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Edição provisória

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Décima Secção)

22 de junho de 2017 (*)

«Reenvio prejudicial – Livre circulação de trabalhadores – Rendimentos obtidos num Estado-Membro diferente do Estado-Membro de residência – Método de isenção com reserva de progressividade no Estado-Membro de residência – Contribuições para a caixa de pensões e o seguro de doença cobradas sobre os rendimentos obtidos num Estado-Membro diferente do Estado Membro de residência – Dedução dessas contribuições – Requisito relativo à inexistência de nexo direto com as receitas isentas»

No processo C-20/16,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.° TFUE, pelo Bundesfinanzhof (Tribunal Federal Tributário, Alemanha), por decisão de 16 de setembro de 2015, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 15 de janeiro de 2016, no processo

Wolfram Bechtel,

Marie-Laure Bechtel

contra

Finanzamt Offenburg,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Décima Secção),

composto por: M. Berger, presidente de secção, E. Levits (relator) e F. Biltgen, juízes,

advogado-geral: M. Campos Sánchez-Bordona,

secretário: K. Malacek, administrador,

vistos os autos e após a audiência de 1 de fevereiro de 2017,

vistas as observações apresentadas:

–        em representação de W. Bechtel e de M.-L. Bechtel, por J. Garde, Rechtsanwalt,

–        em representação do Finanzamt Offenburg, por E. Lehmann, na qualidade de agente,

–        em representação do Governo alemão, por T. Henze, R. Kanitz e D. Klebs, na qualidade de agentes,

–        em representação da Comissão Europeia, por W. Roels e M. Wasmeier, na qualidade de agentes,

vista a decisão tomada, ouvido o advogado-geral, de julgar a causa sem apresentação de conclusões,

profere o presente

Acórdão

1        O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 45.° TFUE.

2        Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõeWolfram Bechtel e Marie-Laure Bechtel ao Finanzamt Offenburg (Administração Tributária de Offenburg, Alemanha) quanto à tomada em consideração das contribuições para a caixa de pensões e o seguro de doença, pagas por M.-L. Bechtel em França, no âmbito da determinação do rendimento tributável e da taxa de imposto especial aplicável ao seu rendimento coletável nos anos de 2005 e de 2006.

 Quadro jurídico

 O direito alemão

3        Nos termos do § 1 da Einkommensteuergesetz (Lei do imposto sobre o rendimento) de 2002, na sua versão aplicável ao litígio no processo principal (a seguir «EStG de 2002»), as pessoas singulares que tenham o seu domicílio ou residência habitual em território nacional estão plenamente sujeitas ao imposto sobre o rendimento.

4        O § 2 da referida lei, que diz respeito ao âmbito da tributação e às definições, dispõe:

«(1)      São sujeitos ao imposto sobre o rendimento:

[...]

4.      os rendimentos (Einkünfte) do trabalho por conta de outrem

[...]

(2)      Os rendimentos (Einkünfte) são

[...]

2.      o excedente das receitas sobre as despesas profissionais no caso das outras categorias de rendimentos (§§ 8 a 9a).

(3)      A soma dos rendimentos (Einkünfte), após a dedução do abatimento proporcional para pessoas idosas em situação de reforma, do montante da isenção fiscal para o progenitor de uma família monoparental e da dedução prevista no § 13, n.° 3, constitui o montante total dos rendimentos (Gesamtbetrag der Einkünfte).

(4)      O montante total dos rendimentos, após dedução das despesas especiais e dos encargos extraordinários constitui o rendimento (Einkommen).

(5)      O rendimento (Einkommen), após a dedução dos montantes isentos referidos no § 32, n.° 6, e dos outros montantes que devem ser deduzidos do rendimento, constitui o rendimento tributável (versteuernde Einkommen); este constitui a base de tributação do imposto sobre o rendimento segundo a taxa aplicável [...]»

5        O § 9 da EStG de 2002, sob a epígrafe «Despesas profissionais», prevê:

«(1)      as despesas profissionais são as despesas para a aquisição, a garantia e a obtenção de receitas. Devem ser deduzidas da categoria de rendimentos em que foram gerados. Constituem também despesas profissionais:

[...]

3.      as contribuições para as ordens profissionais e outras associações profissionais cujo objetivo não seja a manutenção de atividades comerciais,

[...]»

6        O § 10 da EStG de 2002, sob a epígrafe «Despesas especiais», prevê, no seu n.° 1, ponto 1, que constituem despesas especiais as enumeradas nesta disposição quando não sejam despesas de exploração, nem despesas profissionais. O § 10, n.° 1, pontos 2 e 3, da EStG de 2002 enumera as despesas que constituem as despesas especiais e está assim redigido:

«2.

a)      as contribuições para os regimes legais de pensões ou para as caixas de pensões agrícolas e para os regimes de pensões profissionais que atribuem prestações equiparáveis aos regimes legais de pensões;

b)      as contribuições do sujeito passivo para a constituição de um plano de pensões capitalizado quando o contrato prevê unicamente o pagamento, a partir dos 60 anos de idade, de um rendimento mensal vitalício, ou um seguro complementar por incapacidade para o trabalho (pensão de invalidez), por redução da capacidade para o trabalho (pensão de invalidez parcial), ou aos familiares sobrevivos (pensão de sobrevivência); [...] Os direitos referidos não são transmissíveis por sucessão, nem transferíveis, e não podem ser negociados, nem vendidos nem capitalizados, e não conferem, além disso, qualquer direito a indemnização.

Às contribuições previstas nas alíneas a) e b), há que acrescentar a quota da entidade patronal isenta de imposto do regime legal de seguro de pensões e um subsídio atribuído pelo empregador isento de imposto que lhe é equiparado.

3.

a)      as contribuições para seguros de desemprego, de incapacidade para o trabalho que não se incluem no ponto 2, primeira frase, alínea b), para seguros de doença, de cuidados de saúde, de acidentes e de responsabilidade civil, bem como seguros de risco que preveem uma prestação apenas em caso de morte;

[...]»

7        O § 10, n.° 2, da EStG de 2002 dispõe:

«Constitui pressuposto da dedução dos montantes referidos no n.° 1, pontos 2 e 3 (contribuições para o sistema de previdência), que estes:

1.      não se encontrem numa relação económica direta com os rendimentos isentos

[...]»

8        O § 10, n.° 3, da EStG de 2002 prevê que as despesas de previdência visadas no § 10, n.° 1, ponto 2, segunda frase, desta lei são tomadas em consideração até ao limite de 20 000 euros, sendo este multiplicado por dois no caso de tributação conjunta do casal.

9        O § 32a da EStG de 2002, sob a epígrafe «Taxa de imposto», está assim redigido:

«(1)      O imposto sobre o rendimento sujeito à tabela é calculado com base no rendimento tributável (versteuernde Einkommen). Eleva-se, respetivamente, sem prejuízo dos §§ 32b, 34, 34 b e 34 c, e em euros, para o rendimento tributável:

1.      até 7 664 euros (montante de base isento): a 0;

2.      de 7 665 euros a 12 739 euros: a (883,74 × y + 1 500) × y;

3.      de 12 740 euros a 52 151 euros: a (228,74 × z + 2 397) × z + 989;

4.      a partir de 52 152 euros: a 0,42 × x – 7 914.

“y” representa uma décima milionésima parte que excede 7 664 euros do rendimento tributável arredondado. “z” representa uma décima milionésima parte que excede 12 739 euros do rendimento tributável arredondado. “x” representa o rendimento tributável arredondado. O montante de imposto daí resultante deve ser arredondado ao euro mais próximo.»

10      Nos termos do § 32b da EStG de 2002, sob a epígrafe «Reserva de progressividade»:

«(1)      Se um sujeito passivo que seja temporariamente ou durante todo o período tributado na totalidade […] tenha obtido:

[...]

3.      rendimentos (Einkünfte) que estão isentos de tributação por força de um acordo para evitar a dupla tributação ou de outro acordo entre Estados, sob reserva da inclusão no cálculo do imposto sobre o rendimento ou de rendimentos não sujeitos a imposto sobre o rendimento alemão, durante o período de tributação, nos termos do § 1, n.° 3, ou do § 1a ou do § 50, n.° 5, segunda frase, ponto 2, quando a soma desses rendimentos é positiva,

deve ser aplicada uma taxa de imposto especial aos rendimentos tributáveis (versteuernde Einkommen) por força do § 32a, n.° 1.

[...]

(2)      A taxa de imposto especial prevista no n.° 1 é a taxa de imposto que resulta quando, para efeitos do cálculo do imposto sobre o rendimento das pessoas singulares, do rendimento a tributar (versteuernde Einkommen) nos termos do § 32a, n.° 1, é adicionada ou subtraída na medida seguinte

[...]

2.      nos casos previstos no n.° 1, pontos 2 e 3, os rendimentos (Einkünfte) aí referidos, deve ser tido em conta 1/5 dos rendimentos extraordinários que deles fazem parte.

[...]»

Convenção franco-alemã

11      A Convenção entre a República Francesa e a República Federal da Alemanha, de 21 de julho de 1959, destinada a evitar a dupla tributação e que estabelece as regras de assistência administrativa e jurídica recíprocas (BGBl. II 1961, p. 397), conforme alterada pelos aditamentos de 9 de junho de 1969 (BGBl. II 1970, p. 717), de 28 de setembro de 1989 (BGBl. II 1990, p. 770) e de 20 de setembro de 2002 (BGBl. II 2001, p. 2370) (a seguir «Convenção franco-alemã») dispõe, no seu artigo 14.°, n.° 1:

«Os rendimentos, salários e remunerações análogas, bem como as pensões de reforma pagas pelos Estados contraentes, pelos Länder ou por uma pessoa coletiva de direito público desse Estado ou Land a pessoas singulares residentes noutro Estado por serviços administrativos ou militares atuais ou anteriores apenas são tributáveis no primeiro Estado. [...]»

12      O artigo 23.°, n.° 1, da Convenção franco-alemã prevê:

«No que diz respeito aos residentes na República Federal [da Alemanha] a dupla tributação é evitada da seguinte forma:

a)      Sem prejuízo do disposto nas alíneas b) e c), são excluídos da matéria coletável alemã os rendimentos provenientes de França e os bens patrimoniais situados em França que, nos termos desta Convenção, são tributados em França. Especifica-se que esta disposição não restringe o direito da República Federal da Alemanha de levar em consideração, na determinação da taxa dos seus impostos, os rendimentos assim excluídos.

[...]»

 Litígio no processo principal e as questões prejudiciais

13      Os demandantes no processo principal são casados e residiam durante os anos de 2005 e de 2006, na Alemanha onde foram tributados conjuntamente pelo imposto sobre o rendimento.

14      W. Bechtel auferia nos anos de 2005 e 2006 rendimentos como funcionário público alemão, ao passo que M.-L. Bechtel, de nacionalidade francesa, trabalhava como funcionária na administração tributária francesa e tinha auferido, nessa qualidade, retribuições brutas, respetivamente, de 22 342 euros em 2005 e de 24 397 euros em 2006.

15      De acordo com as suas folhas de vencimento, a retribuição bruta da demandante no processo principal tinha sido deduzida das rubricas seguintes, concretamente, a retenção na fonte, a contribuição para a pensão civil, a contribuição para a pensão de reforma sobre o valor bruto das compensações mensais por conhecimentos técnicos especializados, a contribuição para o complemento de seguro de doença dos agentes das finanças, a contribuição para o complemento de seguro de invalidez e de apoio na viuvez dos funcionários públicos da administração tributária, a contribuição dos trabalhadores por conta de outrem para o seguro de doença e a contribuição para a pensão de reforma complementar no setor público.

16      A Administração Tributária de Offenburg excluiu da matéria coletável do imposto sobre o rendimento dos demandantes no processo principal a retribuição bruta da demandante no processo principal durante os anos de 2005 e de 2006, na qualidade de rendimentos isentos com base na Convenção franco-alemã.

17      Em contrapartida, esta retribuição bruta, após dedução das rubricas «pensão civil» e «pensão civil sobre o valor bruto das compensações mensais por conhecimentos técnicos especializados», foi tomada em consideração para efeitos de cálculo da reserva de progressividade prevista no § 32b, n.° 1, ponto 3, da EStG de 2002, para determinação da taxa de imposto especial aplicável aos demandantes no processo principal.

18      Considerando que as contribuições cobradas sobre o vencimento de M.-L. Bechtel deveriam ser deduzidas do montante do vencimento a reter para efeitos da determinação no âmbito da reserva de progressividade, os demandantes no processo principal interpuseram recurso para o Finanzgericht Baden-Württemberg (Tribunal Tributário de Bade-Württemberg, Alemanha). Inconformados com o acórdão de 31 de julho de 2013, interpuseram recurso de revista («Revision») para o Bundesfinanzhof (Tribunal Tributário Federal, Alemanha).

19      Este órgão jurisdicional precisa que, nos termos do artigo 14.°, n.° 1, e artigo 20.°, n.° 1, alínea a), da Convenção franco-alemã, os rendimentos auferidos por M.-L. Bechtel em razão da sua atividade em França devem ser excluídos da matéria coletável do imposto sobre o rendimento alemão dos demandantes no processo principal. Todavia, é pacífico entre as partes no processo principal que, nos termos do § 32b, n.° 1, ponto 3, da EStG de 2002, esses rendimentos devem incluídos para determinação da taxa de imposto especial, aplicável ao rendimento tributável dos demandantes no processo principal.

20      No entender do órgão jurisdicional de reenvio, nos termos da legislação alemã aplicável, as despesas de previdência incluídas na retribuição bruta da demandante no processo principal não são abrangidas materialmente pelo conceito de «despesas profissionais», na aceção do § 9 da EStG de 2002.

21      Em contrapartida, as contribuições para o complemento do seguro de doença dos agentes das finanças, para o complemento do seguro de doença e seguro complementar de invalidez e de apoio na viuvez dos funcionários públicos da administração tributária, para a pensão de reforma complementar no setor público e a contribuição dos trabalhadores por conta de outrem para o seguro de doença podem ser abrangidas pelo conceito de despesas especiais, porque essas despesas de previdência correspondem às situações previstas no § 10, n.° 1, ponto 2, alínea a), ou no § 10, n.° 1, ponto 3, alínea a), da EStG de 2002.

22      Contudo, o § 10, n.° 2, ponto 1, da EStG de 2002 subordina a dedução das despesas a título de despesas especiais ao requisito de não terem uma relação económica direta com as receitas isentas. Ora, sendo isenta de tributação na Alemanha a remuneração da demandante no processo principal, existe uma ligação económica direta e a dedução das despesas de previdência enquanto despesas especiais não é possível, independentemente de saber se durante os anos de 2005 e de 2006 o limite de dedução de despesas especiais fixado no § 10, n.° 3, da EStG de 2002 foi alcançado sem as despesas de previdência da demandante no processo principal, facto que as decisões impugnadas não indicam.

23      As contribuições de previdência da demandante no processo principal também não podem ser deduzidas no quadro da determinação das taxas de imposto especial aplicável ao rendimento tributável dos demandantes no processo principal, nos termos do § 32b da EStG de 2002. O § 32b, n.° 2, ponto 2, da EStG de 2002 prevê a tomada em consideração dos rendimentos (Einkünfte). Ora, na fase de determinação dos rendimentos (Einkünfte), as despesas especiais não podem ser deduzidas.

24      O órgão jurisdicional de reenvio tem dúvidas quanto à compatibilidade com o direito da União da proibição de dedução das despesas de previdência enquanto despesas especiais. No entendimento desse órgão jurisdicional, o facto de recusar ao contribuinte residente o direito à dedução à matéria coletável, na Alemanha, do montante pago noutro Estado-Membro a título de contribuições para a segurança social, ou de reduzir o imposto a pagar, na Alemanha, por abatimento do valor das contribuições para a segurança social pagas noutro Estado-Membro, pode dissuadir o sujeito passivo em questão de exercer o direito à livre de circulação de trabalhadores e constituir uma restrição não justificadaa esta liberdade fundamental.

25      Nessas circunstâncias, o Bundesfinanzhof (Tribunal Federal Tributário) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)      O artigo 39.° CE (atualmente artigo 45.° do TFUE) opõe-se a uma disposição de direito alemão segundo a qual as contribuições para a caixa nacional de pensões e o seguro de doença franceses, prestadas por um trabalhador da administração pública do Estado francês que reside na Alemanha – contrariamente ao que sucede com contribuições comparáveis, prestadas para a segurança social alemã por um trabalhador que exerce a sua atividade na Alemanha –, não reduzem a matéria coletável do imposto sobre o rendimento das pessoas singulares, quando a retribuição, de acordo com a convenção para evitar a dupla tributação celebrada entre a Alemanha e a França, não pode ser tributada na Alemanha, contribuindo apenas para o aumento da taxa aplicável a outros rendimentos?

2)      A primeira questão merece resposta afirmativa ainda que as contribuições controvertidas, no âmbito da tributação da retribuição pelo Estado francês, concreta ou genericamente,

a)      tenham sido devidamente consideradas para efeitos de redução da carga fiscal, ou

b)      pudessem ter sido devidamente consideradas para efeitos de redução da carga fiscal mas não o tenham sido, por falta de pedido nesse específico sentido?»

 Quanto às questões prejudiciais

26      Através das suas questões, que importa examinar conjuntamente, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 45 TFUE deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma regulamentação de um Estado-Membro, como a que está em causa no processo principal, por força da qual um contribuinte residente nesse Estado-Membro e que trabalha na administração pública de outro Estado-Membro não pode deduzir da matéria coletável do imposto sobre o rendimento no seu Estado-Membro de residência as contribuições para a caixa de pensões e o seguro de doença cobradas sobre o seu salário no Estado-Membro de emprego, diversamente do que sucede com as contribuições comparáveis pagas à segurança social do seu Estado-Membro de residência, quando, em aplicação da convenção para evitar a dupla tributação entre os dois Estados-Membros, o salário não pode ser tributado no Estado-Membro de residência do trabalhador e apenas aumenta a taxa de tributação aplicável aos outros rendimentos.

27      O órgão jurisdicional de reenvio pergunta também qual a importância a dar ao facto de que, no âmbito da tributação do salário pelo Estado-Membro de emprego, as contribuições de seguros em causa terem sido devidamente consideradas para efeitos de redução da carga fiscal, ou podendo ter sido consideradas, não o tenham sido por inexistência de um pedido nesse sentido.

 Quanto à liberdade de circulação aplicável

28      Importa, a título preliminar, examinar se o artigo 45.° TFUE, cuja interpretação é pedida pelo órgão jurisdicional de reenvio, pode ser invocado numa situação como a que está em causa no processo principal, que se refere ao tratamento fiscal, por um Estado-Membro, dos rendimentos obtidos por um residente desse Estado-Membro a título de emprego na administração pública de outro Estado-Membro e, em especial, as contribuições para a caixa nacional de pensões e o seguro de doença sobre os referidos rendimentos retidos no Estado-Membro de emprego.

29      Os demandantes no processo principal alegam que, na medida em que não são trabalhadores por conta de outrem nem trabalhadores independentes, a situação em causa no processo principal devia ser apreciada à luz do artigo 18.°, primeiro parágrafo, TFUE.

30      A este respeito, em primeiro lugar, há que recordar que resulta da jurisprudência constante que o artigo 18.° TFUE, que estabelece o princípio geral da proibição de qualquer discriminação em razão da nacionalidade, só deve ser aplicado de modo autónomo a situações regidas pelo direito da União em relação às quais o Tratado FUE não preveja regras específicas de não discriminação (v., designadamente, acórdãos de 12 de maio de 1998, Gilly, C-336/96, EU:C:1998:221, n.° 37; de 26 de novembro de 2002, Oteiza Olazabal, C-100/01, EU:C:2002:712, n.° 25; de 15 de setembro de 2011, Schulz-Delzers e Schulz, C-240/10, EU:C:2011:591, n.° 29; e de 25 de outubro de 2012, Prete, C-367/11, EU:C:2012:668, n.° 18).

31      Ora, o princípio da não discriminação foi implementado, no âmbito da livre circulação dos trabalhadores, pelo artigo 45.° TFUE (v., designadamente, acórdãos de 12 de maio de 1998, Gilly, C-336/96, EU:C:1998:221, n.° 38; de 10 de setembro de 2009, Comissão/Alemanha, C-269/07, EU:C:2009:527, n.os 98 e 99; de 15 de setembro de 2011, Schulz-Delzers e Schulz, C-240/10, EU:C:2011:591, n.° 29; e de 25 de outubro de 2012, Prete, C-367/11, EU:C:2012:668, n.° 19).

32      Segundo jurisprudência assente, qualquer nacional da União Europeia, independentemente do seu lugar de residência e da sua nacionalidade, que tenha usado do direito de livre circulação dos trabalhadores e que tenha exercido uma atividade profissional num Estado-Membro diferente do da sua residência, é abrangido pelo artigo 45.° TFUE (acórdãos de 12 de dezembro de 2002, de Groot, C-385/00, EU:C:2002:750, n.° 76; de 2 de outubro de 2003, van Lent, C-232/01, EU:C:2003:535, n.° 14; de 13 de novembro de 2003, Schilling e Fleck-Schilling, C-209/01, EU:C:2003:610, n.° 23; e de 16 de fevereiro de 2006, Öberg, C-185/04, EU:C:2006:107, n.° 11).

33      Quanto à questão de saber se a demandante no processo principal, que trabalha na administração pública de um Estado-Membro, mas residente noutro Estado-Membro, é abrangida pelo conceito de «trabalhador», no sentido do artigo 45.° TFUE, há que recordar que anatureza jurídica da relação de trabalho não é determinante para a aplicação do artigo 45.° TFUE e o facto de o trabalhador ter sido contratado na qualidade de funcionário ou ainda de o seu vínculo profissional ser regulado pelo direito público, e não pelo direito privado, é indiferente a este respeito (v., acórdão de 26 de abril de 2007, Alevizos, C-392/05, EU:C:2007:251, n.° 68 e jurisprudência referida).

34      É certo que o artigo 45.°, n.° 4, TFUE prevê que as disposições do artigo 45.°, n.os 1 a 3, TFUE que consagram o princípio fundamental da livre circulação dos trabalhadores e a abolição de qualquer discriminação, baseada na nacionalidade, entre os trabalhadores dos Estados-Membros não são aplicáveis aos empregos na administração pública. Todavia, as derrogações admitidas por essa disposição não podem, tendo em consideração o caráter fundamental, no sistema do Tratado CE, do princípio da livre circulação dos trabalhadores na União, ir além do objetivo para o qual foi estabelecida a referida cláusula de exceção (acórdãos de 12 de fevereiro de 1974, Sotgiu, 152/73, EU:C:1974:13, n.° 4, e de 26 de abril de 2007, Alevizos, C-392/05, EU:C:2007:251, n.° 69).

35      Este objetivo é de reservar aos Estados-Membros a possibilidade de restringir a admissão de estrangeiros para certos lugares na Administração Pública (acórdão de 12 de fevereiro de 1974, Sotgiu, 152/73, EU:C:1974:13, n.° 4), que pressupõem, por parte dos seus titulares, a existência de uma relação particular de solidariedade para com o Estado, bem como a reciprocidade dos direitos e dos deveres que são o fundamento do vínculo da nacionalidade (v. acórdão de 17 dezembro de 1980, Comissão/Bélgica, 149/79, EU:C:1980:297, n.° 10). O artigo 45.°, n.° 4, TFUE não pode, em contrapartida, ter por efeito privar um trabalhador, uma vez admitido ao serviço da Administração Pública de um Estado-Membro, da aplicação das disposições dos n.os 1 a 3 do artigo 45.° TFUE (acórdão de 26 de abril de 2007, Alevizos, C-392/05, EU:C:2007:251, n.° 70 e jurisprudência referida).

36      Por conseguinte, a demandante no processo principal é abrangida pelo conceito de «trabalhador» no sentido do artigo 45.° TFUE e o seu lugar na Administração Pública de um Estado-Membro não tem como resultado recusar-lhe o benefício dos direitos e da proteção que lhe confere este artigo.

 Quanto à existência de uma restrição ao artigo 45.° TFUE

37      É jurisprudência constante que todas as disposições do Tratado relativas à livre circulação de pessoas visam facilitar aos nacionais da União o exercício de atividades profissionais de qualquer natureza no território da União e se opõem às medidas que possam desfavorecer esses nacionais quando desejem exercer uma atividade económica no território de outro Estado-Membro (v., designadamente, acórdãos de 13 de novembro de 2003, Schilling e Fleck-Schilling, C-209/01, EU:C:2003:610, n.° 24; de 21 de fevereiro de 2006, Ritter-Coulais, C-152/03, EU:C:2006:123, n.° 33; de 18 de julho de 2007, Lakebrink e Peters-Lakebrink, C-182/06, EU:C:2007:452, n.° 17; e de 16 de outubro de 2008, Renneberg, C-527/06, EU:C:2008:566, n.° 43).

38      A doutrina exposta no número anterior do presente acórdão diz respeito a medidas que possam desfavorecer os cidadãos da União que exercem uma atividade profissional num Estado-Membro diferente do da sua residência, o que inclui, em especial, os cidadãos da União que pretendem continuar a exercer uma atividade económica num determinado Estado-Membro, após terem transferido a sua residência para outro Estado-Membro (acórdão de 16 de outubro de 2008, Renneberg, C-527/06, EU:C:2008:566, n.° 44).

39      O artigo 45.° TFUE opõe-se, designadamente, a medidas que, ainda que indistintamente aplicáveis em razão da nacionalidade, são suscetíveis, devido à própria natureza, de afetar os trabalhadores migrantes em maior medida do que os trabalhadores nacionais e, consequentemente, implicam o risco de desfavorecer mais particularmente os primeiros (v., nesse sentido, acórdãos de 5 de dezembro de 2013, Zentralbetriebsrat der gemeinnützigen Salzburger Landeskliniken, C-514/12, EU:C:2013:799, n.° 26 e jurisprudência referida, e de 2 de março de 2017, Eschenbrenner, C-496/15, EU:C:2017:152, n.° 36).

40      No processo principal, resulta da decisão de reenvio que os demandantes no processo principal foram objeto de uma tributação conjunta do imposto sobre o rendimento na Alemanha, onde residem. A remuneração auferida pela demandante no processo principal pelo seu trabalho na administração pública francesa, não foi incluída na matéria coletável do imposto dos demandantes no processo principal, por força do artigo 14.°, n.° 1, e do artigo 20.°, n.° 1, da Convenção franco-alemã. Essa remuneração foi, no entanto considerada, por força do artigo 20.°, n.° 1, dessa convenção, na determinação da taxa de imposto especial aplicável ao rendimento tributável dos demandantes no processo principal, calculada nos termos do § 32b da EStG de 2002.

41      Resulta também da decisão de reenvio que certas contribuições para a caixa de pensões e o seguro de doença complementar foram cobradas em França sobre a remuneração paga à demandante no processo principal. Essas contribuições não puderam ser deduzidas do montante total dos rendimentos dos demandantes no processo principal, a título de despesas especiais. Com efeito, embora, no entendimento do órgão jurisdicional de reenvio, as referidas contribuições sejam abrangidas materialmente nas situações previstas no § 10, n.° 1, pontos 2 e 3, da EStG de 2002, não podiam ser deduzidas no momento do cálculo do rendimento tributável dos demandantes no processo principal, na medida em que tinham uma ligação económica direta com as receitas isentas, não sendo a remuneração da demandante no processo principal tributada na Alemanha.

42      Quando da determinação da taxa de imposto especial aplicável ao rendimento tributável dos demandantes no processo principal nos termos do § 32b da EStG de 2002, a remuneração da demandante no processo principal foi tomada em consideração, sem que as contribuições para a caixa de pensões e o seguro de doença complementar pudessem ser deduzidas. Com efeito, nos termos do § 32b, n.° 2, da EStG de 2002, o cálculo da taxa de imposto especial resulta do aumento do rendimento tributável (versteuernde Einkommen) mediante os rendimentos (Einkünfte) isentos. Ora, por um lado, as contribuições para a caixa de pensões e o seguro de doença complementar não foram deduzidas no momento do cálculo do rendimento tributável dos demandantes no processo principal, na medida em que, essas contribuições não preenchem o requisito previsto no § 10, n.° 2, da EStG de 2002, e, por outro, a dedução das referidas contribuições não era possível na fase do cálculo dos rendimentos (Einkünfte) que são definidos, nos termos do §2, n.° 2, ponto 2, da EStG de 2002, como o excedente das receitas sobre as despesas profissionais.

43      A possibilidade de proceder a uma dedução das contribuições para a caixa de pensões e o seguro de doença complementar enquanto despesas especiais, no momento do cálculo do rendimento tributável do contribuinte, constitui um benefício fiscal, na medida em que permite diminuir esse rendimento tributável, bem como a taxa aplicável a esse rendimento.

44      O requisito previsto no § 10, n.° 2, da EStG de 2002, de acordo com o qual as despesas de previdência não devem ter uma ligação económica direta com as receitas isentas, leva a recusar esse benefício nas situações, como as que estão em causa no processo principal, em que um contribuinte residente aufere uma remuneração num Estado-Membro diferente do da sua residência e onde essa remuneração está isenta de tributação no seu Estado-Membro de residência, mesmo quando se tem em consideração ao determinar a taxa de imposto aplicável aos outros rendimentos desse contribuinte.

45      É certo que, tal como salienta o Governo alemão, o requisito relativo à inexistência de ligação económica direta com as receitas isentas é suscetível de se aplicar não só nas situações transfronteiriças, mas também em situações puramente internas.

46      Todavia, convidado a dar exemplos de rendimentos e de despesas nacionais abrangidos pelo § 10, n.° 2, da EStG de 2002, o Governo alemão referiu as contribuições de seguros de reforma que são devidas em razão da atribuição de subsídios por doença, por invalidez e de assistência ao domicílio, as contribuições de seguros de reforma e de seguros de doença devidos sobre os suplementos remuneratórios pagos pelo trabalho ao domingo, dias feriados e trabalho noturno ou as contribuições de seguros de doença e de seguros de reforma em razão do recebimento de prestações em capital de um empregador, isentas de imposto na Alemanha.

47      Ora, estes tipos de subsídios, de suplementos remuneratórios ou de prestações não são comparáveis às remunerações pagas como contraprestação do trabalho realizado pelos trabalhadores do setor privado ou pelos agentes contratuais do setor público que, diversamente dos funcionários alemães, estão sujeitos a encargos sociais. Resulta dos autos e do processo no Tribunal de Justiça que os trabalhadores por conta de outrem do setor privado e os agentes contratuais do setor público residentes, que auferem salários e remunerações de origem alemã, sobre os quais há retenção de contribuições de previdência equiparáveis às que estão em causa no processo principal, podem deduzir essas contribuições do seu rendimento tributável.

48      Por conseguinte, importa observar que, embora indistintamente aplicável, o requisito relativo à inexistência de ligação económica direta com as receitas isentas é suscetível de afetar em maior medida os contribuintes residentes que auferem remunerações num Estado-Membro diferente do da sua residência e estão isentos no seu Estado-Membro de residência.

49      Ora, a recusa de dedução das contribuições para a caixa de pensões e o seguro de doença complementar cobradas em França como as que estão em causa no processo principal, leva a que, por um lado, o rendimento tributável des contribuintes, como os demandantes no processo principal, é aumentado e, por outro, que a taxa de imposto especial seja calculada, tendo por base este rendimento tributável aumentado, sem que essa taxa seja corrigida pela tomada em consideração dessas contribuições de outro modo, o que não ocorreria se a demandante no processo principal tivesse auferido o seu salário na Alemanha e não em França.

50      Esse tratamento desvantajoso é suscetível de dissuadir os trabalhadores residentes de procurar, de aceitar ou de continuar a ocupar um lugar num Estado-Membro diferente do da sua residência.

51      A legislação nacional, como a que está em causa no processo principal, que sujeita a dedução das despesas de previdência ao requisito de estas não terem uma ligação económica direta com as receitas isentas constitui, consequentemente, numa situação como a que está em causa no processo principal, uma restrição à livre circulação dos trabalhadores, proibida, em princípio, pelo artigo 45. TFUE.

 Quanto à existência de uma justificação

52      Tal restrição apenas pode ser admitida se respeitar a situações que não são objetivamente comparáveis ou se for justificada por uma razão imperiosa de interesse geral (v., designadamente, acórdãos de 17 de dezembro de 2015, Timac Agro Deutschland, C-388/14, EU:C:2015:829, n.° 26, e de 26 de maio de 2016, Kohll e Kohll-Schlesser, C-300/15, EU:C:2016:361, n.° 45).

53      No que diz respeito à questão de saber se as situações em causa são objetivamente comparáveis, há que recordar que a comparabilidade de uma situação transfronteiriça com uma situação interna deve ser examinada tendo em conta o objetivo prosseguido pelas disposições nacionais em causa (v., nesse sentido, acórdãos de 25 de fevereiro de 2010, X Holding, C-337/08, EU:C:2010:89, n.° 22; de 6 de setembro de 2012, Philips Electronics UK, C-18/11, EU:C:2012:532, n.° 17; e de 26 de maio de 2016, Kohll e Kohll-Schlesser, C-300/15, EU:C:2016:361, n.° 46).

54      No caso em apreço, o Governo alemão alega que uma situação meramente nacional, em que o salário de um contribuinte está sujeito ao poder de tributação alemão, não é objetivamente comparável a uma situação transfronteiriça, como a que está em causa no processo principal, em que a República Federal da Alemanha não tem qualquer direito de tributação sobre o salário em causa em virtude da Convenção franco-alemã, mesmo que a demandante no processo principal seja um sujeito passivo a título ilimitado nesse Estado-Membro.

55      A esse respeito, importa recordar que segundo a jurisprudência constante do Tribunal de Justiça é, ao Estado-Membro de residência que, em princípio, cabe atribuir ao contribuinte a totalidade dos benefícios fiscais inerentes à sua situação pessoal e familiar, uma vez que esse Estado, salvo exceção, é o mais bem colocado para apreciar a capacidade contributiva pessoal do referido sujeito passivo, na medida em que este dispõe do centro dos seus interesses pessoais e patrimoniais aí centralizados (v., designadamente, acórdãos de 14 fevereiro de 1995, Schumacker, C-279/93, EU:C:1995:31, n.° 32; de 16 maio de 2000, Zurstrassen, C-87/99, EU:C:2000:251, n.° 21; de 28 fevereiro de 2013, Beker e Beker, C-168/11, EU:C:2013:117, n.° 43; e de 12 de dezembro de 2013, Imfeld e Garcet, C-303/12, EU:C:2013:822, n.° 43).

56      A obrigação de tomar em conta a situação pessoal e familiar só pode incumbir ao Estado-Membro de emprego quando o contribuinte obtém a totalidade ou a quase totalidade dos seus rendimentos tributáveis resultantes de uma atividade exercida nesse Estado e não aufere rendimentos significativos no seu Estado de residência, pelo que este não está em condições de lhe conceder os benefícios resultantes da tomada em conta da sua situação pessoal e familiar (v., designadamente, acórdãos de 14 de fevereiro de 1995, Schumacker, C-279/93, EU:C:1995:31, n.° 36; de 14 de setembro de 1999, Gschwind, C-391/97, EU:C:1999:409, n.° 27; de 16 de maio de 2000, Zurstrassen, C-87/99, EU:C:2000:251, n.os 21 a 23; de 12 dezembro de 2002, de Groot, C-385/00, EU:C:2002:750, n.° 89; e de 12 de dezembro de 2013, Imfeld e Garcet, C-303/12, EU:C:2013:822, n.° 44).

57      Com efeito, no caso dos benefícios resultantes da tomada em consideração da sua situação pessoal ou familiar, um contribuinte residente que aufere rendimentos num Estado-Membro diferente do da sua residência não se encontra numa situação comparável à de um contribuinte residente que aufere rendimentos no seu Estado-Membro de residência, designadamente quando o Estado-Membro de residência do primeiro contribuinte não está em condições de lhe atribuir esses benefícios em razão da falta de rendimento significativo no referido Estado-Membro.

58      Ora, não é esse o caso no processo principal. Devido à tributação conjunta dos demandantes no processo principal, mesmo no caso de a demandante no processo principal não dispor no seu Estado-Membro de residência de um rendimento significativo, esse Estado-Membro pode conceder-lhe os benefícios resultantes da tomada em conta da sua situação pessoal e familiar, como as deduções das contribuições em causa no processo principal.

59      A demandante no processo principal encontra-se, por conseguinte, numa situação comparável à de um contribuinte residente que aufere os seus rendimentos no seu Estado-Membro de residência.

60      A justificação da restrição apenas pode, por conseguinte, prender-se com razões imperiosas de interesse geral. Nesse caso, é ainda necessário que seja adequada para garantir a realização do objetivo em causa e que não ultrapasse o necessário para atingir esse objetivo (acórdãos de 17 de dezembro de 2015, Timac Agro Deutschland, C-388/14, EU:C:2015:829, n.° 29 e jurisprudência referida, e de 26 de maio de 2016, Kohll e Kohll-Schlesser, C-300/15, EU:C:2016:361, n.º 49).

61      A este respeito, o Governo alemão sustenta que a recusa da dedução a título das despesas especiais tratando-se de rendimentos isentos é justificada por razões imperiosas de interesse geral resultante da repartição equilibrada do poder de tributação entre a República Federal da Alemanha e a República Francesa, bem como da coerência do regime fiscal nacional.

62      Por um lado, este Governo salienta que, nos termos do artigo 14.°, n.° 1, primeira frase, da Convenção franco-alemã, o direito de tributação dos rendimentos pagos pelo Estado francês é atribuído à República Francesa e que a repartição do poder de tributação assim acordado ficaria comprometido se a República Federal da Alemanha fosse obrigada a ter em conta integralmente contribuições da segurança social da demandante no processo principal enquanto despesas especiais sem se basear na globalidade do rendimento mundial.

63      Por outro lado, se as disposições do § 10, n.° 2, ponto 1, da EStG de 2002 permitissem ter em consideração as contribuições da segurança social pagas em França para o cálculo do rendimento tributável na Alemanha, elas seriam contrárias ao princípio da coerência dos regimes fiscais no sentido de que, apesar de os rendimentos isentos pagos em França não serem tomados em consideração para o cálculo da matéria coletável do imposto, a demandante no processo principal pode ainda assim deduzir as despesas de previdência no âmbito da tributação conjunta com o seu cônjuge. A taxa do imposto aumentado no âmbito da reserva de progressividade dos cônjuges, seria corrigida mediante dedução das despesas no momento do cálculo do rendimento tributável. Além disso, o benefício resultante da dedução das contribuições de seguros apresentam um nexo direto com a tributação dos rendimentos correspondentes e, neste caso, embora à demandante no processo principal fosse recusado o benefício teórico de deduzir essas contribuições de seguros, obtém o benefício de os seus rendimentos franceses não serem tributados na Alemanha.

64      Há que observar, em primeiro lugar, que é verdade que a preservação da repartição do poder fiscal entre os Estados-Membros pode constituir uma razão imperiosa de interesse geral que permite justificar uma restrição ao exercício de uma liberdade de circulação na União (acórdãos de 28 de fevereiro de 2013, Beker e Beker, C-168/11, EU:C:2013:117, n.° 56, e de 12 de dezembro de 2013, Imfeld e Garcet, C-303/12, EU:C:2013:822, n.° 68).

65      Tal justificação pode ser aceite, designadamente, quando o regime em causa tenha por objetivo evitar comportamentos suscetíveis de comprometer o direito de um Estado-Membro exercer a sua competência fiscal em relação às atividades exercidas no seu território (v., nesse sentido, acórdãos de 29 de março de 2007, Rewe Zentralfinanz, C-347/04, EU:C:2007:194, n.° 42; de 18 de julho de 2007, Oy AA, C-231/05, EU:C:2007:439, n.° 54; de 21 de janeiro de 2010, SGI, C-311/08, EU:C:2010:26, n.° 60; de 28 de fevereiro de 2013, Beker e Beker, C-168/11, EU:C:2013:117, n.° 57; e de 12 de dezembro de 2013, Imfeld e Garcet, C-303/12, EU:C:2013:822, n.° 75)

66      Por força de jurisprudência constante, embora os Estados-Membros, no âmbito das convenções bilaterais destinadas a evitar a dupla tributação, tenham a liberdade de fixar os critérios de conexão para efeitos da repartição dessa competência fiscal, essa repartição não lhes permite que apliquem medidas contrárias às liberdades de circulação garantidas pelo Tratado. Com efeito, no que se refere ao exercício do poder de tributação assim repartido no âmbito de convenções bilaterais destinadas a evitar a dupla tributação, os Estados-Membros são obrigados a respeitar as regras da União (v., nesse sentido, acórdãos de 12 dezembro de 2002, de Groot, C-385/00, EU:C:2002:750, n.os 93 e 94; de 19 de janeiro de 2006, Bouanich, C-265/04, EU:C:2006:51, n.os 49 e 50; e de 12 de dezembro de 2013, Imfeld e Garcet, C-303/12, EU:C:2013:822, n.os 41 e 42).

67      No caso em apreço, a questão da repartição do poder de tributação entre a República Francesa e a República Federal da Alemanha foi regulada na Convenção franco-alemã, segundo a qual, em primeiro lugar, os rendimentos, salários e remunerações análogas, pagos por um dos Estados contraentes, um Land ou uma pessoa coletiva de direito público desse Estado ou do Land a pessoas singulares residentes do outro Estado por serviços administrativos atuais ou anteriores, apenas são tributáveis no primeiro Estado. Seguidamente, esta convenção dispõe que os rendimentos provenientes de França que, nos termos da mesma, são tributáveis nesse Estado-Membro, auferidos pelos residentes da República Federal da Alemanha, são excluídos da base de tributação alemã, sem que esta regra limite o direito da República Federal da Alemanha de ter em conta, no momento da determinação da taxa dos seus impostos, os rendimentos assim excluídos. Por fim, a referida convenção não prevê a obrigação de o Estado de origem dos rendimentos assumir a integralidade da tomada em consideração da situação pessoal e familiar dos contribuintes que exercem a sua atividade económica nesse Estado-Membro e que residem no outro Estado-Membro.

68      A República Federal da Alemanha aceitou livremente a repartição do poder de tributação, como resulta do estipulado na própria Convenção franco-alemã, renunciando ao direito de tributação dos salários, como os que são auferidos pela demandante no processo principal, sem estar convencionalmente exonerada da sua obrigação de assegurar na íntegra a tomada em conta da situação pessoal e familiar dos contribuintes residentes no seu território e que exercem a sua atividade económica em França.

69      Este mecanismo de repartição do poder de tributação não pode ser invocado para justificar a recusa de atribuir ao contribuinte residente os benefícios da tomada em consideração da sua situação pessoal e familiar.

70      Por um lado, o facto de a República Federal da Alemanha permitir a dedução das contribuições para o seguro de doença e as caixas de pensões, como as que estão em causa no processo principal, não põe em causa a repartição do poder de tributação, como acordado na Convenção franco-alemã. Ao conceder a dedução dessas contribuições, a República Federal da Alemanha não renuncia a uma parte da sua competência fiscal a favor de outros Estados-Membros e tal não afeta a sua competência de tributar as atividades exercidas no seu território.

71      Por outro lado, o Tribunal de Justiça já decidiu que uma justificação relativa à repartição equilibrada do poder de tributação não pode ser invocada pelo Estado-Membro de residência de um contribuinte para se subtrair à responsabilidade, que, em princípio, recai sobre esse Estado, de conceder as deduções pessoais e familiares a que o referido contribuinte tem direito, a menos que esse Estado esteja convencionalmente exonerado da sua obrigação de assegurar na íntegra a tomada em conta da situação pessoal e familiar dos contribuintes residentes no seu território e que exercem parcialmente a sua atividade económica noutro Estado-Membro, ou que verifique que, mesmo independentemente de qualquer convenção, um ou vários Estados de emprego concedem, em relação aos rendimentos que tributam, benefícios ligados à tomada em conta da situação pessoal e familiar dos contribuintes que não residem no território destes Estados, mas que aí auferem rendimentos tributáveis (v., nesse sentido, acórdãos de 12 de dezembro de 2002, de Groot, C-385/00, EU:C:2002:750, n.os 99 e 100; de 28 de fevereiro de 2013, Beker e Beker, C-168/11, EU:C:2013:117, n.° 56; e de 12 de dezembro de 2013, Imfeld e Garcet, C-303/12, EU:C:2013:822, n.° 69).

72      Ora, como foi salientado nos n.os 67 e 68 do presente acórdão, a República Federal da Alemanha não se encontra, por força da Convenção franco-alemã, exonerada da sua obrigação de assegurar na íntegra a tomada em conta da situação pessoal e familiar dos contribuintes que residem no seu território.

73      Quanto a uma eventual tomada em consideração unilateral por parte do Estado-Membro de emprego da situação pessoal e familiar da demandante no processo principal, atribuindo-lhe a dedução fiscal das contribuições de seguros em causa no processo principal, importa salientar que o pedido de decisão prejudicial não contém dados que permitam determinar se essa tomada em consideração foi feita ou se seria possível.

74      De qualquer modo, a regulamentação fiscal em causa no processo principal não estabelece nenhuma correlação entre os benefícios fiscais que atribui aos residentes do Estado-Membro em causa e os benefícios fiscais que lhes possam ser atribuídos no seu Estado-Membro de emprego (v., por analogia, acórdão de 12 de dezembro de 2013, Imfeld e Garcet, C-303/12, EU:C:2013:822, n.° 73).

75      Em segundo lugar, tratando-se da necessidade de preservar a coerência de um sistema fiscal, embora tal razão imperiosa de interesse geral possa justificar uma restrição ao exercício das liberdades fundamentais garantidas pelo Tratado, para que um argumento baseado nessa justificação possa colher, o Tribunal de Justiça exige um nexo direto entre a vantagem fiscal em causa e a compensação dessa vantagem por um determinado imposto, devendo o caráter direto deste nexo ser apreciado à luz do objetivo prosseguido pela regulamentação em causa (v., nesse sentido, acórdãos de 1 de julho de 2010, Dijkman e Dijkman-Lavaleije, C-233/09, EU:C:2010:397, n.os 54 e 55 e jurisprudência referida, e de 26 de maio de 2016, Kohll e Kohll-Schlesser, C-300/15, EU:C:2016:361, n.° 60).

76      No caso em apreço, o argumento do Governo alemão pretende mostrar, por um lado, que a recusa da dedução das despesas especiais pretende garantir que a taxa de imposto aumentada no âmbito da reserva de progressividade do casal não seja corrigida através da redução do rendimento tributável e, por outro, que o benefício resultante da dedução das contribuições seja compensado pela tributação dos rendimentos que tenham uma ligação direta com essas contribuições.

77      Ora, importa salientar que não existe qualquer relação direta na aceção da jurisprudência citada no n.° 75 do presente acórdão entre, por um lado, o método de isenção com reserva da progressividade, segundo o qual o Estado de residência não tributa os rendimentos auferidos nos outros Estados-Membros, mas toma em conta esses rendimentos para fixar a taxa de imposto aplicável às remunerações não isentas e, por outro, a recusa em tomar em consideração as contribuições que têm uma ligação direta com os rendimentos isentos. Efetivamente, a eficácia da progressividade do imposto sobre o rendimento no Estado de residência, pretendida pelo método de isenção com reserva de progressividade, não está subordinada a que a tomada em consideração da situação pessoal e familiar do sujeito passivo seja limitada às despesas ligadas aos rendimentos tributados nesse Estado-Membro (v., por analogia, acórdão de 12 de dezembro de 2002, de Groot, C-385/00, EU:C:2002:750, n.° 109).

78      Além disso, tendo a República Federal da Alemanha acordado na Convenção franco-alemã, que os rendimentos auferidos em França fossem unicamente tributados nesse Estado-Membro, não pode afirmar que o inconveniente resultante da recusa da dedução das contribuições, como as que estão em causa no processo principal, é compensado pela não tributação desses rendimentos na Alemanha. Tal argumento equivaleria a pôr em causa a repartição dos poderes de tributação livremente aceite pela República Federal da Alemanha na Convenção franco-alemã.

79      A recusa em atribuir ao contribuinte residente os benefícios resultantes da tomada em consideração da sua situação pessoal e familiar através de deduções das contribuições para o seguro de doença e as caixas de pensões complementares, como as que estão em causa no processo principal, enquanto despesas especiais, não pode ser, assim, justificada por razões relativas à repartição equilibrada do poder de tributação nem pela preservação da coerência fiscal.

80      Tendo em conta o anteriormente exposto, há que responder às questões submetidas que o artigo 45.° TFUE deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma norma de um Estado-Membro, como a que está em causa no processo principal, nos termos da qual um contribuinte residente nesse Estado-Membro e que trabalha na administração pública de outro Estado-Membro não pode deduzir da matéria coletável do imposto sobre o rendimento no seu Estado-Membro de residência as contribuições para a caixa de pensões e o seguro de doença cobradas sobre o seu salário no Estado-Membro de emprego, diversamente do que sucede com as contribuições comparáveis pagas à segurança social do seu Estado-Membro de residência, quando, em aplicação da convenção para evitar a dupla tributação entre os dois Estados-Membros, o salário não pode ser tributado no Estado-Membro de residência do trabalhador e apenas aumenta a taxa de tributação aplicável aos outros rendimentos.

 Quanto às despesas

81      Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Décima Secção) declara:

O artigo 45.° TFUE deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma norma de um Estado-Membro, como a que está em causa no processo principal, nos termos da qual um contribuinte residente nesse Estado-Membro e que trabalha na administração pública de outro Estado-Membro não pode deduzir da matéria coletável do imposto sobre o rendimento no seu Estado-Membro de residência as contribuições para a caixa de pensões e o seguro de doença cobradas sobre o seu salário no Estado-Membro de emprego, diversamente do que sucede com as contribuições comparáveis pagas à segurança social do seu Estado-Membro de residência, quando, em aplicação da convenção para evitar a dupla tributação entre os dois Estados-Membros, o salário não pode ser tributado no Estado-Membro de residência do trabalhador e apenas aumenta a taxa de tributação aplicável aos outros rendimentos.

Assinaturas


* Língua do processo: alemão.