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Processo C-169/08

Presidente del Consiglio dei Ministri

contra

Regione Sardegna

(pedido de decisão prejudicial apresentado pela Corte costituzionale)

«Livre prestação de serviços – Artigo 49.° CE – Auxílios de Estado – Artigo 87.° CE – Legislação regional que cria um imposto sobre as escalas turísticas das aeronaves destinadas ao transporte privado de pessoas, bem como das embarcações de recreio, que onera unicamente os operadores com domicílio fiscal fora do território regional»

Sumário do acórdão

1.        Livre prestação de serviços – Serviços – Conceito

(Artigo 50.° CE)

2.        Livre prestação de serviços – Restrições – Legislação fiscal

(Artigo 49.° CE)

3.        Auxílios concedidos pelos Estados – Conceito – Carácter selectivo da medida

(Artigo 87.°, n.° 1, CE)

1.        O conceito de «serviços», na acepção do artigo 50.° CE, implica que se trate de prestações realizadas normalmente mediante remuneração e que esta constitua a contrapartida económica da prestação e seja definida entre o prestador e o destinatário do serviço.

O imposto regional sobre escalas afecta os operadores de meios de transporte que fazem escala no território da região e não as empresas de transporte que exercem a sua actividade nesta região. Embora não incida sobre as prestações de transporte, não se pode concluir que o referido imposto não tem nenhuma relação com a livre prestação de serviços. Com efeito, embora o artigo 50.°, terceiro parágrafo, CE apenas faça referência à livre prestação de serviços «activa» – no âmbito da qual o prestador se desloca até ao destinatário dos serviços – ela compreende igualmente a liberdade de os destinatários dos serviços, e nomeadamente os turistas, se deslocarem a outro Estado-Membro onde o prestador se encontra, para aí beneficiarem desses serviços. Dado que as pessoas que exploram um meio de transporte, assim como as que o utilizam, beneficiam de vários serviços no território da região em causa, como os serviços prestados nos aeródromos e nos portos, a escala constitui uma condição necessária para receber os referidos serviços e o imposto regional sobre escalas apresenta um certo nexo com tal prestação.

Aliás, o imposto regional que incide sobre as escalas de embarcações de recreio, que se aplica igualmente às empresas que exploram tais embarcações de recreio, em particular àquelas cuja actividade empresarial consiste em pôr essas embarcações à disposição de terceiros, em contrapartida de uma remuneração, afecta directamente a prestação de serviços, na acepção do artigo 50.° CE.

Por último, os serviços sobre os quais incide o imposto regional sobre escalas podem ter carácter transfronteiriço, dado que este imposto, por um lado, é susceptível de afectar a possibilidade de as empresas estabelecidas na região em causa oferecerem serviços de escala nos aeródromos e nos portos a cidadãos e a empresas estabelecidos noutro Estado-Membro e, por outro lado, influencia a actividade das empresas com sede noutro Estado-Membro e que exploram embarcações de recreio nessa região.

(cf. n.os 23-28)

2.        O artigo 49.° CE deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação fiscal de uma autoridade regional, que cria um imposto regional sobre as escalas turísticas das aeronaves destinadas ao transporte privado de pessoas, bem como das embarcações de recreio, que onera unicamente as pessoas singulares e colectivas com domicílio fiscal fora do território regional, porque a aplicação desta legislação fiscal tem por consequência, para todos os sujeitos passivos do imposto com domicílio fiscal fora do território regional e estabelecidos noutros Estados-Membros, tornar os serviços em causa mais onerosos que os prestados pelos operadores estabelecidos nesse território.

É certo que, em matéria de fiscalidade directa, a situação dos residentes e a dos não residentes, num determinado Estado-Membro, não são, regra geral, comparáveis, porque apresentam diferenças objectivas, tanto do ponto de vista da fonte dos rendimentos como do ponto de vista da capacidade contributiva pessoal do contribuinte ou da consideração da sua situação pessoal e familiar. No entanto, para comparar a situação dos contribuintes, importa ter em conta as características específicas do imposto em causa. Por conseguinte, uma diferença de tratamento entre residentes e não residentes constitui uma restrição à livre circulação, proibida pelo artigo 49.° CE, sempre que não exista uma diferença de situação objectiva, relativamente ao imposto em causa, susceptível de justificar a diferença de tratamento entre as diversas categorias de contribuintes.

Tal restrição não pode ser justificada por razões de protecção do ambiente, na medida em que a aplicação do imposto regional assenta numa diferença de tratamento entre as pessoas, sem relação com o referido objectivo ambiental. Ela também não pode ser justificada por razões baseadas na coerência do sistema fiscal da região em causa, uma vez que a não sujeição dos residentes ao referido imposto não pode ser considerada uma compensação pelos outros impostos que estes últimos devem pagar, dado que o imposto regional sobre escalas não prossegue os mesmos objectivos que os impostos pagos pelos sujeitos passivos residentes nessa região.

(cf. n.os 31, 34-35, 45, 48-50, disp. 1)

3.        O artigo 87.°, n.º 1, CE deve ser interpretado no sentido de que a legislação fiscal de uma autoridade regional que cria um imposto regional sobre escalas, que afecta os operadores de aeronaves destinadas ao transporte privado de pessoas, bem como das embarcações de recreio, que onera unicamente as pessoas singulares e colectivas com domicílio fiscal fora do território regional, constitui um auxílio de Estado a favor das empresas estabelecidas nesse território.

Na verdade, o conceito de auxílio pode abarcar não apenas prestações positivas, como subvenções, empréstimos ou aquisições de participações no capital de empresas, mas também intervenções que, sob diversas formas, aliviam os encargos que, normalmente, oneram o orçamento de uma empresa, pelo que, não sendo subvenções na acepção estrita da palavra, têm a mesma natureza e efeitos idênticos. Assim, uma legislação fiscal que não sujeita determinadas empresas ao imposto em causa, constitui um auxílio de Estado, mesmo que não implique uma transferência de recursos públicos, visto que as autoridades renunciam a receitas fiscais que, normalmente, poderiam receber.

Para apreciar a selectividade de uma medida adoptada por uma entidade infra-estatal com um estatuto autónomo relativamente ao governo central, há que determinar se, tendo em conta o objectivo prosseguido pela referida medida, esta constitui uma vantagem para certas empresas em relação a outras que se encontrem, dentro da ordem jurídica em que a entidade exerce as suas competências, numa situação factual e jurídica comparável. Este é o caso quando, atendendo ao carácter e à finalidade do referido imposto, todas as pessoas singulares e colectivas que beneficiam dos serviços de escala na região em causa se encontram numa situação objectivamente comparável, independentemente do lugar onde residam ou estejam estabelecidas.

(cf. n.os 56-57, 61, 63, 66, disp. 2)







ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Grande Secção)

17 de Novembro de 2009 (*)

«Livre prestação de serviços – Artigo 49.° CE – Auxílios de Estado – Artigo 87.° CE – Legislação regional que cria um imposto sobre as escalas turísticas das aeronaves destinadas ao transporte privado de pessoas, bem como das embarcações de recreio, que onera unicamente os operadores com domicílio fiscal fora do território regional»

No processo C-169/08,

que tem por objecto um pedido de decisão prejudicial nos termos do artigo 234.° CE, apresentado pela Corte costituzionale (Itália), por decisão de 13 de Fevereiro de 2008, entrado no Tribunal de Justiça em 21 de Abril de 2008, no processo

Presidente del Consiglio dei Ministri

contra

Regione Sardegna,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Grande Secção),

composto por: V. Skouris, presidente, K. Lenaerts, J.-C. Bonichot, P. Lindh e C. Toader (relatora), presidentes de secção, C. W. A. Timmermans, A. Rosas, P. Kūris, E. Juhász, G. Arestis, A. Borg Barthet, A. Ó Caoimh e L. Bay Larsen, juízes,

advogada-geral: J. Kokott,

secretário: R. Grass,

vistos os autos,

vistas as observações apresentadas:

–        em representação da Regione Sardegna, por A. Fantozzi e G. Campus, avvocati,

–        em representação do Governo neerlandês, por C. Wissels e M. Noort, na qualidade de agentes,

–        em representação da Comissão das Comunidades Europeias, por W. Mölls e E. Righini, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões da advogada-geral na audiência de 2 de Julho de 2009,

profere o presente

Acórdão

1        O presente pedido de decisão prejudicial tem por objecto a interpretação dos artigos 49.° CE e 87.° CE.

2        Este pedido foi apresentado no quadro de um litígio entre o Presidente del Consiglio dei Ministri e a Regione Sardegna, a respeito do imposto que esta criou sobre as escalas turísticas das aeronaves utilizadas no transporte privado de pessoas, bem como das embarcações de recreio, que onera unicamente os operadores com domicílio fiscal fora do território regional.

 Quadro jurídico nacional

 A Constituição italiana

3        O artigo 117.°, primeiro parágrafo, da Constituição italiana dispõe:

«O poder legislativo é exercido pelo Estado e as Regiões, com respeito pela Constituição e pelas obrigações decorrentes do direito comunitário e dos compromissos internacionais.»

 A legislação nacional

4        O artigo 743.°, primeiro período, do Código da Navegação (Codice della navigazione) estabelece a seguinte definição de aeronave:

«Entende-se por aeronave qualquer máquina destinada ao transporte de pessoas ou coisas por via aérea.»

5        O artigo 1.°, n.° 2, do Código da Navegação de Recreio (Codice della nautica da diporto), aprovado pelo Decreto legislativo n.° 171 (Decreto legislativo n. 171), de 18 de Julho de 2005, contém a seguinte definição de navegação de recreio:

«Para efeitos do presente código, entende-se por navegação de recreio aquela que é feita em águas marítimas e internas, com fins desportivos ou recreativos e sem escopo lucrativo.»

6        O artigo 2.°, n.° 1, do Código da Navegação de Recreio regula o uso comercial de embarcações de recreio e define-o da seguinte forma:

«1.      A embarcação de recreio é utilizada para fins comerciais quando:

a)      é objecto de contratos de locação e de fretamento;

b)      é utilizada para o ensino profissional da navegação de recreio;

c)      é utilizada por centros de mergulho e de treino subaquático como embarcação de apoio para praticantes de mergulho, com finalidade desportiva ou recreativa.

[…]»

 A legislação regional

7        A Lei n.° 4 da Região da Sardenha, de 11 de Maio de 2006, que estabelece várias disposições em matéria de receitas, de requalificação da despesa, de políticas sociais e de desenvolvimento, na redacção dada pelo artigo 3.°, n.° 3, da Lei n.° 2 da Região da Sardenha, de 29 de Maio de 2007, que estabelece disposições para a elaboração do orçamento anual e plurianual da Região – Lei do Orçamento de 2007 (a seguir «Lei regional n.° 4/2006»), inclui um artigo 4.°, com a epígrafe «Imposto regional sobre as escalas turísticas das aeronaves e das embarcações de recreio», que tem a seguinte redacção:

«1.      A partir de 2006, é criado o imposto regional sobre as escalas turísticas das aeronaves e das embarcações de recreio.

2.      São factos geradores do imposto:

a)      a escala, em aeródromos do território regional, de aeronaves civis, na acepção dos artigos 743.° e seguintes do Código da Navegação, utilizadas no transporte privado de pessoas, no período compreendido entre 1 de Junho e 30 de Setembro;

b)      a escala em portos, em desembarcadouros e em ancoradouros, situados no território regional, e em zonas de ancoragem instaladas nas águas territoriais, ao longo da costa da Sardenha, das embarcações de recreio referidas no Decreto legislativo n.° 171, de 18 de Julho de 2005 (Código da Navegação de Recreio), ou, em qualquer caso, de embarcações utilizadas para fins de recreio, com mais de 14 metros de comprimento, medidos de acordo com as normas harmonizadas EN/ISO/DIS 8666, na acepção do artigo 3.°, alínea b), do citado decreto legislativo, no período compreendido entre 1 de Julho e 30 de Setembro.

3.      O sujeito passivo do imposto é a pessoa singular ou colectiva com domicílio fiscal fora do território regional, que explora a aeronave na acepção dos artigos 874.° e seguintes do Código da Navegação, ou que explora a embarcação de recreio na acepção dos artigos 265.° e seguintes do Código da Navegação.

4.      O imposto regional a que se refere o n.° 2, alínea a), é devido por cada escala; o referido no n.° 2, alínea b), é anual.

[…]

6.      Estão isentas do imposto:

a)      as embarcações que façam escala para participar em regatas desportivas, em concentrações de barcos históricos e de barcos monótipo e em festivais de vela, ainda que não se trate de competições, cuja realização tenha sido previamente comunicada à autoridade marítima pelos organizadores; a ARASE [Agenzia della Regione autonoma della Sardegna per le entrate] deve ser informada, antes da atracagem, da comunicação que foi feita;

b)      as embarcações de recreio que estão ancoradas todo o ano nas infra-estruturas portuárias regionais;

c)      a escala técnica, limitada ao tempo necessário para ser efectuada.

A ARASE indicará, através de medida específica, as modalidades de certificação das causas de isenção.

7.      O imposto é pago:

a)      no momento em que é feita a escala das aeronaves a que se refere o n.° 2, alínea a);

b)      no período de 24 horas após a chegada das embarcações de recreio aos portos, aos embarcadouros, aos ancoradouros e às zonas de ancoragem, situados ao longo da costa da Sardenha;

de acordo com as modalidades definidas por decisão da ARASE.

[…]»

 Litígio no processo principal e questões prejudiciais

8        Através de dois recursos, interpostos na Corte costituzionale, em 2006 e em 2007, o Presidente del Consiglio dei Ministri colocou questões relativas à constitucionalidade não só do artigo 4.° da Lei regional n.° 4/2006 mas também dos artigos 2.° e 3.° da mesma lei, bem como do artigo 5.° da Lei n.° 2, de 29 de Maio de 2007, nas suas versões original e modificada. Todas estas disposições criam impostos regionais.

9        Quanto ao artigo 4.° da Lei regional n.° 4/2006, o recorrente no processo principal sustenta, nomeadamente, que esta disposição não respeita as exigências do direito comunitário a que o poder legislativo está sujeito em Itália, nos termos do artigo 117.°, primeiro parágrafo, da Constituição italiana. Em apoio dos referidos recursos, foi invocada a violação, por um lado, dos artigos 49.° CE e 81.° CE, lidos em conjugação com os artigos 3.°, n.° 1, alínea g), CE e 10.° CE, e, por outro, do artigo 87.° CE.

10      No seu acórdão n.° 102, de 15 de Abril de 2008, a Corte costituzionale, após ter apensado os dois recursos já referidos, pronunciou-se sobre as questões de constitucionalidade suscitadas no âmbito do recurso de 2006 e sobre uma parte das suscitadas no recurso de 2007. No que toca, nomeadamente, ao artigo 4.° da Lei regional n.° 4/2006, que é objecto deste último recurso, a Corte costituzionale declarou inadmissíveis ou infundadas as questões de constitucionalidade suscitadas relativamente a disposições constitucionais que não o referido artigo 117.°, primeiro parágrafo. Assim, decidiu desapensar o processo relativo a este último artigo e suspender a instância no mesmo processo, até que o Tribunal de Justiça se pronuncie sobre o pedido de decisão prejudicial apresentado pela decisão de reenvio. Além disso, no respeitante à violação dos artigos 3.°, n.° 1, alínea g), CE, 10.° CE e 81.° CE, o órgão jurisdicional de reenvio considerou que se devia reservar o direito de decidir posteriormente.

11      Na decisão de reenvio, a Corte costituzionale forneceu elementos relativos à admissibilidade do seu pedido de decisão prejudicial, no respeitante, por um lado, à sua qualidade de órgão jurisdicional na acepção do artigo 234.° CE e, por outro, à pertinência das questões colocadas para a solução do litígio que lhe foi submetido.

12      Em primeiro lugar, a Corte costituzionale afirma que o conceito de órgão jurisdicional, na acepção do artigo 234.° CE, deve ser deduzido do direito comunitário, e não da qualificação do órgão de reenvio a nível do direito nacional, e que ela própria preenche todas as condições para poder apresentar um pedido de decisão prejudicial.

13      Quanto à pertinência das questões prejudiciais, a Corte costituzionale observa que, nos recursos constitucionais directos, as disposições de direito comunitário «desempenham o papel de normas ‘interpostas’, aptas a integrar os critérios de apreciação da conformidade da legislação regional com o artigo 117.°, primeiro parágrafo, da Constituição [...] ou, mais exactamente, tornam concretamente operativo o critério previsto no artigo 117.°, primeiro parágrafo, da Constituição [...], com a consequente declaração de inconstitucionalidade da norma regional julgada incompatível com as referidas disposições comunitárias».

14      Quanto ao mérito das questões submetidas, o órgão jurisdicional de reenvio sublinha que o artigo 4.° da Lei regional n.° 4/2006 é abrangido pelo âmbito de aplicação das disposições comunitárias mencionadas no n.° 9 do presente acórdão. Este artigo aplica-se a pessoas singulares e colectivas, afectando, por isso, as empresas que exploram embarcações de recreio e aeronaves civis destinadas ao transporte privado de pessoas.

15      O mesmo órgão jurisdicional sublinha, além disso, que a referida lei regional, ao sujeitar a um imposto as empresas que não têm o seu domicílio fiscal na Sardenha, parece criar uma discriminação relativamente às empresas que, embora exerçam a mesma actividade, não são obrigadas a pagar tal imposto, pelo simples facto de terem o seu domicílio fiscal na Sardenha, e que, por conseguinte, parece dar origem a um aumento do custo dos serviços prestados, em detrimento das empresas não residentes.

16      Além disso, o órgão jurisdicional de reenvio tem dúvidas quanto às justificações invocadas pela Regione Sardegna, baseadas, por um lado, no facto de tais empresas não residentes beneficiarem, da mesma maneira que as empresas que têm domicílio fiscal nesta região, dos serviços públicos regionais e locais, mas sem contribuírem para o financiamento dos referidos serviços, e, por outro, na necessidade de compensar os custos adicionais suportados pelas empresas estabelecidas na Região da Sardenha, devido às particularidades geográficas e económicas ligadas ao carácter insular desta região.

17      No que toca, nomeadamente, à pretensa violação do artigo 87.° CE, o órgão jurisdicional de reenvio sublinha que se põe o problema de saber se a vantagem económica concorrencial de que beneficiam as empresas que têm domicílio fiscal na Sardenha, de estarem isentas do imposto regional sobre escalas, é abrangida pelo conceito de auxílio de Estado, dado que esta vantagem decorre não da concessão de uma vantagem fiscal mas indirectamente dos menores custos que estas empresas suportam em comparação com as que estão estabelecidas fora do território regional.

18      Nestas condições, a Corte costituzionale decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as questões prejudiciais seguintes:

«1)      O artigo 49.° do Tratado deve ser interpretado no sentido de que se opõe à aplicação de uma norma como a prevista no artigo 4.° da [Lei regional n.° 4/2006], segundo a qual o imposto regional sobre as escalas turísticas das aeronaves onera apenas as empresas que têm domicílio fiscal fora do território da Região da Sardenha que exploram aeronaves utilizadas para o transporte de pessoas no exercício de actividades […] consideradas do âmbito dos voos privados das empresas?

2)      O referido artigo 4.° da [Lei regional n.° 4/2006], ao prever que o imposto regional sobre as escalas turísticas das aeronaves onera apenas as empresas que têm domicílio fiscal fora do território da Região da Sardenha que exploram aeronaves utilizadas para o transporte de pessoas no exercício de actividades […] consideradas do âmbito dos voos privados das empresas, constitui – na acepção do artigo 87.° do Tratado – um auxílio de Estado às empresas que exercem a mesma actividade, mas que têm domicílio fiscal no território da Região da Sardenha?

3)      O artigo 49.° do Tratado deve ser interpretado no sentido de que obsta à aplicação de uma norma como a prevista no artigo 4.° da [Lei regional n.° 4/2006], segundo a qual o imposto regional sobre as escalas turísticas das embarcações de recreio onera apenas as empresas que têm domicílio fiscal fora do território da Região da Sardenha que exploram embarcações de recreio cuja actividade empresarial consiste em colocar essas embarcações à disposição de terceiros?

4)      O referido artigo 4.° da [Lei regional n.° 4/2006], ao prever que o imposto regional sobre as escalas turísticas das embarcações de recreio onera apenas as empresas que têm domicílio fiscal fora do território da Região da Sardenha que exploram embarcações de recreio cuja actividade empresarial consiste em pôr essas embarcações à disposição de terceiros, constitui – na acepção do artigo 87.° do Tratado – um auxílio de Estado às empresas que exercem a mesma actividade, mas que têm domicílio fiscal no território da Região da Sardenha?»

 Quanto às questões prejudiciais

 Quanto à primeira e terceira questões, relativas ao artigo 49.° CE

19      Com a sua primeira e terceira questões, que devem ser examinadas em conjunto, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, no essencial, se o artigo 49.° CE deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma disposição fiscal de uma autoridade regional, como o artigo 4.° da Lei regional n.° 4/2006, que prevê a criação de um imposto regional sobre as escalas turísticas das aeronaves destinadas ao transporte privado de pessoas, bem como das embarcações de recreio, quando este imposto onera apenas as empresas que têm domicílio fiscal fora do território regional.

 Quanto às condições de aplicação do artigo 49.° CE

20      Para responder a esta questão, é preciso verificar, antes de mais, se a Lei regional n.° 4/2006 está abrangida pelo âmbito de aplicação da livre prestação de serviços, na acepção do artigo 50.° CE.

21      Como resulta da redacção do artigo 4.° da Lei regional n.° 4/2006, o imposto em causa no processo principal aplica-se à escala turística, por um lado, de aeronaves civis utilizadas no transporte privado de pessoas [artigo 4.°, n.° 2, alínea a), da referida lei] e, por outro, de embarcações de recreio e de embarcações utilizadas para fins de recreio, desde que essas embarcações tenham mais de 14 m de comprimento [artigo 4.°, n.° 2, alínea b), da mesma lei].

22      Por conseguinte, o imposto regional sobre escalas não incide sobre as empresas de transporte civil de pessoas e de mercadorias. O órgão jurisdicional de reenvio sublinha que este imposto se aplica, nomeadamente, às empresas que exploram aeronaves para efectuar operações de transporte aéreo sem remuneração, por motivos relacionados com a sua actividade empresarial. No que toca às embarcações de recreio, o órgão jurisdicional de reenvio assinala ainda que o referido imposto se aplica, nomeadamente, às empresas cuja actividade consiste em pôr essas embarcações à disposição de terceiros, em contrapartida de uma remuneração.

23      A este respeito, importa recordar que, segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça, o conceito de «serviços», na acepção do artigo 50.° CE, implica que se trate de prestações realizadas normalmente mediante remuneração e que esta constitua a contrapartida económica da prestação e seja definida entre o prestador e o destinatário do serviço (v. acórdãos de 27 de Setembro de 1988, Humbel e Edel, 263/86, Colect., p. 5365, n.° 17; de 7 de Dezembro de 1993, Wirth, C-109/92, Colect., p. I-6447, n.° 15; e de 22 de Maio de 2003, Freskot, C-355/00, Colect., p. I-5263, n.os 54 e 55).

24      No caso em apreço, como resulta das observações da Regione Sardegna, o imposto regional sobre escalas afecta os operadores de meios de transporte que fazem escala no seu território, e não as empresas de transporte que exercem a sua actividade nesta região. Todavia, como salientou a advogada-geral no n.° 34 das suas conclusões, da mera circunstância de este imposto não incidir sobre as prestações de transporte não se pode concluir que a legislação fiscal em causa no processo principal não tem nenhuma relação com a livre prestação de serviços.

25      Com efeito, segundo jurisprudência assente, embora o artigo 50.°, terceiro parágrafo, CE apenas faça referência à livre prestação de serviços «activa» – no âmbito da qual o prestador se desloca até ao destinatário dos serviços – ela compreende igualmente a liberdade de os destinatários dos serviços, e nomeadamente os turistas, se deslocarem a outro Estado-Membro onde o prestador se encontra, para aí beneficiarem desses serviços (v., nomeadamente, acórdãos de 31 de Janeiro de 1984, Luisi e Carbone, 286/82 e 26/83, Recueil, p. 377, n.os 10 e 16; e de 11 de Setembro de 2007, Schwarz e Gootjes-Schwarz, C-76/05, Colect., p. I-6849, n.° 36, e Comissão/Alemanha, C-318/05, Colect., p. I-6957, n.° 65).

26      Ora, no processo principal, como a advogada-geral salientou no n.° 37 das suas conclusões, as pessoas que exploram um meio de transporte assim como as que o utilizam beneficiam de vários serviços no território da Regione Sardegna, como os serviços prestados nos aeródromos e nos portos. Por conseguinte, a escala constitui uma condição necessária para se beneficiar dos referidos serviços e o imposto regional sobre escalas apresenta um certo nexo com tal prestação.

27      Quanto ao imposto regional que incide sobre as escalas de embarcações de recreio, importa ainda recordar que se aplica igualmente às empresas que exploram tais embarcações de recreio, em particular àquelas cuja actividade empresarial consiste em pôr essas embarcações à disposição de terceiros, em contrapartida de uma remuneração. Por conseguinte, com a Lei regional n.° 4/2006, o legislador da Sardenha criou um imposto que incide directamente sobre a prestação de serviços, na acepção do artigo 50.° CE.

28      Por último, como foi sublinhado pela Comissão das Comunidades Europeias, os serviços sobre os quais incide o imposto regional sobre escalas podem ter carácter transfronteiriço, dado que este imposto, por um lado, é susceptível de afectar a possibilidade de as empresas estabelecidas na Sardenha oferecerem serviços de escala nos aeródromos e nos portos a cidadãos e a empresas estabelecidos noutro Estado-Membro e, por outro lado, influencia a actividade das empresas estrangeiras com sede num Estado-Membro que não a República Italiana e que exploram embarcações de recreio na Sardenha.

 Quanto à existência de uma restrição à livre prestação de serviços

29      Relativamente à questão de saber se a legislação em causa no processo principal constitui uma restrição à livre prestação de serviços, importa lembrar, antes de mais, que, no domínio da livre prestação de serviços, uma medida fiscal nacional que entrave o exercício desta liberdade pode constituir uma medida proibida, quer emane do próprio Estado quer de uma colectividade local (v., nomeadamente, acórdão de 8 de Setembro de 2005, Mobistar e Belgacom Mobile, C-544/03 e C-545/03, Colect., p. I-7723, n.° 28 e jurisprudência referida).

30      No caso vertente, é pacífico que o imposto regional sobre escalas onera os operadores de aeronaves e de embarcações de recreio com domicílio fiscal fora do território regional e que o facto gerador do imposto é a escala da aeronave ou da embarcação de recreio neste território. Embora este imposto seja aplicável unicamente numa parte circunscrita de um Estado-Membro, onera as escalas das aeronaves e das embarcações de recreio em questão, sem distinguir se estas são provenientes de outra região de Itália ou de outro Estado-Membro. Nestas condições, o carácter regional do imposto não exclui que possa entravar a livre prestação de serviços (v., por analogia, acórdão de 9 de Setembro de 2004, Carbonati Apuani, C-72/03, Colect., p. I-8027, n.° 26).

31      A aplicação desta legislação fiscal tem por consequência, para todos os sujeitos passivos do imposto com domicílio fiscal fora do território regional e estabelecidos noutros Estados-Membros, tornar os serviços em causa mais onerosos que os prestados pelos operadores estabelecidos nesse território.

32      Com efeito, esta legislação introduz um custo suplementar para as operações de escala das aeronaves e das embarcações a cargo de operadores com domicílio fiscal fora do território regional e estabelecidos noutros Estados-Membros e cria, deste modo, uma vantagem para certas categorias de empresas nele estabelecidas (v. acórdãos de 25 de Julho de 1991, Comissão/Países Baixos, C-353/89, Colect., p. I-4069, n.° 25; de 13 de Dezembro de 2007, United Pan-Europe Communications Belgium e o., C-250/06, Colect., p. I-11135, n.° 37, e de 1 de Abril de 2008, Gouvernement de la Communauté française e gouvernement wallon, C-212/06, Colect., p. I-1683, n.° 50).

33      A Regione Sardegna afirma, no entanto, que, atendendo ao carácter e à finalidade do imposto regional sobre escalas, que visa assegurar a protecção do ambiente, os residentes e os não residentes não se encontram numa situação objectivamente comparável e que, portanto, o seu tratamento desigual não constitui uma restrição à livre prestação de serviços, em conformidade com a jurisprudência do Tribunal de Justiça, nomeadamente com o acórdão de 14 de Fevereiro de 1995, Schumacker (C-279/93, Colect., p. I-225). Com efeito, enquanto os residentes contribuem para a constituição dos recursos destinados às operações de conservação, de recuperação e de protecção do património ambiental, financiando a acção da Regione Sardegna através das contribuições gerais, em particular dos impostos sobre o rendimento, uma quota-parte dos quais se destina ao orçamento da região, as empresas não residentes actuam, ao invés, como «borlistas» («free riders») ambientais, utilizando os recursos sem participarem nos custos de tais operações.

34      A este respeito, é certo que o Tribunal de Justiça admitiu, ao pronunciar-se em matéria de fiscalidade directa, que a situação dos residentes e a dos não residentes, num determinado Estado-Membro, não são, regra geral, comparáveis, porque apresentam diferenças objectivas, tanto do ponto de vista da fonte dos rendimentos como do ponto de vista da capacidade contributiva pessoal do contribuinte ou da consideração da sua situação pessoal e familiar (v., nomeadamente, acórdãos Schumacker, já referido, n.os 31 a 33, e de 16 de Outubro de 2008, Renneberg, C-527/06, Colect., p. I-7735, n.° 59).

35      No entanto, para comparar a situação dos contribuintes, importa ter em conta as características específicas do imposto em causa. Por conseguinte, uma diferença de tratamento entre residentes e não residentes constitui uma restrição à livre circulação, proibida pelo artigo 49.° CE, sempre que não exista uma diferença objectiva de situação, relativamente ao imposto em causa, susceptível de justificar a diferença de tratamento entre as diversas categorias de contribuintes (v., neste sentido, acórdão Renneberg, já referido, n.° 60).

36      É, nomeadamente, o que sucede com o imposto em causa no processo principal. Com efeito, como foi sublinhado pela Comissão, este imposto é devido em razão da escala de aeronaves destinadas ao transporte privado de pessoas, bem como de barcos de recreio, e não em razão da situação financeira dos contribuintes em causa.

37      Por conseguinte, independentemente do lugar onde residam ou estejam estabelecidas, todas as pessoas singulares e colectivas que beneficiam dos serviços em causa encontram-se, contrariamente ao que sustenta a Regione Sardegna, numa situação objectivamente comparável, à luz do referido imposto, quanto às consequências para o ambiente.

38      O facto de as pessoas tributadas na Sardenha contribuírem, através do pagamento das contribuições gerais, em particular dos impostos sobre o rendimento, para a acção da Regione Sardegna de protecção do ambiente carece de pertinência para a comparação da situação dos residentes e dos não residentes, à luz do imposto regional sobre escalas. Com efeito, como a advogada-geral salientou no n.° 87 das suas conclusões, o referido imposto não tem a mesma natureza e não serve os mesmos objectivos que os outros impostos pagos pelos sujeitos passivos da Sardenha e que se destinam, designadamente, a alimentar, de maneira geral, o orçamento público e, portanto, a financiar o conjunto das acções regionais.

39      Resulta do que precede que nenhum elemento dos autos enviados ao Tribunal de Justiça permite constatar que os residentes e os não residentes não se encontram numa situação objectivamente comparável, à luz do imposto regional sobre escalas. Por conseguinte, a legislação fiscal em causa no processo principal constitui uma restrição à livre prestação de serviços na medida em que onera unicamente os operadores que exploram aeronaves destinadas ao transporte privado de pessoas e barcos de recreio, com domicílio fiscal fora do território regional, sem sujeitar ao mesmo imposto os operadores nele estabelecidos.

 Quanto à eventual justificação da legislação em causa no processo principal

–       Quanto à justificação baseada em exigências de protecção do ambiente e da saúde pública

40      A Regione Sardegna sustenta que, mesmo admitindo que o imposto regional sobre escalas constitua uma medida restritiva da livre prestação de serviços, tal imposto é justificado por razões de interesse geral, designadamente por exigências de protecção do ambiente que podem ser consideradas razões de «saúde pública», as quais são expressamente visadas no artigo 46.°, n.° 1, CE.

41      Em particular, o referido imposto encontra fundamento numa nova política regional de protecção do ambiente e paisagística do território da Regione Sardegna. Esta política prevê, segundo a Regione Sardegna, a criação de uma série de contribuições que visam, por um lado, desencorajar o consumo excessivo do património ambiental e paisagístico costeiro e, por outro, financiar as intervenções onerosas de recuperação das zonas costeiras. Afirma que um imposto deste tipo assenta, além disso, no princípio do poluidor-pagador, dado que, de maneira indirecta, onera os operadores de meios de transporte que constituem uma fonte de poluição.

42      A este respeito, importa lembrar que, segundo a jurisprudência assente do Tribunal de Justiça, independentemente da existência de um objectivo legítimo, correspondente a razões imperiosas de interesse geral, a justificação de uma restrição das liberdades fundamentais consagradas no Tratado CE pressupõe que a medida em causa seja apta a garantir a realização do objectivo que prossegue e não vá além do necessário para atingir esse objectivo (v. acórdãos de 30 de Janeiro de 2007, Comissão/Dinamarca, C-150/04, Colect., p. I-1163, n.° 46; Gouvernement de la Communauté française e gouvernement wallon, já referido, n.° 55; e de 5 de Março de 2009, UTECA, C-222/07, ainda não publicado na Colectânea, n.° 25). Por outro lado, uma legislação nacional só é apta a garantir a realização do objectivo invocado, se responder verdadeiramente à intenção de o alcançar de uma forma coerente e sistemática (acórdão de 10 de Março de 2009, Hartlauer, C-169/07, ainda não publicado na Colectânea, n.° 55).

43      No caso vertente, importa notar que, mesmo que as razões invocadas pela Regione Sardegna possam constituir a base da criação do imposto regional sobre escalas, não podem justificar as modalidades de aplicação deste e, nomeadamente, o tratamento desigual dos operadores com domicílio fiscal fora do território regional, que são os únicos sujeitos passivos deste imposto.

44      Com efeito, é evidente que as referidas modalidades, que implicam uma restrição à livre prestação de serviços na acepção do artigo 49.° CE, não parecem ser adequadas para garantir a realização dos objectivos gerais indicados nem necessárias para os atingir. Como a advogada-geral salientou nos n.os 73 e 74 das suas conclusões, admitindo que as aeronaves privadas e as embarcações de recreio que fazem escala na Sardenha constituam uma fonte de poluição, esta produz-se independentemente da proveniência de tais aviões e barcos e, em particular, não está relacionada com o domicílio fiscal dos seus operadores. As aeronaves e embarcações dos residentes contribuem, da mesma maneira que as dos não residentes, para a degradação do ambiente.

45      Por conseguinte, a restrição da livre prestação de serviços, como resulta da legislação fiscal em causa no processo principal, não pode ser justificada por razões de protecção do ambiente, na medida em que a aplicação do imposto regional sobre escalas que ela estabelece assenta numa diferença de tratamento entre as pessoas, sem relação com o referido objectivo ambiental. Tal restrição também não pode ser justificada por razões de saúde pública, uma vez que a Regione Sardegna não forneceu elementos que permitam constatar que esta legislação visa proteger a saúde pública.

–       Quanto à justificação baseada na coerência do sistema fiscal

46      Nas suas observações, a Regione Sardegna, para justificar a legislação fiscal em causa no processo principal, invocou a necessidade de salvaguardar a coerência do seu sistema fiscal. A cobrança do imposto regional sobre escalas apenas a pessoas com domicílio fora do território regional é justificada pelo facto de os residentes pagarem outros impostos que contribuem para a acção destinada a assegurar a protecção do ambiente na Sardenha.

47      A este respeito, importa lembrar que o Tribunal de Justiça já admitiu que a necessidade de preservar a coerência do sistema fiscal é susceptível de justificar uma restrição ao exercício das liberdades fundamentais garantidas pelo Tratado, mas precisou que esta justificação exige que haja um nexo directo entre a vantagem fiscal em causa e a compensação dessa vantagem através de uma imposição fiscal determinada, devendo o carácter directo deste nexo ser apreciado à luz do objectivo prosseguido pela regulamentação em causa (v., nomeadamente, acórdão de 18 de Junho de 2009, Aberdeen Property Fininvest Alpha, C-303/07, ainda não publicado na Colectânea, n.os 71 e 72).

48      Ora, como foi assinalado no n.° 38 do presente acórdão, o imposto regional sobre escalas não prossegue os mesmos objectivos que os impostos pagos pelos sujeitos passivos residentes na Sardenha, os quais se destinam a alimentar, de maneira geral, o orçamento público e, portanto, a financiar o conjunto das acções da Regione Sardegna. Por conseguinte, a não sujeição dos residentes ao referido imposto não pode ser considerada uma compensação pelos outros impostos que devem pagar.

49      Resulta destas considerações que a restrição à livre prestação de serviços, como resulta da legislação fiscal controvertida no processo principal, não pode ser justificada por razões baseadas na coerência do sistema fiscal da Regione Sardegna.

50      Nestas condições, há que responder à primeira e terceira questões que o artigo 49.° CE deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma disposição fiscal de uma autoridade regional, como a prevista no artigo 4.° da Lei regional n.° 4/2006, que cria um imposto regional sobre as escalas turísticas das aeronaves destinadas ao transporte privado de pessoas, bem como das embarcações de recreio, que onera unicamente as empresas com domicílio fiscal fora do território regional.

 Quanto à segunda e quarta questões, relativas ao artigo 87.° CE

51      Com a sua segunda e quarta questões, que devem ser examinadas em conjunto, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta se o artigo 87.° CE deve ser interpretado no sentido de que a legislação fiscal de uma autoridade regional que cria um imposto regional sobre escalas, como o previsto no artigo 4.° da Lei regional n.° 4/2006, que onera unicamente os operadores com domicílio fiscal fora do território regional, constitui um auxílio de Estado a favor das empresas estabelecidas nesse território.

52      Importa começar por recordar que, segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça, a qualificação de uma medida como auxílio, na acepção do Tratado, pressupõe que esteja preenchido cada um dos quatro critérios cumulativos estabelecidos no artigo 87.°, n.° 1, CE. Em primeiro lugar, deve tratar-se de uma intervenção do Estado, ou que é realizada mediante recursos estatais, em segundo lugar, essa intervenção deve ser susceptível de afectar as trocas comerciais entre os Estados-Membros, em terceiro lugar, deve conceder uma vantagem ao seu beneficiário e, em quarto lugar, deve falsear ou ameaçar falsear a concorrência (v., nomeadamente, acórdão de 23 de Março de 2006, Enirisorse, C-237/04, Colect., p. I-2843, n.os 38 e 39 e a jurisprudência referida).

53      No caso em apreço, é pacífico que o imposto em questão no processo principal preenche o segundo e o quarto critério, dado que afecta os serviços prestados em conexão com a escala de aeronaves e de embarcações de recreio, que dizem respeito ao comércio intracomunitário, e que este imposto, ao conferir uma vantagem económica aos operadores estabelecidos na Sardenha, como foi referido no n.° 32 do presente acórdão, pode falsear a concorrência.

54      Deste modo, as questões relativas à interpretação do artigo 87.° CE referem-se à aplicação dos dois outros critérios de qualificação do imposto regional sobre escalas como auxílio de Estado. A Regione Sardegna considera que este imposto não pode ser qualificado como um auxílio de Estado, por a medida não implicar a utilização de recursos estatais e não ter natureza selectiva. A Comissão conclui, nas suas observações escritas, que o referido imposto preenche todos os critérios enunciados no artigo 87.° CE.

 Quanto à utilização de recursos públicos

55      Segundo a Regione Sardegna, a legislação em causa no processo principal não comporta nenhuma intervenção mediante recursos regionais. Sustenta que não se verifica renúncia a receitas regionais, pois as empresas residentes contribuem já para as despesas relacionadas com o ambiente, através da quota-parte das receitas resultantes dos impostos que pagam. O imposto regional sobre escalas aumenta estas receitas, ao estender a obrigação de efectuar contribuições ambientais igualmente às pessoas que, não sendo residentes, não contribuem para as referidas despesas através de impostos ordinários.

56      A este respeito, importa lembrar que, segundo jurisprudência assente do Tribunal de Justiça, o conceito de auxílio pode abarcar não apenas prestações positivas, como subvenções, empréstimos ou aquisições de participações no capital de empresas, mas também intervenções que, sob diversas formas, aliviam os encargos que, normalmente, oneram o orçamento de uma empresa, pelo que, não sendo subvenções na acepção estrita da palavra, têm a mesma natureza e efeitos idênticos (v., nomeadamente, acórdãos de 19 de Setembro de 2000, Alemanha/Comissão, C-156/98, Colect., p. I-6857, n.° 25, e de 1 de Julho de 2008, Chronopost e La Poste/UFEX e o., C-341/06 P e C-342/06 P, Colect., p. I-4777, n.° 123 e jurisprudência referida).

57      Como a Comissão recordou, uma legislação fiscal como a controvertida no processo principal, que não sujeita determinadas empresas ao imposto em causa, constitui um auxílio de Estado, mesmo que não implique uma transferência de recursos públicos, visto que as autoridades renunciam a receitas fiscais que, normalmente, poderiam receber (acórdão Alemanha/Comissão, já referido, n.os 26 a 28).

58      Por conseguinte, a circunstância de a legislação fiscal em causa no processo principal prever, não a atribuição de uma subvenção mas a não sujeição ao imposto regional sobre escalas dos operadores de aeronaves destinadas ao transporte privado de pessoas, bem como de embarcações de recreio, que tenham o seu domicílio fiscal no território regional, permite considerar que esta não sujeição é susceptível de constituir um auxílio de Estado.

 Quanto à natureza selectiva da legislação fiscal em causa no processo principal

59      Segundo a Regione Sardegna, a diferença de tratamento entre as empresas residentes e as não residentes não constitui uma vantagem selectiva. Com efeito, a legislação fiscal em causa no processo principal não é geograficamente selectiva, pois, em conformidade com a interpretação defendida pelo Tribunal de Justiça no seu acórdão de 6 de Setembro de 2006, Portugal/Comissão (C-88/03, Colect., p. I-7115), o quadro de referência no qual importa apreciar a «generalidade» da medida é o da entidade infra-estatal, se esta gozar de autonomia suficiente. Este é, em seu entender, o caso no processo principal, pois a Regione Sardegna está dotada de poderes autónomos atribuídos por um estatuto com força de lei constitucional, que a autoriza a criar impostos próprios. Acresce que, de acordo com o princípio mais geral da igualdade no domínio fiscal, a referida legislação tributa de modo diferente situações diferentes de jure e de facto.

60      A este respeito, recorde-se que, como resulta, é certo, da jurisprudência invocada pela recorrida no processo principal, uma medida adoptada não pelo legislador nacional mas por uma autoridade infra-estatal não é selectiva, na acepção do artigo 87.°, n.° 1, CE, pelo simples facto de só conceder vantagens na parte do território nacional em que a medida se aplica (v. acórdãos Portugal/Comissão, já referido, n.os 53 e 57, e de 11 de Setembro de 2008, UGT-Rioja e o., C-428/06 a C-434/06, Colect., p. I-6747, n.os 47 e 48).

61      No entanto, resulta igualmente desta jurisprudência que, para apreciar a selectividade de uma medida adoptada por uma entidade infra-estatal com um estatuto autónomo relativamente ao governo central, como aquele de que goza a Regione Sardegna, há que examinar se, tendo em conta o objectivo prosseguido pela referida medida, esta constitui uma vantagem para certas empresas em relação a outras que se encontrem, dentro da ordem jurídica em que a entidade exerce as suas competências, numa situação factual e jurídica comparável (v. acórdão de 8 de Novembro de 2001, Adria-Wien Pipeline e Wietersdorfer & Peggauer Zementwerke, C-143/99, Colect., p. I-8365, n.° 41, e acórdão Portugal/Comissão, já referido, n.os 56 e 58).

62      Deste modo, há que apurar se, atendendo às características do imposto regional sobre escalas, as empresas com domicílio fiscal fora do território regional se encontram, à luz do quadro jurídico de referência, numa situação factual e jurídica comparável à das empresas estabelecidas nesse mesmo território.

63      Como resulta dos n.os 36 e 37 do presente acórdão, cabe constatar que, atendendo ao carácter e à finalidade do referido imposto, todas as pessoas singulares e colectivas que beneficiam dos serviços de escala na Sardenha se encontram, contrariamente ao que afirma a recorrida no processo principal, numa situação objectivamente comparável, independentemente do lugar onde residam ou estejam estabelecidas. Por conseguinte, a medida não pode ser considerada geral, pois não se aplica à generalidade dos operadores de aeronaves e de barcos de recreio que fazem escala na Sardenha.

64      Por conseguinte, uma legislação fiscal como a que está em causa no processo principal constitui um auxílio de Estado a favor das empresas estabelecidas na Sardenha.

65      Compete ao órgão jurisdicional de reenvio extrair as consequências adequadas desta constatação.

66      Nestas condições, há que responder à segunda e quarta questões que o artigo 87.°, n.° 1, CE deve ser interpretado no sentido de que uma legislação fiscal de uma autoridade regional que cria um imposto sobre escalas como o que está em causa no processo principal, que onera unicamente as pessoas singulares e colectivas com domicílio fiscal fora do território regional, constitui um auxílio de Estado a favor das empresas estabelecidas nesse território.

 Quanto às despesas

67      Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efectuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Grande Secção) declara:

1)      O artigo 49.° CE deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma disposição fiscal de uma autoridade regional, como a prevista no artigo 4.° da Lei n.° 4 da Região da Sardenha, de 11 de Maio de 2006, que estabelece várias disposições em matéria de receitas, de requalificação da despesa, de políticas sociais e de desenvolvimento, na redacção dada pelo artigo 3.°, n.° 3, da Lei n.° 2 da Região da Sardenha, de 29 de Maio de 2007, que estabelece disposições para a elaboração do orçamento anual e plurianual da Região – Lei do Orçamento de 2007, que cria um imposto regional sobre as escalas turísticas das aeronaves destinadas ao transporte privado de pessoas, bem como das embarcações de recreio, que onera unicamente as pessoas singulares e colectivas com domicílio fiscal fora do território regional.

2)      O artigo 87.°, n.° 1, CE deve ser interpretado no sentido de que uma legislação fiscal de uma autoridade regional que cria um imposto sobre escalas como o que está em causa no processo principal, que onera unicamente as pessoas singulares e colectivas com domicílio fiscal fora do território regional, constitui um auxílio de Estado a favor das empresas estabelecidas nesse território.

Assinaturas


* Língua do processo: italiano.