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CONCLUSÕES DA ADVOGADA-GERAL

JULIANE KOKOTT

apresentadas em 7 de Setembro de 2006 1(1)

Processo C-401/05

VDP Dental Laboratory NV

contra

Staatssecretaris van Financiën

[pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Hoge Raad der Nederlanden (Países Baixos)]

«Sexta Directiva IVA – Isenções no território do país – Fornecimentos de próteses dentárias por dentistas e mecânicos dentistas – Fornecimento intracomunitário – Dedução do imposto pago a montante»





I –    Introdução

1.     No presente processo, colocam-se questões relativas à interpretação da Sexta Directiva 77/388/CEE do Conselho, de 17 de Maio de 1977, relativa à harmonização das legislações dos Estados-Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios – Sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado: matéria colectável uniforme (2) (a seguir «Sexta Directiva»), a propósito do fornecimento de próteses dentárias.

2.     Por um lado, importa esclarecer se a isenção deste tipo de fornecimento, prevista no artigo 13.°, A, n.° 1, alínea e), da Sexta Directiva, também abrange os casos em que a prótese dentária não é fornecida directamente por um dentista ou por um mecânico dentista, mas sim por um intermediário que não possui, ele próprio, nenhuma dessas qualificações profissionais.

3.     Por outro lado, coloca-se a questão de saber se, no âmbito de fornecimentos intracomunitários de próteses dentárias, existe um direito a dedução do imposto pago a montante nos casos em que no país de destino esse fornecimento em aplicação de um regime transitório derrogatório daquele que vem consagrado no artigo 13.°, A, n.° 1, alínea a), da Sexta Directiva está sujeito a imposto. Coloca-se uma questão semelhante no processo Eurodental (C-240/05) (3).

II – Quadro jurídico

A –    Direito comunitário

4.     A Primeira Directiva IVA (4) contém, no artigo 2.°, a seguinte definição dos elementos essenciais do sistema comum de imposto sobre o valor acrescentado:

«O princípio do sistema comum de imposto sobre o valor acrescentado consiste em aplicar aos bens e aos serviços um imposto sobre o consumo exactamente proporcional ao preço dos bens e dos serviços, qualquer que seja o número de transacções ocorridas no processo de produção e de distribuição anterior à fase de tributação.

Em cada transacção, o imposto sobre o valor acrescentado, calculado sobre o preço do bem ou do serviço à taxa aplicável ao referido bem ou serviço, é exigível, com prévia dedução do montante do imposto sobre o valor acrescentado que tenha incidido directamente sobre o custo dos diversos elementos constitutivos do preço.»

5.     O artigo 13.° da Sexta Directiva tem por epígrafe «Isenções no território do país»; a parte A, n.° 1, tem o seguinte teor:

«Sem prejuízo de outras disposições comunitárias, os Estados-Membros isentarão, nas condições por eles fixadas com o fim de assegurar a aplicação correcta e simples das isenções a seguir enunciadas e de evitar qualquer possível fraude, evasão e abuso:

[...]

e)      As prestações de serviços efectuadas no âmbito da sua actividade pelos mecânicos dentistas, e bem assim o fornecimento de próteses dentárias efectuado pelos dentistas e mecânicos dentistas [...]»

6.     O artigo 28.°, n.° 3, da Sexta Directiva admite disposições transitórias derrogatórias do artigo 13.°:

«Durante o período transitório a que se refere o n.° 4 [(5)], os Estados-Membros podem:

a)      Continuar a aplicar o imposto às operações isentas por força dos artigos 13.° ou 15.°, cuja lista consta do Anexo E [...]»

7.     No anexo E, n.° 2, referem-se as operações dos dentistas e dos mecânicos dentistas às quais alude o artigo 13.°, A, n.° 1, alínea e), da Sexta Directiva.

8.     Através da Directiva 91/680/CEE do Conselho, de 16 de Dezembro de 1991 (6), foi introduzido na Sexta Directiva um novo título XVI A (Regime transitório de tributação das trocas comerciais entre os Estados-Membros; artigos 28.°-A a 28.°-M). Estas disposições mantêm-se aplicáveis, uma vez que até à presente data ainda não foi aprovado qualquer regime definitivo de tributação das trocas comerciais entre os Estados-Membros.

9.     O artigo 28.°-A (7) da Sexta Directiva regula a sujeição ao IVA das aquisições intracomunitárias nos termos seguintes:

«1.      Ficam igualmente sujeitas ao IVA:

a)      As aquisições intracomunitárias de bens efectuadas a título oneroso no território do país por um sujeito passivo agindo nessa qualidade, ou por uma pessoa colectiva que não seja sujeito passivo, quando o vendedor for um sujeito passivo que aja nessa qualidade, que não beneficie da isenção de imposto prevista no artigo 24.° e que não esteja abrangido pelo disposto no n.° 1, segundo período, da alínea a) do artigo 8.° ou no n.° 1, ponto B, do artigo 28.°-B.

Em derrogação do disposto no primeiro parágrafo, não estão sujeitas ao imposto sobre o valor acrescentado as aquisições intracomunitárias de bens efectuadas por um sujeito passivo ou por uma pessoa colectiva que não seja sujeito passivo, nas condições previstas no n.° 1A.

Os Estados-Membros concederão aos sujeitos passivos e às pessoas colectivas que não sejam sujeitos passivos susceptíveis de beneficiarem do disposto no segundo parágrafo, o direito de optarem pelo regime geral previsto no primeiro parágrafo. Os Estados-Membros determinarão as modalidades de exercício desta opção que, de qualquer forma, abrange um período de dois anos civis.

[...]

1A.      Beneficiam da derrogação prevista na alínea a), segundo parágrafo, do n.° 1:

a)      [...]

b)      As aquisições intracomunitárias de bens, que não as previstas na alínea a), efectuadas:

–       [...] por um sujeito passivo que apenas realize entregas de bens ou prestações de serviços que não lhe dêem qualquer direito a dedução, ou por uma pessoa colectiva que não seja sujeito passivo,

–       dentro do limite ou até um montante global que não exceda, no ano civil em curso, um limiar a fixar pelos Estados-Membros, o qual não poderá, no entanto, ser inferior ao contra-valor de 10 000 ecus em moeda nacional, e

–       desde que o montante global das aquisições intracomunitárias de bens não tenha excedido o limiar mencionado no segundo travessão durante o ano civil precedente.

O limiar que serve de referência para aplicação das disposições anteriores é constituído pelo montante global, líquido do imposto sobre o valor acrescentado devido ou pago no Estado-Membro onde se inicia a expedição ou o transporte dos bens, das aquisições intracomunitárias de bens que não sejam meios de transporte novos nem produtos sujeitos a impostos especiais de consumo.»

10.   O artigo 28.°-B, B, da Sexta Directiva define o lugar das entregas intracomunitárias de bens, em determinados casos excepcionais, do modo seguinte:

«1.      Em derrogação do n.° 1, alínea a), e do n.° 2 do artigo 8.°, considera-se que o lugar da entrega de bens expedidos ou transportados pelo fornecedor ou por conta deste, a partir de um Estado-Membro que não seja o de chegada da expedição ou do transporte se situa no lugar onde se encontram os bens no momento da chegada da expedição ou do transporte destinado ao adquirente, desde que se encontrem reunidas as seguintes condições:

–       a entrega dos bens seja feita para um sujeito passivo ou para uma pessoa colectiva não sujeito passivo que beneficiem da derrogação prevista no n.° 1, alínea a), segundo parágrafo, do artigo 28.°-A ou para qualquer outra pessoa que não seja sujeito passivo,

[...]

2.      No entanto, caso os bens entregues não sejam produtos sujeitos a impostos especiais sobre o consumo, o disposto no n.° 1 não se aplica às entregas de bens expedidos ou transportados com destino a um mesmo Estado-Membro de chegada da expedição ou do transporte:

–       efectuadas dentro dos limites e até um montante global, líquido do imposto sobre o valor acrescentado, que não exceda, durante o mesmo ano civil, o contravalor em moeda nacional de 100 000 ecus, e

–       desde que o montante global, líquido do imposto sobre o valor acrescentado, das entregas de bens que não sejam produtos sujeitos a impostos especiais de consumo, efectuadas nas condições previstas no n.° 1, durante o ano civil anterior não tenha excedido o contravalor em moeda nacional de 100 000 ecus [(8)].

O Estado-Membro em cujo território se encontrem os bens no momento da chegada da expedição ou do transporte destinado ao adquirente pode limitar os limiares acima referidos ao contravalor em moeda nacional de 35 000 ecus, se recear que o limiar de 100 000 ecus acima referido conduz a sérias distorções das condições de concorrência. Os Estados-Membros que fizerem uso desta faculdade tomarão as medidas necessárias para informar as autoridades públicas competentes do Estado-Membro a partir do qual os bens são expedidos ou transportados.

[...]

3.      O Estado-Membro em cujo território se encontrem os bens no momento da partida da expedição ou do transporte concederá aos sujeitos passivos que efectuem entregas de bens susceptíveis de beneficiar do disposto no n.° 2 o direito de optarem pela determinação do lugar dessas entregas de acordo com o n.° 1.

Os Estados-Membros em questão determinarão as modalidades do exercício dessa opção que, em qualquer caso, abrangerá um período de dois anos civis.»

11.   Nos termos do artigo 28.°-C, A, da Sexta Directiva, as entregas de bens entre dois Estados-Membros estão, em princípio, isentas do imposto. Esta disposição tem a seguinte redacção:

«Sem prejuízo de outras disposições comunitárias e nas condições fixadas pelos Estados-Membros para garantir uma aplicação correcta e simples das isenções adiante previstas e a prevenir eventuais fraudes, evasões e abusos, os Estados-Membros isentarão:

a)      As entregas de bens, na acepção do artigo 5.° e na acepção do n.° 5, alínea a), do artigo 28.°-A, expedidos ou transportados, pelo vendedor ou pelo adquirente ou por conta destes, para fora do território referido no artigo 3.°, mas no interior da Comunidade, efectuadas a outro sujeito passivo ou a uma pessoa colectiva que não seja sujeito passivo, agindo como tal num Estado-Membro diferente do Estado de início da expedição ou do transporte dos bens.

Esta isenção não se aplica às entregas de bens efectuadas por sujeitos passivos que beneficiem da isenção de imposto prevista no artigo 24.°, nem às entregas de bens efectuadas a sujeitos passivos ou a pessoas colectivas que não sejam sujeitos passivos que beneficiem da derrogação prevista no n.° 1, alínea a), segundo parágrafo, do artigo 28.°-A;

[...]»

12.   O artigo 17.° da Sexta Directiva, na redacção do artigo 28.°-F da Sexta Directiva (9), regula o direito a dedução do imposto pago a montante. São aqui pertinentes os n.os 2 e 3:

«2. Desde que os bens e os serviços sejam utilizados para os fins das próprias operações tributáveis, o sujeito passivo está autorizado a deduzir o imposto de que é devedor:

a)      O imposto sobre o valor acrescentado devido ou pago em relação a bens que lhe são ou serão entregues e em relação a serviços que lhe são ou serão prestados por outro sujeito passivo devedor do imposto no território do país;

[...]

3. Os Estados-Membros concederão igualmente a todos os sujeitos passivos a dedução ou o reembolso do imposto sobre o valor acrescentado referido no n.° 2, desde que os bens e os serviços sejam utilizados para efeitos:

a)      Das suas operações relacionadas com as actividades económicas referidas no n.° 2 do artigo 4.°, efectuadas no estrangeiro, que teriam conferido direito a dedução se essas operações tivessem sido realizadas no território do país;

b)      Das suas operações isentas nos termos do n.° 1, alínea i) do artigo 14.°, do artigo 15.°, dos pontos B, C, D e E do n.° 1 do artigo 16.°, do n.° 2 do mesmo artigo e do ponto A do artigo 28.°-C;

c)      Das suas operações isentas nos termos da alínea a) e dos pontos 1 a 5 da alínea d) do ponto B do artigo 13.°, sempre que o destinatário se encontre estabelecido fora da Comunidade ou quando tais operações estejam directamente ligadas a bens que se destinem a ser exportados para fora da Comunidade.»

B –    Direito nacional

13.   De acordo com o artigo 11.°, n.° 1, alínea g), da lei neerlandesa relativa ao imposto sobre o volume de negócios, na redacção em vigor até 1 de Dezembro de 1997, as prestações de mecânicos dentistas encontravam-se isentas do imposto. Segundo interpretação dos tribunais neerlandeses, esta isenção não abrangia fornecimentos por intermediários que não fossem, eles próprios, mecânicos dentistas.

14.   A partir de 1 de Dezembro de 1997, a mencionada disposição isenta do imposto «os fornecimentos de próteses dentárias», sem qualquer indicação suplementar acerca da pessoa do fornecedor.

III – Matéria de facto e questões prejudiciais

15.   A VDP Dental Laboratory NV (a seguir «VDP»), uma sociedade com sede nos Países Baixos, manda fazer trabalhos de prótese dentária, tais como coroas, implantes, aparelhos, pontes e outros, por encomenda de dentistas estabelecidos nos Países Baixos, Bélgica, Dinamarca, Alemanha, França, Itália e países terceiros. O dentista que faz a encomenda prepara, para o efeito, um ou mais moldes em gesso da dentição do paciente, moldes esses que são depois enviados à VDP ou por ela retirados. A VDP decide sobre a possibilidade da sua utilização no fabrico de uma prótese dentária e, em caso afirmativo, envia os moldes para um laboratório de próteses dentárias (quase sempre situado fora da Comunidade), para esse fim. O laboratório fornece a prótese dentária, depois de pronta, à VDP, a qual efectua o respectivo pagamento ao laboratório e, se for esse o caso, importa essa prótese para a Comunidade. Por fim, a VDP fornece a prótese ao dentista que a encomendou, mediante o pagamento e entrega ao domicílio com porte pago. A VDP não tem ao seu serviço quaisquer mecânicos dentistas ou médicos dentistas diplomados.

16.   A VDP sustentou que os fornecimentos que efectuara nos Países Baixos estavam isentos do imposto sobre o volume de negócios e que, relativamente aos fornecimentos efectuados a dentistas estabelecidos nos Países Baixos, não tinha direito a dedução do imposto pago a montante. A VDP deduziu o imposto pago a montante sobre fornecimentos efectuados a dentistas estabelecidos fora dos Países Baixos.

17.   A fim de evitar a dupla tributação, a Administração Fiscal autorizou a dedução do imposto pago a montante sobre produtos e serviços adquiridos pela VDP no âmbito de fornecimentos intracomunitários, sob a condição de a VDP registar na sua contabilidade o número de identificação fiscal de IVA do cliente e declarar os fornecimentos intracomunitários efectuados.

18.   Uma vez que estas condições não estavam preenchidas no que respeita aos fornecimentos para os acima mencionados Estados-Membros (v. n.° 15), a Administração Fiscal emitiu, para o período compreendido entre 1 de Janeiro de 1996 e 31 de Dezembro de 1998, um aviso de liquidação adicional de imposto sobre o volume de negócios no montante de 117 530 NLG.

19.   O tribunal de primeira instância entendeu que as prestações da interessada, no que diz respeito ao período compreendido entre 1 de Janeiro de 1996 e 1 de Dezembro de 1997, não estavam isentas ao abrigo do artigo 11.°, n.° 1, alínea g), da lei do imposto sobre o volume de negócios (na redacção em vigor até 1 de Dezembro de 1997). Relativamente ao período compreendido entre 1 de Dezembro de 1997 e 31 de Janeiro de 1998, o tribunal entendeu que as prestações não se encontravam abrangidas pela isenção prevista na Sexta Directiva, uma vez que a VDP não é um mecânico dentista. Considerou, contudo, que estavam preenchidas as condições previstas no artigo 11.°, n.° 1, alínea g), da lei do imposto sobre o volume de negócios (na redacção em vigor até 1 de Dezembro de 1997). Segundo o tribunal, a dedução do imposto pago a montante fica excluída em virtude da isenção. Ainda segundo o tribunal, a VDP não pode invocar simultaneamente, por um lado, a tributação da prestação por força da Sexta Directiva, para daí inferir o direito a dedução do imposto pago a montante, e, por outro lado, a isenção de tributação segundo o direito nacional. No final, o tribunal reduziu a liquidação adicional para 9 527 NLG. Este montante refere-se a fornecimentos de próteses dentárias a dentistas estabelecidos noutros Estados-Membros, no período compreendido entre 1 de Dezembro de 1997 e 31 de Março de 1998.

20.   No âmbito do processo de cassação que corre termos perante o Hoge Raad, discute-se a questão de saber se também existe um direito a dedução do imposto pago a montante em relação a fornecimentos efectuados a dentistas estabelecidos em França e em Itália, uma vez que nestes países o fornecimento de próteses dentárias não está isento do imposto. É neste contexto que o Hoge Raad, por acórdão de 11 de Novembro de 2005, submeteu ao Tribunal de Justiça as seguintes questões, para decisão a título prejudicial:

«1)      O artigo 13.°, A, proémio e alínea e), da Sexta Directiva deve ser interpretado no sentido de que o ‘fornecimento de próteses dentárias efectuado pelos mecânicos dentistas’ inclui o fornecimento de próteses dentárias por um sujeito passivo que subcontrata o seu fabrico a um mecânico dentista?

2)      Em caso de resposta afirmativa a esta questão:

O artigo 17.°, n.° 3, proémio e alínea a), da Sexta Directiva deve ser interpretado no sentido de que um Estado-Membro que isentou de IVA os fornecimentos supramencionados deverá associar-lhes o direito de dedução (em especial, nos termos do artigo 28.°-B, B, n.° 1, proémio e primeiro travessão da Sexta Directiva) se os mesmos tiverem lugar noutro Estado-Membro, que os excluiu da isenção por aplicação do artigo 28.°, n.° 3, alínea a), conjugado com o anexo E, ponto 2, da Sexta Directiva?»

21.   A VDP, os Governos neerlandês e grego e a Comissão das Comunidades Europeias apresentaram observações escritas no processo que corre termos perante o Tribunal de Justiça.

IV – Apreciação jurídica

A –    Quanto ao regime de trocas comerciais intracomunitárias aplicável

22.   Importa determinar, antes de se passar a analisar com mais detalhe as questões prejudiciais submetidas pelo Hoge Raad, quais são as disposições que regulam as trocas intracomunitárias que se aplicam ao presente caso. É que, consoante o regime aplicável, também se aplicará um ou outro regime de dedução do imposto.

1.      O regime geral

23.   Segundo o regime geral, as entregas de bens efectuadas por um sujeito passivo a outro sujeito passivo ficam isentas do imposto no seu Estado de origem, nos termos do artigo 28.°-C, A, alínea a), da Sexta Directiva. Em vez de ser o fornecedor, é quem recebe o bem que tem, no âmbito de uma aquisição intracomunitária, de pagar IVA no Estado de destino, nos termos do artigo 28.°-A, n.° 1, alínea a), primeiro parágrafo da Sexta Directiva.

24.   Nos termos do artigo 17.°, n.° 3, alínea b), da Sexta Directiva, os Estados-Membros concedem a todos os sujeitos passivos a dedução ou o reembolso do imposto pago a montante, igualmente se os bens e os serviços forem utilizados para efeitos das suas operações isentas nos termos do artigo 28.°-C, A, da Sexta Directiva, ou seja, o imposto devido sobre prestações que o sujeito passivo adquiriu a montante com vista a um fornecimento intracomunitário.

25.   À primeira vista, este regime legal é surpreendente, uma vez que o direito à dedução do IVA que incidiu sobre a aquisição de bens ou serviços só existe, em regra, se as despesas efectuadas com a sua aquisição tiverem feito parte dos elementos constitutivos do preço das operações tributadas a jusante com direito a dedução (10).

26.   Contudo, como referiu o advogado-geral D. Ruiz-Jarabo Colomer nas suas conclusões apresentadas no processo Eurodental (11), o artigo 17.°, n.° 3, alínea b), da Sexta Directiva está inteiramente em consonância com o sistema de tributação do comércio entre Estados-Membros. A disposição em causa responde ao princípio da passagem do direito de tributação para o Estado de destino e assegura que o valor acrescentado resultante das prestações a montante fique, também ele, sujeito ao imposto no Estado em que o bem será consumido, como corresponde à natureza do imposto sobre o valor acrescentado enquanto imposto que incide sobre o consumo privado (12).

2.      O regime de minimis

27.   Determinados fornecimentos intracomunitários de menor importância são regulados por regras especiais que passo a designar, em síntese, por regime de minimis. Os pressupostos de aplicação destas regras especiais são extremamente complicados e podem ser influenciados pela escolha entre várias alternativas.

28.   Simplificando, dir-se-á que, em derrogação do regime geral aplicável aos fornecimentos de longa distância, considera-se lugar de destino o lugar onde o bem se encontre, à chegada da expedição ou do transporte. Assim, o fornecimento deve ser tributado no país de destino pelo fornecedor e não pelo adquirente, tal como sucederia no regime geral de trocas intracomunitárias. Deste modo, os fornecimentos de minimis a sujeitos passivos de outro Estado-Membro são amplamente equiparados a fornecimentos transfronteiriços de um sujeito passivo a um consumidor final. Este regime especial é, mais precisamente, o seguinte.

29.   Nos termos do artigo 28.°-A, n.° 1, alínea a), segundo parágrafo, em conjugação com o n.° 1-A, da Sexta Directiva, as aquisições intracomunitárias estão isentas do disposto quando o adquirente só efectuar fornecimentos que não lhe confiram qualquer direito a dedução e o montante global das aquisições intracomunitárias desse mesmo sujeito passivo não exceder, no ano civil em curso, um limiar a fixar pelos Estados-Membros. Este limiar não pode ser inferior ao contra-valor de 10 000 ecus – actualmente, 10 000 euros. Além disso, o sujeito passivo em causa não pode ter feito uso, no decurso do ano civil em causa ou durante o ano civil imediatamente anterior, da possibilidade prevista no artigo 28.°-A, n.° 1, alínea a), terceiro parágrafo, da Sexta Directiva de optar pelo regime geral (tributação das aquisições intracomunitárias).

30.   O artigo 28.°-B, B, n.° 1, da Sexta Directiva transfere para o país de destino o lugar da entrega intracomunitária de bens cuja aquisição se encontra isenta nos termos do artigo 28.°-A, n.° 1, alínea a), segundo parágrafo. Contudo, este regime só se aplica a bens que não sejam produtos sujeitos a impostos especiais sobre o consumo – como é o caso das próteses dentárias – se os fornecimentos com destino a um mesmo Estado-Membro não excederem durante o mesmo ano civil ou não tenham excedido no ano civil anterior o montante de 100 000 ecus/euros; os Estados-Membros podem reduzir este limiar para 35 000 ecus/euros (artigo 28.°-B, B, n.° 2, da Sexta Directiva). O fornecedor pode, também neste caso, optar pela aplicação do regime geral.

31.   O regime de minimis é completado pelo artigo 28.°-C, A, alínea a), segundo parágrafo, da Sexta Directiva. Esta disposição esclarece que, em derrogação do regime geral, o fornecimento intracomunitário de bens não está isento de IVA quando a aquisição dos bens correspondente beneficiar da isenção prevista no artigo 28.°-A, n.° 1, alínea a), segundo parágrafo.

32.   No que diz respeito à dedução do imposto pago a montante, relativa aos fornecimentos efectuados pelo fornecedor no país de destino, o artigo 17.°, n.° 3, alínea a), da Sexta Directiva determina que se proceda a uma análise comparativa do tratamento concedido a operações equivalentes realizadas no território do país. Se houver direito a dedução no caso de as operações finais equivalentes terem sido realizadas no território do país, então, esse mesmo direito também existe em relação a prestações a montante anteriores realizadas no estrangeiro.

3.      Qual é o regime aplicável ao caso em apreço?

33.   A Comissão, em resposta a uma questão colocada pelo Tribunal de Justiça, defendeu o ponto de vista segundo o qual se aplica, no caso em apreço, o regime de minimis.

34.   Porém, o pedido de decisão prejudicial não é claro a este propósito. Por um lado, o Hoge Raad pergunta expressamente, na sua segunda questão prejudicial, qual a interpretação a dar ao artigo 17.°, n.° 3, alínea a), da Sexta Directiva no contexto de fornecimentos que devem ser considerados efectuados noutro Estado-Membro, nos termos do artigo 28.°-B, B, n.° 1, primeiro travessão, da Sexta Directiva. O que indicia que se trata do regime de minimis.

35.   Mas, por outro lado, o órgão jurisdicional de reenvio remete, na fundamentação do seu pedido, para o processo Eurodental, referindo que a resposta à questão aí colocada, relativa à interpretação do artigo 17.°, n.° 3, alínea b), da Sexta Directiva, é igualmente pertinente para o presente processo. Mas esta disposição só se aplica a fornecimentos intracomunitários sujeitos ao regime geral.

36.   O ponto de vista da Comissão assenta, essencialmente, numa análise própria da matéria de facto constante do acórdão de reenvio.

37.   Neste sentido, constata-se que o litígio tem origem numa liquidação adicional do imposto sobre o volume de negócios no montante de 117 530 NLG (que corresponde a, aproximadamente, 53 000 euros), referente ao período compreendido entre 1 de Janeiro de 1996 e 31 de Dezembro de 1998. Com base numa média de IVA de 19%, nos países de destino, o valor dos fornecimentos intracomunitários perfez, aproximadamente, 279 000 euros.

38.   Não obstante, não resulta da matéria de facto de que modo se distribuíram os fornecimentos pelos vários anos fiscais e países de destino. Também não se sabe se alguns desses países e, em caso afirmativo, quais deles fizeram uso da possibilidade de reduzir o limiar de aplicação do artigo 28.°-B, B, da Sexta Directa para 35 000 ecus/euros. Por fim, desconhece-se a dimensão dos fornecimentos no ano civil anterior e se a VDP optou pela aplicação do regime geral.

39.   Além disso, acresce que não se sabe ao certo, com base nos elementos contidos no pedido de decisão prejudicial, se os clientes da VDP forneceram unicamente prestações que não concediam o direito a dedução do imposto pago a montante ou se não fizeram uso da possibilidade de tributar a aquisição intracomunitária. Em todo o caso, de entre os dentistas que receberam fornecimentos da VDP, têm direito a dedução do imposto pago a montante aqueles que estão estabelecidos em Estados-Membros que tenham feito uso do regime transitório regulado no artigo 28.°, n.° 1, alínea a), em conjugação com o anexo E, da Sexta Directiva.

40.   Deste modo, compete aos tribunais nacionais apurar qual dos dois regimes se aplica ao presente caso. Uma vez que a dedução do imposto pago a montante se encontra regulada, em cada um desses regimes, de modo distinto, irei analisar, de seguida, à luz de ambas as variantes, quais são os efeitos da conjugação das disposições sobre trocas intracomunitárias com as disposições que regulam a isenção de fornecimentos internos de próteses dentárias.

B –    Quanto à relação entre as disposições sobre trocas intracomunitárias e as disposições que regulam a isenção de fornecimentos de próteses dentárias no interior do país

1.      Primeira hipótese: aplicação do regime geral de fornecimentos intracomunitários

41.   Nos termos do artigo 28.°-C, A, alínea a), da Sexta Directiva, as entregas de bens intracomunitárias estão isentas de IVA. Contudo, o artigo 17.°, n.° 3, alínea b), prevê o direito a dedução do imposto pago a montante no âmbito de entregas de bens intracomunitárias, sem fazer depender esse direito, de modo algum, da natureza do bem fornecido.

42.   Caso se aplicasse prioritariamente este regime, a primeira questão prejudicial não careceria de resposta, uma vez que, à luz do critério do artigo 13.°, A, n.° 1, alínea e), da Sexta Directiva, não importaria saber qual a natureza do fornecimento. Decisivo seria apenas o facto de estar em causa um fornecimento intracomunitário que, nos termos do artigo 17.°, n.° 3, alínea b), fundamenta o direito a dedução.

43.   Porém, esta solução apresenta o problema de os fornecimentos internos poderem, eventualmente, ficar prejudicados em relação a fornecimentos intracomunitários, o que pode implicar distorção da concorrência.

44.   Com efeito, se um fornecimento interno está, no país de destino, isento do imposto, por aplicação do artigo 13.°, também o deve estar a aquisição intracomunitária, por aplicação do artigo 28.°-C, B, alínea a), da Sexta Directiva. Consequentemente, um sujeito passivo poderia efectuar entregas aos seus clientes noutro Estado-Membro sem que estes tivessem de pagar IVA, independentemente da forma deste. Mas o fornecedor poderia deduzir o imposto, por ter realizado um fornecimento intracomunitário.

45.   É certo que um sujeito passivo, estabelecido no país de destino, pode, também ele, efectuar entregas isentas ao abrigo do artigo 13.° Porém, em conformidade com o artigo 17.°, n.° 2, da Sexta Directiva, não pode invocar o direito a dedução do imposto pago a montante.

46.   Na minha opinião, este problema deveria ser resolvido concedendo-se o direito a dedução, no contexto de fornecimentos intracomunitários, unicamente nos casos em que o fornecimento inicial é efectivamente tributado no país de destino.

47.   O advogado-geral D. Ruiz-Jarabo Colomer, nas conclusões que apresentou no processo Eurodental, sugeriu uma outra via. Em sua opinião, a dedução do imposto pago a montante está excluída em relação a um fornecimento intracomunitário quando a operação, por força do artigo 13.°, fica dispensada de tributação em razão da «sua própria natureza» (13). No presente processo, os Governos intervenientes e a Comissão defendem igualmente o ponto de vista segundo o qual a isenção prevista no artigo 13.° prima sobre a isenção dos fornecimentos intracomunitários.

48.   Este entendimento não tem base de sustentação clara na letra das disposições legais aplicáveis. Pelo contrário, a reserva expressa enunciada na frase introdutória dessa disposição, «[s]em prejuízo de outras disposições comunitárias, os Estados-Membros isentarão [...]», milita contra o primado da isenção fixada no artigo 13.°, A. Além disso, é duvidoso que os fornecimentos de próteses dentárias se possam considerar isentos em razão da sua própria natureza quando o artigo 28.°, n.° 3, alínea a), conjugado com o anexo E da Sexta Directiva, permite a tributação de tais prestações.

49.   O advogado-geral D. Ruiz-Jarabo Colomer apresenta outros dois argumentos a favor da sua tese. Por um lado, remete – tal como o faz a Comissão no presente processo – para o artigo 17.°, n.° 3, alínea c), da Sexta Directiva. Esta disposição concede o direito a dedução em relação a determinadas prestações isentas nos termos do artigo 13.°, B, quando a operação transcende as fronteiras da Comunidade. Segundo o advogado-geral e a Comissão, esta disposição seria supérflua se estas isenções, uma vez que as prestações por ela abrangidas ganhassem uma dimensão internacional, pudessem também basear-se directamente no artigo 17.°, n.° 3, alínea b).

50.   Este argumento não me convence. Nas isenções referidas no artigo 13.°, B, alíneas a) e d), pontos 1 a 5, da Sexta Directiva, às quais se reporta o artigo 17.°, n.° 3, alínea c), estão em causa operações de seguro e operações financeiras, relacionadas com o fornecimento de bens a países terceiros. Diversamente, o artigo 17.°, n.° 3, alínea b), da Sexta Directiva abrange o próprio fornecimento de bens em outros Estados-Membros ou em Estados terceiros. Consequentemente, as alíneas b) e c), incidem sobre prestações totalmente diferentes, de modo que nenhuma das disposições pode tornar a outra supérflua.

51.   Em segundo lugar, o advogado-geral D. Ruiz-Jarabo Colomer retoma um argumento da Comissão e refere que a isenção conduz a distorções da concorrência no Estado da sede da empresa, se esta puder deduzir o imposto em relação a fornecimentos intracomunitários de próteses dentárias enquanto outras empresas, que realizam o mesmo tipo de fornecimento, mas dentro desse mesmo Estado, não tiverem esse direito.

52.   Também aqui não posso concordar com o meu colega. Se uma empresa realizar fornecimentos transfronteiriços noutro Estado-Membro, não está em concorrência com empresas que actuam no seu mercado doméstico. O que realmente existe é uma relação de concorrência entre fornecimentos intracomunitários e fornecimentos internos no Estado de destino. Por isso, a fim de evitar distorções de concorrência, o que importa garantir é que todos esses fornecimentos fiquem sujeitos ao mesmo tratamento fiscal, no país de destino.

53.   A solução preconizada pelo advogado-geral D. Ruiz-Jarabo Colomer não dá conta deste problema. Conduz, em determinadas configurações, tal como acontece no caso Eurodental e, possivelmente, também no caso VDP, tanto a violações do princípio da neutralidade do IVA como também a restrições da circulação intracomunitária de mercadorias.

54.   No processo Eurodental, está em causa a questão de saber se uma empresa estabelecida no Luxemburgo tem direito a dedução do imposto pago a montante no contexto de fornecimento de próteses dentárias na Alemanha. Enquanto o Luxemburgo isenta do IVA o fornecimento de próteses dentárias efectuado por mecânicos dentistas, nos termos do artigo 13.°, A, n.° 1, alínea e), da Sexta Directiva, a Alemanha continua a tributar esses fornecimentos, de acordo com o regime transitório contido no artigo 28.°, n.° 3, alínea a), em conjugação com o anexo E da Sexta Directiva.

55.   Se devesse primar o critério da isenção do fornecimento de próteses dentárias no país de origem, nos termos do artigo 13.°, então, seria recusado o direito a dedução a uma empresa como a Eurodental, não obstante o fornecimento ao qual procede ser efectivamente tributado, no país de destino. Daí resultaria que, no caso do fornecimento intracomunitário, o preço final estaria onerado não só pelo IVA proporcional ao mesmo mas também, adicionalmente, pelo IVA residual aplicado às prestações anteriores.

56.   Isto é contrário ao princípio da neutralidade do IVA, o qual está na base do regime da dedução do imposto pago a montante. O direito à dedução faz parte integrante do mecanismo do IVA e não pode, em princípio, ser limitado (14). O regime de deduções visa liberar inteiramente o empresário do ónus do IVA devido ou pago no âmbito de todas as suas actividades económicas. O sistema comum do IVA garante, por conseguinte, a perfeita neutralidade quanto à carga fiscal de todas as actividades económicas, quaisquer que sejam os fins ou os resultados dessas actividades, na condição de as referidas actividades estarem, elas próprias, sujeitas ao IVA (15).

57.   Segundo a descrição contida no artigo 2.° da Primeira Directiva, o consumidor final deve pagar um imposto exactamente proporcional ao preço da prestação, sem que sejam tributadas as prestações anteriores correspondentes às várias fases. Porém, de acordo com a tese do advogado-geral D. Ruiz-Jarabo Colomer, o resultado seria uma dupla tributação das prestações a montante, pelo que o encargo fiscal total deixaria de ser proporcional ao preço no consumidor (16).

58.   Além de que o Tribunal de Justiça considera que constitui, igualmente, uma manifestação do princípio da neutralidade fiscal o facto de mercadorias ou prestações de serviços semelhantes, que estão, portanto, em concorrência entre si, não serem tratadas de maneira diferente do ponto de vista do IVA (17). Em rigor, o princípio da neutralidade fiscal, entendido nestes termos, não é mais do que uma manifestação específica do princípio geral da igualdade (18). Este princípio também seria violado se um mecânico dentista estabelecido no país de destino pudesse deduzir o IVA pago em relação às prestações a montante, enquanto outro mecânico dentista, que realizasse fornecimentos intracomunitários a partir de outro Estado-Membro para esse mesmo país de destino, visse ser-lhe recusado esse direito a dedução.

59.   Além disso, o tratamento fiscal diferenciado entre fornecimentos internos e fornecimentos intracomunitários, que com eles estão em concorrência, restringe a livre circulação de mercadorias, prevista no artigo 28.° CE, pois a dupla tributação das prestações a montante encarece a importação de próteses dentárias provenientes de outros Estados-Membros. O entrave, neste caso, provém do Estado de origem do fornecimento intracomunitário, uma vez que nesse Estado não se concede a dedução do imposto pago a montante apesar de a prestação inicial ser efectivamente tributada no Estado de destino.

60.   O advogado-geral D. Ruiz-Jarabo Colomer e a Comissão entendem, a este propósito, que a problemática reside unicamente no facto de o Estado de destino fazer uso de um regime de excepção. Consideram que a harmonização incompleta não pode levar a que a Administração Fiscal do Estado de origem – no processo Eurodental, o Luxemburgo – tenha de sofrer uma sobrecarga financeira, em virtude de uma decisão unilateral do Estado de destino – a Alemanha.

61.   É certo que é desejável que o sistema comum do IVA seja harmonizado o mais possível e que as excepções ainda vigentes sejam abolidas. Mas enquanto estas excepções subsistirem legalmente, importa minimizar tanto quanto possível as consequências negativas que daí resultam para o mercado interno e, em especial, para os vários sujeitos passivos concretos, ainda que isso possa implicar, em certos casos, uma redução das receitas de um Estado-Membro.

62.   Os problemas expostos a propósito do caso Eurodental também podem surgir no presente caso, se o fornecimento de próteses dentárias através de um intermediário consubstanciar em regra uma prestação isenta, nos termos do artigo 13.°, A, n.° 1, alínea e), da Sexta Directiva, mas continuar a ser tributado nos países de destino dos fornecimentos intracomunitários concretamente efectuados pela VDP, nos termos do artigo 28.°, n.° 3, alínea a), em conjugação com o anexo E da Sexta Directiva.

63.   Neste tipo de situação, a violação do princípio da neutralidade fiscal e a restrição da livre circulação de mercadorias, acima mencionadas, poderão ser evitadas se o Estado de origem de um fornecimento intracomunitário, que está efectivamente sujeito ao imposto no Estado de destino, autorizar a dedução do imposto pago relativamente às prestações a montante ou o reembolso desse imposto.

64.   Por um lado, é o que manda o texto inequívoco do artigo 17.°, n.° 3, alínea b), da Sexta Directiva. Por outro lado, é conforme com a lógica inerente ao sistema dos fornecimentos intracomunitários e à própria natureza do IVA, enquanto imposto sobre o consumo, que o imposto seja cobrado unicamente no Estado onde ocorre o consumo. Na realidade, o Estado de origem não tem, em regra, direito ao IVA que é pago por consumidores finais num outro Estado relativamente a essas prestações.

65.   A VDP chama ainda a atenção para um outro problema: uma vez que os Países Baixos alargaram ilegalmente – na opinião da própria VDP – a isenção interna a fornecimentos de próteses dentárias efectuados através de intermediários e, por isso, recusam a dedução do imposto pago a montante no contexto desses mesmos fornecimentos, a VDP fica prejudicada em comparação com intermediários que efectuem fornecimentos para os Países Baixos a partir de outros Estados-Membros. Com efeito, os Estados em que estes concorrentes da VDP estão estabelecidos concedem a dedução do imposto, pois consideram que os fornecimentos efectuados por intermediários não estão abrangidos pelo âmbito de aplicação da isenção.

66.   Registe-se, a este propósito, que a legalidade do tratamento fiscal que é dado aos concorrentes da VDP nos Estados em que se encontram estabelecidos não é objecto do presente processo. Tal como também não o é a isenção de fornecimentos internos efectuados pela VDP e a recusa de dedução do imposto em relação a estes fornecimentos. O que apenas se discute é se a VDP tem direito a dedução no âmbito de fornecimentos intracomunitários. Neste contexto, é determinante saber se a aquisição intracomunitária correspondente aos fornecimentos intracomunitários efectuados está sujeita a imposto nos países de destino.

67.   Por fim, importa ainda referir que a solução por mim preconizada está totalmente em consonância com o acórdão Debouche (19). Nesse processo, estava em causa a seguinte matéria de facto: o Sr. Debouche, advogado estabelecido na Bélgica, alugou, a uma sociedade de leasing estabelecida nos Países Baixos, um veículo que utilizava exclusivamente na Bélgica para as suas actividades profissionais. Na Bélgica, os serviços prestados por advogados estavam isentos de IVA, em aplicação do artigo 28.°, n.° 3, alínea b), conjugado com o anexo F, n.° 2, da Sexta Directiva, enquanto nos Países Baixos eram tributados.

68.   O Tribunal de Justiça decidiu que, nesse caso, não existia direito ao reembolso do IVA devido pela locação do veículo, enquanto imposto pago a montante. Uma vez que a prestação de serviços do advogado, no Estado em que é efectuada – no referido processo, a Bélgica –, não está sujeita a IVA, o imposto pago por prestações a montante que foram recebidas de outro Estado-Membro não pode ser contabilizado. O que também se aplica no caso em que no Estado onde foram recebidas prestações a montante são tributadas as prestações a jusante correspondentes.

69.   Esta decisão mostra, claramente, que para a dedução do imposto importa essencialmente saber como é que a prestação a jusante é efectivamente tratada, de um ponto de vista fiscal, no Estado em que é colocada no mercado. Se aí é considerada isenta, ainda que apenas em virtude de um regime transitório, então, é de recusar a dedução do imposto pago a montante.

70.   Se a isenção prevista no artigo 13.°, A, n.° 1, alínea e), da Sexta Directiva não se aplicasse a fornecimentos de próteses dentárias através de intermediários, então, no presente caso, ao contrário do que se passa no processo Eurodental, no caso de fornecimentos intracomunitários não chegaria a existir conflito entre a isenção prevista no artigo 13.°, sem dedução do imposto, e a isenção com dedução do imposto. Se estas disposições fossem correctamente transpostas nos países de destino em causa, então, poderia ser concedido, nos termos do artigo 17.°, n.° 3, alínea b), da Sexta Directiva, o direito a dedução no Estado de origem, relativamente às prestações a montante no âmbito dos fornecimentos intracomunitários, sem necessidade de mais considerações.

2.      Segunda hipótese: aplicação do regime de minimis a fornecimentos intracomunitários

71.   No caso de fornecimentos intracomunitários aos quais se aplique o regime de minimis, o direito a dedução depende, nos termos do artigo 17.°, n.° 3, alínea a), da Sexta Directiva, da questão de saber se o imposto pago a montante poderia ter sido deduzido em relação a tais operações se estas tivessem sido realizadas no território do país.

72.   Para este tipo de fornecimento intracomunitário, a alínea a) prevê expressamente um regime derrogatório daquele que é consagrado na alínea b) – pelo menos, tal como eu o leio. Em vez de se ter em conta o tratamento fiscal no Estado de destino, tal como deveria suceder de acordo com as considerações de natureza sistemática acima expostas relativamente aos fornecimentos intracomunitários, a alínea a) remete para o regime jurídico em vigor no território do país.

73.   Contudo, esta diferença em relação à alínea b) justifica-se em razão da força da natureza de minimis dos fornecimentos em causa. Em casos de fornecimentos esporádicos de valor reduzido, implicaria um esforço administrativo desproporcionado se fosse necessário apurar se no país de destino se trata de um fornecimento tributado e, consequentemente, susceptível de dedução do imposto.

74.   É verdade que, também aqui, existe o perigo de violações do princípio da neutralidade fiscal e de restrições da livre circulação de mercadorias, em situações em que são fornecidas próteses dentárias a Estados-Membros nos quais esses fornecimentos continuam a ser tributados, em aplicação do artigo 28.°, n.° 3, alínea a), em conjugação com o anexo E, n.° 2, da Sexta Directiva. Contudo, como resulta do texto claro do artigo 17.°, n.° 3, alínea a), da Sexta Directiva, esse risco foi aceite pelo legislador comunitário, a fim de, no cômputo geral, não dificultar excessivamente o tratamento fiscal dos fornecimentos de minimis e, consequentemente, para não criar entraves às trocas intracomunitárias, num número ainda mais elevado de casos.

75.   Porém, coloca-se a questão de saber, a propósito do presente caso, como se deve proceder em caso de aplicação do artigo 17.°, n.° 3, alínea a), se o Estado em que o fornecedor se encontra estabelecido não tiver transposto correctamente a directiva e isentar operações que, segundo a mesma, deveriam ser tributadas. Regressarei a esta questão (20), depois de ter incidido com mais pormenor sobre a interpretação a dar ao artigo 13.°, A, n.° 1, alínea e), da Sexta Directiva.

C –    Quanto à primeira questão prejudicial

76.   O órgão jurisdicional de reenvio pretende, com esta questão, saber se o artigo 13.°, A, n.° 1, alínea e), da Sexta Directiva também abrange o fornecimento de próteses dentárias por um sujeito passivo que não seja, ele próprio, dentista ou mecânico dentista.

77.   Segundo a redacção do artigo 13.°, A, n.° 1, alínea e), da Sexta Directiva, só é isento o fornecimento de próteses dentárias efectuado pelos dentistas e mecânicos dentistas. As isenções referidas no artigo 13.° da Sexta Directiva são de interpretação estrita, dado que constituem derrogações ao princípio geral de que o IVA é cobrado sobre todas as prestações de serviços efectuadas a título oneroso (21). Desde logo, só por esta razão, não existe motivo para alargar o âmbito de aplicação da disposição em causa para além do seu teor literal.

78.   De resto, uma interpretação literal da disposição corresponde igualmente ao seu sentido e finalidade. Diferentemente do que se passa em relação a outras previsões de isenção, essencialmente contidas no artigo 13.°, B, o âmbito de aplicação das isenções referidas no artigo 13.°, A, é frequentemente definido por exigências relativas não só ao objecto da prestação em causa mas também à pessoa do prestador.

79.   Tal como recentemente decidido pelo Tribunal de Justiça, a propósito do artigo 13.°, A, n.° 1, alínea c), da Sexta Directiva, no acórdão Solleveld e van den Hout-van Eijnsbergen (22), as exigências relativas à pessoa do prestador no âmbito da medicina visam assegurar que a isenção só abrange a assistência médica que seja prestada por pessoas com as qualificações profissionais exigidas.

80.   Com efeito, a isenção de prestações médicas destina-se a garantir, no interesse do bem comum, que as mesmas se mantêm acessíveis para a generalidade das pessoas e que não encarecem em virtude da aplicação do IVA (23). Porém, só existe interesse geral em que a isenção fiscal se aplique às prestações de serviços de assistência efectuadas por pessoal qualificado (24). Este raciocínio é válido não só para a assistência médica, na acepção da alínea c), mas também para o fornecimento de próteses dentárias visado pela alínea e).

81.   Assim, neste contexto, não é necessário resolver a questão de saber se esta última isenção só se aplica nos casos em que o mecânico dentista que fornece a prótese dentária também a fabricou. Mesmo que forneça próteses dentárias fabricadas por um terceiro, pode, em todo o caso, dada a sua qualificação, avaliar se o produto tem a qualidade exigível. Além disso, pode aconselhar o dentista no momento da realização da encomenda e – se necessário – executar trabalhos complementares na prótese dentária, receber e dar seguimento a eventuais reclamações.

82.   Isto tem especial relevância nos casos em que a prótese dentária em causa é fabricada por mecânicos dentistas em Estados terceiros, nos quais não é evidente o tipo de qualificação profissional exigida. Além disso, a execução de correcções pode, nestes casos, implicar dificuldades acrescidas.

83.   É certo que não é de excluir que possam existir casos isolados de pessoas que, não sendo mecânicos dentistas, tenham, ao longo do tempo, adquirido o conhecimento necessário à execução das tarefas necessárias à prestação em causa. Também não se quer com isto dizer que as próteses dentárias fabricadas num Estado terceiro e comercializadas na Comunidade através de um intermediário não correspondam, por regra, aos nossos padrões de qualidade. Contudo, a fim de se assegurar, em termos gerais, que a isenção só se aplica a fornecimentos que revelem a qualidade exigível, é aceitável que a mesma só abranja fornecimentos efectuados por mecânicos dentistas (ou dentistas) devidamente qualificados.

84.   O princípio da neutralidade fiscal não obsta a esta interpretação do artigo 13.°, A, n.° 1, alínea e). Tal como resulta da jurisprudência, este princípio opõe-se a que prestações semelhantes – que estão, portanto, em concorrência entre si – sejam tratadas de maneira diferente do ponto de vista do IVA (25).

85.   A isenção assenta no juízo, sem apelo, do legislador, segundo o qual só os mecânicos dentistas e os dentistas possuem a qualificação profissional exigível que garante, em termos gerais, que as próteses dentárias por eles fornecidas tenham a qualidade necessária. A prestação de um intermediário sem a referida qualificação profissional é considerada como não equiparável e, consequentemente, também não tem de ser tratada da mesma maneira, por força do princípio da neutralidade fiscal.

86.   Consequentemente, à primeira questão prejudicial há que responder que a isenção prevista no artigo 13.°, A, n.° 1, alínea e), da Sexta Directiva só se aplica a fornecimentos efectuados por mecânicos dentistas ou dentistas.

D –    Quanto à segunda questão prejudicial

87.   O Hoge Raad coloca a segunda questão unicamente para o caso de se responder afirmativamente à primeira, no sentido, portanto, de que os fornecimentos de próteses dentárias efectuados por intermediários estão, também eles, abrangidos pelo âmbito de aplicação da isenção.

88.   A esta questão está subjacente o raciocínio segundo o qual o direito a dedução no contexto de fornecimentos intracomunitários depende do tratamento que for dado, no Estado de origem do fornecimento, às operações a jusante correspondentes. Assim o sugere o artigo 17.°, n.° 3, alínea a), da Sexta Directiva, cuja interpretação o órgão jurisdicional de reenvio solicita, no âmbito desta questão. Mas se for aplicável o regime geral, então, a questão central é efectivamente a da interpretação do artigo 17.°, n.° 3 – porém, da sua alínea b).

89.   Dada a acima referida incerteza quanto ao regime efectivamente aplicável, quero voltar a propor uma resposta para ambas as hipóteses possíveis, mesmo que o órgão jurisdicional de reenvio não tenha perguntado qual a interpretação a dar ao artigo 17.°, n.° 3, alínea b). É que com vista a fornecer uma resposta útil ao órgão jurisdicional que submeteu a questão prejudicial, o Tribunal pode ser levado a tomar em consideração normas de direito comunitário às quais o juiz nacional não fez referência na sua questão (26).

1.      Primeira hipótese: aplicação do regime geral de fornecimentos intracomunitários

90.   Tal como se expôs supra (27), existe, nos termos do artigo 17.°, n.° 3, alínea b), da Sexta Directiva, um direito a dedução do imposto pago a montante no âmbito de entregas de bens intracomunitárias que se encontrem isentas do IVA nos termos do artigo 28.°-C, A. Deste modo, o direito a dedução está previsto de uma forma que não levanta problemas, nos casos em que o fornecimento da prótese dentária é considerado no país de destino, em conformidade com a directiva, um fornecimento tributado por não ser efectuado por um mecânico dentista ou por um dentista.

91.   Mas, neste caso, o imposto também pode ser deduzido em relação a fornecimentos de próteses dentárias que estariam isentos do IVA, nos termos do artigo 13.°, A, n.° 1, alínea e), da Sexta Directiva, mas que continuam a ser tributados no Estado de destino, em aplicação do artigo 28.°, n.° 3, alínea a), em conjugação com o anexo E, n.° 2, da Sexta Directiva.

2.      Segunda hipótese: aplicação do regime de minimis a fornecimentos intracomunitários

92.   Nos termos do artigo 17.°, n.° 3, alínea a), da Sexta Directiva, pode-se deduzir o imposto pago a montante relativo a prestações recebidas no território do país quando essas prestações são utilizadas em operações abrangidas pelas actividades económicas referidas no n.° 2 do artigo 4.°, efectuadas no estrangeiro, que teriam conferido direito a dedução se essas operações tivessem sido realizadas no território do país.

93.   Consequentemente, qualquer direito a dedução do imposto pago a montante está excluído no contexto do fornecimento de próteses dentárias noutro Estado-Membro e ao qual se aplique o artigo 28.°-B, B, em conjugação com o artigo 28.°-A, n.° 1, alínea a), segundo parágrafo, da Sexta Directiva, se o fornecimento estiver isento do IVA no Estado de estabelecimento do fornecedor, nos termos do artigo 13.°, A, n.° 1, alínea e), da Sexta Directiva.

94.   Contudo, coloca-se a questão de saber quais são as consequências ao nível da dedução do imposto pago a montante, se o Estado de estabelecimento do fornecedor não tiver transposto correctamente o artigo 13.°, A, n.° 1, alínea e), da Sexta Directiva e alargar o âmbito de aplicação da isenção a operações não abrangidas pela directiva. É o caso da legislação neerlandesa, uma vez que também isenta os fornecimentos de próteses dentárias efectuados por intermediários que não possuam a qualificação de mecânico dentista ou de dentista.

95.   Se não existir nenhuma possibilidade de interpretar o direito nacional em conformidade com o artigo 13.°, A, n.° 1, alínea e), da Sexta Directiva, o particular pode invocar directamente as disposições da directiva a fim de lhe ser reconhecido o direito a dedução. Para esse efeito, tanto o artigo 13.°, A, n.° 1, alínea e), como o artigo 17.°, n.os 1 e 2, da Sexta Directiva são suficientemente precisos (28). Contudo, fica excluída uma «invocação assimétrica» da directiva, ou seja, em princípio, o sujeito passivo não pode, com base na directiva, aspirar à dedução do imposto pago a montante, com base na directiva, sem que as operações a jusante sejam tributadas.

96.   Com efeito, constitui um princípio central do sistema comum do IVA que o direito à dedução do IVA que incidiu sobre a aquisição de bens ou serviços só subsista, em regra, se as despesas efectuadas com a sua aquisição tenham feito parte dos elementos constitutivos do preço das operações a jusante com direito a dedução (29). Em contrapartida, quando um sujeito passivo presta serviços a outro sujeito passivo, que os utiliza para efectuar uma operação isenta, este último, com excepção dos casos expressamente previstos nas directivas aplicáveis, não tem o direito a deduzir o imposto pago a montante (30).

97.   No caso de fornecimentos no território do país que, devido a transposição errada da directiva, estão isentos do imposto, seria contrário ao mencionado princípio poder deduzir o imposto pago a montante, em relação a estes fornecimentos. Deste modo, o sujeito passivo, para ter direito à dedução do imposto, com base na directiva, tem simultaneamente que pedir para ser tratado como sujeito passivo (31). O direito processual nacional tem, neste caso, de assegurar que o particular possa fazer valer os seus direitos decorrentes da directiva. Em contrapartida, não seria uma solução aceitável que a interpretação da directiva conferisse ao sujeito passivo uma vantagem que estivesse em contradição com os princípios da própria directiva.

98.   Contudo, no caso de fornecimentos transfronteiriços segundo o regime de minimis, que são os que ora estão em causa, a situação é totalmente diferente. Estes fornecimentos, de facto, não estão, de modo algum, sujeitos a tributação na sede do fornecedor, uma vez que se considera que produzem efeitos no país de destino. Só de modo fictício é que o artigo 17.°, n.° 3, alínea a), da Sexta Directiva tem em conta, para efeitos de dedução do imposto e por motivo de simplificação administrativa, o tratamento de tais operações no território do país.

99.   Partindo do princípio de que os Estados-Membros transpuseram correctamente o artigo 13.°, A, n.° 1, alínea e), da Sexta Directiva, os fornecimentos em causa deveriam, em regra, ser considerados nos países de destino como fornecimentos sujeitos a imposto, pelo que, em conformidade com os princípios acima expostos, também se justificaria, em princípio, a dedução do imposto. Não se trata de modo nenhum de uma invocação assimétrica da directiva.

100. Por isso, não se deveria, na aplicação do artigo 17.°, n.° 3, alínea a), da Sexta Directiva, ter ficticiamente em conta o modo como tais operações seriam tratadas de acordo com o direito nacional não conforme com a directiva. Importa, isso sim, analisar e questionar ficticiamente como seriam qualificadas fiscalmente essas operações no território do país em caso de transposição correcta da directiva.

101. Esta solução evita, na grande maioria dos casos, uma violação da neutralidade fiscal. Com efeito, a neutralidade seria violada se a dedução do imposto pago a montante fosse recusada na sede do fornecedor, apesar de, nos países de destino, o fornecimento de próteses dentárias por um intermediário não ter sido tratado como um fornecimento isento, de acordo com as disposições da directiva. Com efeito, sem a dedução do imposto pago a montante, as prestações a montante seriam duplamente tributadas, o que também constitui um entrave ao comércio transfronteiriço.

102. É verdade que os fornecimentos dentro do território do país e os fornecimentos efectuados noutro Estado-Membro são tratados de modo distinto no que respeita à dedução do imposto. Ora, uma vez que os fornecimentos são efectivamente tributados – supondo que a directiva foi correctamente transposta – no país de destino, ao passo que, contrariamente ao disposto na directiva, os mesmos fornecimentos, quando efectuados no território nacional, estão isentos, a situação dos fornecimentos dentro e fora do país também não é igual.

V –    Conclusão

103. Tendo em conta as observações precedentes, proponho ao Tribunal de Justiça que responda às questões prejudiciais do Hoge Raad nos seguintes termos:

«1)      O artigo 13.°, A, n.° 1, alínea e), da Sexta Directiva 77/388/CEE do Conselho, de 17 de Maio de 1977, relativa à harmonização das legislações dos Estados-Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios – Sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado: matéria colectável uniforme, deve ser interpretado no sentido de que, entre os fornecimentos isentos, não está incluído o fornecimento de próteses dentárias por um intermediário que não possua, ele próprio, a qualificação de mecânico dentista ou de dentista.

2)      Em conformidade com o artigo 17.°, n.° 3, alínea b), da Sexta Directiva, um sujeito passivo tem direito a dedução ou a reembolso do imposto pago a montante em relação a fornecimentos intracomunitários de próteses dentárias, isentos nos termos do artigo 28.°-C, A, alínea a), primeiro parágrafo, da Sexta Directiva, desde que a aquisição intracomunitária correspondente seja tributada no Estado de destino, pelo facto de esse Estado sujeitar ao imposto as operações correspondentes, em aplicação do artigo 28.°, n.° 3, alínea a), em conjugação com o anexo E, n.° 2, da Sexta Directiva.

Em conformidade com o artigo 17.°, n.° 3, alínea a), da Sexta Directiva, um sujeito passivo tem direito a dedução ou a reembolso do imposto pago a montante em relação a fornecimentos que, nos termos do artigo 28.°-B, B, em conjugação com o artigo 28.°-A, n.° 1, alínea a), segundo parágrafo, da Sexta Directiva, produzem efeitos noutro Estado-Membro, desde que em relação a estas operações existisse direito a dedução se tivessem sido realizadas no território do país. Também existe direito a dedução do imposto pago a montante se, contrariamente ao disposto na Sexta Directiva, o fornecimento no território do país for considerado uma operação isenta.»


1 – Língua original: alemão.


2 – JO L 145, p. 1; EE 09 F1 p. 54.


3 – V., a este propósito, conclusões do advogado-geral D. Ruiz-Jarabo Colomer de 22 de Junho de 2006.


4 – Primeira Directiva 67/227/CEE do Conselho, de 11 de Abril de 1967, relativa à harmonização das legislações dos Estados-Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios (JO 1967, 71, p. 1301; EE 09 F1 p. 3).


5 –      Nos termos deste número, o regime transitório vigora até à supressão do regime do artigo 28.°, a qual ainda não teve lugar em relação às operações ora em causa.


6 – JO L 376, p. 1.


7 – Na redacção da Directiva 92/111/CEE do Conselho, de 14 de Dezembro de 1992, que altera a Directiva 77/388/CEE e introduz medidas de simplificação em matéria de imposto sobre o valor acrescentado (JO L 384, p. 47), rectificada em JO 1993, L 197, p. 57.


8 – Esta matéria é, entretanto, regulada com mais detalhe pelo artigo 22.° do Regulamento (CE) n.° 1777/2005 do Conselho, de 17 de Outubro de 2005, que estabelece medidas de aplicação da Directiva 77/388/CEE relativa ao sistema comum de imposto sobre o valor acrescentado (JO L 288, p. 1), o qual, ratione temporis, não se aplica ao caso em apreço.


9 – Na redacção que lhe foi dada pela Directiva 92/111 (já referida na nota 7).


10 – Acórdão do Tribunal de Justiça de 26 de Maio de 2005, Kretztechnik (C-465/03, Colect., p. I-4357, n.° 35), com remissão para os acórdãos de 8 de Junho de 2000, Midland Bank (C-98/98, Colect., p. I-4177, n.° 30), de 22 de Fevereiro de 2001, Abbey National (C-408/98, Colect., p. I-1361, n.° 28), e de 27 de Setembro de 2001, Cibo Participations (C-16/00, Colect., p. I-6663, n.° 31).


11 – Já referidas na nota 3, n.° 34. V., ainda, as minhas conclusões no processo EMAG Handel Eder (acórdão de 6 de Abril de 2006, C-245/04, Colect., p. I-3227, n.os 19 a 25).


12 – V., a este propósito, as conclusões apresentadas no processo Eurodental (já referidas na nota 3, n.° 27) e o artigo 2.° da Primeira Directiva, reproduzido no n.° 4 supra.


13 – Conclusões já referidas na nota 3, n.° 35.


14 – V., em especial, acórdãos de 6 de Julho de 1995, BP Soupergaz (C-62/93, Colect., p. I-1883, n.° 18); de 21 de Março de 2000, Gabalfrisa e o. (C-110/98 a C-147/98, Colect., p. I-1577, n.° 43); e Kretztechnik (já referido na nota 10, n.° 33).


15 – Acórdão Kretztechnik (já referido na nota 10, n.° 34), com remissão para os acórdãos de 14 de Fevereiro de 1985, Rompelman (268/83, Recueil, p. 655, n.° 19), de 15 de Janeiro de 1998, Ghent Coal Terminal (C-37/95, Colect., p. I-1, n.° 15), Gabalfrisa e o. (já referido na nota 14, n.° 44), Midland Bank (já referido na nota 10, n.° 19) e Abbey National (já referido na nota 10, n.° 24).


16 – V. a nota 16 das conclusões apresentadas no processo Eurodental (já referidas na nota 3).


17 – Acórdãos de 7 de Setembro de 1999, Gregg (C-216/97, Colect., p. I-4947, n.° 20); de 17 de Fevereiro de 2005, Linneweber e Akritidis (C-453/02 e C-462/02, Colect., p. I-1131, n.° 24); e de 12 de Janeiro de 2006, Turn- und Sportunion Waldburg (C-246/04, Colect., p. I-589, n.° 33).


18 – Acórdão de 27 de Abril de 2006, Solleveld e van den Hout-van Eijnsbergen (C-443/04 e C-444/04, Colect., p. I-3617, n.° 35). V., também, n.° 40 das minhas conclusões de 15 de Dezembro de 2005, apresentadas nesses mesmos processos.


19 – Acórdão de 26 de Setembro de 1996 (C-302/93, Colect., p. I-4495).


20 – V., infra, n.os 94 e segs.


21 – Acórdãos de 10 de Setembro de 2002, Kügler (C-141/00, Colect., p. I-6833, n.° 28); de 20 de Novembro de 2003, d’Ambrumenil e Dispute Resolution Services (C-307/01, Colect., p. I-13989, n.° 52); e de 26 de Maio de 2005, Kingscrest Associates e Montecello (C-498/03, Colect., p. I-4427, n.° 29).


22 – Já referido na nota 18, n.° 37, remetendo-se ainda para o acórdão Kügler (já referido na nota 21, n.° 27).


23 – Acórdão d’Ambrumenil e Dispute Resolution Services (já referido na nota 21, n.° 58), com remissão para o acórdão de 11 de Janeiro de 2001, Comissão/França (C-76/99, Colect., p. I-249, n.° 23), e para o acórdão Kügler (já referido na nota 21, n.° 29).


24 – V. conclusões apresentadas no processo Solleveld e van den Hout-van Eijnsbergen (já referidas na nota 18, n.° 39).


25 – V. acórdãos referidos na nota 17, bem como acórdão de 23 de Outubro de 2003, Comissão/Alemanha (C-109/02, Colect., p. I-12691, n.° 20), acórdão Kingscrest Associates e Montecello (já referido na nota 21, n.° 54) e acórdão Solleveld e van den Hout-van Eijnsbergen (já referido na nota 18, n.° 39).


26 – V., em especial, acórdãos de 20 de Março de 1986, Tissier (35/85, Colect., p. 1207, n.° 9); de 27 de Março de 1990, Bagli Pennacchiotti (C-315/88, Colect., p. I-1323, n.° 10); de 18 de Novembro de 1999, Teckal (C-107/98, Colect., p. I-8121, n.° 39); e de 7 de Novembro de 2002, Bourrasse e Perchicot (C-228/01 e C-289/01, Colect., p. I-10213, n.° 33).


27 – N.os 41 e segs.


28 – V., quanto à aplicação directa da Sexta Directiva em geral, acórdão de 18 de Janeiro de 2001, Stockholm Lindöpark (C-150/99, Colect., p. I-493, n.° 31); em especial, quanto a uma isenção prevista no artigo 13.°, acórdão de 19 de Janeiro de 1982, Becker (8/81, Recueil, p. 53, n.° 49); quanto ao artigo 17.°, n.os 1 e 2, acórdão BP Soupergaz (já referido na nota 14, n.° 34).


29 – V. remissões na nota 10.


30 – Acórdão de 6 de Abril de 1995, BLP Group (C-4/94, Colect., p. I-983, n.° 28), e acórdão Debouche (já referido na nota 19, n.° 16).


31 – Com efeito, em conjugação com o direito a dedução do imposto pago a montante, a sujeição ao imposto pode ser vantajosa para o sujeito passivo, tal como já foi referido pelo advogado-geral M. Darmon nas conclusões que apresentou no processo Lubbock Fine (acórdão de 15 de Dezembro de 1993, C-63/92, Colect., p. I-6665, n.° 19).