril de 1999, a Mobistar pediu a anulação do referido regulamento-taxa ao Conseil d’État.

16     Entre os fundamentos de anulação apresentados em apoio da sua acção, a Mobistar alega que esse regulamento-taxa impugnado constitui uma restrição ao desenvolvimento da sua rede de telefonia móvel, restrição proibida pelo artigo 3.°-C da Directiva 90/388.

17     Considerando, por um lado, que não podia pronunciar-se sobre a procedência desse fundamento sem aplicar uma norma de direito comunitário que levanta um problema de interpretação e, por outro, que a compatibilidade da taxa impugnada com o artigo 49.° CE coloca o mesmo problema, o Conseil d’État decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões:

«1)       O artigo 49.° [CE] deve ser interpretado no sentido de que se opõe a que uma regulamentação de uma autoridade nacional ou de uma colectividade local institua uma taxa sobre as infra-estruturas de comunicações móveis e pessoais utilizadas no âmbito da exploração das actividades objecto das licenças e autorizações?

2)      O artigo 3.°-C da Directiva [...] opõe-se, na medida em que visa a abolição de ‘todas as restrições’, a que uma regulamentação de uma autoridade nacional ou de uma colectividade local institua uma taxa sobre as infra-estruturas de comunicações móveis e pessoais utilizadas no âmbito da exploração das actividades abrangidas pelas licenças e autorizações?»

 Processo C-545/03

18     O conselho municipal de Schaerbeek adoptou, em sessão de 8 de Outubro de 1997, um regulamento-taxa relativo às antenas exteriores, que alterou um regulamento-taxa relativo às antenas parabólicas, anteriormente adoptado por esse mesmo conselho municipal. Foi instituído um tributo anual sobre as antenas exteriores para os exercícios de 1997 a 1999. Devia entender-se por antena exterior não apenas as antenas parabólicas, mas também as antenas retransmissoras GSM ou outras. O montante da taxa foi fixado em 100 000 BEF por antena retransmissora GSM e em 5 000 BEF por antena parabólica ou outra.

19     Em 19 de Dezembro de 1997, a Belgacom Mobile pediu a anulação do referido regulamento-taxa ao Conseil d’État.

20     Um dos fundamentos apresentados em apoio da petição consiste na violação das disposições comunitárias relativas à instalação de uma rede de telefonia móvel de qualidade e sem restrições, designadamente o artigo 3.°-C da Directiva 90/388.

21     Considerando igualmente que não podia pronunciar-se sobre a procedência desse fundamento sem aplicar uma norma de direito comunitário que levanta um problema de interpretação, o Conseil d’État decidiu que havia que submeter ao Tribunal de Justiça duas questões prejudicais idênticas às apresentadas no processo C-544/03, nos termos do artigo 234.° CE.

 Quanto ao pedido de reabertura da fase oral

22     Por requerimento apresentado na Secretaria do Tribunal de Justiça em 2 de Maio de 2005, o Governo neerlandês solicitou ao Tribunal que ordenasse a reabertura da fase oral, ao abrigo do artigo 61.° do Regulamento de Processo.

23     Em apoio do seu pedido, esse governo alega essencialmente que, nas suas conclusões, o advogado-geral propôs que a resposta assentasse em fundamentos diferentes dos referidos pelo órgão jurisdicional de reenvio, isto é, na Directiva 97/13, que não foi objecto de uma discussão aprofundada entre todas as partes, nem nas observações escritas nem nas que foram apresentadas na audiência. O referido governo pretende apresentar observações a esse propósito.

24     A este respeito, há que recordar que o Tribunal de Justiça pode, oficiosamente, ou sob proposta do advogado-geral, ou ainda a pedido das partes, ordenar a reabertura da fase oral, em conformidade com o artigo 61.° do seu Regulamento de Processo, se considerar que não está suficientemente esclarecido ou que o processo deve ser decidido com base num argumento que não foi debatido entre as partes (v. despacho de 4 de Fevereiro de 2000, Emesa Sugar, C-17/98, Colect., p. I-665, n.° 18; acórdãos de 19 de Fevereiro de 2002, Wouters e o., C-309/99, Colect., p. I-1577, n.° 42, e de 30 de Março de 2004, Alabaster, C-147/02, Colect., p. I-3101, n.° 35).

25     Todavia, no caso em apreço, o Tribunal de Justiça, após ouvir o advogado-geral, considera dispor de todos os elementos necessários para responder às questões submetidas e que esses elementos foram objecto dos debates nele conduzidos. Por conseguinte, há que indeferir o pedido de reabertura da fase oral.

 Quanto à primeira questão

26     Através da sua primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber se o artigo 59.° do Tratado CE (que passou, após alteração, a artigo 49.° CE) deve ser interpretado no sentido de que se opõe a que uma regulamentação de uma autoridade nacional ou de uma colectividade local institua uma taxa sobre as infra-estruturas de comunicações móveis e pessoais utilizadas no âmbito da exploração das actividades abrangidas pelas licenças e autorizações.

27     Se, no estado actual do direito comunitário, a matéria dos impostos directos não se encontra enquanto tal incluída na esfera da competência da Comunidade, não é menos certo que os Estados-Membros devem exercer as competências que detêm, respeitando o direito comunitário (v. acórdãos de 14 de Fevereiro de 1995, Schumacker, C-279/93, Colect., p. I-225, n.° 21, de 21 de Novembro de 2002, X e Y, C-436/00, Colect., p. I-10829, n.° 32, e de 11 de Março de 2004, De Lasteyrie du Saillant, C-9/02, p. I-2409, n.° 44).

28     No âmbito da livre prestação de serviços, o Tribunal de Justiça já admitiu que uma medida fiscal nacional que entrave o exercício desta liberdade pode constituir uma medida proibida, quer ela emane do próprio Estado quer de uma colectividade local (v., neste sentido, acórdão de 29 de Novembro de 2001, De Coster, C-17/00, Colect., p. I-9445, n.os 26 e 27).

29     Em conformidade com a jurisprudência do Tribunal de Justiça, o artigo 59.° do Tratado exige não só a eliminação de quaisquer discriminações contra o prestador de serviços estabelecido noutro Estado-Membro em razão da sua nacionalidade, mas também a supressão de quaisquer restrições, ainda que essas restrições sejam indistintamente aplicadas aos prestadores nacionais e aos de outros Estados-Membros, quando possam proibir ou perturbar mais as actividades do prestador estabelecido noutro Estado-Membro, onde preste legalmente serviços análogos (acórdãos de 9 de Agosto de 1994, Vander Elst, C-43/93, Colect., p. I-3803, n.° 14, e De Coster, já referido, n.° 29).

30     Além disso, o Tribunal de Justiça já declarou que o referido artigo 59.° se opõe à aplicação de qualquer legislação nacional que tenha como efeito tornar a prestação de serviços entre Estados-Membros mais difícil do que a prestação de serviços puramente interna a um Estado-Membro (acórdão De Coster, já referido, n.° 30 e jurisprudência aí referida, bem como n.° 39).

31     Pelo contrário, o artigo 59.° do Tratado não tem por objecto medidas cujo único efeito é o de gerar custos suplementares para a prestação em causa e que afectam da mesma maneira a prestação de serviços entre Estados-Membros e a prestação de serviços interna de um Estado-Membro.

32     Relativamente à questão de saber se a cobrança pelas autoridades municipais de taxas como as que estão em causa nos processos principais constitui um entrave incompatível com o referido artigo 59.°, há que observar que essas taxas são indistintamente aplicáveis a todos os proprietários das instalações de telefonia móvel no território do município em causa e que os operadores estrangeiros não são, nem de fato nem de direito, mais gravosamente afectados por essas medidas do que os operadores nacionais.

33     As medidas do tributo em causa também não tornam a prestação de serviços transfronteiriça mais difícil do que a prestação de serviços interna. É certo que a instituição de uma taxa sobre os pilares, postes e antenas pode tornar mais caras as tarifas das comunicações por telefone móvel do estrangeiro para a Bélgica e inversamente. Todavia, as prestações de serviços telefónicos internos estão, na mesma medida, expostas ao risco de uma repercussão da taxa sobre as tarifas.

34     Há que acrescentar que nada nos autos deixa transparecer que o efeito cumulativo das taxas locais compromete a livre prestação de serviços de telefonia móvel entre os outros Estados-Membros e o Reino da Bélgica.

35     Assim, há que responder à primeira questão que o artigo 59.° do Tratado deve ser interpretado no sentido de que não se opõe a que uma regulamentação de uma autoridade nacional ou de uma colectividade local institua uma taxa sobre as infra-estruturas de comunicações móveis e pessoais utilizadas no âmbito da exploração das actividades abrangidas pelas licenças e autorizações que é indistintamente aplicável aos prestadores nacionais e aos dos outros Estados-Membros e afecta da mesma maneira a prestação de serviços interna num Estado-Membro e a prestação de serviços entre Estados-Membros.

 Quanto à segunda questão

36     Através da sua segunda questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, essencialmente, se medidas de natureza fiscal aplicáveis a infra-estruturas de comunicações móveis são abrangidas pelo artigo 3.°-C da Directiva 90/388.

37     A título preliminar, há que constatar que o facto gerador das taxas sobre as infra-estruturas de comunicação não é a concessão de uma licença. Assim, a Directiva 97/13 que foi invocada pela Mobistar na audiência não é aplicável aos factos do litígio.

38     Relativamente à Directiva 90/388, há que constatar, em primeiro lugar, que o teor do seu artigo 3.°-C, na medida em que prevê a «abolição de todas as restrições» impostas aos operadores de sistemas de comunicações móveis e pessoais relativamente às infra-estruturas, não exclui que as referidas restrições visem igualmente medidas de natureza fiscal aplicáveis a infra-estruturas de comunicações móveis.

39     Segundo jurisprudência assente do Tribunal de Justiça, na interpretação de uma disposição de direito comunitário, há que ter em conta não apenas os seus termos mas também o seu contexto e os objectivos prosseguidos pela regulamentação de que faz parte (v., designadamente, acórdãos de 17 de Novembro de 1983, Merck, 292/82, Recueil, p. 3781, n.° 12; de 21 de Fevereiro de 1984, St. Nikolaus Brennerei, 337/82, Recueil, p. 1051, n.° 10, e de 7 de Junho de 2005, Vereniging voor Energie, Milieu en Water e o., C-17/03, ainda não publicado na Colectânea, n.° 41).

40     Na sua versão originária, a Directiva 90/388 previa a abolição de direitos especiais ou exclusivos concedidos pelos Estados-Membros para o fornecimento dos serviços de telecomunicações, mas não incluía os serviços de comunicações móveis no seu âmbito e aplicação. A fim de tornar o seu alcance extensivo às comunicações móveis e pessoais, foi alterada pela Directiva 96/2.

41     Esta última directiva visa instituir um quadro regulamentar que permita explorar o potencial das comunicações móveis e pessoais suprimindo, logo que possível, todos os direitos exclusivos e especiais, eliminando, para os operadores de redes móveis, tanto as restrições à liberdade de explorar e desenvolver as referidas redes com vista ao exercício das actividades abrangidas pelas suas licenças ou autorizações como as distorções da concorrência e permitindo a estes operadores o controlo dos seus custos (v. acórdãos de 16 de Outubro de 2001, Comissão/Grécia, C-396/99 e C-397/99, Colect., p. I-7577, n.° 25, e de 22 de Maio de 2003, Connect Austria, C-462/99, Colect., p. I-5197, n.° 96).

42     A Directiva 96/2 tem por base o artigo 90.°, n.° 3, do Tratado CE. Consequentemente, o artigo 3.°-C da Directiva 90/388 só é aplicável a restrições incompatíveis com o artigo 90.° do Tratado.

43     Segundo o décimo sexto considerando da Directiva 96/2, esta foi adoptada tendo em vista uma situação em que a concorrência em matéria de fornecimento de serviços vocais móveis era impedida porque os organismos de telecomunicações eram incapazes de satisfazer a procura do operador móvel de infra-estruturas e porque a maioria dos Estados-Membros manteve direitos exclusivos em benefício desses organismos. Partindo do princípio de que a restrição ao fornecimento e à utilização de uma infra-estrutura constitui uma infracção ao artigo 90.° do Tratado CE em conjugação com o artigo 86.° do Tratado CE, a Comissão concluiu que os Estados-Membros devem abolir essas restrições e conceder, a pedido, aos operadores móveis em causa o acesso, numa base não discriminatória, aos recursos escassos necessários para instalar a sua própria infra-estrutura.

44     Daí decorre que as restrições previstas no artigo 3.°-C da Directiva 90/388 se caracterizam, por um lado, pela sua ligação aos direitos exclusivos e especiais dos antigos operadores e, por outro, pelo facto de poder sanar essa situação através do acesso, numa base não discriminatória, aos recursos escassos necessários.

45     Assim, estão em causa restrições como as que são mencionadas a título de exemplo no quarto considerando da Directiva 96/2, isto é, a limitação da concessão de licenças numa base discricionária ou, no caso dos operadores que se encontrem em concorrência com organismos de telecomunicações, a sujeição dessa concessão a restrições técnicas, como a proibição de utilizar uma infra-estrutura diferente das fornecidas por esses organismos.

46     Além disso, o conceito de restrição na acepção específica do artigo 3.°-C da Directiva 90/388 apenas abrange medidas que afectem a situação concorrencial de modo significativo.

47     Pelo contrário, o artigo 3.°-C da Directiva 90/388 não é aplicável às medidas nacionais que são indistintamente aplicáveis a todos os operadores de telefonia móvel e que não favorecem, directa ou indirectamente, os operadores que disponham ou tenham disposto de direitos especiais ou exclusivos em detrimento dos novos operadores colocados numa posição concorrencial.

48     Compete ao órgão jurisdicional de reenvio assegurar-se de que essas condições se encontram preenchidas nos processos principais.

49     No quadro do seu exame, o órgão jurisdicional de reenvio deverá verificar quais os efeitos das taxas, tendo em conta, designadamente, o momento em que cada um dos operadores em causa acedeu ao mercado. Pode verificar-se que os operadores que dispõem ou dispuseram de direitos especiais ou exclusivos tenham podido beneficiar, antes dos outros operadores, de uma situação que lhes permitiu amortizar os seus custos de instalação de uma rede. Ora, o facto de os operadores que acedem ao mercado serem sujeitos a obrigações de serviço público, incluindo a respeitante à cobertura territorial, pode colocá-los, tratando-se do controlo dos seus encargos, numa situação desfavorável quando comparada com os antigos operadores.

50     Resulta das considerações precedentes que há que responder à segunda questão que medidas de natureza fiscal aplicáveis a infra-estruturas de comunicações móveis não são abrangidas pelo artigo 3.°-C da Directiva 90/388 a não ser que essas medidas favoreçam, directa ou indirectamente, os operadores que disponham ou tenham disposto de direitos especiais ou exclusivos em detrimento dos novos operadores e afectem a situação concorrencial de modo significativo.

 Quanto às despesas

51     Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional nacional, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efectuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Primeira Secção) declara:

1)      O artigo 59.° do Tratado CE (que passou, após alteração, a artigo 49.° CE) deve ser interpretado no sentido de que não se opõe a que uma regulamentação de uma autoridade nacional ou de uma colectividade local institua uma taxa sobre as infra-estruturas de comunicações móveis e pessoais utilizadas no âmbito da exploração das actividades abrangidas pelas licenças e autorizações que é indistintamente aplicável aos prestadores nacionais e aos dos outros Estados-Membros e afecta da mesma maneira a prestação de serviços interna num Estado-Membro e a prestação de serviços entre Estados-Membros.

2)      Medidas de natureza fiscal aplicáveis a infra-estruturas de comunicações móveis não são abrangidas pelo artigo 3.°-C da Directiva 90/388 CEE da Comissão, de 28 de Junho de 1990, relativa à concorrência nos mercados de serviços de telecomunicações, com a redacção dada, no que diz respeito à introdução da plena concorrência nos mercados das telecomunicações, pela Directiva 96/19/CE da Comissão, de 13 de Março de 1996, a não ser que essas medidas favoreçam, directa ou indirectamente, os operadores que disponham ou tenham disposto de direitos especiais ou exclusivos em detrimento dos novos operadores e afectem a situação concorrencial de modo significativo.

Assinaturas


* Língua do processo: francês.