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DESPACHO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Oitava Secção)

6 de Outubro de 2010 (*)

«Artigo 104.°, n.° 3, primeiro parágrafo, do Regulamento de Processo – Directiva 69/335/CEE – Impostos indirectos – Reuniões de capitais – Transmissões de valores mobiliários – Capital social maioritariamente constituído por imóveis»

No processo C-487/09,

que tem por objecto um pedido de decisão prejudicial nos termos do artigo 234.° CE, apresentado pelo Tribunal Supremo (Espanha), por decisão de 24 de Setembro de 2009, entrado no Tribunal de Justiça em 30 de Novembro de 2009, no processo

INMOGOLF SA

contra

Dirección General de Tributos de la Consejería de Economía y Hacienda de la Comunidad Autónoma de Murcia,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Oitava Secção),

composto por: C. Toader, presidente de secção, L. Bay Larsen e A. Prechal (relator), juízes,

advogado-geral: Y. Bot,

secretário: R. Grass,

propondo-se o Tribunal decidir por meio de despacho fundamentado, em conformidade com o disposto no artigo 104.°, n.° 3, primeiro parágrafo, do seu Regulamento de Processo,

ouvido o advogado-geral,

profere o presente

Despacho

1        O pedido de decisão prejudicial tem por objecto a interpretação dos artigos 11.°, alínea a), e 12.°, n.° 1, alínea a), da Directiva 69/335/CEE do Conselho, de 17 de Julho de 1969, relativa aos impostos indirectos que incidem sobre as reuniões de capitais (JO L 249, p. 25; EE 09 F1 p. 22; a seguir «directiva»).

2        Esse pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe a INMOGOLF SA (a seguir «INMOGOLF») à Dirección General de Tributos de la Consejería de Economía y Hacienda de la Comunidad Autónoma de Murcia (Direcção-Geral de Impostos do Departamento de Economia e Finanças da Comunidade Autónoma de Múrcia), a propósito do reembolso de um imposto que incide sobre as transmissões patrimoniais e os actos jurídicos documentados.

 Quadro jurídico

 Regulamentação da União

3        O artigo 11.° da directiva prevê:

«Os Estados-Membros não submeterão a qualquer imposição, seja sob que forma for:

a)      A criação, emissão, admissão em bolsa, colocação em circulação ou negociação de acções, de partes sociais ou de outros títulos da mesma natureza, bem como de certificados representativos desses títulos, independentemente de quem os emitiu;

[…]»

4        Nos termos do artigo 12.°, n.° 1, alínea a), da directiva:

«1.      Em derrogação do disposto nos artigos 10.° e 11.°, os Estados-Membros podem cobrar:

a)      Impostos sobre a transmissão de valores mobiliários, cobrados forfetariamente ou não;

[…]»

 Regulamentação nacional

5        A Lei n.° 24/1988, de 28 de Julho de 1988, relativa ao mercado de valores (BOE n.° 181, de 29 de Julho de 1988, p. 23405), conforme alterada pela Lei n.° 18/91, de 6 de Junho de 1991 (BOE n.° 136, de 7 de Junho de 1991, p. 18665, a seguir «Lei n.° 24/1988»), prevê, no seu artigo 108.°:

«1.      A transmissão de valores, admitidos ou não à negociação em mercado secundário oficial, está isenta de imposto sobre as transmissões patrimoniais e os actos jurídicos documentados e de imposto sobre o valor acrescentado.

2.      Em derrogação do disposto no número anterior, estão sujeitas ao Imposto sobre as Transmissões Patrimoniais e os Actos jurídicos Documentados a título de ‘Transmissões Patrimoniais Onerosas’:

1°      As transmissões realizadas no mercado secundário e as aquisições realizadas no mercado primário na sequência do exercício de direitos de subscrição preferenciais e do direito de conversão de obrigações em acções, de valores que representem uma quota-parte do capital social ou do património de sociedades, fundos, associações ou outras entidades cujo activo seja constituído por, pelo menos, 50% de imóveis situados no território nacional, desde que, em resultado dessa transmissão ou aquisição, o adquirente obtenha a propriedade plena desse património ou, pelo menos, uma posição que lhe permita exercer o controlo dessas entidades.

No que diz respeito às sociedades comerciais, esse controlo considera-se obtido quando seja detida, directa ou indirectamente, uma participação superior a 50% do capital social.

Para efeitos do cálculo de 50% do activo constituído por imóveis, não serão tidos em conta imóveis, com excepção de terrenos e de terrenos para construção, que façam parte do activo circulante das sociedades cujo objecto social exclusivo seja o exercício de actividades comerciais de construção ou promoção imobiliária.

2°      As transmissões de acções ou de participações sociais, recebidas por uma entrada de bens imóveis realizada quando da constituição de sociedades ou por aumentos do seu capital social, desde que não tenha decorrido o prazo de um ano entre a data da entrada e a data da transmissão.

Nos casos acima referidos, aplicar-se-á sobre o valor dos referidos bens a taxa aplicável às transmissões onerosas de bens imóveis, calculada de acordo com as regras contidas em disposições em vigor relativas ao imposto sobre as transmissões patrimoniais e os actos jurídicos documentados.»

6        Segundo o órgão jurisdicional de reenvio, o objectivo do artigo 108.°, n.° 2, da Lei n.° 24/1988 é evitar uma possível evasão ao imposto sobre as transmissões patrimoniais nas transmissões de bens imóveis dissimuladas no âmbito de uma aquisição directa de valores mobiliários.

 Litígio no processo principal e questões prejudiciais

7        Por escritura de 20 de Agosto de 1993, a INMOGOLF, accionista da Inmobiliaria La Manga SA, adquiriu 49 acções desta sociedade a outro accionista, pelo preço de 49 000 ESP, obtendo assim uma participação superior a 50% no capital social desta.

8        A escritura foi apresentada em 22 de Abril de 1997 no Servicio Territorial de Cartagena (Serviço do Distrito de Cartagena) da Dirección General de Tributos de la Consejería de Economía y Hacienda de la Comunidad Autónoma de Murcia, acompanhada da autoliquidação do imposto sobre as transmissões patrimoniais e os actos jurídicos documentados. Essa escritura mencionava uma base tributável de 972 999 989 ESP, que correspondia ao valor total do património imobiliário da Inmobiliaria La Manga SA, e um montante de imposto a pagar que ascendia a 58 378 799 ESP, se bem que ficasse assente que essa menção era feita apenas a título cautelar, dado que a transmissão estava isenta de imposto em conformidade com o disposto no artigo 108.°, n.° 1, da Lei n.° 24/1988.

9        Em 31 de Dezembro de 1997, a INMOGOLF pediu a liquidação definitiva do imposto e o reembolso do montante pago, invocando a aplicação da isenção prevista no artigo 108.°, n.° 1, da Lei n.° 24/1988. Este pedido foi indeferido por decisão de 17 de Abril de 1998 da Dirección General de Tributos de la Consejería de Economía y Hacienda de la Comunidad Autónoma de Murcia. Por decisão de 30 de Abril de 1998, esta Administração procedeu a uma liquidação complementar do montante de 28 910 297 ESP, a título de juros de mora.

10      Tendo as reclamações deduzidas contra essas decisões sido julgadas improcedentes, da mesma forma que os recursos a seguir interpostos da improcedência dessas reclamações, a INMOGOLF acabou por interpor recurso de cassação para o órgão jurisdicional de reenvio, no âmbito do qual invoca uma violação dos artigos 11.°, alínea a), e 12.° da directiva.

11      Considerando que a solução do litígio de que é chamado a conhecer exige uma interpretação da directiva, o Tribunal Supremo decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)      Tendo em conta que o artigo 11.°, alínea a), da [directiva] proibia a tributação da circulação de acções, de partes sociais ou de outros títulos da mesma natureza, apenas permitindo o artigo 12.°, n.° 1, alínea a), que os Estados-Membros cobrassem impostos sobre a transmissão de valores mobiliários cobrados forfetariamente ou não, e visto que o artigo 108.° da Ley 24/1988 […], não obstante prever uma regra geral de isenção da transmissão de valores, tanto em sede de Imposto sobre o Valor Acrescentado como em sede de Imposto Sobre as Transmissões Patrimoniais, sujeita essas operações a Imposto Sobre as Transmissões Patrimoniais, a título de transmissões patrimoniais onerosas, quando representem partes do capital social de entidades cujo activo seja constituído por, pelo menos, 50% de bens imóveis e quando o adquirente, por essa transmissão, obtenha uma posição que lhe permita exercer o controlo dessa entidade, sem distinguir entre sociedades patrimoniais e sociedades que exercem uma actividade económica[, a directiva] proíbe a aplicação automática de normas dos Estados-Membros, como o artigo 108.°, n.° 2, da Ley 24/1988 […] que tributa determinadas transmissões de valores que encubram transmissões de imóveis, mesmo que não se tenha pretendido contornar a tributação?

2)      No caso de não ser necessário o intuito de evasão[, a directiva] proíbe a existência de normas como a [Ley] […] 24/1988 que institui um imposto pela aquisição da maioria do capital de sociedades cujo activo seja maioritariamente constituído por imóveis, mesmo que sejam sociedades plenamente operacionais e mesmo que os imóveis não se possam dissociar da actividade económica exercida pela sociedade?»

 Quanto às questões prejudiciais

12      Por força do artigo 104.°, n.° 3, primeiro parágrafo, do Regulamento de Processo, quando a resposta a uma questão possa ser claramente deduzida da jurisprudência, o Tribunal de Justiça pode decidir por meio de despacho fundamentado.

13      O Tribunal de Justiça considera que é esse o caso no presente processo.

14      Através das suas questões, que devem ser tratadas conjuntamente, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se a directiva e, em especial, os seus artigos 11.°, alínea a), e 12.°, n.° 1, alínea a), se opõem a uma regulamentação de um Estado-Membro, como a prevista no artigo 108.°, n.° 2, da Lei n.° 24/1988, que, a fim de impedir a evasão fiscal no âmbito da transmissão de bens imóveis pela interposição de sociedades, sujeita as transmissões de valores ao imposto sobre as transmissões patrimoniais, sempre que essas transmissões de valores representem partes do capital social de sociedades cujo activo é constituído por, pelo menos, 50% de imóveis e que o adquirente obtenha, na sequência dessa transmissão, uma posição que lhe permite exercer o controlo da entidade em causa, mesmo na hipótese de, por um lado, não ter havido intenção de evasão ao imposto e de, por outro, essas sociedades serem plenamente operacionais e os imóveis não poderem ser dissociados da actividade económica exercida pelas referidas sociedades.

15      A este respeito, há que recordar que os artigos 11.°, alínea a), e 12.°, n.° 1, alínea a), da directiva estabelecem uma distinção nítida entre uma emissão de valores mobiliários, que não pode ser sujeita a nenhuma outra tributação ou imposto diferente do imposto sobre as entradas de capital, e a transmissão desses valores, que, em contrapartida, pode ser sujeita a essa tributação ou imposto (v., neste sentido, acórdão de 1 de Outubro de 2009, HSBC Holdings e Vidacos Nominees, C-569/07, Colect., p. I-9047, n.° 34).

16      No tocante, em primeiro lugar, ao artigo 11.°, alínea a), da directiva, não resulta dos autos submetidos ao Tribunal de Justiça que um imposto como o que está em causa no processo principal incida sobre uma emissão de valores mobiliários, tal como visada por esta disposição. Não se pode, portanto, considerar que esta se opõe a esse imposto.

17      No que diz respeito, em seguida, à questão de saber se uma regulamentação como a que está em causa no processo principal institui um imposto na acepção do artigo 12.°, n.° 1, alínea a), da directiva, é, por certo, verdade, como salientam, em substância, os Governos espanhol e húngaro, que se pode considerar que, do ponto de vista económico, um imposto como o que está em causa no processo principal incide, na realidade, sobre o património imobiliário subjacente aos valores imobiliários. Todavia, como resulta dos autos submetidos ao Tribunal de Justiça e como observa igualmente a Comissão Europeia, afigura-se que o facto gerador dessa tributação é a transmissão de valores mobiliários. Ora, uma vez que o facto gerador de um imposto como o que está em causa no processo principal reside na realização de uma operação específica que é visada no artigo 12.°, n.° 1, alínea a), da directiva, há que considerar que esse imposto está abrangido por essa disposição (v., neste sentido, acórdão de 10 de Março de 2005, Optiver e o., C-22/03, Colect., p. I-1839, n.° 32).

18      A propósito do artigo 12.°, n.° 1, alínea a), da directiva, o Tribunal de Justiça tem julgado no sentido de que essa disposição permite aos Estados-Membros cobrar um imposto em caso de transmissão de valores mobiliários, independentemente da questão de saber se a sociedade que emite esses valores mobiliários é admitida à cotação numa Bolsa e se a transmissão desses valores teve lugar em Bolsa ou directamente do cedente para o adquirente (acórdão de 7 de Setembro de 2006, Organon Portuguesa, C-193/04, Colect., p. I-7271, n.° 21 e jurisprudência referida). Além disso, esta disposição deixa aos Estados-Membros a possibilidade de determinar livremente a taxa dos impostos por ela visados (acórdão Organon Portuguesa, já referido, n.° 24).

19      Do mesmo modo, há que considerar que, como observam com razão os Governos espanhol, húngaro e neerlandês e a Comissão, o artigo 12.°, n.° 1, alínea a), da directiva não se opõe a um imposto que tenha as mesmas características que o imposto em causa no processo principal. Esta interpretação é confirmada tanto pela redacção dessa disposição, que não especifica em que condições os Estados-Membros podem cobrar impostos sobre a transmissão de valores mobiliários, como pelo facto de a directiva ter procedido a uma harmonização exaustiva dos casos em que os Estados-Membros podem sujeitar as reuniões de capitais a impostos indirectos (acórdão HSBC Holdings e Vidacos Nominees, já referido, n.° 25). Ora, como o artigo 12.°, n.° 1, alínea a), da directiva precisamente demonstra, uma transmissão de valores mobiliários, tal como visada por esta disposição, não constitui, enquanto tal, uma operação de reunião de capitais, que o legislador da União tivesse a intenção de submeter a uma regulamentação da União ao adoptar a directiva.

20      Por último, mesmo que o artigo 12.°, n.° 1, alínea a), da directiva não se oponha, enquanto tal, a um imposto como o que está em causa no processo principal, deve, todavia, acrescentar-se que, como observa com razão a Comissão, a competência prevista nesta disposição deve ser exercida pelos Estados-Membros com observância das liberdades fundamentais garantidas pelo Tratado FUE (v., nomeadamente, neste sentido, acórdão de 5 de Março de 2009, UTECA, C-222/07, Colect., p. I-1407, n.° 18 e jurisprudência referida). No entanto, uma vez que o pedido de decisão prejudicial não tem por objecto a interpretação das liberdades fundamentais e que a decisão de reenvio não contém, por outro lado, precisões acerca de uma eventual aplicação das regras que consagram essas liberdades numa situação como a que está em causa no processo principal, não cabe ao Tribunal de Justiça pronunciar-se sobre uma interpretação dessas liberdades no âmbito do presente reenvio.

21      Por conseguinte, deve responder-se às questões submetidas que a directiva e, mais particularmente, os seus artigos 11.°, alínea a), e 12.°, n.° 1, alínea a), não se opõem a uma regulamentação de um Estado-Membro, como a prevista no artigo 108.°, n.° 2, da Lei n.° 24/1988, que, a fim de impedir a evasão fiscal no âmbito da transmissão de bens imóveis pela interposição de sociedades, sujeita as transmissões de valores ao imposto sobre as transmissões patrimoniais, sempre que essas transmissões de valores representem partes do capital social de sociedades cujo activo é constituído por, pelo menos, 50% de imóveis e que o adquirente obtenha, na sequência dessa transmissão, uma posição que lhe permita exercer o controlo da entidade em causa, mesmo na hipótese de, por um lado, não ter havido intenção de evasão ao imposto e de, por outro, essas sociedades serem plenamente operacionais e os imóveis não poderem ser dissociados da actividade económica exercida pelas referidas sociedades.

 Quanto às despesas

22      Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efectuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Oitava Secção) declara:

A Directiva 69/335/CEE do Conselho, de 17 de Julho de 1969, relativa aos impostos indirectos que incidem sobre as reuniões de capitais, e, mais particularmente, os seus artigos 11.°, alínea a), e 12.°, n.° 1, alínea a), não se opõem a uma regulamentação de um Estado-Membro, como a prevista no artigo 108.°, n.° 2, da Lei n.° 24/1988, de 28 de Julho de 1988, relativa ao mercado de valores, conforme alterada pela Lei n.° 18/91, de 6 de Junho de 1991, que, a fim de impedir a evasão fiscal no âmbito da transmissão de bens imóveis pela interposição de sociedades, sujeita as transmissões de valores ao imposto sobre as transmissões patrimoniais, sempre que essas transmissões de valores representem partes do capital social de sociedades cujo activo é constituído por, pelo menos, 50% de imóveis e que o adquirente obtenha, na sequência dessa transmissão, uma posição que lhe permita exercer o controlo da entidade em causa, mesmo na hipótese de, por um lado, não ter havido intenção de evasão ao imposto e de, por outro, essas sociedades serem plenamente operacionais e os imóveis não poderem ser dissociados da actividade económica exercida pelas referidas sociedades.

Assinaturas


* Língua do processo: espanhol.