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Processo C-314/08

Krzysztof Filipiak

contra

Dyrektor Izby Skarbowej w Poznaniu

(pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Wojewódzki Sąd Administracyjny w Poznaniu)

«Legislação em matéria de imposto sobre o rendimento – Direito de deduzir da matéria colectável as contribuições para a segurança social – Direito à redução do imposto em função das contribuições para o seguro de doença pagas – Recusa se as contribuições forem pagas num Estado-Membro diferente do Estado de tributação – Compatibilidade com os artigos 43.° CE e 49.° CE – Acórdão do tribunal constitucional nacional – Inconstitucionalidade das disposições nacionais – Adiamento do fim da vigência dessas disposições – Primado do direito comunitário – Efeitos para o órgão jurisdicional de reenvio»

Sumário do acórdão

1.        Livre circulação de pessoas – Liberdade de estabelecimento – Livre prestação de serviços – Restrições – Legislação fiscal – Imposto sobre o rendimento

(Artigos 43.° CE e 49.° CE)

2.        Direito comunitário – Primado – Direito nacional contrário – Inaplicabilidade de pleno direito das normas existentes

1.        Os artigos 43.° CE e 49.° CE opõem-se a uma regulamentação nacional que só permite, por um lado, que o montante das contribuições para a segurança social pagas no exercício fiscal por um contribuinte residente seja deduzido da matéria colectável e, por outro, que o imposto sobre o rendimento de que esse contribuinte é devedor seja reduzido em função das contribuições para o seguro de doença pagas durante esse período quando tais contribuições sejam pagas no Estado-Membro de tributação, sendo esses benefícios recusados quando as contribuições são pagas noutro Estado-Membro, ainda que essas contribuições não tenham sido deduzidas neste último Estado-Membro.

Uma tal regulamentação institui uma diferença de tratamento entre contribuintes residentes. Com efeito, um contribuinte residente no Estado-Membro da tributação mas que exerce a sua actividade económica noutro Estado-Membro onde está sujeito à segurança social e ao seguro de doença obrigatórios não poderá deduzir à matéria colectável o montante das contribuições pagas nem reduzir o imposto devido no Estado-Membro da tributação em função dessas contribuições, e será, pois, menos bem tratado do que um contribuinte residente no referido Estado, mas que limita a sua actividade económica ao interior das fronteiras desse Estado pagando as contribuições obrigatórias para a segurança social e para o seguro de doença ao organismo público nacional competente. Ora, no que respeita à tributação dos seus rendimentos no Estado-Membro da tributação, os contribuintes residentes não estão objectivamente em situações diferentes susceptíveis de explicar tal diferença de tratamento em função do lugar de pagamento das contribuições, na medida em que estão sujeitos a uma obrigação fiscal ilimitada nesse Estado-Membro. Assim, a tributação dos seus rendimentos, nesse Estado-Membro, deve efectuar-se segundo os mesmos princípios e, consequentemente, com base nos mesmos benefícios fiscais. Nestas condições, a recusa de atribuir ao contribuinte residente os benefícios fiscais em causa pode dissuadir o referido contribuinte de beneficiar das liberdades de estabelecimento e de prestação de serviços consagradas nos artigos 43.° CE e 49.° CE, constituindo uma restrição a essas liberdades

(cf. n.os 66-71, 74, disp. 1)

2.        Na medida em que o direito comunitário se oponha a disposições nacionais, o primado do direito comunitário impõe ao juiz nacional a aplicação do direito comunitário e a não aplicação das disposições nacionais contrárias, independentemente do acórdão do órgão jurisdicional constitucional nacional que decidiu o adiamento do fim da vigência das mesmas disposições julgadas inconstitucionais.

(cf. n.° 85, disp. 2)







ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Terceira Secção)

19 de Novembro de 2009 (*)

«Legislação em matéria de imposto sobre o rendimento – Direito de deduzir da matéria colectável as contribuições para a segurança social – Direito à redução do imposto em função das contribuições para o seguro de doença pagas – Recusa se as contribuições forem pagas num Estado-Membro diferente do Estado de tributação – Compatibilidade com os artigos 43.° CE e 49.° CE – Acórdão do tribunal constitucional nacional – Inconstitucionalidade das disposições nacionais – Adiamento da data em que essas disposições deixam de ter força obrigatória – Primado do direito comunitário – Efeitos para o órgão jurisdicional de reenvio»

No processo C-314/08,

que tem por objecto um pedido de decisão prejudicial nos termos do artigo 234.° CE, apresentado pelo Wojewódzki Sąd Administracyjny w Poznaniu (Polónia), por decisão de 30 de Maio de 2008, entrado no Tribunal de Justiça em 14 de Julho de 2008, no processo

Krzysztof Filipiak

contra

Dyrektor Izby Skarbowej w Poznaniu,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Terceira Secção),

composto por: J. N. Cunha Rodrigues, presidente da Segunda Secção, exercendo funções de presidente da Terceira Secção, A. Rosas (relator) e A. Ó Caoimh, juízes,

advogado-geral: M. Poiares Maduro,

secretário: R. Grass,

vistos os autos,

vistas as observações apresentadas:

–        em representação do Governo polaco, por M. Dowgielewicz, na qualidade de agente,

–        em representação da Comissão das Comunidades Europeias, por R. Lyal e K. Herrmann, na qualidade de agentes,

vista a decisão tomada, ouvido o advogado-geral, de julgar a causa sem apresentação de conclusões,

profere o presente

Acórdão

1        O pedido de decisão prejudicial tem por objecto a interpretação dos artigos 43.° CE e 49.° CE.

2        Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe K. Filipiak, nacional polaco sujeito a uma obrigação fiscal ilimitada na Polónia, ao Dyrektor Izby Skarbowej w Poznaniu (director da Secção Fiscal de Poznań) a propósito da recusa da Administração Fiscal polaca de lhe conceder os benefícios fiscais relacionados com as contribuições para a segurança social e para o seguro de doença pagas no exercício fiscal, quando as contribuições são pagas num Estado-Membro diferente do Estado de tributação, ao passo que tais benefícios fiscais são concedidos ao contribuinte cujas contribuições são pagas no Estado-Membro de tributação.

 Quadro jurídico nacional

3        O artigo 2.° da Constituição polaca dispõe:

«A República da Polónia é um Estado de direito democrático, que aplica os princípios da justiça social.»

4        Nos termos do artigo 8.° da Constituição polaca:

«1.      A Constituição é a lei suprema da República da Polónia.

2.      As disposições da Constituição são directamente aplicáveis, salvo disposições constitucionais contrárias.»

5        O artigo 32.° da Constituição polaca prevê:

«1.      Todos são iguais perante a lei. Todos têm direito a tratamento igual por parte dos poderes públicos.

2.      É proibido qualquer tipo de discriminação na vida política, social ou económica.»

6        O artigo 91.° da Constituição polaca enuncia:

«1.      Depois de publicado no Jornal Oficial da República da Polónia, um tratado ratificado faz parte integrante do ordenamento jurídico nacional, sendo directamente aplicável, excepto se a sua aplicação depender da aprovação de uma lei.

2.      O tratado ratificado por lei de autorização prevalece sobre a lei, em caso de incompatibilidade entre esta última e o tratado.

3.      Se tal for previsto pelo tratado que institui uma organização internacional ratificado pela República da Polónia, o direito aprovado por esta organização é directamente aplicável e prevalece em caso de conflito com as leis nacionais.»

7        Nos termos do artigo 188.° da Constituição polaca:

«O Trybunał Konstytucyjny [Tribunal Constitucional polaco] decide:

1)      da conformidade das leis e dos tratados com a Constituição;

2)      da conformidade das leis com os tratados ratificados cuja ratificação exige a autorização prévia de uma lei;

3)      da conformidade com a Constituição, com os tratados ratificados e com as leis, dos actos regulamentares emanados pelas autoridades centrais do Estado;

4)      da conformidade com a Constituição dos objectivos ou da actividade dos partidos políticos;

5)      do recurso constitucional referido no artigo 79.°, n.° 1».

8        O artigo 190.°, n.os 1 a 4, da Constituição polaca tem a seguinte redacção:

«1.      Os acórdãos do Trybunał Konstytucyjny são obrigatórios erga omnes e definitivos.

[…]

3.      O acórdão do Trybunał Konstytucyjny produz efeitos no dia da sua publicação, todavia o Trybunał pode fixar uma data diferente para que o acto normativo deixe de ter força obrigatória. Esse prazo não pode ultrapassar dezoito meses nas leis e doze meses nos outros actos normativos. […]

4.      O acórdão do Trybunał Konstytucyjny que declare a não conformidade de uma decisão judicial definitiva, de uma decisão administrativa definitiva ou de outro acto normativo com a Constituição, com o tratado ou com a lei dá lugar à revisão do processo, à anulação da decisão ou a outra solução, consoante os princípios e o modo previstos pelas disposições adequadas ao processo em causa.»

9        O artigo 3.°, n.° 1, da Lei de 26 de Julho de 1991, relativa ao imposto sobre o rendimento das pessoas singulares (ustawa z dnia 26 lipca 1991 r. o podatku dochodowym od osób fizycznych, Dz. U de 2000, n.° 14, posição 176, a seguir «lei do imposto sobre o rendimento»), que fixa o princípio da obrigação fiscal ilimitada, prevê:

«As pessoas singulares residentes no território polaco estão sujeitas a uma obrigação fiscal relativamente à totalidade dos seus rendimentos, independentemente do lugar da fonte dos mesmos […]».

10      O artigo 26.°, n.° 1, ponto 2, desta lei dispõe:

«Sem prejuízo da aplicação dos artigos 24.°, n.° 3, 29.° a 30.°c e 30.°e, a matéria colectável é constituída pelo rendimento fixado em conformidade com os artigos 9.°, 24.°, n.os 1, 2, 4, 4a a 4e, 6, ou com o artigo 24.°b, n.os 1 e 2, ou com o artigo 25.°, após dedução do montante:

[…]

2)      das contribuições visadas pela Lei de 13 de Outubro de 1998, relativa ao regime de segurança social [Dz. U n.° 137, posição 887, conforme alterada; a seguir «lei do regime de segurança social»]:

a)      pagas no decurso do ano de tributação directamente a um seguro social pessoal de velhice, pensão, doença ou acidente com o objectivo de segurar o contribuinte e os seus colaboradores;

b)      deduzidas no decurso do ano de tributação […] sobre os recursos do contribuinte […]».

11      O artigo 27.°b da lei do imposto sobre o rendimento enuncia:

«1.      Ao imposto sobre o rendimento calculado em conformidade com o artigo 27.° ou 30.°c é deduzido, em primeiro lugar, o montante das contribuições de seguro de doença previstas na Lei de 27 de Agosto de 2004, relativa ao financiamento público dos cuidados de saúde [ustawa z dnia 27 sierpnia 2004 r. o świadczeniach opieki zdrowotnej finansowanych ze środków publicznych, Dz. U n.° 210, posição 2135, a seguir «lei do financiamento público dos cuidados de saúde»]:

1)      pagas no decurso do ano de tributação directamente pelo contribuinte nos termos das disposições relativas ao financiamento público dos cuidados de saúde,

2)      cobradas no decurso do ano de tributação pelo devedor dos rendimentos, em conformidade com aquelas mesmas disposições,

[...]

2.      O montante das contribuições para o seguro de doença dedutível do imposto não ultrapassa 7,75% da base de cálculo das referidas contribuições.

[…]».

 Litígio no processo principal e questões prejudiciais

12      Resulta da decisão de reenvio que, no momento dos factos do litígio no processo principal, K. Filipiak, cidadão polaco, exercia uma actividade económica nos Países Baixos na qualidade de sócio numa sociedade de pessoas de direito neerlandês cuja estrutura organizacional correspondia à de uma sociedade em nome colectivo de direito polaco.

13      Resulta igualmente da decisão de reenvio que K. Filipiak está sujeito a uma obrigação fiscal ilimitada na Polónia, o que leva a pensar que o seu lugar de residência se situa neste Estado-Membro, em aplicação do artigo 3.° da lei do imposto sobre o rendimento.

14      Nos Países Baixos, K. Filipiak pagou as contribuições para a segurança social e para o seguro de doença em conformidade com a legislação neerlandesa.

15      Por carta de 28 de Junho de 2006, K. Filipiak requereu ao director do Serviço Fiscal de Nowy Tomyśl um parecer escrito relativo ao alcance e ao modo de aplicação do direito fiscal.

16      No seu pedido de parecer, K. Filipiak observa que as disposições da lei do imposto sobre o rendimento o impedem de deduzir da matéria colectável o montante das contribuições pagas nos Países Baixos a título da segurança social e de deduzir do imposto o montante das contribuições para o seguro de doença igualmente pagas nos Países Baixos. Alega que tais disposições são discriminatórias e que, nestas condições, não há que tê-las em consideração, devendo aplicar-se directamente o direito comunitário.

17      Em resposta ao seu pedido de parecer, o director do Serviço Fiscal de Nowy Tomyśl, por decisões de 2 de Agosto de 2007, considerou que a posição de K. Filipiak não tinha fundamento.

18      Indicou que, de acordo com o artigo 26.°, n.° 1, ponto 2, da lei do imposto sobre o rendimento, apenas as contribuições referidas na lei do regime de segurança social podiam ser deduzidas da matéria colectável e que, nos termos do artigo 27.°b, n.° 1, dessa primeira lei, apenas as contribuições para seguros de doença referidas na lei do financiamento público dos cuidados de saúde podiam ser deduzidas do imposto. As contribuições pagas a título do direito neerlandês não preenchem os critérios fixados por essas disposições, como tal, não podem ser deduzidas, respectivamente, da matéria colectável e do imposto sobre o rendimento na Polónia.

19      Depois de ter analisado as reclamações apresentadas por K. Filipiak, o Dyrektor Izby Skarbowej w Poznaniu confirmou as decisões de 2 de Agosto de 2007 do director do Serviço Fiscal de Nowy Tomyśl.

20      K. Filipiak interpôs no Wojewódzki Sąd Administracyjny w Poznaniu (Tribunal Administrativo de Poznań) recursos dessas decisões, que considera contrárias, nomeadamente, aos artigos 26.°, n.° 1, ponto 2, e 27.°b, n.° 1, da lei do imposto sobre o rendimento, ao artigo 39.°, n.° 2, CE, ao artigo 3.°, n.° 1, do Regulamento (CEE) n.° 1408/71 do Conselho, de 14 de Junho de 1971, relativo à aplicação dos regimes de segurança social aos trabalhadores assalariados e aos membros da sua família que se deslocam no interior da Comunidade, conforme alterado e actualizado pelo Regulamento (CE) n.° 118/97 do Conselho, de 2 de Dezembro de 1996 (JO 1997, L 28, p. 1), conforme alterado pelo Regulamento (CE) n.° 647/2005 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de Abril de 2005 (JO L 117, p. 1, a seguir «Regulamento n.° 1408/71»), e a diversas disposições da Constituição polaca.

21      O Wojewódzki Sąd Administracyjny w Poznaniu considera que as condições de violação da livre circulação de trabalhadores consagrada no artigo 29.° CE não estão reunidas no caso vertente. A este respeito, sublinha que o recorrente no processo principal, uma vez que participa como empresário numa sociedade em nome colectivo situada nos Países Baixos, trabalha por sua própria conta e não trabalha sob as ordens nem o controlo de outra pessoa. Como tal, não pode ser considerado um «trabalhador» na acepção do artigo 39.° CE.

22      O órgão jurisdicional de reenvio considera indispensável apreciar se as disposições controvertidas são conformes com uma disposição não invocada por K. Filipiak, a saber, o artigo 43.° CE, na medida em que excluem que um contribuinte, sujeito na Polónia a obrigação fiscal ilimitada sobre a totalidade dos seus rendimentos e que exerce uma actividade económica no território de outro Estado-Membro, possa deduzir da sua matéria colectável o montante das contribuições obrigatórias para a segurança social pagas nos Países Baixos e deduzir do seu imposto sobre o rendimento o montante das contribuições obrigatórias para o seguro de doença igualmente pagas nos Países Baixos, apesar de essas contribuições não terem sido deduzidas neste último Estado-Membro.

23      Esse órgão jurisdicional indica que o Trybunał Konstytucyjny já se pronunciou sobre a questão da conformidade dos artigos 26.°, n.° 1, ponto 2, e 27.°b da lei do imposto sobre o rendimento com a Constituição polaca.

24      Com efeito, mediante o acórdão de 7 de Novembro de 2007 (K 18/06, Dz. U de 2007, n.° 211, posição 1549), o Trybunał Konstytucyjny declarou que, na medida em que as disposições fiscais em causa recusam aos contribuintes referidos no artigo 27.°, n.° 9, da lei do imposto sobre o rendimento a possibilidade de deduzirem dos seus rendimentos e dos seus impostos devidos por uma actividade exercida fora das fronteiras polacas as contribuições para a segurança social e para o seguro de doença no caso de as referidas contribuições não terem sido deduzidas no Estado-Membro em cujo território essa actividade tiver sido exercida, as referidas disposições não são conformes com o princípio da igualdade perante a lei consagrado no artigo 32.° da Constituição polaca, conjugado com o princípio da justiça social, referido no artigo 2.° da referida Constituição.

25      No mesmo acórdão, de acordo com o artigo 190.°, n.° 3, da Constituição polaca, o Trybunał Konstytucyjny decidiu adiar o momento em que as disposições que declarou inconstitucionais deixam de ter força obrigatória para uma data diferente da data de publicação do referido acórdão, a saber, 30 de Novembro de 2008.

26      Nestas condições, o Wojewódzki Sąd Administracyjny w Poznaniu decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)      O princípio consagrado no artigo 43.°, n.os 1 e 2, CE deve ser interpretado no sentido de que se opõe ao artigo 26.°, n.° 1, ponto 2, da lei [do imposto sobre o rendimento], por força do qual apenas podem ser deduzidas da matéria colectável do imposto sobre o rendimento as contribuições obrigatórias para a segurança social pagas nos termos das disposições de direito nacional, bem como ao artigo 27.°b, n.° 1, da mesma lei, por força do qual só podem ser deduzidas do imposto sobre o rendimento as contribuições obrigatórias de seguro de doença pagas nos termos das disposições de direito nacional, quando um cidadão polaco, [sujeito na Polónia a obrigação fiscal ilimitada] sobre os rendimentos que aí são tributáveis, tenha pago as contribuições obrigatórias para a segurança social e para o seguro de doença noutro Estado-Membro, relativamente a uma actividade económica que nele tenha exercido e quando estas contribuições não tenham sido deduzidas nem do rendimento nem do imposto nesse outro Estado-Membro?

2)      O princípio do primado do direito comunitário e as regras que decorrem dos artigos 10.° [CE] e 43.°, n.os 1 e 2, CE devem ser interpretados no sentido de que prevalecem sobre as disposições de direito nacional constantes dos artigos 91.°, n.os 2 e 3, e 190.°, n.os 1 e 3, da Constituição polaca […] na medida em que [o início da produção de efeitos] de um acórdão do [Trybunał Konstytucyjny] tiver sido adiad[o] nos termos das referidas disposições?»

 Quanto à admissibilidade

 Observações submetidas ao Tribunal de Justiça

27      O Governo polaco expressa dúvidas quanto à possibilidade de o Tribunal de Justiça deliberar sobre as questões suscitadas pelo órgão jurisdicional nacional.

28      Com efeito, esse governo alega que a interpretação do direito comunitário pedida e as questões prejudiciais submetidas pelo órgão jurisdicional de reenvio não apresentam uma relação suficiente com o objecto da lide principal. A condição de a decisão do Tribunal de Justiça se revelar indispensável para permitir ao órgão jurisdicional de reenvio decidir no processo em causa não está preenchida. Com efeito, a análise dos elementos de facto e de direito expostos pelo órgão jurisdicional de reenvio leva à conclusão de que o litígio pode, e mesmo deve, ser analisado exclusivamente com base nas disposições do direito nacional.

29      O Governo polaco observa a este respeito que, mediante a sua primeira questão prejudicial, o órgão jurisdicional de reenvio visa determinar se, ao decidir a causa principal, deve ter em conta as disposições da lei do imposto sobre o rendimento na medida em que lesam o direito do contribuinte de deduzir na Polónia as contribuições para a segurança social e para o seguro de doença pagas no estrangeiro.

30      Ora, no seu acórdão de 7 de Novembro de 2007, o Trybunał Konstytucyjny já deu uma resposta a essa questão visto que já decidiu que, na situação em causa no processo principal, o contribuinte deve poder deduzir o montante das contribuições para a segurança social e para o seguro de doença.

31      Segundo o Governo polaco, o acórdão de 7 de Novembro de 2007 do Trybunał Konstytucyjny que declara a não conformidade das disposições legais em causa com a Constituição polaca tem por efeito torná-las inaplicáveis pelos órgãos jurisdicionais, isto é, eliminá-las totalmente do ordenamento jurídico.

32      O facto de, no acórdão de 7 de Novembro de 2007, o Trybunał Konstytucyjny ter adiado a data em que as disposições inconstitucionais deixam de ter força obrigatória não implica que as disposições qualificadas de inconstitucionais devam ser aplicadas até à data especificada pelo Trybunał Konstytucyjny. Não se pode afirmar que, até essa data, as disposições em causa são conformes com a Constituição e que, a contar dessa data, devem ser consideradas inconstitucionais.

33      O Governo polaco considera, consequentemente, que o órgão jurisdicional de reenvio deve aplicar os artigos 26.°, n.° 1, ponto 2, e 27.°b, n.° 1, da lei do imposto sobre o rendimento tendo em conta a interpretação destas disposições à luz da Constituição polaca. Na situação em causa no processo principal, o órgão jurisdicional de reenvio devia, baseando-se na interpretação efectuada pelo Trybunał Konstytucyjny e nos princípios da igualdade face à lei e da justiça social, recusar-se a aplicar as disposições controvertidas, na medida em que excluem qualquer dedução das contribuições para a segurança social e para o seguro de doença no caso de essas contribuições não terem sido deduzidas no Estado-Membro da União Europeia em cujo território a actividade económica tiver sido exercida e as contribuições pagas.

34      Assim, para decidir a causa principal, não é necessário responder à questão de saber se o artigo 43.° CE se opõe a disposições como as que estão aí em causa.

35      No que respeita à segunda questão prejudicial, a interpretação do direito comunitário pedida pelo órgão jurisdicional de reenvio não é necessária para decidir a causa tendo em conta o carácter evidente dessa interpretação.

36      O Governo polaco salienta que o órgão jurisdicional de reenvio parece partir do princípio de que o adiamento da perda de força obrigatória das disposições em causa no processo principal, conjugado com o princípio do carácter definitivo das decisões do Trybunał Konstytucyjny, não lhe permite fiscalizar a conformidade das disposições controvertidas com o direito comunitário e recusar-se a aplicar essas disposições no caso de concluir que não são conformes com o direito comunitário.

37      Ora, o Governo polaco considera que tal posição não é adequada, tendo em conta o carácter autónomo das diferentes fiscalizações jurisdicionais que são a fiscalização da conformidade das disposições em causa com a Constituição polaca e a fiscalização da conformidade dessas mesmas disposições com o direito comunitário.

38      A decisão do Trybunał Konstytucyjny que adia a data em que as disposições qualificadas de inconstitucionais deixam de ter força obrigatória não prejudica a fiscalização jurisdicional dessas disposições no que respeita à sua conformidade com o direito comunitário e, em caso de conflito de normas, não isenta o juiz de reenvio da obrigação de se abster de aplicar essas disposições na hipótese de serem consideradas não conformes com o direito comunitário. Com efeito, o artigo 91.° da Constituição polaca impõe ao juiz nacional a obrigação de não aplicar normas de direito nacional contrárias ao direito comunitário.

39      Por conseguinte, segundo o Governo polaco, independentemente da possibilidade de não aplicar as disposições controvertidas qualificadas de inconstitucionais, o órgão jurisdicional de reenvio que conclua que essas disposições são incompatíveis com o artigo 43.° CE tem todo o poder para, de maneira autónoma, se recusar a aplicá-las na decisão da causa, com base no direito nacional e eventualmente na jurisprudência do Tribunal de Justiça relativa ao princípio do primado do direito comunitário.

 Apreciação do Tribunal de Justiça

40      Cumpre recordar que, segundo jurisprudência assente, no âmbito do processo instituído pelo artigo 234.° CE, compete apenas ao juiz nacional, a quem foi submetido o litígio e que deve assumir a responsabilidade pela decisão jurisdicional a tomar, apreciar, tendo em conta as especificidades de cada processo, tanto a necessidade de uma decisão prejudicial para poder proferir a sua decisão como a pertinência das questões que submete ao Tribunal de Justiça. Consequentemente, desde que as questões colocadas sejam relativas à interpretação do direito comunitário, o Tribunal de Justiça é, em princípio, obrigado a pronunciar-se (v., designadamente, acórdãos de 13 de Março de 2001, PreussenElektra, C-379/98, Colect., p. I-2099, n.° 38, e de 23 de Abril de 2009, Rüffler, C-544/07, Colect., p. I-0000, n.° 36).

41      Todavia, o Tribunal de Justiça declarou igualmente que, em circunstâncias excepcionais, lhe cabe examinar as condições em que é chamado a pronunciar-se pelo juiz nacional, a fim de verificar a sua própria competência (v., neste sentido, acórdãos de 16 de Dezembro de 1981, Foglia, 244/80, Recueil, p. 3045, n.° 21; PreussenElektra, já referido, n.° 39; e Rüffler, já referido, n.° 37).

42      O Tribunal de Justiça só pode recusar pronunciar-se sobre uma questão prejudicial submetida por um órgão jurisdicional nacional quando for manifesto que a interpretação do direito comunitário pedida não tem qualquer relação com a realidade ou com o objecto da lide principal, quando o problema for de natureza hipotética ou ainda quando não dispuser dos elementos de facto e de direito necessários para responder utilmente às questões que lhe são submetidas (acórdãos, já referidos, PreussenElektra, n.° 39, e Rüffler, n.° 38).

43      A este respeito, impõe-se referir que resulta claramente da decisão de reenvio que, independentemente da questão da constitucionalidade das disposições em causa no processo principal, o litígio nesse processo e a primeira questão prejudicial dizem respeito à questão da compatibilidade com o direito comunitário de uma regulamentação em virtude da qual o direito a uma redução do imposto em função das contribuições para o seguro de doença pagas e o direito de deduzir da matéria colectável as contribuições para a segurança social pagas são recusados quando o foram noutro Estado-Membro.

44      A segunda questão inscreve-se no prolongamento da primeira e interroga o Tribunal de Justiça sobre as consequências para o juiz nacional decorrentes da declaração de uma eventual incompatibilidade com o direito comunitário de disposições noutra sede consideradas não conformes com a Constituição. Visa saber, no essencial, se, na hipótese de o artigo 43.° CE se opor a disposições como as que estão em causa no processo principal, o primado do direito comunitário impõe ao juiz nacional a aplicação do direito comunitário e a não aplicação das disposições nacionais controvertidas, mesmo antes do início da produção de efeitos do acórdão de 7 de Novembro de 2007 do Trybunał Konstytucyjny em que este concluiu que as referidas disposições não eram conformes com certas disposições da Constituição polaca.

45      À luz do que precede, não é manifesto que a interpretação pedida não tenha nenhuma relação com a realidade ou com o objecto da lide principal, que o problema seja hipotético ou ainda que o Tribunal não disponha dos elementos de facto e de direito necessários para dar uma resposta útil às questões que lhe foram submetidas.

46      Assim, as questões submetidas são admissíveis.

 Quanto ao mérito

 Quanto à primeira questão

47      Através da sua primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, no essencial, se o artigo 43.° CE se opõe a uma regulamentação nacional que só permite, por um lado, que o montante das contribuições para a segurança social pagas por um contribuinte no exercício fiscal seja deduzido da matéria colectável e, por outro, que o imposto sobre o rendimento de que é devedor seja reduzido em função das contribuições para o seguro de doença pagas durante esse período quando essas contribuições sejam pagas no Estado-Membro de tributação, sendo esses benefícios recusados quando essas contribuições sejam pagas noutro Estado-Membro.

 Observações submetidas ao Tribunal de Justiça

48      A posição do Governo polaco quanto à primeira questão pode, no essencial, ser deduzida das suas observações relativas à admissibilidade e expostas nos n.os 29 a 33 do presente acórdão.

49      Segundo a Comissão das Comunidades Europeias, a descrição pelo órgão jurisdicional de reenvio da situação de K. Filipiak leva a pensar que o recorrente no processo principal pôde exercer pessoalmente um controlo e outras funções ligadas à actividade dessa sociedade. À primeira vista, a sua situação é, pois, abrangida pelo artigo 43.° CE. Todavia, o artigo 49.° CE pode ser igualmente pertinente para resolver o litígio no órgão jurisdicional nacional, já que não se pode excluir que K. Filipiak, residente na Polónia, preste igualmente serviços no território neerlandês.

50      A Comissão considera que as disposições em causa no processo principal, que excluem o direito dos contribuintes residentes a benefícios fiscais por contribuições de seguro obrigatórias quando essas contribuições tenham sido pagas num Estado-Membro diferente da República da Polónia, instituem uma restrição não objectivamente justificada ao artigo 43.° CE e ao artigo 49.° CE.

 Resposta do Tribunal de Justiça

51      Importa observar que, na formulação da primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio limita o seu pedido de interpretação do artigo 43.° CE unicamente ao caso de as contribuições obrigatórias para a segurança social e para o seguro de doença pagas num Estado-Membro diferente da República da Polónia não terem sido deduzidas nesse outro Estado-Membro. É, pois, baseando-se na premissa de que as contribuições obrigatórias pagas nos Países Baixos por um contribuinte como K. Filipiak não puderam ser deduzidas nesse outro Estado-Membro que se responderá à questão.

–       Quanto às disposições aplicáveis do Tratado CE

52      De acordo com jurisprudência assente, o conceito de «estabelecimento» na acepção do artigo 43.° CE é um conceito muito amplo, que envolve a possibilidade de um cidadão comunitário participar, de modo estável e contínuo, na vida económica de um Estado-Membro diferente do seu Estado de origem (acórdãos de 30 de Novembro de 1995, Gebhard, C-55/94, Colect., p. I-4165, n.° 25, e de 7 de Setembro de 2006, N, C-470/04, Colect., p. I-7409, n.° 26). Assim, pode ser abrangido pela liberdade de estabelecimento um cidadão comunitário que resida num Estado-Membro e que detenha no capital de uma sociedade com sede noutro Estado-Membro uma participação que lhe confere uma influência efectiva sobre as decisões dessa sociedade e lhe permite determinar as respectivas actividades (v., neste sentido, acórdãos N, já referido, n.° 27; de 29 de Março de 2007, Rewe Zentralfinanz, C-347/04, Colect., p. I-2647, n.os 22 e 70; e de 2 de Outubro de 2008, Heinrich Bauer Verlag, C-360/06, Colect., p. I-7333, n.° 27).

53      Como sublinhado pela Comissão, a situação de um contribuinte como K. Filipiak, sócio numa sociedade de pessoas de direito neerlandês cuja estrutura organizacional corresponde à de uma sociedade em nome colectivo de direito polaco, permite pensar que esse contribuinte pôde exercer pessoalmente funções ligadas à actividade económica dessa sociedade e que exerce um controlo sobre essa actividade.

54      Todavia, a decisão de reenvio não indica se a situação de K. Filipiak é abrangida pelo artigo 43.° CE na acepção da jurisprudência do Tribunal de Justiça, isto é, se detém na sociedade estabelecida noutro Estado-Membro uma participação que lhe permita exercer uma influência efectiva sobre as decisões dessa sociedade e determinar as respectivas actividades. De qualquer forma, incumbe ao órgão jurisdicional nacional apreciar se é esse o caso e se a situação de K. Filipiak é abrangida pelo artigo 43.° CE.

55      Além disso, como sublinhado pela Comissão, a decisão de reenvio não indica se um contribuinte como K. Filipiak, além de exercer um controlo sobre a actividade económica da sociedade neerlandesa de que é sócio, presta igualmente serviços no território neerlandês.

56      Por conseguinte, embora essa situação possa ser abrangida pelo artigo 43.° CE, pode igualmente ser abrangida pelas disposições do Tratado relativas à livre prestação de serviços visto que não se pode excluir a possibilidade de K. Filipiak, contribuinte residente na Polónia, não só exercer um controlo sobre a actividade económica da sociedade neerlandesa como também prestar serviços no território neerlandês.

57      A situação de um contribuinte como K. Filipiak pode, consequentemente, ser examinada à luz do princípio da liberdade de estabelecimento enunciada no artigo 43.° CE e do princípio da livre prestação de serviços, consagrado no artigo 49.° CE.

–       Quanto à existência de uma restrição às liberdades de circulação

58      Resulta de jurisprudência assente que o conjunto das disposições do Tratado relativas à livre circulação de pessoas visa facilitar aos cidadãos comunitários o exercício de actividades profissionais de qualquer natureza em todo o território da Comunidade Europeia e opõe-se a medidas que possam desfavorecer esses cidadãos quando desejem exercer uma actividade económica no território de outro Estado-Membro (v., designadamente, acórdãos de 17 de Janeiro de 2008, Comissão/Alemanha, C-152/05, Colect., p. I-39, n.° 21, e de 16 de Outubro de 2008, Renneberg, C-527/06, Colect., p. I-7735, n.° 43).

59      Segundo jurisprudência assente, a liberdade de estabelecimento reconhecida aos cidadãos dos Estados-Membros e que compreende o acesso às actividades independentes e o seu exercício nas condições definidas na legislação do Estado-Membro para os seus próprios nacionais abrange, nos termos do artigo 48.° CE, em relação às sociedades constituídas em conformidade com a legislação de um Estado-Membro e que tenham a sua sede social, administração central ou estabelecimento principal na Comunidade Europeia, o direito de exercerem a sua actividade no Estado-Membro em causa através de uma filial, de uma sucursal ou de uma agência (v. acórdãos de 17 de Janeiro de 2008, Lammers & Van Cleeff, C-105/07, Colect., p. I-173, n.° 18, e de 23 de Abril de 2009, Comissão/Grécia, C-406/07, n.° 36).

60      O Tribunal de Justiça indicou também várias vezes que, embora, de acordo com a sua letra, as disposições relativas à liberdade de estabelecimento se destinem designadamente a assegurar o benefício do tratamento nacional no Estado-Membro de acolhimento, impedem igualmente que o Estado de origem levante obstáculos ao estabelecimento noutro Estado-Membro de um dos seus nacionais ou de uma sociedade constituída em conformidade com a sua legislação, que corresponda, além disso, à definição do artigo 48.° CE (v. acórdãos de 13 de Abril de 2000, Baars, C-251/98, Colect., p. I-2787, n.° 28; de 11 de Março de 2004, de Lasteyrie du Saillant, C-9/02, Colect., p. I-2409, n.° 42; e Heinrich Bauer Verlag, já referido, n.° 26).

61      Além disso, o artigo 49.° CE opõe-se à aplicação de qualquer legislação nacional que tenha como efeito tornar a prestação de serviços entre Estados-Membros mais difícil do que a prestação de serviços puramente interna no Estado-Membro (acórdãos de 11 de Setembro de 2007, Comissão/Alemanha, C-318/05, Colect., p. I-6957, n.° 81; de 18 de Dezembro de 2007, Jundt, C-281/06, Colect., p. I-12231, n.° 52; e de 11 de Junho de 2009, X e Passenheim-van Schoot, C-155/08 e C-157/08, Colect., p. I-0000, n.° 32).

62      Considera-se estar na presença de restrições proibidas pelos artigos 43.° CE e 49.° CE designadamente quando as disposições fiscais de um Estado-Membro aplicáveis a actividades económicas transfronteiriças são menos vantajosas do que as aplicáveis a uma actividade económica exercida no interior das fronteiras desse Estado-Membro.

63      Numa situação como a do processo principal, o artigo 26.°, n.° 1, ponto 2, da lei do imposto sobre o rendimento permite aos contribuintes sujeitos a tributação na Polónia deduzir o montante das contribuições obrigatórias para a segurança social do montante da matéria colectável relativa ao imposto sobre o rendimento em conformidade com a lei do regime de segurança social. O artigo 27.°b da lei do imposto sobre o rendimento permite aos contribuintes sujeitos a tributação na Polónia reduzirem o montante do seu imposto sobre o rendimento em função do montante das contribuições obrigatórias para o seguro de doença pagas nos termos da lei do financiamento público dos cuidados de saúde.

64      Importa observar que K. Filipiak, contribuinte polaco que exerce a sua actividade económica na qualidade de sócio de uma sociedade de pessoas estabelecida num Estado-Membro diferente da República da Polónia, está sujeito à segurança social e ao seguro de doença obrigatórios nos Países Baixos e não na Polónia. Com efeito, em conformidade com o artigo 13.°, n.° 2, alínea b), do Regulamento n.° 1408/71, a pessoa que exerça uma actividade não assalariada no território de um Estado-Membro está sujeita à legislação desse Estado, mesmo se residir no território de outro Estado-Membro. Segundo o n.° 1 deste mesmo artigo, uma pessoa apenas está sujeita à legislação de um Estado-Membro em matéria de segurança social.

65      O órgão jurisdicional de reenvio indicou ainda que as contribuições para a segurança social e para o seguro de saúde pagas por K. Filipiak por força da legislação neerlandesa são idênticas, quanto à sua natureza e à sua finalidade, às contribuições pagas pelos contribuintes polacos em conformidade com a legislação polaca relativa ao regime de segurança social e ao financiamento público dos cuidados de saúde.

66      Uma regulamentação como a do processo principal institui uma diferença de tratamento entre contribuintes residentes consoante as contribuições para o seguro de doença que podem ser dedutíveis do montante do imposto sobre o rendimento devido na Polónia ou as contribuições para a segurança social que podem ser dedutíveis da matéria colectável na Polónia tenham ou não sido pagas no quadro dos regimes nacionais de seguro de doença ou de segurança social obrigatórios.

67      Daqui decorre que todos os contribuintes residentes na Polónia, mas que exercem a sua actividade económica noutro Estado-Membro onde estão sujeitos à segurança social e ao seguro de doença obrigatórios, não poderão deduzir à matéria colectável o montante das contribuições pagas nem reduzir o imposto devido na Polónia em função dessas contribuições. Serão, pois, menos bem tratados do que os contribuintes residentes na Polónia, mas que limitam a sua actividade económica ao interior das fronteiras desse Estado pagando as contribuições obrigatórias para a segurança social e para o seguro de doença ao organismo público competente.

68      Ora, no que respeita à tributação dos seus rendimentos na Polónia, cumpre salientar que os contribuintes residentes não estão objectivamente em situações diferentes susceptíveis de explicar tal diferença de tratamento em função do lugar de pagamento das contribuições.

69      Com efeito, a situação de um contribuinte como K. Filipiak, que reside na Polónia e exerce uma actividade económica noutro Estado-Membro, no qual está sujeito aos regimes de seguro de saúde e de segurança social obrigatórios, e a de um contribuinte igualmente residente na Polónia, mas que exerce a sua actividade profissional nesse mesmo Estado, no qual está sujeito aos regimes nacionais de seguro de doença e de segurança social, são comparáveis no que respeita aos princípios da tributação, na medida em que, na Polónia, ambos estão sujeitos a uma obrigação fiscal ilimitada.

70      Assim, a tributação dos seus rendimentos, nesse Estado-Membro, deve efectuar-se segundo os mesmos princípios e, consequentemente, com base nos mesmos benefícios fiscais.

71      Nestas condições, a recusa de atribuir ao contribuinte residente o direito de deduzir da matéria colectável na Polónia o montante das contribuições obrigatórias para a segurança social pagas noutro Estado-Membro e o direito de reduzir o imposto devido nesse Estado-Membro em função das contribuições obrigatórias para o seguro de doença pagas num Estado-Membro diferente da República da Polónia pode dissuadir o referido contribuinte de beneficiar das liberdades de estabelecimento e de prestação de serviços consagradas nos artigos 43.° CE e 49.° CE, constituindo uma restrição a essas liberdades (v., neste sentido, no que respeita ao artigo 18.° CE, acórdão Rüffler, já referido, n.os 72 e 73).

72      Resulta de jurisprudência assente do Tribunal de Justiça que as disposições nacionais susceptíveis de desencorajar ou dissuadir o exercício das liberdades fundamentais garantidas pelos artigos 43.° CE e 49.° CE podem, não obstante, ser justificadas por razões imperiosas de interesse geral.

73      Ora, nenhuma eventual justificação foi invocada pelo Governo polaco nem equacionada pelo órgão jurisdicional de reenvio.

74      Tendo em conta as considerações que antecedem, deve responder-se à primeira questão que os artigos 43.° CE e 49.° CE opõem-se a uma regulamentação nacional que só permite, por um lado, que o montante das contribuições para a segurança social pagas no exercício fiscal por um contribuinte residente seja deduzido da matéria colectável e, por outro, que o imposto sobre o rendimento de que esse contribuinte é devedor seja reduzido em função das contribuições para o seguro de doença pagas durante esse período quando tais contribuições sejam pagas no Estado-Membro de tributação, sendo esses benefícios recusados quando as contribuições são pagas noutro Estado-Membro, ainda que essas contribuições não tenham sido deduzidas neste último Estado-Membro.

 Quanto à segunda questão

75      Através desta questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, no essencial, na hipótese de se ter respondido à primeira questão que o artigo 43.° CE e/ou o artigo 49.° CE opõem-se a disposições nacionais como as do processo principal, se, nessas condições, o primado do direito comunitário impõe ao juiz nacional a aplicação do direito comunitário e a não aplicação das disposições nacionais controvertidas no âmbito do litígio que é chamado a decidir, independentemente do acórdão do órgão jurisdicional constitucional nacional que decidiu o adiamento da data em que as mesmas disposições, julgadas inconstitucionais, deixam de ter força obrigatória.

 Observações submetidas ao Tribunal de Justiça

76      A posição do Governo polaco quanto à segunda questão pode ser deduzida no essencial das observações que apresentou relativamente à admissibilidade e que são expostas nos n.os 36 a 39 do presente acórdão.

77      A Comissão alega que a segunda questão visa saber se o princípio do primado do direito comunitário e os artigos 10.° CE e 43.° CE se opõem à aplicação das disposições de direito nacional que permitem ao Trybunał Konstytucyjny adiar, num dos seus acórdãos, a data de revogação de um acto normativo nacional considerado inconstitucional nesse mesmo acórdão.

78      A Comissão considera que não existe relação entre a segunda questão e a decisão da causa principal. No caso de K. Filipiak, o adiamento, pelo Trybunał Konstytucyjny, da data em que as disposições controvertidas serão revogadas não impede que o órgão jurisdicional de reenvio, em conformidade com o princípio do primado do direito comunitário, não aplique essas disposições.

79      Daqui a Comissão deduz que a possibilidade, com base no artigo 190.°, n.° 3, da Constituição polaca, de adiar a data em que as disposições controvertidas serão revogadas, possibilidade usada pelo Trybunał Konstytucyjny no seu acórdão de 7 de Novembro de 2007, não é contrária ao princípio do primado do direito comunitário nem aos artigos 10.° CE e 43.° CE, dado que não é contrária à obrigação de os órgãos administrativos nacionais e os órgãos jurisdicionais nacionais não aplicarem as disposições da lei nacional contrárias ao artigo 43.° CE.

80      A Comissão considera, pois, que cumpre interpretar o princípio do primado do direito comunitário e os artigos 10.° CE e 43.° CE no sentido de que não se opõem à aplicação das disposições de direito nacional que permitem ao Trybunał Konstytucyjny adiar, num acórdão, a data em que as disposições de direito nacional, que considerou inconstitucionais nesse mesmo acórdão, deixam de ter força obrigatória.

 Resposta do Tribunal de Justiça

81      Segundo jurisprudência assente, o juiz nacional encarregado de aplicar, no âmbito da sua competência, as disposições do direito comunitário tem a obrigação de garantir a plena eficácia dessas normas, não aplicando, se necessário e pela sua própria autoridade, qualquer disposição contrária da legislação nacional, mesmo posterior, sem que tenha de pedir ou esperar a sua revogação prévia por via legislativa ou por qualquer outro procedimento constitucional (v., neste sentido, acórdãos de 9 de Março de 1978, Simmenthal, 106/77, Colect., p. 243, n.° 24; de 4 de Junho de 1992, Debus, C-13/91 e C-113/91, Colect., p. I-3617, n.° 32; de 18 de Julho de 2007, Lucchini, C-119/05, Colect., p. I-6199, n.° 61; e de 27 de Outubro de 2009, ČEZ, C-115/08, Colect., I-0000, n.° 138).

82      Em virtude do princípio do primado do direito comunitário, o conflito entre uma disposição da lei nacional e uma disposição do Tratado directamente aplicável é resolvido, por um órgão jurisdicional nacional, pela aplicação do direito comunitário, não aplicando, se necessário, a disposição nacional contrária, e não pela declaração da nulidade da disposição nacional, cabendo a cada Estado-Membro a determinação das competências dos seus tribunais e demais órgãos públicos nesta matéria.

83      Neste contexto, há que recordar que o Tribunal de Justiça já declarou que a incompatibilidade com o direito comunitário de uma norma de direito nacional posterior não acarreta a inexistência dessa norma. Face a tal situação, o órgão jurisdicional nacional é obrigado a não aplicar essa norma, sendo certo que esta obrigação não limita o poder de os órgãos jurisdicionais nacionais competentes aplicarem, de entre os diversos procedimentos da ordem jurídica interna, os que forem apropriados para salvaguardar os direitos individuais conferidos pelo direito comunitário (acórdão de 22 de Outubro de 1998, IN. CO. GE.’90 e o., C-10/97 a C-22/97, Colect., p. I-6307, n.° 21).

84      Daqui resulta que, numa situação como a do recorrente no processo principal, o adiamento, pelo Trybunał Konstytucyjny, da data em que as disposições controvertidas deixarão de ter força obrigatória não impede que o órgão jurisdicional de reenvio, em conformidade com o princípio do primado do direito comunitário, não aplique essas disposições, no âmbito do litígio que é chamado a decidir, se as considerar contrárias ao direito comunitário.

85      Na medida em que, como resulta do n.° 74 do presente acórdão, se respondeu à primeira questão que os artigos 43.° CE e 49.° CE opõem-se a disposições nacionais como as que estão em causa no processo principal, há que responder à segunda questão que, nestas condições, o primado do direito comunitário impõe ao juiz nacional a aplicação do direito comunitário e a não aplicação das disposições nacionais contrárias, independentemente do acórdão do órgão jurisdicional constitucional nacional que decidiu adiar a data em que as mesmas disposições, julgadas inconstitucionais, deixam de ter força obrigatória.

 Quanto às despesas

86      Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional nacional, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efectuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Terceira Secção) declara:

1)      Os artigos 43.° CE e 49.° CE opõem-se a uma regulamentação nacional que só permite, por um lado, que o montante das contribuições para a segurança social pagas no exercício fiscal por um contribuinte residente seja deduzido da matéria colectável e, por outro, que o imposto sobre o rendimento de que esse contribuinte é devedor seja reduzido em função das contribuições para o seguro de doença pagas durante esse período quando tais contribuições sejam pagas no Estado-Membro de tributação, sendo esses benefícios recusados quando as contribuições são pagas noutro Estado-Membro, ainda que essas contribuições não tenham sido deduzidas neste último Estado-Membro.

2)      Nestas condições, o primado do direito comunitário impõe ao juiz nacional a aplicação do direito comunitário e a não aplicação das disposições nacionais contrárias, independentemente do acórdão do órgão jurisdicional constitucional nacional que decidiu adiar a data em que as mesmas disposições, julgadas inconstitucionais, deixam de ter força obrigatória.

Assinaturas


* Língua do processo: polaco.