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Advertência jurídica importante

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61998C0012

Conclusões do advogado-geral La Pergola apresentadas em 18 de Março de 1999. - Miguel Amengual Far contra Juan Amengual Far. - Pedido de decisão prejudicial: Audiencia Provincial de Palma de Mallorca - Espanha. - Sexta Directiva IVA - Locação de bens imóveis - Isenção. - Processo C-12/98.

Colectânea da Jurisprudência 2000 página I-00527


Conclusões do Advogado-Geral


1 Com o presente reenvio prejudicial, a Audiencia Provincial de Palma de Mallorca (Espanha) solicita ao Tribunal de Justiça que declare se a legislação espanhola, a qual sujeita, de modo genérico, ao imposto sobre o valor acrescentado (a seguir «IVA») todos os arrendamentos de imóveis nos quais se exerçam actividades comerciais, transpôs correctamente a Sexta Directiva do Conselho 77/388/CEE, de 17 de Maio de 1977, relativa à harmonização das legislações dos Estados-Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios - Sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado: matéria colectável uniforme (1) (a seguir «Sexta Directiva»).

As disposições comunitárias

2 A Sexta Directiva consagrou, no Título X (artigos 13._ a 16._), um regime de isenções, por força do qual certas operações não estão sujeitas ao imposto e não permitem a dedução do IVA que foi pago a montante. De entre os casos de isenção constam, nomeadamente, a locação de bens imóveis. Nos termos do artigo 13._, B, sobre o qual incide o reenvio prejudicial:

«Sem prejuízo de outras disposições comunitárias, os Estados-Membros isentarão, nas condições por eles fixadas com o fim de assegurar a aplicação correcta e simples das isenções a seguir enunciadas e de evitar qualquer possível fraude, evasão e abuso:

a) ...

b) A locação de bens imóveis, com excepção:

1. Das operações de alojamento, tal como são definidas na legislação dos Estados-Membros, realizadas no âmbito do sector hoteleiro ou de sectores com funções análogas, incluindo as locações de campos de férias ou de terrenos para campismo;

2. Da locação de áreas destinadas ao estacionamento de veículos;

3. Da locação de equipamento e maquinaria de instalação fixa;

4. Da locação de cofres-fortes.

Os Estados-Membros podem prever outras excepções ao âmbito de aplicação desta isenção;

...»

As disposições nacionais

3 Na ordem jurídica espanhola, a aplicação do IVA rege-se actualmente pela Lei 37/1992, de 28 de Dezembro, que substitui a anterior Lei 20/1985, de 2 de Agosto. O artigo 11._, n._ 2, da Lei 37/1992 sujeita ao pagamento do imposto todos os arrendamentos com ou sem opção de compra. O artigo 20._, n._ 23, alínea a), prevê isenções para os arrendamentos de «imóveis ou partes de imóveis destinados exclusivamente a habitação» (2). Os arrendamentos de instalações comerciais não estão pois isentos.

Os factos

4 O litígio na acção principal submetido à apreciação do órgão jurisdicional de reenvio, a Audiencia Provincial, tem como objecto a resolução, por pagamento tardio, do contrato, nos termos do qual Miguel Amengual Far arrendou ao seu irmão Juan Amengual Far um estabelecimento comercial. No momento da celebração do contrato de arrendamento - que revestiu natureza verbal - as partes não estipularam expressamente que a renda devia incluir o IVA, o qual era devido pelo locador por força das disposições fiscais espanholas. Resulta do despacho de reenvio que o locatário tinha inicialmente considerado que o referido imposto não fazia parte da renda. Juan Amengual Far apresentou uma primeira oferta de pagamento que não incluía o IVA; o locador não aceitou a oferta e intentou no tribunal de primeira instância de Inca uma acção de despejo por pagamento fora do prazo. Na pendência do processo, o locatário reiterou a sua oferta, ao mesmo tempo que procedeu ao depósito judicial das rendas devidas, sempre sem IVA. No entanto, posteriormente, o locatário enviou ao seu irmão uma quantia para pagamento do IVA. Tendo em conta as diversas tentativas de pagamento e os depósitos efectuados, mesmo que tardiamente, o pedido de resolução do contrato foi indeferido em primeira instância. O locador interpôs então recurso para a Audiencia Provincial, alegando nomeadamente o facto de o locatário estar obrigado a proceder ao pagamento antecipado da renda mensal, incluindo o respectivo IVA. O arguido contestou o direito de o locador reivindicar o IVA, não expressamente exigido no momento da celebração do contrato e, em todo o caso, não exigível até ao seu pagamento à Fazenda Pública.

Ora, no direito espanhol, os impostos eventualmente devidos à Fazenda Pública fazem parte integrante da renda, de modo que o seu não pagamento constitui causa de resolução automática, sem necessidade de pedido específico. Assim, a Audiencia Provincial considerou que é preciso verificar previamente se o IVA é efectivamente devido no caso da renda em apreço: coloca-se pois a hipótese de a lei espanhola, que prevê de modo genérico o pagamento de IVA em relação a todos os arrendamentos comerciais, não ser compatível com o artigo 13._, B, da Sexta Directiva, o qual, no entender do juiz a quo, consagra um princípio geral de isenção em favor da locação de bens imóveis.

As questões prejudiciais

5 A Audiencia Provincial de Palma de Mallorca submeteu ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1) A lei espanhola relativa ao IVA, ao submeter ao imposto todos os arrendamentos de bens imóveis em que seja exercida uma actividade económica, transpôs correctamente o artigo 13._, B, da Directiva 77/388/CEE?

2) Se o Tribunal de Justiça entender que o artigo 13._, B, da Directiva 77/388/CEE não foi correctamente transposto, a referida disposição comunitária, na medida em que estabelece uma regra geral de isenção do IVA para a locação de bens imóveis, é directamente aplicável?».

Quanto à primeira questão

6 A primeira questão destina-se a saber se a legislação espanhola, que submete ao imposto todos os arrendamentos de bens imóveis em que seja exercida uma actividade económica, transpôs correctamente o artigo 13._, B, da Sexta Directiva que ela visa aplicar. Esta disposição isenta a locação de bens imóveis, com excepção de certos casos especiais - relativos à locação de instalações destinadas ao alojamento, locação de áreas destinadas ao estacionamento de veículos, locação de equipamento e maquinaria de instalação fixa e a locação de cofres-fortes-, ao mesmo tempo que deixa aos Estados-Membros a faculdade de «prever outras excepções ao âmbito de aplicação desta isenção».

7 O Governo espanhol, que interveio para defender a conformidade das medidas de transposição com a directiva, observou que o problema de interpretação se deve, na realidade, a um erro de redacção da versão espanhola do artigo 13._, B, último parágrafo, da Sexta Directiva, que tem o seguinte teor: «Los Estados miembros podrán ampliar el ámbito de aplicación de esta exención a otros supuestos». A disposição parece pois excluir a faculdade de os Estados-Membros restringirem o âmbito de aplicação das isenções. Ora, a comparação com outras versões linguísticas revela claramente que esta versão não é correcta (3). Para além disso, uma disposição que se destina a alargar o alcance de uma regra geral seria, como observa o agente do Governo espanhol, destituída de sentido. A directiva permite, de facto, aos Estados-Membros preverem excepções adicionais aos casos de isenção.

Este esclarecimento revela-se útil, mas não resolve o problema de interpretação. É verdade que o órgão jurisdicional de reenvio parte do pressuposto de que a regulamentação comunitária permite, como precisa a jurisprudência do Tribunal de Justiça, aos Estados-Membros preverem excepções adicionais em relação às expressamente referidas no artigo 13._, B. No entanto, o tribunal a quo observa que, por força da legislação fiscal espanhola, a sujeição dos arrendamentos comerciais ao IVA decorre da aplicação de uma regra geral, e não de uma excepção à regra geral de isenção prevista na directiva.

8 Convirá, pois, verificar se a regulamentação espanhola respeita a relação entre regra (de isenção) e excepção prevista pelo Conselho em matéria de locação de bens imóveis. A Comissão considera correctas as escolhas efectuadas pelo legislador espanhol. Salienta, em especial, que a sujeição geral dos arrendamentos comerciais ao IVA está de acordo com o carácter genérico do IVA, imposto que incide sobre todos os fornecimentos de bens e serviços e cuja aplicação está, em princípio, prevista em todas as fases do processo de produção. Da aplicação geral depende igualmente a possibilidade para o sujeito passivo de recuperar o imposto pago sobre as compras (4). Como já sublinhava o advogado-geral M. Darmon no processo Lubbock Fine, um sistema de imposto sobre o valor acrescentado consegue a maior simplicidade e a maior neutralidade se o imposto for cobrado da forma mais geral possível e se o seu âmbito de aplicação abranger todas as fases da produção e da distribuição, bem como o sector das prestações de serviços (5). Eis a razão pela qual as isenções, que constituem uma excepção ao princípio geral de tributação, devem ser interpretadas de maneira restritiva (6). Este critério tem vindo a ser seguido de forma constante na jurisprudência do Tribunal de Justiça (7). Na mesma perspectiva, é pois necessário interpretar em sentido lato a faculdade dada aos Estados-Membros de prever excepções às isenções referidas na directiva; é aliás o que o Tribunal de Justiça confirmou recentemente no acórdão Blasi (8).

9 Na realidade, não só a letra das disposições em causa, mas também todo o sistema da directiva deixam aos Estados-Membros uma ampla margem de apreciação quanto à percepção da realidade económica. É nomeadamente significativo que, apesar do artigo 13._, B, colocar de modo geral a locação de bens imóveis entre as operações isentas, o artigo 13._, C, permita aos Estados-Membros conceder aos seus sujeitos passivos o direito de optar pela tributação da locação de bens imóveis (9). Parece agora oportuno fazer um reparo. Mesmo se a faculdade dada aos Estados-Membros de introduzirem excepções às isenções referidas na directiva deve ser entendida em sentido lato, no processo vertente, ao invés dos que foram anteriormente submetidos ao Tribunal de Justiça, não se trata de analisar um caso particular para ver se ele pode cair na cláusula geral de isenção ou nas excepções; pelo contrário, há que avaliar se a categoria geral dos arrendamentos comerciais pode ou não ser sujeita ao IVA. Em minha opinião, convém verificar a compatibilidade das escolhas feitas pelo legislador espanhol não só com os princípios de universalidade e de neutralidade do imposto, mas também com a lógica que o Conselho seguiu ao prever e regulamentar os casos de isenção. Com efeito, a directiva destina-se a ser aplicada de maneira uniforme na Comunidade e, para tal, pretende estabelecer um sistema harmonizado de isenções (10). Não partilho pois a opinião expressa pelo agente do Governo espanhol de que a directiva permite aos Estados-Membros introduzirem derrogações à isenção relativa à locação de bens imóveis, sem qualquer limite, a não ser o de tornar insignificante o âmbito de aplicação das isenções. Em vez de recorrer a critérios quantitativos, há que ver se estão verificadas as razões em virtude das quais o Conselho definiu os casos de isenção. Como salientou o advogado-geral Jacobs no processo Blasi, a tributação do IVA, em regra geral, não se justifica em relação ao arrendamento de bens imóveis que, «nomeadamente, é uma actividade relativamente passiva que não gera um valor acrescentado significativo». O advogado-geral Jacobs concluiu nesse processo que a característica comum das operações excluídas, na acepção do artigo 13._, B, alínea b), pontos 1 a 4, da isenção, é que «implicam uma exploração mais activa dos bens imóveis, que justifica uma tributação posterior, para além da que incidiu sobre a venda inicial» (11).

10 Passemos à análise da legislação nacional em causa. O imposto incide sobre qualquer operação que, efectivamente, se insira num processo de produção activo, segundo as informações do advogado-geral Jacobs. Fazendo uso da faculdade referida no artigo 13._, B, de prever outras excepções ao âmbito de aplicação da isenção relativa à locação de bens imóveis, o legislador espanhol submeteu portanto legitimamente ao imposto a locação de instalações afectadas, no âmbito do exercício de uma actividade comercial, a operações tributáveis.

Quanto à segunda questão prejudicial

11 Tendo em conta a resposta proposta para a primeira questão, não há que responder à segunda. Limitar-me-ei a salientar que, mesmo que a legislação espanhola fosse incompatível com a directiva, segundo jurisprudência conhecida e consolidada do Tribunal de Justiça, um particular não pode invocar contra outro a disposição da directiva que não foi correctamente transposta para a ordem jurídica interna (12).

Conclusões

12 Tendo em conta o que precede, proponho que o Tribunal de Justiça responda do seguinte modo às questões colocadas pela Audiencia Provincial de Palma de Mallorca (Terceira Secção):

«A Sexta Directiva do Conselho de 77/388/CEE, de 17 de Maio de 1977, relativa à harmonização das legislações dos Estados-Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios - Sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado: matéria colectável uniforme, permite aos Estados-Membros alargar o âmbito de aplicação das excepções das isenções a casos não previstos, como, à semelhança do caso em apreço, a locação de bens imóveis destinados ao exercício de uma actividade económica.»

(1) - JO L 145, p. 1; EE 09 F1 p. 54.

(2) - O mesmo preceito prevê uma série de casos aos quais a isenção não se aplica.

(3) - Por exemplo, o texto italiano tem a seguinte redacção: «Gli Stati membri possono stabilire ulteriori esclusioni al campo di applicazione di tale esenzione»; segundo a versão francesa: «Les États membres ont la faculté de prévoir des exclusions supplémentaires au champ d'application de cette exonération»; a versão alemã é a seguinte: «Die Mitliedstaaten Können weitere Ausnahmen vom Geltungsbereich dieser Befreiung vorsehen»; finalmente, de acordo com a versão inglesa, «Member States may apply further exclusions to the scope of this exemption».

(4) - Com efeito, o sujeito passivo recupera o imposto por ele pago relativamente às compras ao obter um crédito de imposto para com o Estado, e recupera o imposto devido ao Estado graças ao direito de repercussão sobre os compradores dos seus bens e serviços. A isenção só aproveita pois ao consumidor final que compra o bem ou o serviço a um custo que não é aumentado por causa do IVA; a isenção pode mesmo ser prejudicial para o sujeito passivo que efectua operações activas isentas, na medida em que a realização de operações isentas está associada a restrições ao direito de dedução do IVA sobre as compras. V. Tesauro, F.: Instituzioni di diritto tributario, Milão, 1995, p. 211.

(5) - V. os pontos 13 e 15 das conclusões no acórdão de 15 de Dezembro de 1993, Lubbock Fine (C-63/92, Colect., p. I-6665).

(6) - Como observou o advogado-geral M. Darmon, «As isenções devem ser entendidas tanto mais restritivamente quanto podem quebrar a cadeia de deduções entre sujeitos passivos e criar um encargo fiscal devido à impossibilidade de deduzir um imposto pago a montante.» V. as conclusões, já referidas, no processo Lubbock Fine, n._ 20.

(7) - No acórdão de 11 de Julho de 1985, Comissão/Alemanha (107/84, Recueil, p. 2655, n._ 20), o Tribunal de Justiça dá uma interpretação estritamente literal do artigo 13._, A, n._ 1, alínea a) ao excluir que esta disposição abranja prestações de serviços efectuadas por serviços públicos postais. A exigência de uma interpretação estrita está consagrada de modo geral no acórdão de 15 de Junho de 1989, Stichting Uitvoering Financiële Acties (348/87, Colect., p. 1737, n._ 13); v. também o acórdão de 26 de Junho de 1990, Velker International Oil Company (C-185/89, Colect., p. I-2561, n._ 19).

(8) - Acórdão de 12 de Fevereiro de 1998 (C-346/95, Colect., p. I-481, n._ 18), no qual se considera que são tributáveis, a título de operações de alojamento, as operações de alojamento por curta duração de pessoas que não sejam familiares ou amigos. V. também o acórdão de 13 de Julho de 1989, Henriksen (173/88, Colect., p. 2763), segundo o qual as garagens fechadas estão abrangidas pela noção de «locação de áreas destinadas ao estacionamento de veículos», que introduz uma excepção à isenção prevista no artigo 13._, B, alínea b), n._ 2.

(9) - Como se lê no n._ 7 do acórdão de 3 de Dezembro de 1998, Belgocodex (C-381/97, Colect., p. I-8153), «os Estados-Membros gozam de um amplo poder de apreciação no âmbito das disposições do artigo 13._, B e C. Com efeito, cabe-lhes apreciar se é conveniente instaurar ou não o direito de opção, consoante o que considerarem oportuno em função do contexto existente no seu país num determinado momento».

Para além disso, noutro aspecto, o Conselho previu uma ampla possibilidade de derrogar ao disposto no artigo 10._ relativamente ao momento em que o imposto é exigível. V. o acórdão de 26 de Outubro de 1995, Italittica (C-144/94, Colect., p. I-3653, n._ 15).

(10) - Como resulta do décimo primeiro considerando da directiva, julgou-se conveniente «estabelecer uma lista comum de isenções, a fim de que os recursos próprios sejam cobrados de modo uniforme em todos os Estados-Membros».

(11) - Conclusões de 25 de Setembro de 1997 no processo Blasi, já referido na nota 8, n.os 15 e 16.

(12) - V., nomeadamente, o acórdão de 26 de Fevereiro de 1986, Marshall I (152/84, Colect., p. 723, n._ 48), e, recentemente, o acórdão de 4 de Dezembro de 1997, Daihatsu Deutschland (C-97/96, Colect., p. I-6843, n._ 24).