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ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quarta Secção)

29 de março de 2012 ( * )

«Fiscalidade direta — Encerramento dos processos pendentes no órgão jurisdicional que decide em última instância em matéria fiscal — Abuso de direito — Artigo 4.o, n.o 3, TUE — Liberdades garantidas pelo Tratado — Princípio da não discriminação — Auxílios de Estado — Obrigação de garantir a aplicação efetiva do direito da União»

No processo C-417/10,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial nos termos do artigo 267.o TFUE, apresentado pela Corte suprema di cassazione (Itália), por decisão de 27 de maio de 2010, entrado no Tribunal de Justiça em 23 de agosto de 2010, no processo

Ministero dell’Economia e delle Finanze,

Agenzia delle Entrate

contra

3M Italia SpA,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quarta Secção),

composto por: J.-C. Bonichot, presidente de secção, A. Prechal, L. Bay Larsen, C. Toader e E. Jarašiūnas (relator), juízes,

advogado-geral: E. Sharpston,

secretário: A. Impellizzeri, administradora,

vistos os autos e após a audiência de 22 de setembro de 2011,

vistas as observações apresentadas:

em representação da 3M Italia SpA, por G. Iannotta, avvocato,

em representação do Governo italiano, por G. Palmieri, na qualidade de agente, assistida por P. Gentili, avvocato dello Stato,

em representação da Irlanda, por D. O’Hagan, na qualidade de agente,

em representação do Governo do Reino Unido, por H. Walker, na qualidade de agente,

em representação da Comissão Europeia, por E. Traversa e R. Lyal, na qualidade de agentes,

vista a decisão tomada, ouvida a advogada-geral, de julgar a causa sem apresentação de conclusões,

profere o presente

Acórdão

1

O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do direito da União no domínio da fiscalidade direta.

2

Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe o Ministero dell’Economia e delle Finanze (Ministério da Economia e das Finanças) e a Agencia delle Entrate (Administração das receitas fiscais) à 3M Italia SpA (a seguir «3M Italia») relativamente à tributação dos dividendos distribuídos por esta sociedade entre 1989 e 1991.

Quadro jurídico nacional

3

O artigo 3.o, n.o 2 bis, do Decreto-Lei n.o 40/2010 (GURI n.o 71, de 26 de março de 2010), convertido, com alterações, na Lei n.o 73/2010 (GURI n.o 120, de 25 de maio de 2010, a seguir «Decreto-Lei n.o 40/2010»), tem a seguinte redação:

«A fim de manter a duração dos processos tributários dentro dos prazos de duração razoável dos processos, na aceção da Convenção Europeia para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais[, assinada em Roma, em 4 de novembro de 1950 (a seguir ‘CEDH’)], ratificada nos termos da Lei n.o 848, de 4 de agosto de 1955, e sob o ponto de vista do incumprimento do prazo razoável referido no artigo 6.o, n.o 1, da mencionada Convenção, os litígios fiscais pendentes que tenham a sua origem em recursos registados em primeira instância há mais de dez anos antes da data de entrada em vigor da lei de conversão do presente decreto, nos quais a Administração financeira do Estado seja vencida no processo nas duas primeiras instâncias, serão resolvidos da seguinte forma:

[…]

b)

os litígios fiscais pendentes na Corte suprema di cassazione podem extinguir-se com o pagamento de um montante equivalente a 5% do valor da causa […] e simultânea renúncia a qualquer eventual pretensão de indemnização nos termos do disposto pela Lei n.o 89, de 24 de março de 2001. Para este efeito, o contribuinte pode apresentar um pedido na competente repartição ou secretaria dentro de 90 dias após a data de entrada em vigor da lei de conversão do presente decreto, acompanhado de um comprovativo do respetivo pagamento. Os processos a que se refere a presente alínea ficam suspensos até o termo do prazo contemplado no segundo período da mesma e terminam com a compensação integral das despesas do processo. Em qualquer caso, não haverá lugar a reembolso.»

Litígio no processo principal e questões prejudiciais

4

A sociedade 3M Company, com sede nos Estados Unidos, cedeu o usufruto das ações da 3M Italia, a qual controla, à sociedade Shearson Lehman Hutton Special Financing, igualmente com sede nos Estados Unidos. Esta última, por sua vez, cedeu esse usufruto à sociedade Olivetti & C., com sede em Itália, com direito de voto reservado ao nu proprietário, isto é, à 3M Company.

5

Após fiscalização, a Administração das finanças italiana entendeu que a cessão de usufruto a favor da Olivetti & C. era fictícia e que os dividendos distribuídos pela 3M Italia a esta última tinham na realidade sido recebidos pela Shearson Lehman Hutton Special Financing, sociedade não residente em Itália. Consequentemente, decidiu que havia que aplicar a tais dividendos a retenção na fonte do imposto de 32,4% prevista pela legislação italiana relativa à tributação dos rendimentos da propriedade em vez da retenção de 10% a título de pagamento por conta, e o correspondente crédito de imposto, aplicáveis aos contribuintes residentes em Itália. Por outro lado, a Administração Fiscal considerou que a responsabilidade pela aplicação incorreta das retenções fiscais podia ser imputada à 3M Italia. Por conseguinte, reclamou a esta o pagamento dos montantes de 20 089 887 000 ITL, em relação a 1989, 12 960 747 000 ITL em relação a 1990 e 9 806 820 000 ITL em relação a 1991, acrescidos de multas e juros.

6

A 3M Italia impugnou a respetiva liquidação na Commissione tributaria provinciale de Caserta (Comissão Fiscal Provincial de Caserta), que anulou os referidos avisos de liquidação. Esta decisão foi confirmada por um acórdão da Commissione tributaria regionale Campania (Comissão Fiscal Regional de Campania) de 14 de julho de 2000.

7

O Ministero dell’Economia e delle Finanze e a Agenzia delle Entrate interpuseram recurso de cassação para o órgão jurisdicional de reenvio, alegando, nomeadamente, que a operação em causa, a saber, a cessão do usufruto, não passou de uma simulação com o intuito de eludir o imposto. Nesta fase do processo, a 3M Italia solicitou o benefício do artigo 3.o, n.o 2 bis, alínea b), do Decreto-Lei n.o 40/2010, procurando assim obter o encerramento do processo na Corte suprema di cassazione.

8

A Corte suprema di cassazione questiona-se, contudo, a respeito da compatibilidade desta disposição com o direito da União.

9

Em seu entender, coloca-se a questão de saber se o princípio da proibição do abuso de direito, como consagrado nos acórdãos de 21 de fevereiro de 2006, Halifax e o. (C-255/02, Colet., p. I-1609), e de 21 de fevereiro de 2008, Part Service (C-425/06, Colet., p. I-897), no âmbito do regime fiscal harmonizado, se pode aplicar aos impostos não harmonizados, como os impostos diretos. A este respeito, questiona-se nomeadamente sobre se «existe um interesse da União nos casos, como o caso em apreço, de factos económicos transnacionais, nos quais o recurso a formas jurídicas que não correspondem a autênticas operações económicas se pode configurar como um abuso das liberdades fundamentais garantidas pelo Tratado CE — desde logo, da livre circulação de capitais».

10

Se for esse o caso, importa averiguar, em seu entender, se a disposição nacional em causa no caso em apreço, que deixa a cargo do contribuinte uma obrigação «quase simbólica», não é contrária à obrigação de reprimir as práticas abusivas, como dispõe o artigo 4.o, n.o 3, TUE, que impõe aos Estados-Membros a adoção de todas as medidas adequadas para garantir a execução das obrigações decorrentes dos Tratados e absterem-se de tomar quaisquer medidas suscetíveis de pôr em perigo a realização dos objetivos da União.

11

O órgão jurisdicional de reenvio tem dúvidas, por outro lado, quanto à compatibilidade entre os princípios que regem o mercado único e a disposição em causa, que implica, segundo esse órgão jurisdicional, uma renúncia praticamente integral à cobrança de um crédito fiscal. Referindo-se às «liberdades e princípios fundamentais garantidos pelo Tratado», questiona-se, em particular, sobre se tal disposição pode ser considerada como um «exercício adequado da concorrência fiscal», uma vez que, no caso em apreço, a subtração à aplicação do imposto teve origem em práticas abusivas. Salienta, por outro lado, que esta renúncia ao imposto implica uma «discriminação a favor das empresas que têm a sua sede em Itália».

12

Segundo o órgão jurisdicional de reenvio, devem também ser tidas em consideração as regras do Tratado FUE em matéria de auxílios de Estado, tendo em conta a vantagem que a disposição em causa proporciona ao seu beneficiário e o caráter seletivo daquela. Em seu entender, uma amnistia fiscal que consiste numa simples renúncia ao imposto, mesmo que ocorra apenas durante a fase judicial, em troca do pagamento de um montante extremamente reduzido, ou mesmo irrisório, não pode ser justificada pela natureza ou economia do sistema fiscal em causa e deve, em princípio, ser qualificada de auxílio de Estado.

13

Por último, o órgão jurisdicional de reenvio questiona-se sobre se esta disposição não é contrária à obrigação de garantir a aplicação efetiva do direito da União, na medida em que subtrai ao órgão jurisdicional que decide em última instância o poder de exercer o seu controlo de legalidade, incluindo um controlo da interpretação e da aplicação do direito da União, e de dirigir ao Tribunal de Justiça uma questão prejudicial.

14

Nestas circunstâncias, a Corte suprema di cassazione decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)

O princípio do combate ao abuso [de] direito em matéria fiscal, tal como definido nos acórdãos[, já referidos,] Halifax e o. […] e […] Part Service […], constitui um princípio fundamental do direito da União apenas em matéria de impostos harmonizados e nas matérias reguladas por normas de direito derivado da União, ou aplica-se também, [como nos] casos de abuso das liberdades fundamentais, aos impostos não harmonizados, como os impostos diretos, quando a imposição tem por objeto factos económicos transnacionais, como a aquisição de direitos de usufruto por uma sociedade sobre as ações de outra sociedade com sede noutro Estado-Membro ou num Estado terceiro?

2)

Independentemente da resposta à questão precedente, existe um interesse a nível da União na previsão, por parte dos Estados-Membros, de instrumentos adequados para combater a evasão fiscal em matéria de impostos não harmonizados? Contraria o referido interesse a não aplicação — no âmbito de uma medida de amnistia fiscal — do princípio do abuso [de] direito, reconhecido também como regra de direito interno? Constitui a referida não aplicação uma violação dos princípios que resultam do artigo 4.o, n.o 3, do Tratado da União Europeia?

3)

É possível inferir dos princípios que regulam o mercado [único] uma proibição de prever não só medidas extraordinárias de renúncia total ao crédito fiscal mas também medidas extraordinárias para a resolução de litígios fiscais, cuja aplicação é limitada no tempo e condicionada ao pagamento de apenas uma parte do imposto devido consideravelmente inferior ao total deste?

4)

O princípio da não discriminação e a regulamentação em matéria de auxílios de Estado opõem-se ao regime de resolução dos litígios fiscais objeto do presente litígio?

5)

O princípio da efetividade do direito [da União opõe-se] a um regime processual extraordinário e limitado no tempo que retira o controlo da legalidade (em particular, o relativo à correta interpretação e aplicação do direito [da União]) ao órgão jurisdicional de última instância, ao qual incumbe a obrigação de submeter questões prejudiciais relativas à validade e à interpretação ao Tribunal de Justiça da União Europeia?»

Quanto às questões prejudiciais

15

Com as suas questões prejudiciais, o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber, no essencial, se o direito da União, em particular o princípio da proibição do abuso de direito, o artigo 4.o, n.o 3, TUE, as liberdades garantidas pelo Tratado FUE, o princípio da não discriminação, as regras em matéria de auxílios de Estado, bem como a obrigação de assegurar a aplicação efetiva do direito da União, deve ser interpretado no sentido de que, num processo como o processo principal que tem por objeto a fiscalidade direta, se opõe à aplicação de uma disposição nacional que prevê o encerramento de processos pendentes no órgão jurisdicional que decide em última instância em matéria fiscal, mediante o pagamento de uma quantia equivalente a 5% do valor da causa, quando estes processos tenham origem num recurso interposto em primeira instância mais de dez anos antes da entrada em vigor desta disposição e a Administração Fiscal tenha sido vencida nas duas primeiras instâncias.

Quanto à admissibilidade

16

A 3M Italia e o Governo italiano consideram o pedido de decisão prejudicial inadmissível.

17

Devido à inexistência de dolo ou culpa definitivamente constatados no âmbito do processo principal, à inaplicabilidade do direito da União ao processo principal e à existência no direito italiano de um princípio constitucional que proíbe o abuso de direito, as duas primeiras questões submetidas pelo órgão jurisdicional de reenvio não têm, segundo a 3M Italia, nenhuma relação com a realidade ou o objeto do litígio no processo principal e têm por objeto uma problemática hipotética.

18

O Governo italiano alega que, em seu entender, a decisão de reenvio não respeita a obrigação de fornecer todos os elementos de facto e de direito que caraterizam a questão principal, de modo a permitir ao Tribunal dar uma interpretação útil à sua solução. Em particular, a decisão de reenvio não contém nenhuma análise do artigo 3.o, n.o 2 bis, alínea b), do Decreto-Lei n.o 40/2010, que permita compreender a razão pela qual esta disposição implica uma renúncia ao imposto. Não indica ainda em que medida os factos do litígio no processo principal apresentam caráter transnacional e devem ser qualificados de abuso de direito. Como tal, as questões submetidas são abstratas e hipotéticas.

19

A este respeito, importa recordar que um pedido de decisão prejudicial apresentado por um órgão jurisdicional nacional só pode ser declarado inadmissível quando for manifesto que a interpretação do direito da União solicitada não tem nenhuma relação com a realidade ou com o objeto do litígio no processo principal, quando o problema for hipotético ou ainda quando o Tribunal não dispuser dos elementos de facto e de direito necessários para dar uma resposta útil às questões que lhe foram submetidas (v., designadamente, acórdãos de 15 de dezembro de 1995, Bosman, C-415/93, Colet., p. I-4921, n.o 61, e de 31 de março de 2011, Schröder, C-450/09, Colet., p. I-2497, n.o 17).

20

No que respeita, em particular, às informações que devem ser fornecidas ao Tribunal de Justiça no âmbito de uma decisão de reenvio, as mesmas não só visam permitir ao Tribunal de Justiça dar respostas úteis ao órgão jurisdicional de reenvio mas também dar aos governos dos Estados-Membros e às demais partes interessadas a possibilidade de apresentarem observações, em conformidade com o artigo 23.o do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia. Resulta de jurisprudência assente que, para esse efeito, é necessário que o juiz nacional defina o quadro factual e regulamentar no qual se inserem as questões que coloca ou que, pelo menos, explique as hipóteses factuais em que se baseiam essas questões. Por outro lado, a decisão de reenvio deve indicar os motivos precisos que levaram o juiz nacional a interrogar-se sobre a interpretação do direito da União e a entender ser necessário colocar questões prejudiciais ao Tribunal de Justiça (acórdão de 8 de setembro de 2009, Liga Portuguesa de Futebol e Bwin International, C-42/07, Colet., p. I-7633, n.o 40 e jurisprudência aí referida).

21

No caso em apreço, a decisão de reenvio contém uma exposição dos factos que estão na origem do litígio no processo principal e do direito nacional pertinente, concretamente, o artigo 3.o, n.o 2 bis, alínea b), do Decreto-Lei n.o 40/2010. Refere, ainda, os motivos pelos quais o órgão jurisdicional de reenvio se questiona sobre a compatibilidade dessa disposição com o direito da União e que o levaram a considerar necessário submeter ao Tribunal de Justiça um pedido de decisão prejudicial.

22

Apesar de o órgão jurisdicional de reenvio, na sua terceira questão, que incide, de forma geral, na interpretação dos «princípios que regulam o mercado único», não especificar os princípios visados, a exposição contida na decisão de reenvio quanto aos elementos de facto e de direito e quanto às dúvidas sobre a compatibilidade do artigo 3.o, n.o 2 bis, alínea b), do Decreto-Lei n.o 40/2010 com o direito da União é, todavia, no seu todo, suficiente para permitir aos Estados-Membros e às outras partes interessadas apresentar as suas observações a este respeito e participar eficazmente no processo, como evidenciam as observações escritas e orais das partes que nele participaram, bem como para permitir ao Tribunal de Justiça dar uma resposta útil ao referido órgão jurisdicional.

23

Por último, a questão de saber se o direito da União é aplicável ao litígio no processo principal resulta da análise do mérito das questões submetidas, como reformuladas no n.o 15 do presente acórdão. Estas últimas revelam-se determinantes para a resolução do litígio, uma vez que está em causa o seu encerramento através de uma decisão do órgão jurisdicional de reenvio em aplicação da disposição nacional em causa. Daqui resulta que as referidas questões estão manifestamente relacionadas com a realidade do litígio no processo principal e não são abstratas nem de natureza hipotética.

24

Por conseguinte, o pedido de decisão prejudicial deve ser julgado admissível.

Quanto ao mérito

25

Importa recordar que, de acordo com jurisprudência assente, embora a fiscalidade direta seja da competência dos Estados-Membros, estes devem, todavia, exercer essa competência no respeito do direito da União (v., designadamente, acórdão de 17 de setembro de 2009, Glaxo Wellcome, C-182/08, Colet., p. I-8591, n.o 34 e jurisprudência aí referida).

26

No caso em apreço, o artigo 3.o, n.o 2 bis, alínea b), do Decreto-Lei n.o 40/2010 prevê o encerramento, através do pagamento de um montante equivalente a 5% do valor da causa e da renúncia a um pedido de indemnização por desrespeito do prazo razoável, dos processos pendentes na Corte suprema di cassazione em matéria fiscal cuja duração, desde a interposição do recurso em primeira instância, seja superior a dez anos e nos quais a Administração Fiscal tenha sido vencida nas duas primeiras instâncias, «a fim de manter a duração dos processos tributários dentro dos prazos de duração razoável dos processos, na aceção da [CEDH], e sob o ponto de vista do incumprimento do prazo razoável referido no artigo 6.o, n.o 1, [desta]».

27

Importa, por outro lado, salientar que o artigo 3.o, n.o 2 bis, alínea b), do Decreto-Lei n.o 40/2010, que o órgão jurisdicional de reenvio interpreta como uma renúncia ao imposto, visa, nos termos da sua redação, reduzir a duração dos processos fiscais a fim de respeitar o princípio do prazo razoável imposto pela CEDH e pôr fim à sua violação.

28

A este propósito, decorre dos autos que os factos do processo principal remontam há mais de 20 anos.

29

É à luz destes elementos que importa verificar se as regras e os princípios do direito da União evocados na decisão de reenvio se opõem à aplicação, num processo como o processo principal, de uma disposição nacional como o artigo 3.o, n.o 2 bis, alínea b), do Decreto-Lei n.o 40/2010.

30

Em primeiro lugar, no que respeita ao princípio da proibição do abuso de direito e ao artigo 4.o, n.o 3, TUE, há que salientar, antes de mais, que, no processo principal, não se trata de um litígio no qual os contribuintes invocam ou podem invocar de forma fraudulenta ou abusiva uma norma do direito da União. Por conseguinte, são desprovidos de pertinência no caso vertente os acórdãos, já referidos, Halifax e o. e Part Service proferidos em matéria de imposto sobre o valor acrescentado e aos quais se refere o órgão jurisdicional de reenvio, questionando se o princípio da proibição do abuso de direito, consagrado nesses processos, se estende ao domínio dos impostos não harmonizados.

31

Há que observar, em seguida, que também não resulta dos autos que sejam discutidas no litígio no processo principal a aplicação de uma disposição nacional que implica uma restrição a uma das liberdades garantidas pelo Tratado FUE assim como a eventual justificação de tal restrição pela necessidade de prevenir práticas abusivas. Por consequência, a jurisprudência do Tribunal de Justiça relativa ao abuso de direito no domínio da fiscalidade direta, contida, nomeadamente, nos acórdãos de 12 de setembro de 2006, Cadbury Schweppes e Cadbury Schweppes Overseas (C-196/04, Colet., p. I-7995); de 13 de março de 2007, Test Claimants in the Thin Cap Group Litigation (C-524/04, Colet., p. I-2107); de 4 de dezembro de 2008, Jobra (C-330/07, Colet., p. I-9099); e Glaxo Wellcome, já referido, não se revela pertinente.

32

Por último, e em todo o caso, impõe-se constatar que não há no direito da União nenhum princípio geral do qual decorra uma obrigação de os Estados-Membros lutarem contra as práticas abusivas no domínio da fiscalidade direta e que se oponha à aplicação de uma disposição como a que está em causa no processo principal quando a operação tributável proceda de tais práticas e não está em causa o direito da União.

33

Daqui decorre que o princípio da proibição do abuso de direito e o artigo 4.o, n.o 3, TUE, segundo o qual os Estados-Membros estão vinculados a tomar todas as medidas gerais ou específicas adequadas para garantir a execução das obrigações que decorrem deste direito e a absterem-se de qualquer medida suscetível de pôr em perigo a realização dos objetivos decorrentes do direito da União, não se opõem, em princípio, à aplicação, num processo como o em causa no processo principal, de uma disposição nacional como o artigo 3.o, n.o 2 bis, alínea b), do Decreto-Lei n.o 40/2010.

34

Em segundo lugar, quanto às liberdades garantidas pelo Tratado FUE e ao princípio da não discriminação, há que observar que apenas a livre circulação de capitais parece visada na operação em causa no processo principal, a qual incide numa cessão do usufruto de ações de uma sociedade italiana em benefício de outra sociedade italiana, efetuada por uma sociedade de um Estado terceiro. Ora, a este respeito, basta constatar que não resulta de nenhum elemento dos autos que, num processo como o processo principal, uma disposição como o artigo 3.o, n.o 2 bis, alínea b), do Decreto-Lei n.o 40/2010 afete a livre circulação dos capitais nem, de resto, de forma geral, o exercício de qualquer uma das liberdades garantidas pelo Tratado FUE.

35

Uma vez que, no seu respetivo domínio, estas liberdades constituem a expressão específica do princípio geral da proibição de qualquer discriminação em razão da nacionalidade (v., neste sentido, acórdão de 11 de março de 2010, Attanasio Group, C-384/08, Colet., p. I-2055, n.o 31), o referido princípio também não se opõe à aplicação, num processo de fiscalidade direta, de uma disposição nacional como o artigo 3.o, n.o 2 bis, alínea b), do Decreto-Lei n.o 40/2010.

36

Relativamente, em terceiro lugar, às regras em matéria de auxílios de Estado, o Tribunal de Justiça declarou reiteradamente que a finalidade prosseguida por intervenções estatais não basta para as fazer escapar à qualificação de «auxílios» na aceção do artigo 107.o TFUE. Com efeito, este artigo não distingue consoante as causas ou os objetivos das intervenções estatais, antes definindo essas intervenções em função dos respetivos efeitos (v. acórdão de 22 de dezembro de 2008, British Aggregates/Comissão, C-487/06 P, Colet., p. I-10515, n.os 84, 85 e jurisprudência aí referida).

37

Segundo jurisprudência assente, a qualificação como auxílio de Estado impõe que todos os seguintes requisitos estejam preenchidos. Em primeiro lugar, deve tratar-se de uma intervenção do Estado ou por meio de recursos estatais. Em segundo lugar, essa intervenção deve ser suscetível de afetar as trocas comerciais entre os Estados-Membros. Em terceiro lugar, deve conceder uma vantagem ao seu beneficiário. Em quarto lugar, deve falsear ou ameaçar falsear a concorrência (v. acórdão de 10 de junho de 2010, Fallimento Traghetti del Mediterraneo, C-140/09, Colet., p. I-5243, n.o 31 e jurisprudência aí referida).

38

No que respeita ao terceiro requisito, importa recordar que as medidas através das quais as autoridades públicas atribuem a certas empresas um tratamento fiscal vantajoso que, embora não implique uma transferência de recursos de Estado, coloca os beneficiários numa situação financeira mais favorável que a dos outros contribuintes constituem auxílios de Estado, na aceção do artigo 107.o, n.o 1, TFUE (v. acórdão de 15 de dezembro de 2005, Itália/Comissão, C-66/02, Colet., p. I-10901, n.o 78).

39

Em contrapartida, uma vantagem que resulte de uma medida geral indistintamente aplicável a todos os operadores económicos não constitui um auxílio de Estado na aceção daquele artigo (v. acórdão Itália/Comissão, já referido, n.o 99).

40

Para apreciar se uma medida apresenta caráter seletivo, há que analisar se, no quadro de um dado regime jurídico, a referida medida constitui uma vantagem para certas empresas em relação a outras que se encontrem numa situação factual e jurídica comparável. Contudo, o conceito de auxílio de Estado não abrange as medidas que introduzem uma diferenciação entre empresas, e que, portanto, são a priori seletivas, quando essa diferenciação resulta da natureza ou da estrutura do sistema em que se inserem (v. acórdão British Aggregates/Comissão, já referido, n.os 82, 83 e jurisprudência aí referida).

41

No caso em apreço, pressupondo que a aplicação do artigo 3.o, n.o 2 bis, alínea b), do Decreto-Lei n.o 40/2010 possa levar, numa dada situação, à concessão de uma vantagem ao beneficiário desta disposição, importa salientar, quanto ao caráter seletivo da medida, que esta é aplicável de forma geral a todos os contribuintes que são parte num processo pendente em matéria fiscal na Corte suprema di cassazione, qualquer que seja a natureza do imposto em causa, uma vez que este procedimento tem origem num recurso interposto em primeira instância mais de dez anos antes da data de entrada em vigor daquela disposição e que a Administração Fiscal foi vencida nas duas primeiras instâncias.

42

O facto de apenas os contribuintes que preenchem estes requisitos poderem beneficiar desta medida não lhe confere, por si só, um caráter seletivo. Com efeito, impõe-se constatar que as pessoas que não a podem reivindicar não se encontram numa situação factual e jurídica comparável à dos contribuintes visados pelo objetivo prosseguido pelo legislador nacional, que é assegurar o respeito do princípio do prazo razoável.

43

É certo que esta medida é de aplicação limitada no tempo, devendo os contribuintes, para dela beneficiar, apresentar um pedido na repartição ou na secretaria competente num prazo de 90 dias após a data de entrada em vigor da lei de conversão do referido decreto. Todavia, por um lado, esta limitação é inerente a este tipo de medidas, que não podem ser mais do que pontuais, e, por outro, este prazo afigura-se suficiente para permitir que todos os contribuintes aos quais se aplica esta medida geral e pontual solicitem o seu benefício.

44

Daqui decorre, sem que seja necessário analisar os outros requisitos referidos no n.o 37 do presente acórdão, que uma medida como a prevista no artigo 3.o, n.o 2 bis, alínea b), do Decreto-Lei n.o 40/2010 não é suscetível de ser qualificada de auxílio de Estado.

45

Em último lugar, quanto à obrigação de assegurar a aplicação efetiva do direito da União, resulta do exposto que o princípio da proibição do abuso de direito, o artigo 4.o, n.o 3, TUE, as liberdades garantidas pelo Tratado FUE, o princípio da não discriminação e as regras relativas aos auxílios de Estado não se opõem à aplicação, num processo de fiscalidade direta, de uma disposição nacional como o artigo 3.o, n.o 2 bis, alínea b), do Decreto-Lei n.o 40/2010.

46

Consequentemente, na inexistência de violação do direito da União, não se pode considerar que tal disposição, na medida em que tem como consequência, como qualquer outra disposição que preveja a extinção da instância antes que seja proferida uma decisão quanto ao mérito, impedir o órgão jurisdicional nacional que decide em última instância de exercer a sua fiscalização da legalidade nos processos em causa em conformidade com o direito da União, depois de, sendo caso disso, ter submetido uma questão prejudicial ao Tribunal de Justiça nos termos do artigo 267.o TFUE, é contrária à obrigação que incumbe aos órgãos jurisdicionais nacionais que decidem em última instância de assegurar, no âmbito das suas competências, a aplicação efetiva do direito da União.

47

Atendendo a estas considerações, há que responder às questões submetidas que o direito da União, em particular o princípio da proibição do abuso de direito, o artigo 4.o, n.o 3, TUE, as liberdades garantidas pelo Tratado FUE, o princípio da não discriminação, as regras em matéria de auxílios de Estado e a obrigação de assegurar a aplicação efetiva do direito da União, deve ser interpretado no sentido de que não se opõe à aplicação, num processo que, como o processo principal, incide na fiscalidade direta, de uma disposição nacional que prevê o encerramento de processos pendentes no órgão jurisdicional que decide em última instância em matéria fiscal, mediante o pagamento de uma quantia equivalente a 5% do valor da causa, quando estes processos tenham origem num recurso interposto em primeira instância mais de dez anos antes da entrada em vigor desta disposição e a Administração Fiscal tenha sido vencida nas duas primeiras instâncias.

Quanto às despesas

48

Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Quarta Secção) declara:

 

O direito da União, em particular o princípio da proibição do abuso de direito, o artigo 4.o, n.o 3, TUE, as liberdades garantidas pelo Tratado FUE, o princípio da não discriminação, as regras em matéria de auxílios de Estado e a obrigação de assegurar a aplicação efetiva do direito da União, deve ser interpretado no sentido de que não se opõe à aplicação, num processo que, como o processo principal, incide na fiscalidade direta, de uma disposição nacional que prevê o encerramento de processos pendentes no órgão jurisdicional que decide em última instância em matéria fiscal, mediante o pagamento de uma quantia equivalente a 5% do valor da causa, quando estes processos tenham origem num recurso interposto em primeira instância mais de dez anos antes da entrada em vigor desta disposição e a Administração Fiscal tenha sido vencida nas duas primeiras instâncias.

 

Assinaturas


( * )   Língua do processo: italiano.