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Processo C-513/04

Mark Kerckhaert e Bernadette Morres

contra

Belgische Staat

(pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Rechtbank van eerste aanleg te Gent)

«Imposto sobre o rendimento – Dividendos – Carga fiscal sobre os dividendos de participações em sociedades com sede noutro Estado-Membro – Não imputação no Estado de residência do imposto sobre o rendimento retido na fonte noutro Estado-Membro»

Conclusões do advogado-geral L. A. Geelhoed apresentadas em 6 de Abril de 2006 

Acórdão do Tribunal de Justiça (Grande Secção) de 14 de Novembro de 2006 

Sumário do acórdão

Livre circulação de capitais – Restrições

[Tratado CE, artigo 73.°-B, n.° 1 (actual artigo 56.°, n.° 1, CE)]

O artigo 73.°-B, n.° 1, do Tratado (actual artigo 56.º, n.º 1, CE) não se opõe à legislação de um Estado-Membro, que, no quadro do imposto sobre o rendimento, sujeita à mesma taxa de imposto uniforme os dividendos de acções de sociedades com sede no território do referido Estado e os dividendos de acções de sociedades com sede noutro Estado-Membro, sem prever a possibilidade de crédito do imposto retido na fonte nesse outro Estado-Membro.

Com efeito, as consequências desfavoráveis que podem originar a aplicação desse sistema de tributação dos rendimentos decorrem do exercício paralelo por dois Estados-Membros da respectiva competência fiscal. Ora, o direito comunitário, no seu estado actual e nessa situação, não prescreve critérios gerais para a repartição das competências entre os Estados-Membros no respeitante à eliminação da dupla tributação no interior da Comunidade. Compete, por conseguinte, aos Estados-Membros tomar as medidas necessárias para prevenir situações de dupla tributação, utilizando, nomeadamente, no âmbito das convenções para evitar a dupla tributação, os critérios de repartição seguidos na prática fiscal internacional.

(cf. n.os  20-24, disp.)




ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Grande Secção)

14 de Novembro de 2006 (*)

«Imposto sobre o rendimento – Dividendos – Carga fiscal sobre os dividendos de participações em sociedades com sede noutro Estado-Membro – Não imputação no Estado de residência do imposto sobre o rendimento retido na fonte noutro Estado-Membro»

No processo C-513/04,

que tem por objecto um pedido de decisão prejudicial nos termos do artigo 234.° CE, apresentado pelo Rechtbank van eerste aanleg te Gent (Bélgica), por decisão de 1 de Dezembro de 2004, entrado no Tribunal de Justiça em 15 de Dezembro de 2004, no processo

Mark Kerckhaert,

Bernadette Morres

contra

Belgische Staat,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Grande Secção),

composto por: V. Skouris, presidente, P. Jann, C. W. A. Timmermans, A. Rosas, K. Lenaerts e E. Juhász, presidentes de secção, J. N. Cunha Rodrigues, R. Silva de Lapuerta, G. Arestis, A. Borg Barthet e E. Levits (relator), juízes,

advogado-geral: L. A. Geelhoed,

secretário: M. Ferreira, administradora principal,

vistos os autos e após a audiência de 11 de Janeiro de 2006,

vistas as observações apresentadas:

–       em representação de M. Kerckhaert e B. Morres, por L. De Broe e P. Wytinck, advocaten,

–       em representação do Governo belga, por E. Dominkovits e M. Wimmer, na qualidade de agentes,

–       em representação do Governo alemão, por M. Lumma e U. Forsthoff, na qualidade de agentes,

–       em representação do Governo italiano, por I. M. Braguglia, na qualidade de agente, assistido por P. Gentili, avvocato dello Stato,

–       em representação do Governo neerlandês, por H. G. Sevenster, na qualidade de agente,

–       em representação do Governo do Reino Unido, por C. Jackson, na qualidade de agente, assistida por S. Moore, barrister,

–       em representação da Comissão das Comunidades Europeias, por R. Lyal e W. Wils, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões do advogado-geral na audiência de 6 de Abril de 2006,

profere o presente

Acórdão

1       O pedido de decisão prejudicial tem por objecto a interpretação do artigo 73.°-B, n.º 1, do Tratado CE (actual artigo 56.º, n.º 1, CE).

2       Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe M. Kerckhaert e B. Morres (a seguir «casal Kerckhaert-Morres») à Gewestelijke Directie Antwerpen I (a seguir «Administração Fiscal belga»), a respeito da recusa de esta lhes conceder a imputação da parte fixa de imposto estrangeiro de 15% prevista no artigo 19.º, A, n.º 1, segundo parágrafo, da Convenção de 10 de Março de 1964 entre a Bélgica e a França para evitar a dupla tributação e instituir a cooperação administrativa e jurídica recíprocas em matéria de impostos sobre o rendimento, alterada pelo protocolo assinado em 15 de Fevereiro de 1971 (a seguir «convenção franco-belga»).

 Legislação fiscal belga

  Código dos Impostos sobre o Rendimento

3       Por força do artigo 171.º, n.º 3, do Código dos Impostos sobre o Rendimento (a seguir «código dos impostos»), os dividendos são tributados à taxa de 25%.

4       O artigo 187.º do código dos impostos previa inicialmente, no que respeita aos rendimentos de acções ou participações e de capitais investidos que tivessem sido sujeitos no estrangeiro a um imposto sobre o rendimento, a um imposto sobre as sociedades ou a um imposto para os não residentes, o crédito de uma parte fixa desse imposto estrangeiro.

5       Na sequência de alterações legislativas, as pessoas singulares deixaram de poder beneficiar deste crédito fiscal quando recebam dividendos de empresas sediadas noutro Estado e provenientes de rendimentos que tenham já sido objecto nesse Estado da tributação em imposto sobre o rendimento, de modo que estes rendimentos suportam o imposto retido na fonte nesse Estado e ainda o imposto à taxa de 25% previsto no artigo 171.º, n.º 3, do código dos impostos.

 Convenção franco-belga

6       A convenção franco-belga visa, nomeadamente, evitar as situações de dupla tributação no que diz respeito às retenções do imposto sobre o rendimento suportadas por uma única e mesma pessoa em França e na Bélgica.

7       Prevê no seu artigo 15.º, n.º 3:

«Os dividendos pagos por uma sociedade residente em França, que confeririam direito a um crédito fiscal se tivessem sido recebidos por residentes em França, atribuem o direito, quando são pagos a uma pessoa singular residente na Bélgica, ao pagamento do crédito fiscal após dedução da retenção na fonte calculada à taxa de 15% sobre o dividendo bruto constituído pelo dividendo distribuído acrescido do crédito fiscal.»

8       O artigo 19.°, A, n.° 1, desta mesma convenção prevê que, quando os dividendos são pagos por uma sociedade residente em França a um residente na Bélgica que não seja uma sociedade sujeita ao imposto sobre as sociedades e estes dividendos tiverem efectivamente suportado a retenção na fonte em França, o imposto devido na Bélgica sobre o montante líquido desta retenção na fonte será reduzido, por um lado, da retenção na fonte («précompte mobilier») efectuada à taxa normal e, por outro, da parte fixa do imposto cobrado no estrangeiro («quotité forfaitaire d’impôt étranger») que é dedutível nas condições estabelecidas pela legislação belga, desde que esta parte não seja inferior a 15% do referido montante líquido.

 Litígio na causa principal e questão prejudicial

9       O casal Kerckhaert-Morres, que reside na Bélgica, recebeu durante os anos de 1995 e 1996 dividendos da sociedade Eurofers SARL, com sede em França.

10     Uma parte das quantias recebidas correspondia ao crédito fiscal, que ascendia a 50% dos dividendos pagos, concedido pelas autoridades fiscais francesas nos termos do artigo 15.°, n.° 3, da convenção franco-belga a título de compensação do imposto sobre as sociedades. Em conformidade com a referida disposição, este crédito fiscal é equiparado a um rendimento de dividendos. Os dividendos brutos sofreram na França uma retenção na fonte do imposto sobre o rendimento de 15%.

11     O casal Kerckhaert-Morres declarou ter recebido da sociedade Eurofers SARL 34 566 204 BEF (856 873,81 EUR) e 7 173 702 BEF (177 831,43 EUR) a título de rendimentos obtidos nos anos de 1995 e 1996, respectivamente. Pediu, na respectiva declaração de rendimentos, que lhe fosse concedido o benefício fiscal previsto no artigo 19.°, A, n.° 1, da convenção franco-belga, correspondente ao imposto francês retido na fonte em França.

12     Em razão da supressão pelo legislador belga deste benefício fiscal, o seu pedido foi recusado.

13     Entendendo que o facto de lhe ter sido recusada a concessão do benefício fiscal em causa no processo principal tinha por efeito sujeitar os dividendos de origem francesa a uma pressão fiscal mais pesada do que a exercida sobre os dividendos de sociedades com sede na Bélgica, o casal Kerckhaert-Morres pediu ao Rechtbank van eerste aanleg te Gent a anulação da decisão da Administração Fiscal belga que rejeitou o seu pedido, invocando, nomeadamente, a violação do artigo 73.°-B, n.° 1, do Tratado.

14     Considerando que o litígio que deve dirimir necessita da interpretação do direito comunitário, o Rechtbank van eerste aanleg te Gent decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial:

«O artigo 56.°, n.° 1, CE (artigo 73.°-B, n. ° 1, do Tratado CE na data dos factos controvertidos) deve ser interpretado no sentido de que proíbe uma restrição resultante de uma norma legal de um Estado-Membro (no caso em apreço, a Bélgica), relativa ao imposto sobre o rendimento, que aplica ao accionista uma taxa de imposto uniforme, tanto para os dividendos de acções de uma sociedade com sede nesse Estado-Membro como para os dividendos de acções de uma sociedade com sede noutro Estado-Membro, mas não admite, no que diz respeito aos dividendos de acções de uma sociedade com sede noutro Estado-Membro, a dedução do imposto retido na fonte nesse outro Estado-Membro?»

 Quanto à questão prejudicial

15     A título liminar, há que recordar que, de acordo com jurisprudência assente, embora a fiscalidade directa seja da competência dos Estados-Membros, estes devem exercer essa competência no respeito do direito comunitário (acórdãos de 11 de Agosto de 1995, Wielockx, C-80/94, Colect., p. I-2493, n.° 16; de 6 de Junho de 2000, Verkooijen, C-35/98, Colect., p. I-4071, n.° 32; de 4 de Março de 2004, Comissão/França, C-334/02, Colect., p. I-2229, n.° 21; de 15 de Julho de 2004, Lenz, C-315/02, Colect., p. I-7063, n.° 19, e de 7 de Setembro de 2004, Manninen, C-319/02, Colect., p. I-7477, n.° 19).

16     Nos acórdãos Verkooijen, Lenz e Manninen, já referidos, o Tribunal considerou que a legislação dos Estados-Membros em causa estabelecia uma diferença de tratamento entre os rendimentos provenientes de dividendos de sociedades com sede no Estado-Membro de residência do contribuinte em questão e os obtidos a partir de dividendos de sociedades com sede noutro Estado-Membro, negando aos beneficiários destes últimos dividendos os benefícios fiscais concedidos aos primeiros. Tendo constatado que a situação dos contribuintes que recebem dividendos de sociedades com sede noutro Estado-Membro não era objectivamente diferente da dos contribuintes que recebem dividendos de sociedades com sede no Estado-Membro de que são residentes, o Tribunal concluiu que as legislações em causa constituíam um entrave às liberdades consagradas no Tratado.

17     Contrariamente à tese defendida pelo casal Kerckhaert-Morres, o caso no processo principal é, porém, diferente dos que estão na origem dos acórdãos já referidos, uma vez que a legislação fiscal belga não procede a qualquer distinção entre os dividendos de sociedades com sede na Bélgica e os dividendos de sociedades com sede noutro Estado-Membro, sendo estes tributados, nos termos da lei belga, à taxa idêntica de 25% em sede de imposto sobre o rendimento.

18     Além disso, não se pode aceitar o argumento de que, no caso em apreço, os accionistas residentes na Bélgica se encontram numa situação diferente consoante recebam dividendos de uma sociedade com sede nesse mesmo Estado-Membro ou de uma sociedade com sede noutro Estado-Membro, de modo que o tratamento idêntico de que são alvo, isto é, a aplicação de uma taxa única do imposto sobre o rendimento, constitui uma discriminação.

19     É certo que uma discriminação pode consistir não só na aplicação de regras diferentes a situações comparáveis, mas também na aplicação da mesma regra a situações diferentes (v. acórdãos de 14 de Fevereiro de 1995, Schumacker, C-279/93, Colect., p. I-225, n.° 30, e de 29 de Abril de 1999, Royal Bank of Scotland, C-311/97, Colect., p. I-2651, n.° 26). Todavia, face à legislação fiscal do Estado de residência, a posição de um accionista que recebe dividendos não se torna necessariamente diferente, no sentido desta jurisprudência, pelo simples facto de os receber de uma sociedade com sede noutro Estado-Membro que, no exercício da respectiva competência fiscal, sujeita estes dividendos a uma retenção na fonte em sede de imposto sobre o rendimento.

20     Em circunstâncias como as do caso em apreço, as consequências desfavoráveis que pudessem resultar da aplicação de um sistema de tributação dos rendimentos como o do regime belga em causa no processo principal decorrem do exercício paralelo por dois Estados-Membros da respectiva competência fiscal.

21     Importa recordar, a este respeito, que as convenções para evitar a dupla tributação como as previstas no artigo 293.° CE servem para eliminar ou atenuar os efeitos negativos no funcionamento do mercado interno que resultam da coexistência dos sistemas fiscais nacionais evocada no número precedente.

22     Ora, o direito comunitário, no seu estado actual e numa situação como a do processo principal, não prescreve critérios gerais para a repartição das competências entre os Estados-Membros no respeitante à eliminação da dupla tributação no interior da Comunidade. Com efeito, abstracção feita da Directiva 90/435/CEE do Conselho, de 23 de Julho de 1990, relativa ao regime fiscal comum aplicável às sociedades-mães e sociedades afiliadas de Estados-Membros diferentes (JO L 225, p. 6), da Convenção, de 23 de Julho de 1990, relativa à eliminação da dupla tributação em caso de correcção de lucros entre empresas associadas (JO L 225, p. 10), e da Directiva 2003/48/CE do Conselho, de 3 de Junho de 2003, relativa à tributação dos rendimentos da poupança sob a forma de juros (JO L 157, p. 38), não foi adoptada, até hoje, no quadro do direito comunitário, nenhuma medida de unificação ou de harmonização visando eliminar as situações de dupla tributação.

23     Por conseguinte, compete aos Estados-Membros tomar as medidas necessárias para prevenir situações como a em causa no processo principal, utilizando, nomeadamente, os critérios de repartição seguidos na prática fiscal internacional. É esta, essencialmente, a finalidade da convenção franco-belga, que procede a uma repartição da competência fiscal entre a República Francesa e o Reino da Bélgica nestas situações. No entanto, a referida convenção não é objecto do presente pedido prejudicial.

24     Tendo em conta todas estas considerações, há que responder à questão colocada que o artigo 73.°-B, n.° l, do Tratado não se opõe à legislação de um Estado-Membro, como a legislação fiscal belga, que, no quadro do imposto sobre o rendimento, sujeita à mesma taxa de imposto uniforme os dividendos de acções de sociedades com sede no território do referido Estado e os dividendos de acções de sociedades com sede noutro Estado-Membro, sem prever a possibilidade de crédito do imposto retido na fonte nesse outro Estado-Membro.

 Quanto às despesas

25     Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efectuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Grande Secção) declara:

O artigo 73.°-B, n.° l, do Tratado CE (actual artigo 56.º, n.º 1, CE) não se opõe à legislação de um Estado-Membro, como a legislação fiscal belga, que, no quadro do imposto sobre o rendimento, sujeita à mesma taxa de imposto uniforme os dividendos de acções de sociedades com sede no território do referido Estado e os dividendos de acções de sociedades com sede noutro Estado-Membro, sem prever a possibilidade de crédito do imposto retido na fonte nesse outro Estado-Membro.

Assinaturas


* Língua do processo: neerlandês.