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ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Sétima Secção)

9 de outubro de 2014 (*)

«Pedido de decisão prejudicial — Concorrência — Auxílios de Estado — Artigo 107.°, n.° 1, TFUE — Conceito de ‘auxílio de Estado’ — Imposto predial sobre bens imóveis — Isenção fiscal»

No processo C-522/13,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial nos termos do artigo 267.° TFUE, apresentado pelo Juzgado Contencioso-Administrativo n° 1 de Ferrol (Espanha), por decisão de 12 de abril de 2013, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 1 de outubro de 2013, no processo

Ministerio de Defensa,

Navantia SA

contra

Concello de Ferrol,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Sétima Secção),

composto por: J.-C. Bonichot, presidente de secção, A. Arabadjiev (relator) e J. L. da Cruz Vilaça juízes,

advogado-geral: M. Wathelet,

secretário: A. Calot Escobar,

vistos os autos,

vistas as observações apresentadas:

—        em representação do Concello de Ferrol, por M. Villalba López, avoué, e D. Vidal Lorenzo, abogado,

—        em representação do Governo espanhol, por L. Banciella Rodríguez-Miñón, na qualidade de agente,

—        em representação da Comissão Europeia, por É. Gippini Fournier e B. Stromsky, na qualidade de agentes,

vista a decisão tomada, ouvido o advogado-geral, de julgar a causa sem apresentação de conclusões,

profere o presente

Acórdão

1        O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 107.°, n.° 1, TFUE.

2        Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe o Ministerio de Defensa (Ministério da Defesa espanhol) e a Navantia SA (a seguir «Navantia») ao Concello de Ferrol (município de Ferrol), a respeito de uma isenção do imposto predial referente a um terreno posto à disposição desta sociedade.

 Quadro jurídico

3        O Real Decreto Legislativo 2/2004 que aprova o texto reformulado da Lei que regula as finanças locais (Real Decreto Legislativo 2/2004 por el que se aprueba el texto refundido de la Ley Reguladora de las Haciendas Locales), de 5 de março de 2004 (BOE n.° 59, de 9 de março de 2004, p. 10284), na versão aplicável ao litígio no processo principal (a seguir «lei de 2004»), define o imposto predial como «um imposto direto, real, que incide sobre o valor dos bens imóveis segundo as modalidades definidas na presente lei».

4        O artigo 61.°, n.° 1, da lei de 2004 prevê:

«O facto gerador do imposto é constituído pela detenção dos seguintes direitos sobre bens imóveis rurais ou urbanos e sobre os bens imóveis com características especiais:

a)      uma concessão administrativa sobre os próprios bens imóveis ou sobre os serviços públicos a quais estão afetados;

b)      um direito real de superfície;

c)      um direito real de usufruto;

d)      o direito de propriedade».

5        O artigo 62.° da referida lei, intitulado «Isenções», enuncia no seu n.° 1, alínea a):

«Estão isentos os seguintes bens imóveis:

a)      Os que pertencem ao Estado, às comunidades autónomas ou às coletividades locais e que estão diretamente afetados à segurança dos cidadãos e aos serviços educativos e penitenciários, do mesmo modo que os bens imóveis do Estado afetados à defesa nacional.»

6        O artigo 63.°, n.os 1 e 2, da lei de 2004 dispõe:

«1.      São sujeitos passivos, na qualidade de devedores, as pessoas singulares ou coletivas […] que sejam titulares do direito que constitui, em cada caso, o facto gerador deste imposto.

[…]

2.      As disposições do número anterior são aplicáveis sem prejuízo da faculdade de o sujeito passivo repercutir a carga fiscal suportada, em conformidade com as regras do direito comum.

As administrações públicas e as entidades ou organismos referidos no número anterior repercutem a parte do montante do imposto devido que é aplicável às pessoas que, não tendo a qualidade de sujeitos passivos, utilizam os seus bens do domínio público ou do domínio privado mediante contraprestação. São obrigados a suportar a repercussão. Para este efeito, o montante repercutido é determinado em função da parte do valor cadastral correspondente à superfície utilizada e à construção diretamente ligada a cada arrendatário ou cessionário do direito de uso.»

 Factos do litígio no processo principal e questão prejudicial

7        A Navantia é uma empresa cujo capital pertence integralmente ao Estado espanhol. A sua atividade consiste na construção e manutenção de navios de guerra por conta deste último Estado e de outros Estados, membros ou não da União Europeia, bem como no fabrico, reparação e manutenção de produtos diversos para o setor privado, principalmente no domínio naval e energético.

8        A Navantia dispõe de um estaleiro naval situado no território do Concello de Ferrol, com uma área de 932 348 m2. Em virtude de um acordo celebrado em 6 de setembro de 2001, o Estado espanhol pôs a parcela de terreno de que é proprietário e correspondente a esse estaleiro à disposição da Navantia, sob a forma de uma cessão do direito de uso, por um montante de um euro por ano (a seguir «acordo de 2001»).

9        O imposto predial relativo a essa parcela, cujo montante foi de 590 308,77 euros em 2010, foi recebido pelo Concello de Ferrol em relação aos exercícios anteriores a 2008.

10      Como proprietário da referida parcela, e devido ao facto de só ter cedido o direito de uso à Navantia, o Estado espanhol é o sujeito passivo do imposto predial, em conformidade com o artigo 61.°, n.° 1, alínea d), da lei de 2004. Em virtude do acordo de 2001, o Estado espanhol repercute o montante desse imposto à Navantia, de modo que, em definitivo, é esta que deve suportar o imposto.

11      Relativamente ao exercício 2008 e aos exercícios seguintes, o Estado espanhol e a Navantia pediram ao Concello de Ferrol, com fundamento no artigo 62.°, n.° 1, alínea a), da lei de 2004, a isenção fiscal do imposto predial devido sobre a parcela na qual está situado o estaleiro naval, pedido que foi indeferido. Este indeferimento foi impugnado nos tribunais competentes, sendo este o litígio objeto do processo principal.

12      Por acórdão de 22 de outubro de 2012, o Tribunal Superior de Justicia de Galicia (Tribunal Superior de Justiça da Galiza) revogou uma sentença anterior do Juzgado Contencioso-Administrativo n° 1 de Ferrol, de 25 de novembro de 2011, pela qual este último julgou a ação que foi proposta improcedente, tendo o referido tribunal declarado que a isenção fiscal solicitada devia ser concedida. Portanto, o processo foi remetido ao órgão jurisdicional de reenvio.

13      O Juzgado Contencioso-Administrativo n° 1 de Ferrol considera que a isenção fiscal solicitada pode implicar a concessão, à Navantia, de um auxílio de Estado contrário ao artigo 107.°, n.° 1, TFUE, uma vez que esta isenção seria concedida mediante recursos públicos a uma empresa pertencente ao Estado e poderia falsear ou ameaçar falsear a concorrência.

14      Com efeito, o órgão jurisdicional de reenvio considera que, como última beneficiária da isenção solicitada, a Navantia obteria uma vantagem seletiva, na medida em que o encargo fiscal normalmente suportado — e suportado pelos seus concorrentes privados no domínio da construção naval — seria reduzido, mediante uma perda de receitas para o Concello de Ferrol. Tendo em conta este reforço da posição concorrencial da Navantia nos mercados em que desenvolve as suas atividades militares e civis, por um lado, a concorrência seria potencialmente falseada e, por outro, as trocas comerciais entre os Estados-Membros seriam afetadas.

15      Nestas circunstâncias, o Juzgado Contencioso-Administrativo n° 1 de Ferrol decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial:

«[É] compatível com o artigo 107.° [TFUE] a isenção fiscal relativa ao [imposto predial] de que beneficia a [Navantia]? É compatível com o artigo 107.° TFUE o facto de um Estado-Membro ([Reino de] Espanha) conceder uma isenção fiscal relativamente a um terreno [...] de que é proprietário, cedido a uma empresa privada de capital integralmente público [...], a partir do qual esta fornece bens e presta serviços que podem ser transacionados entre Estados-Membros?»

 Quanto à questão prejudicial

16      Com a sua questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 107.°, n.° 1, TFUE deve ser interpretado no sentido de que constitui um auxílio de Estado, proibido nos termos dessa disposição, a isenção do imposto predial de uma parcela de terreno pertencente ao Estado e colocada à disposição de uma empresa cujo capital detém integralmente e que produz, a partir dessa parcela, bens e serviços que podem ser objeto de trocas comerciais entre os Estados-Membros nos mercados abertos à concorrência.

17      Há desde logo que salientar que não foi submetida ao Tribunal de Justiça a questão da compatibilidade da disponibilização, por um Estado-Membro, de um terreno por um preço simbólico a uma empresa privada com o artigo 107.° TFUE.

18      Em relação à questão submetida, há que recordar que, nos termos do artigo 107.°, n.° 1, TFUE, salvo disposição em contrário dos Tratados, são incompatíveis com o mercado interno, na medida em que afetem as trocas comerciais entre os Estados-Membros, os auxílios concedidos pelos Estados ou provenientes de recursos estatais, independentemente da forma que assumam, que falseiem ou ameacem falsear a concorrência, favorecendo certas empresas ou certas produções.

19      Segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, a qualificação de «auxílio» na aceção do artigo 107.°, n.° 1, TFUE exige que todos os requisitos a que se refere esta disposição estejam preenchidos (acórdão Comissão/Deutsche Post, C-399/08 P, EU:C:2010:481, n.° 38 e jurisprudência referida).

20      Assim, para que uma medida nacional possa ser qualificada de auxílio de Estado na aceção do artigo 107.°, n.° 1, TFUE, em primeiro lugar, deve tratar-se de uma intervenção do Estado ou através de recursos do Estado, em segundo lugar, esta intervenção deve ser suscetível de afetar as trocas comerciais entre os Estados-Membros, em terceiro lugar, deve conceder uma vantagem ao seu beneficiário e, em quarto lugar, deve falsear ou ameaçar falsear a concorrência (acórdão Comissão/Deutsche Post, EU:C:2010:481, n.° 39 e jurisprudência referida).

21      Convém examinar, em primeiro lugar, o terceiro destes requisitos, segundo o qual a medida em causa deve ser entendida como a concessão de uma vantagem ao seu beneficiário. A este respeito, cabe recordar que, segundo jurisprudência também reiterada do Tribunal de Justiça, são consideradas auxílios de Estado as intervenções que, independentemente da forma que assumam, sejam suscetíveis de favorecer direta ou indiretamente empresas, ou que devam ser consideradas uma vantagem económica que a empresa beneficiária não teria obtido em condições normais de mercado (acórdão Comissão/Deutsche Post, EU:C:2010:481, n.° 40 e jurisprudência referida).

22      Assim, consideram-se auxílios, nomeadamente, as intervenções que, de formas diversas, aliviam os encargos que normalmente oneram o orçamento de uma empresa e que, por essa razão, não sendo subvenções na aceção estrita da palavra, têm a mesma natureza e efeitos idênticos (acórdão Bouygues e Bouygues Télécom/Comissão e o. e Comissão/France e o., C-399/10 P e C-401/10 P, EU:C:2013:175, n.° 101).

23      Daqui decorre que uma medida através da qual as autoridades públicas atribuem a certas empresas um tratamento fiscal vantajoso que, embora não implique uma transferência de recursos do Estado, coloca os beneficiários numa situação financeira mais favorável do que a dos outros contribuintes, constitui um auxílio de Estado na aceção do artigo 107.°, n.° 1, TFUE. Em contrapartida, vantagens que resultem de uma medida geral indistintamente aplicável a todos os operadores económicos não constituem auxílios de Estado na aceção do artigo 107.° TFUE (acórdão P, C-6/12, EU:C:2013:525, n.° 18 e jurisprudência referida).

24      No presente processo, resulta dos autos em poder do Tribunal de Justiça que, por um lado, a Navantia é obrigada, em virtude do acordo de 2001, a pagar ao Estado espanhol o imposto predial devido ao Concello de Ferrol, em conformidade com os artigos 60.° e 61.° da lei de 2004, relativamente à parcela colocada à sua disposição e na qual está situado o seu estaleiro naval e que, por outro, a isenção fiscal controvertida, prevista no artigo 62.° da mesma lei, tem por efeito que não seja efetuado nenhum pagamento desse imposto, nem ao Concello de Ferrol pelo Estado espanhol, nem, em consequência, a este último por parte da Navantia.

25      Além disso, é pacífico que, em conformidade com o artigo 61.°, n.° 1, da lei de 2004, qualquer empresa que opere num terreno privado ou público e que preencha um dos requisitos mencionados nessa disposição está sujeita ao imposto predial. A este respeito, o Concello de Ferrol alega que a quase totalidade das empresas preenchem um desses requisitos e que só o mecanismo especial da cessão do direito de uso, aplicado pelo acordo de 2001, permite à Navantia escapar à qualificação de sujeito passivo.

26      Por outro lado, como precisa o Concello de Ferrol, resulta do artigo 63.°, n.° 2, da referida lei que, em casos atípicos, como o do processo principal, em que a utilização de um terreno não é acompanhada de um dos direitos que constituem o facto gerador do imposto predial, existe uma obrigação legal para o Estado espanhol de repercutir esse imposto no utilizador do terreno, correspondendo o acordo de 2001 a essa obrigação legal.

27      Nestas circunstâncias, é preciso considerar que o imposto predial constitui um imposto normalmente devido pela Navantia e que a isenção de que beneficia tem por efeito diminuir diretamente, sem que seja necessária outra intervenção, os encargos que normalmente são suportados por uma empresa em situação idêntica à sua. Por conseguinte, parece que tal isenção fiscal confere uma vantagem económica à Navantia.

28      Na medida em que o Governo espanhol salienta que, nos termos do artigo 62.°, n.° 1, alínea a), da lei de 2004, a isenção prevista nesta disposição não foi instituída em benefício de empresas como a Navantia, mas exclusivamente em benefício do Estado espanhol como sujeito passivo do imposto predial, e que os objetivos prosseguidos fazem parte de considerações da defesa nacional, deve ser recordado que os fundamentos subjacentes a uma medida de auxílio não são suficientes para subtrair essa medida à qualificação de «auxílio» na aceção do artigo 107.°, n.°1, TFUE, já que esta disposição não faz distinções consoante as causas ou os objetivos das intervenções estatais, definindo-as, sim, em função dos seus efeitos (acórdãos Comitato «Venezia vuole vivere» e o./Comissão, C-71/09 P, C-73/09 P e C-76/09 P, EU:C:2011:368, n.° 94, e Comissão/EDF, C-124/10 P, EU:C:2012:318, n.° 77 e jurisprudência referida).

29      Assim, no caso em apreço, como decorre dos n.os 24 a 26 do presente acórdão, afigura-se que, por força dos artigos 62.°, n.° 1, alínea a), e 63.°, n.° 2, da lei de 2004, e em aplicação do acordo de 2001, a isenção do imposto predial teria por efeito diminuir diretamente, sem que seja necessária outra intervenção, os encargos que, não existindo essa isenção, seriam suportados pelo orçamento da Navantia.

30      Na medida em que o Governo espanhol alega que essa isenção deve ser considerada uma compensação que representa a contrapartida das prestações efetuadas pela Navantia para executar obrigações de serviço público, de modo que esta medida não envolve vantagens para esta empresa, deve ser declarado que a existência de um vínculo entre esta isenção, por um lado, e eventuais serviços de interesse público prestados pela Navantia, por outro, não resulta de modo nenhum dos autos de que dispõe o Tribunal de Justiça.

31      Nestas circunstâncias, há que considerar que a isenção do imposto predial solicitada confere uma vantagem económica à Navantia.

32      Além disso, importa recordado que o artigo 107.° TFUE proíbe os auxílios que «favorec[em] certas empresas ou certas produções», ou seja, os auxílios seletivos (acórdão P, EU:C:2013:525, n.° 17).

33      Assim, se uma medida através da qual as autoridades públicas atribuem a certas empresas um tratamento fiscal vantajoso que, embora não implique uma transferência de recursos do Estado, coloca os beneficiários numa situação financeira mais favorável do que a dos outros contribuintes constitui um auxílio de Estado no sentido do artigo 107.°, n.° 1, TFUE, o mesmo não acontece relativamente às vantagens que resultem de uma medida geral indistintamente aplicável a todos os operadores económicos, que não constituem auxílios de Estado na aceção da mesma disposição (acórdão P, EU:C:2013:525, n.° 18).

34      Resulta da jurisprudência constante do Tribunal de Justiça que o artigo 107.°, n.° 1, TFUE impõe que se determine se, no âmbito de um dado regime jurídico, uma medida nacional é suscetível de favorecer «certas empresas ou certas produções» relativamente a outras que, à luz do objetivo prosseguido pelo referido regime, se encontrem numa situação factual e jurídica comparável (acórdão Portugal/Comissão, C-88/03, EU:C:2006:511, n.° 54 e jurisprudência referida).

35      Por conseguinte, a qualificação de uma medida fiscal nacional como «seletiva» supõe, num primeiro momento, que ela identifique e examine previamente o regime fiscal comum ou «normal» aplicável no Estado-Membro em causa. É em relação a este regime fiscal comum ou «normal» que se deve, num segundo momento, apreciar e estabelecer o eventual caráter seletivo da vantagem concedida pela medida fiscal em causa, demonstrando que esta medida derroga o referido regime comum, na medida em que introduz diferenciações entre os operadores económicos que se encontram, à luz do objetivo prosseguido pelo sistema fiscal do Estado-Membro em causa, numa situação factual e jurídica comparável (acórdão Paint Graphos e o., C-78/08 a C-80/08, EU:C:2011:550, n.° 49).

36      A este respeito, resulta dos elementos de que dispõe o Tribunal de Justiça, por um lado, que, em conformidade com os artigos 60.° a 63.° da lei de 2004, a posse ou a utilização de um terreno ocasiona, em princípio, a sujeição ao imposto predial. Assim, há que considerar que o regime desse imposto constitui o regime jurídico de referência para apreciar o eventual caráter seletivo da medida de isenção em causa.

37      Por outro lado, já foi salientado que, por derrogação à regra geral enunciada no número anterior, a utilização da parcela de terreno na qual se encontra o estaleiro naval da Navantia está isenta do imposto predial, em aplicação da isenção controvertida e em virtude do acordo de 2001, na medida em que este prevê a cessão a essa empresa unicamente do direito de uso dessa parcela.

38      Por conseguinte, importa determinar se uma isenção fiscal como a que está em causa no processo principal é suscetível de favorecer a Navantia em relação a outras empresas que estão numa situação factual e jurídica comparável relativamente ao objetivo prosseguido pelo regime do imposto predial espanhol, ou seja, a sujeição ao imposto pela posse ou pela utilização de um terreno.

39      A este respeito, resulta dos autos que a isenção dos bens imóveis do Estado «afetados à defesa nacional», prevista no artigo 62.°, n.° 1, alínea a), da lei de 2004, pode ser aplicada a todas as atividades de uma empresa como a Navantia, sem que tenha de se fazer uma distinção consoante essas atividades tenham caráter militar ou civil, o que incumbe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar.

40      Por conseguinte, deve considerar-se que se encontram numa situação factual e jurídica comparável à da Navantia, à luz do objetivo da sujeição ao imposto da posse ou da utilização de um terreno, não só as empresas que possuem ou utilizam terrenos para fins incluídos parcialmente na defesa nacional, mas também as que possuem ou utilizam terrenos para fins exclusivamente civis.

41      Consequentemente, é evidente que, em relação a este último grupo de empresas, a Navantia beneficia, no que diz respeito às suas atividades civis, de uma vantagem fiscal à qual não podem ter direito outas sociedades que estão numa situação factual e jurídica comparável. Portanto, há que considerar que a vantagem fiscal considerada tem a priori caráter seletivo.

42      Todavia, é jurisprudência constante que o conceito de auxílio de Estado não visa as medidas estatais que introduzem uma diferenciação entre empresas e que, portanto, são a priori seletivas, quando essa diferenciação resulta da natureza ou da economia do sistema de impostos em que se inscrevem, circunstância que cabe ao Estado-Membro em causa demonstrar (acórdão Portugal/Comissão, EU:C:2006:511, n.os 52, 80 e jurisprudência referida).

43      Uma medida que constitui uma exceção à aplicação do sistema fiscal geral pode ser justificada pela natureza e pela economia geral do sistema fiscal se o Estado-Membro em causa conseguir demonstrar que tal medida resulta diretamente dos princípios fundadores ou diretores do seu sistema fiscal. A este respeito, deve fazer-se uma distinção entre, por um lado, os objetivos de um dado regime fiscal, que lhe são exteriores, e, por outro, os mecanismos inerentes ao próprio sistema fiscal, que são necessários para a realização de tais objetivos (acórdão Portugal/Comissão, EU:C:2006:511, n.° 81).

44      No caso dos autos, não resulta dos elementos transmitidos ao Tribunal de Justiça que o Governo espanhol tenha invocado argumentos suscetíveis de demonstrar que a isenção fiscal solicitada resulta diretamente dos princípios fundadores ou diretores do sistema fiscal desse Estado-Membro, nem que a isenção seja necessária para o funcionamento e a eficácia desse sistema fiscal. Além disso, como salientou a Comissão Europeia, não parece que uma isenção dos bens imóveis do Estado afetados à defesa nacional tenha uma relação direta com os objetivos do próprio imposto predial. No entanto, incumbe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar a existência de uma eventual justificação à luz de todos os elementos pertinentes do litígio que lhe foi submetido.

45      Tendo em conta todas as considerações precedentes, deve considerar-se que, no caso dos autos, pode estar preenchido o terceiro requisito, relativo à existência de uma vantagem económica em proveito do beneficiário da medida de isenção solicitada.

46      Em segundo lugar, quanto ao primeiro requisito, relativo a uma intervenção do Estado ou mediante recursos do Estado, deve recordar-se que apenas as vantagens concedidas direta ou indiretamente e provenientes de recursos do Estado ou que constituam um encargo suplementar para o Estado devem ser consideradas auxílios no sentido do artigo 107.°, n.° 1, TFUE. Com efeito, resulta dos próprios termos desta disposição e das regras processuais previstas no artigo 108.° TFUE que as vantagens concedidas através de meios distintos dos recursos estatais não estão abrangidas pelo âmbito de aplicação das disposições em causa (acórdão Bouygues e Bouygues Télécom/Comissão e o. e Comissão/França e o., EU:C:2013:175 n.° 99 e jurisprudência referida).

47      Por conseguinte, importa verificar se existe um nexo suficientemente direto entre, por um lado, a vantagem concedida ao beneficiário e, por outro, uma diminuição do Orçamento de Estado, ou mesmo um risco económico suficientemente concreto de encargos que o onerem (v., neste sentido, acórdão Bouygues e Bouygues Télécom/Comissão e o. e Comissão/França e o., EU:C:2013:175, n.° 109).

48      A este respeito, por um lado, não é contestado que a isenção fiscal solicitada foi estabelecida pelo Estado espanhol e que, portanto, constitui uma intervenção deste último. Por outro lado, é pacífico que a diminuição de um encargo que deveria normalmente incidir sobre o orçamento da Navantia, que resultaria dessa isenção, teria por corolário uma diminuição do orçamento do Concello de Ferrol.

49      Nestas circunstâncias, o requisito relativo a uma intervenção do Estado através dos seus recursos pode ser considerado preenchido, o que incumbe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar.

50      Esta afirmação não é infirmada pela argumentação do Governo espanhol que se refere aos acórdãos Streekgewest (C-174/02, EU:C:2005:10) e Distribution Casino France e o. (C-266/04 a C-270/04, C-276/04 e C-321/04 a C-325/04, EU:C:2005:657). Com efeito, esta jurisprudência não é pertinente relativamente ao processo principal, uma vez que se refere a uma situação, diferente da que está em causa neste processo, em que o imposto faz parte integrante de uma medida de auxílio e constitui, por conseguinte, ele próprio um auxílio. Ao invés, no processo principal, não é de modo algum alegado que o próprio imposto predial constitui uma medida de auxílio, mas apenas que a isenção do mesmo conduz, no caso em apreço, à concessão de um auxílio em benefício da Navantia.

51      Em terceiro lugar, quanto aos segundo e terceiro requisitos relativos aos efeitos nas trocas comerciais entre os Estados-Membros e na concorrência de uma isenção fiscal como a que está em causa no processo principal, há que recordar que, para efeitos da qualificação de uma medida nacional de auxílio de Estado, não é necessário demonstrar uma incidência real do auxílio em causa sobre as trocas comerciais entre os Estados-Membros e uma distorção efetiva da concorrência, mas apenas examinar se o auxílio é suscetível de afetar essas trocas e de falsear a concorrência (acórdão Libert e o., C-197/11 e C-203/11, EU:C:2013:288, n.° 76 e jurisprudência referida).

52      Em particular, quando um auxílio concedido por um Estado-Membro reforça a posição de uma empresa relativamente às demais empresas concorrentes nas trocas comerciais intracomunitárias, deve entender-se que tais trocas comerciais são influenciadas pelo auxílio (acórdão Libert e o., EU:C:2013:288, n.° 77 e jurisprudência referida).

53      No caso dos autos, é pacífico que o setor da construção naval é um mercado aberto à concorrência e às trocas comerciais entre os Estados-Membros, no qual a Navantia está, portanto, em situação de concorrência com outras empresas. Além disso, como resulta das indicações contidas na decisão de reenvio, é essa a situação quando estão em causa não apenas atividades civis dessa empresa, mas também no que diz respeito às suas atividades no setor militar.

54      Nestas circunstâncias, a isenção fiscal solicitada pode afetar as trocas comerciais entre Estados-Membros e falsear a concorrência, o que incumbe ao órgão jurisdicional de reenvio determinar.

55      Daqui se deduz que os quatro requisitos enunciados no n.° 20 do presente acórdão podem estar preenchidos no caso dos autos. No entanto, incumbe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar, tendo em consideração todos os elementos pertinentes do litígio que lhe foi submetido, apreciados à luz dos elementos de interpretação fornecidos pelo Tribunal de Justiça, se a referida isenção fiscal deve ser qualificada de auxílio de Estado na aceção do artigo 107.°, n.° 1, TFUE.

56      Tendo em conta todo o exposto, há que responder à questão submetida que o artigo 107.°, n.° 1, TFUE deve ser interpretado no sentido de que pode constituir um auxílio de Estado, proibido no termos desta disposição, a isenção do imposto predial de uma parcela de terreno pertencente ao Estado e colocada à disposição de uma empresa cujo capital detém integralmente e que produz, a partir dessa parcela, bens e serviços que podem ser objeto de trocas comerciais entre Estados-Membros nos mercados abertos à concorrência. No entanto, incumbe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar, tendo em conta todos os elementos pertinentes do litígio que lhe foi submetido, apreciados à luz dos elementos de interpretação fornecidos pelo Tribunal de Justiça, se tal isenção deve ser qualificada de auxílio de Estado no sentido desta mesma disposição.

 Quanto às despesas

57      Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Sétima Secção) declara:

O artigo 107.°, n.° 1, TFUE deve ser interpretado no sentido de que pode constituir um auxílio de Estado, proibido no termos desta disposição, a isenção do imposto predial de uma parcela de terreno pertencente ao Estado e colocada à disposição de uma empresa cujo capital detém integralmente e que produz, a partir dessa parcela, bens e serviços que podem ser objeto de trocas comerciais entre Estados-Membros nos mercados abertos à concorrência. No entanto, incumbe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar, tendo em conta todos os elementos pertinentes do litígio que lhe foi submetido, apreciados à luz dos elementos de interpretação fornecidos pelo Tribunal de Justiça da União Europeia, se tal isenção deve ser qualificada de auxílio de Estado no sentido desta mesma disposição.

Assinaturas


* Língua do processo: espanhol.