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ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Grande Secção)

5 de fevereiro de 2014 (*)

«Reenvio prejudicial — Impostos diretos — Liberdade de estabelecimento — Legislação fiscal nacional que institui um imposto extraordinário sobre o volume de negócios do comércio a retalho em estabelecimentos — Cadeias de estabelecimentos de grande distribuição — Existência de um efeito discriminatório — Discriminação indireta»

No processo C-385/12,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.° TFUE, pelo Székesfehérvári Törvényszék (Hungria), por decisão de 26 de julho de 2012, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 13 de agosto de 2012, no processo

Hervis Sport- és Divatkereskedelmi Kft.

contra

Nemzeti Adó- és Vámhivatal Közép-dunántúli Regionális Adó Főigazgatósága,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Grande Secção),

composto por: V. Skouris, presidente, K. Lenaerts, vice-presidente, A. Tizzano, L. Bay Larsen, T. von Danwitz, E. Juhász, M. Safjan, J. L. da Cruz Vilaça, presidentes de secção, A. Rosas, A. Ó Caoimh, J.-C. Bonichot (relator), A. Arabadjiev e C. Toader, juízes,

advogado-geral: J. Kokott,

secretário: C. Strömholm, administradora,

vistos os autos e após a audiência de 18 de junho de 2013,

vistas as observações apresentadas:

¾        em representação da Hervis Sport- és Divatkereskedelmi Kft., por L. Darázs e A. Dezső, ügyvédek,

¾        em representação da Nemzeti Adó- és Vámhivatal Közép-dunántúli Regionális Adó Főigazgatósága, por Z. Horváthné Ádám,

¾        em representação do Governo húngaro, por M. Z. Fehér e K. Szíjjártó, na qualidade de agentes,

¾        em representação do Governo austríaco, por C. Pesendorfer e F. Koppensteiner, na qualidade de agentes,

¾        em representação da Comissão Europeia, por K. Talabér-Ritz e W. Mölls, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões da advogada-geral na audiência de 5 de setembro de 2013,

profere o presente

Acórdão

1        O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação dos artigos 18.° TFUE, 26.° TFUE, 49.° TFUE, 54.° TFUE a 56.° TFUE, 63.° TFUE, 65.° TFUE e 110.° TFUE.

2        Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe a Hervis Sport- és Divatkereskedelmi Kft. (a seguir «Hervis») à Nemzeti Adó- és Vámhivatal Közép-dunántúli Regionális Adó Főigazgatósága (Direção Regional Principal dos Impostos de Közép-Dunántúl, que faz parte da Administração Nacional dos Impostos e Alfândegas), a respeito do pagamento do imposto especial sobre o volume de negócios de determinados setores do comércio a retalho em estabelecimentos instituído pela Hungria em relação aos anos de 2010 a 2012.

 Quadro jurídico

3        O preâmbulo da Lei n.° XCIV de 2010, relativa ao imposto especial sobre determinados setores (egyes ágazatokat terhelő különadóról szóló 2010. évi XCIV. törvény, a seguir «lei relativa ao imposto especial»), dispõe:

«No âmbito da correção do equilíbrio orçamental, o Parlamento aprova a presente lei, relativa à aplicação de um imposto especial aos sujeitos passivos cuja capacidade de contribuição para os encargos públicos seja superior à obrigação fiscal geral.»

4        O artigo 1.° desta lei, sob a epígrafe «Disposições explicativas», dispõe:

«Para efeitos da presente lei, entende-se por:

1.      Atividade de comércio a retalho em estabelecimentos: nos termos do sistema de classificação uniforme das atividades económicas, que vigora desde 1 de janeiro de 2009, as atividades classificadas no setor 45.1. — com exceção do comércio grossista de veículos e reboques —, nos setores 45.32 e 45.40 — com exceção da reparação e comércio grossista de motocicletas — e nos setores 47.1 a 47.9, ou seja, todas as atividades comerciais no âmbito das quais o comprador também possa ser uma pessoa singular que não seja considerada um empresário.

[...]

5.      Volume de negócios líquido: no caso de um sujeito passivo abrangido pela lei da contabilidade, o volume de negócios líquido resultante das vendas, na aceção da lei da contabilidade; no caso de um sujeito passivo abrangido pelo imposto simplificado dos empresários e não pela lei da contabilidade, o volume de negócios sem [imposto sobre o valor acrescentado (IVA)], na aceção da lei relativa ao regime de tributação; no caso de um sujeito passivo abrangido pela lei relativa ao imposto sobre o rendimento das pessoas singulares, as receitas líquidas sem IVA, na aceção da lei relativa ao imposto sobre o rendimento. […]

6.      Empresário: o empresário na aceção da lei relativa aos impostos locais.»

5        Nos termos do artigo 2.° da lei relativa ao imposto especial:

«Estão sujeitos ao imposto:

a)      o comércio a retalho em estabelecimentos;

b)      as atividades de telecomunicações; e

c)      o fornecimento de energia.»

6        O artigo 3.° desta lei define os sujeitos passivos da seguinte forma:

«(1)      Os sujeitos passivos são as pessoas coletivas, as outras organizações na aceção do Código Geral dos Impostos e os trabalhadores independentes que exercem uma atividade sujeita ao imposto prevista no artigo 2.°

(2)      Estão também sujeitas ao imposto as organizações e as pessoas singulares não residentes, em relação às atividades sujeitas ao imposto, referidas no artigo 2.°, quando as exercem no mercado interno por intermédio de filiais.»

7        Nos termos do artigo 4.° da referida lei:

«(1)      A base tributável consiste no volume de negócios líquido do sujeito passivo que, durante o exercício fiscal, resulte do exercício das atividades referidas no artigo 2.°

(2)      No caso de uma atividade referida na alínea a) do n.° 2, a base tributável incluirá o volume de negócios resultante dos serviços prestados, relacionados com a comercialização de mercadorias adquiridas, pelo fornecedor (o fabricante ou o distribuidor das mercadorias) das mercadorias adquiridas para serem vendidas a retalho, bem como o montante das receitas resultante dos descontos feitos por esse fornecedor.»

8        O artigo 5.° da mesma lei, que fixa a taxa deste imposto, dispõe:

«A taxa aplicável:

a)      às atividades previstas na alínea a) do artigo 2.° é de 0% se o valor tributável não exceder 500 milhões de [forints húngaros (HUF)]; de 0,1% se o valor tributável for superior a 500 milhões de HUF, mas não exceder os 30 mil milhões de HUF; de 0,4% se o valor tributável for superior a 30 mil milhões de HUF, mas não exceder os 100 mil milhões de HUF; e de 2,5% se o valor tributável for superior a 100 mil milhões de HUF.

[...]»

9        O artigo 6.° da lei relativa ao imposto especial, que contém disposições no sentido de evitar a dupla tributação, tem a seguinte redação:

«Se a atividade do sujeito passivo, referida na alínea c) do artigo 2.°, também for tributável por força das alíneas a) e/ou b) do artigo 2.°, apenas deverá pagar, em relação à atividade prevista nas alíneas a) ou b) do artigo 2.°, o montante mais elevado de entre os que forem calculados com base nas taxas definidas no artigo 5.°, alíneas a) e c), ou no artigo 5.°, alíneas b) e c).»

10      O artigo 7.° desta lei define os termos em que este imposto é aplicável às chamadas empresas coligadas:

«(1)      O imposto devido pelos sujeitos passivos qualificados de empresa coligada na aceção da Lei [n.° LXXXI de 1996], relativa ao imposto sobre as sociedades e ao imposto sobre os dividendos [a seguir ‘Lei n.° LXXXI de 1996’], deve ser determinado acumulando os volumes de negócios líquidos resultantes das atividades previstas no artigo 2.°, alíneas a) e b), exercidas pelos sujeitos passivos que tenham uma relação de empresa coligada; o montante obtido após a aplicação da taxa definida no artigo 5.° a este volume total deve ser dividido entre os sujeitos passivos, na proporção dos respetivos volumes de negócios líquidos resultantes das atividades previstas nas alíneas a) e b) do artigo 2.°, em relação ao volume de negócios líquido total que resulta das atividades previstas nas alíneas a) e b) do artigo 2.°, realizado pelo conjunto dos sujeitos passivos coligados.»

11      O artigo 4.° da Lei n.° LXXXI de 1996, para a qual remete o artigo 7.° da lei relativa ao imposto especial, define as empresas coligadas da seguinte forma:

«Para efeitos da presente lei,

[...]

23.      uma empresa coligada é constituída por:

a)      o sujeito passivo e a empresa na qual aquele exerce, direta ou indiretamente, uma influência maioritária, em conformidade com as disposições do Código Civil;

b)      o sujeito passivo e a empresa que sobre ele exerce, direta ou indiretamente, uma influência maioritária, em conformidade com as disposições do Código Civil;

c)      o sujeito passivo e qualquer outra empresa quando um terceiro exerce, direta ou indiretamente, uma influência maioritária sobre ambos, em conformidade com as disposições do Código Civil, sendo entendido que os parentes próximos que exerçam uma influência maioritária sobre o sujeito passivo e sobre a outra empresa são considerados terceiros;

d)      o empresário estrangeiro e o seu estabelecimento permanente na Hungria, os estabelecimentos do empresário estrangeiro, bem como o estabelecimento permanente na Hungria de um empresário estrangeiro e de qualquer empresa com a qual este tenha uma das relações definidas nas alíneas a) a c);

e)      o sujeito passivo e o seu estabelecimento no estrangeiro, bem como o estabelecimento estrangeiro do sujeito passivo e de qualquer empresa com a qual este tenha uma das relações definidas nas alíneas a) a c).»

 Litígio no processo principal e questão prejudicial

12      A Hervis comercializa artigos desportivos na Hungria, sob a firma «Hervis Sport». Os seus concorrentes diretos são as cadeias de estabelecimentos comerciais «Décathlon», «Intersport» e «SPG Sporcikk».

13      A Hervis é uma pessoa coletiva, filial da SPAR Österreichische Warenhandels AG (a seguir «SPAR»). A Hervis, em aplicação do artigo 7.° da lei relativa ao imposto especial, que define as «empresas coligadas» na aceção da referida lei, faz parte do grupo SPAR. Nesta qualidade, a Hervis é devedora de uma fração, proporcional ao seu próprio volume de negócios, do imposto especial devido pelo conjunto das empresas que pertencem a este grupo, em razão do volume de negócios global realizado na Hungria.

14      Em virtude da aplicação da tabela, muito progressiva, do imposto especial ao volume de negócios global desse grupo, a Hervis foi sujeita a uma taxa média de imposto substancialmente superior à que teria correspondido à base calculada apenas em função do volume de negócios dos seus próprios estabelecimentos comerciais. Ora, segundo a Hervis, é sobre esta última base que seria calculado o imposto devido pelas cadeias de estabelecimentos comerciais húngaras que com ela concorrem, porquanto estas estão, na maioria, estruturadas em pontos de venda franquiados, dotados de personalidade jurídica e que não pertencem a um grupo.

15      A Hervis daí deduz que um tal sistema, na medida em que origine uma tributação superior das pessoas coletivas sujeitas ao imposto especial e coligadas, na aceção da Lei n.° LXXXI de 1996, com sociedades não residentes, viola os artigos 18.° TFUE, 49.° TFUE a 55.° TFUE, 65.° TFUE e 110.° TFUE, e constitui um auxílio de Estado proibido. Atendendo ao facto de que a Administração Fiscal indeferiu a sua reclamação com vista à anulação do imposto especial relativo ao ano de 2010, a Hervis pediu ao Székesfehérvári Törvényszék (Tribunal de Székesfehérvár), competente em matéria administrativa, que declarasse que as disposições da lei relativa ao imposto especial são contrárias ao direito da União.

16      Nestas condições, o Székesfehérvári Törvényszék decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial:

«É compatível com as disposições [...] que regulam o princípio geral da [não] discriminação (artigos 18.° TFUE e 26.° TFUE), o princípio da liberdade de estabelecimento (artigo 49.° TFUE), o princípio da igualdade de tratamento (artigo 54.° TFUE), o princípio da igualdade das participações financeiras no capital das sociedades na aceção do artigo 54.° [TFUE] (artigo 55.° TFUE), o princípio da livre [prestação] de serviços (artigo 56.° TFUE), o princípio da livre circulação de capitais (artigos 63.° TFUE e 65.° TFUE) e o princípio da igualdade de tributação das empresas (artigo 110.° TFUE) a aplicação de um imposto [especial] aos contribuintes que exploram estabelecimentos comerciais de retalho caso o seu volume de negócios líquido anual seja superior a 500 milhões de HUF?»

 Quanto à admissibilidade do pedido de decisão prejudicial

17      O Governo húngaro sustenta que o pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Székesfehérvári Törvényszék é impreciso. Com efeito, em seu entender, não indica suficientemente as razões precisas que levaram o órgão jurisdicional de reenvio a considerar que a resolução do litígio impunha uma interpretação das disposições do Tratado FUE referidas na decisão de reenvio.

18      Todavia, os elementos fornecidos pela decisão de reenvio estão manifestamente relacionados com o objeto do litígio no processo principal e permitem, como resulta dos n.os 12 a 15 do presente acórdão, determinar o âmbito da questão prejudicial e o contexto em que esta é colocada. Além disso, a decisão de reenvio, que resume os argumentos da recorrente no processo principal quanto à interpretação do direito da União, e exprime dúvidas quanto à retidão desta interpretação, indica claramente as razões que levaram o órgão jurisdicional de reenvio a considerar que era necessária uma interpretação do direito da União para a resolução do litígio.

19      Por conseguinte, o pedido de decisão prejudicial deve ser considerado admissível.

 Quanto à questão prejudicial

 Observações preliminares

20      Uma vez que a questão prejudicial se refere às disposições do Tratado relativas à liberdade de estabelecimento, à livre prestação de serviços e à livre circulação de capitais, há que determinar em primeiro lugar qual destas liberdades está em causa no litígio no processo principal.

21      A este respeito, resulta de jurisprudência assente que se deve ter em conta o objeto da legislação em causa (acórdão de 13 de novembro de 2012, Test Claimants in the FII Group Litigation, C-35/11, n.° 90 e jurisprudência referida).

22      Uma legislação nacional que apenas é aplicável às participações que permitam exercer uma influência efetiva sobre as decisões de uma sociedade e determinar as respetivas atividades está abrangida pelo âmbito de aplicação do artigo 49.° TFUE, relativo à liberdade de estabelecimento (v. acórdão Test Claimants in the FII Group Litigation, já referido, n.° 91 e jurisprudência referida).

23      Ora, o litígio no processo principal é relativo à taxa de imposto alegadamente discriminatória aplicada a título de imposto especial aos «sujeitos passivos qualificados de empresa coligada» na aceção da Lei n.° LXXXI de 1996. O artigo 4.° da mesma lei refere-se, para efeitos da definição deste conceito, à detenção, por uma sociedade, de uma participação que lhe permita exercer direta ou indiretamente uma influência maioritária noutra sociedade.

24      Nestas circunstâncias, o pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação das disposições do Tratado relativas à liberdade de estabelecimento. Assim, não há que proceder à interpretação dos artigos 56.° TFUE, 63.° TFUE e 65.° TFUE relativos à livre prestação de serviços e à livre circulação dos capitais.

25      Em seguida, importa recordar que o artigo 18.° TFUE só deve ser aplicado autonomamente a situações regidas pelo direito da União em relação às quais o Tratado não preveja regras específicas de não discriminação. Ora, o princípio da não discriminação foi posto em prática, no domínio do direito de estabelecimento, pelo artigo 49.° TFUE (acórdão de 11 de março de 2010, Attanasio Group, C-384/08, Colet., p. I-2055, n.° 37 e jurisprudência referida).

26      Por conseguinte, também não há que proceder à interpretação dos artigos 18.° TFUE e 26.° TFUE.

27      Por último, como não se afigura que o imposto especial acarreta uma carga fiscal maior para os produtos provenientes de outros Estados-Membros do que para os produtos nacionais, a interpretação do artigo 110.° TFUE é desprovida de pertinência no âmbito do litígio no processo principal.

28      Resulta do exposto que a questão submetida deve ser considerada como tendo por objeto a questão de saber se os artigos 49.° TFUE e 54.° TFUE devem ser interpretados no sentido de que se opõem a uma legislação relativa a um imposto sobre o volume de negócios como a que está em causa no processo principal.

 Quanto à interpretação dos artigos 49.° TFUE e 54.° TFUE

29      Com a sua questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, no essencial, se os artigos 49.° TFUE e 54.° TFUE se opõem a uma legislação relativa a um imposto sobre o volume de negócios como a que está em causa no processo principal, uma vez que este imposto tem efeitos potencialmente discriminatórios no que respeita a pessoas coletivas, sujeitos passivos, que são, no seio de um grupo, «empresas coligadas», na aceção desta legislação, com uma sociedade com sede noutro Estado-Membro.

30      Segundo jurisprudência constante, as regras da igualdade de tratamento proíbem não apenas as discriminações ostensivas, baseadas na sede das sociedades, mas ainda todas as formas dissimuladas de discriminação que, através da aplicação de outros critérios de diferenciação, conduzam, de facto, ao mesmo resultado (v., por analogia, designadamente, acórdãos de 14 de fevereiro de 1995, Schumacker, C-279/93, Colet., p. I-225, n.° 26; de 22 de março de 2007, Talotta, C-383/05, Colet., p. I-2555, n.° 17; e de 18 de março de 2010, Gielen, C-440/08, Colet., p. I-2323, n.° 37).

31      A legislação em causa no processo principal prevê, designadamente, um critério de diferenciação entre, por um lado, as pessoas coletivas sujeitas ao imposto especial que estejam coligadas, na aceção da legislação nacional aplicável, com outras sociedade no seio de um grupo e, por outro lado, os sujeitos passivos que não fazem parte de um grupo de sociedades.

32      Este critério de diferenciação não estabelece nenhuma discriminação direta, porquanto o imposto especial sobre o comércio a retalho em estabelecimentos é aplicado em condições idênticas a todas as sociedades que exercem esta atividade na Hungria.

33      Todavia, este critério desfavorece as pessoas coletivas coligadas com outras sociedades no seio de um grupo em relação às pessoas coletivas que não fazem parte de tal grupo de sociedades.

34      Isto é explicado pela combinação de duas características do imposto especial.

35      Por um lado, a taxa do referido imposto é muito progressiva em função do volume de negócios, designadamente no escalão mais elevado. Assim, é de 0,1% para um volume de negócios entre 500 milhões e 30 mil milhões de HUF, de 0,4% para um volume de negócios entre 30 mil milhões e 100 mil milhões de HUF e de 2,5% a partir de um volume de negócios de 100 mil milhões de HUF.

36      Por outro lado, esta tabela é aplicável a uma matéria coletável que abrange, no caso de sujeitos passivos pertencentes a um grupo de sociedades, o volume de negócios consolidado do conjunto dos sujeitos passivos «coligados» do grupo (antes da repartição do imposto total proporcional ao volume de negócios de cada um), quando se limita ao volume de negócios do sujeito passivo, considerado separadamente, em relação às pessoas coletivas como as empresas franquiadas independentes. Tal significa que os sujeitos passivos que pertencem a um grupo de sociedades são taxados com base num volume de negócios fictício.

37      A Hervis, o Governo austríaco e a Comissão Europeia sustentam que os artigos 49.° TFUE e 54.° TFUE se opõem a tal diferença de tratamento, cuja base legal é o critério da diferenciação, aparentemente objetivo, do nível do volume de negócios, mas que, de facto, desfavorece as filiais de sociedades-mãe que tenham a sua sede noutros Estados-Membros, atendendo à estrutura do comércio a retalho no mercado húngaro, e, designadamente, ao facto de os estabelecimentos comerciais de grande distribuição que pertencem a tais sociedades serem geralmente explorados, como é o caso da Hervis, sob a forma de filiais.

38      Há que referir que, a respeito de um regime fiscal como o que está em causa no processo principal, que tem por objeto a tributação do volume de negócios, a situação do sujeito passivo que pertence a um grupo de sociedades é comparável à de um sujeito passivo que não pertence a tal grupo. Em especial, tanto as pessoas coletivas ativas no mercado do comércio a retalho em estabelecimentos no Estado-Membro em causa e que pertencem a um grupo de sociedades como as que não pertencem a tal grupo estão sujeitas ao imposto especial, e os seus volumes de negócios são independentes daqueles dos outros sujeitos passivos.

39      Nestas circunstâncias, se for demonstrado que, no mercado do comércio a retalho em estabelecimentos no Estado-Membro em causa, os sujeitos passivos que pertencem a um grupo de sociedades e que estão abrangidos pelo escalão mais elevado do imposto especial estão, na maioria dos casos, «coligados», na aceção da legislação nacional, com sociedades que tenham a sua sede noutros Estados-Membros, a aplicação da tabela muito progressiva do imposto especial a uma matéria coletável consolidada do volume de negócios é suscetível de prejudicar, em especial, os sujeitos passivos «coligados» com sociedades que tenham a sua sede noutro Estado-Membro.

40      Cabe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar se esta condição está preenchida, tendo em conta o contexto global no qual a legislação nacional produz os seus efeitos.

41      Sendo esse o caso, uma legislação como a que está em causa no processo principal, ainda que não faça uma diferenciação formal em função da sede das sociedades, constitui uma discriminação indireta em razão da sede das sociedades, na aceção dos artigos 49.° TFUE e 54.° TFUE (v., neste sentido, acórdão Gielen, já referido, n.° 48).

42      Ora, resulta de jurisprudência constante que essa restrição só pode ser admitida se se justificar por uma razão imperiosa de interesse geral. Mas é ainda necessário, em tal caso, que seja adequada para garantir a realização do objetivo em causa e que não ultrapasse o que é necessário para atingir esse objetivo (acórdão de 29 de novembro de 2011, National Grid Indus, C-371/10, Colet., p. I-12273, n.° 42 e jurisprudência referida).

43      A este respeito, o Governo húngaro não invocou nas suas observações escritas, nem na audiência, qualquer razão de interesse geral que permita justificar, sendo esse o caso, um sistema como o que está em causa no processo principal.

44      Em todo o caso, importa recordar que não podem ser validamente invocados, em defesa de um tal sistema, a proteção da economia do país (v., neste sentido, acórdão de 6 de junho de 2000, Verkooijen, C-35/98, Colet., p. I-4071, n.os 47 e 48) nem o restabelecimento do equilíbrio orçamental através do aumento das receitas fiscais (v., neste sentido, acórdão de 21 de novembro de 2002, X e Y, C-436/00, Colet., p. I-10829, n.° 50).

45      Nestas circunstâncias, há que responder à questão submetida que os artigos 49.° TFUE e 54.° TFUE devem ser interpretados no sentido de que se opõem a uma legislação de um Estado-Membro relativa a um imposto sobre o volume de negócios do comércio a retalho em estabelecimentos que obriga os sujeitos passivos que são, no seio de um grupo de sociedades, «empresas coligadas», na aceção dessa legislação, a acumular os seus volumes de negócios para efeitos da aplicação de uma taxa muito progressiva e, depois, a dividir entre si o montante do imposto assim obtido, proporcional aos respetivos volumes de negócios reais, tendo em conta que — o que cabe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar — os sujeitos passivos pertencentes a um grupo de sociedades e abrangidos pelo escalão mais elevado do imposto especial estão «coligados», na maioria dos casos, com sociedades com sede noutro Estado-Membro.

 Quanto às despesas

46      Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Grande Secção) declara:

Os artigos 49.° TFUE e 54.° TFUE devem ser interpretados no sentido de que se opõem a uma legislação de um Estado-Membro relativa a um imposto sobre o volume de negócios do comércio a retalho em estabelecimentos que obriga os sujeitos passivos que são, no seio de um grupo de sociedades, «empresas coligadas», na aceção dessa legislação, a acumular os seus volumes de negócios para efeitos da aplicação de uma taxa muito progressiva e, depois, a dividir entre si o montante do imposto assim obtido, proporcional aos respetivos volumes de negócios reais, tendo em conta que — o que cabe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar — os sujeitos passivos pertencentes a um grupo de sociedades e abrangidos pelo escalão mais elevado do imposto especial estão «coligados», na maioria dos casos, com sociedades com sede noutro Estado-Membro.

Assinaturas


* Língua do processo: húngaro.