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CONCLUSÕES DO ADVOGADO-GERAL

PAOLO MENGOZZI

apresentadas em 28 de Janeiro de 2010 1(1)

Processos apensos C-538/08 e C-33/09

X Holding BV

contra

Staatssecretaris van Financiën

e

Oracle Nederland BV

contra

Inspecteur van de Belastingdienst Utrecht-Gooi

[pedidos de decisão prejudicial apresentados pelo Hoge Raad der Nederlanden e pelo Gerechtshof Amsterdam (Países Baixos), respectivamente]

«IVA – Artigo 11.°, n.° 4, da Segunda Directiva – Artigos 6.°, n.° 2, e 17.°, n.os 2 e 6, da Sexta Directiva – Direito à dedução do imposto pago a montante – Exclusão por regras nacionais anteriores à Sexta Directiva – Alteração das regras posteriormente à entrada em vigor da Sexta Directiva – Utilização dos bens e serviços para fins privados do sujeito passivo»





I –    Introdução

1.        Com as questões submetidas nos presentes processos apensos, o Tribunal de Justiça é chamado a pronunciar-se sobre a interpretação do artigo 11.°, n.° 4, da Segunda Directiva 67/228/CEE do Conselho, de 11 de Abril de 1967, relativa à harmonização das legislações dos Estados-Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios – Estrutura e modalidades de aplicação do sistema comum de imposto sobre o valor acrescentado (2), bem como do artigo 17.°, n.° 6, da Sexta Directiva.

2.        Estas questões foram suscitadas em litígios nos quais estão essencialmente em causa certas categorias de despesas dos sujeitos passivos do IVA em benefício de elementos do seu pessoal, em relação às quais a regulamentação neerlandesa, adoptada antes da entrada em vigor da Sexta Directiva, exclui parcialmente o direito à dedução do IVA pago a montante.

II – Quadro jurídico

A –    O direito comunitário

3.        O artigo 11.°, n.° 1, da Segunda Directiva, dispunha:

«Desde que os bens e os serviços sejam utilizados para as necessidades da própria empresa, o sujeito passivo é autorizado a deduzir do imposto de que é devedor:

a)      o imposto sobre o valor acrescentado que lhe é facturado em relação a bens que lhe são fornecidos e a serviços que lhe são prestados;

[…]».

4.        O artigo 11.°, n.° 4, da Segunda Directiva, especificava:

«Podem excluir-se do regime de deduções certos bens e serviços, designadamente os que sejam susceptíveis de utilização, exclusiva ou parcial, para as necessidades privadas do sujeito passivo ou do seu pessoal».

5.        O artigo 2.° da Sexta Directiva dispõe:

«Estão sujeitas ao imposto sobre o valor acrescentado:

1.      As entregas de bens e as prestações de serviços, efectuadas a título oneroso, no território do país, por um sujeito passivo agindo nessa qualidade;

2.      As importações de bens».

6.        O artigo 6.°, n.° 2, da Sexta Directiva, tem a seguinte redacção:

«São equiparadas a prestações de serviços efectuadas a título oneroso:

a)      a utilização de bens afectos à empresa para uso privado do sujeito passivo ou do seu pessoal ou, em geral, para fins estranhos à própria empresa, sempre que, relativamente a esses bens, tenha havido dedução total ou parcial do imposto sobre o valor acrescentado;

b)      as prestações de serviços a título gratuito efectuadas pelo sujeito passivo, para seu uso privado ou do seu pessoal ou, em geral, para fins estranhos à própria empresa.

Os Estados-Membros podem derrogar o disposto no presente número, desde que tal derrogação não conduza a distorções de concorrência».

7.        O artigo 17.° da Sexta Directiva estipula, nos seus n.os 2 e 6:

«2.      Desde que os bens e os serviços sejam utilizados para os fins das próprias operações tributáveis, o sujeito passivo está autorizado a deduzir do imposto de que é devedor:

a)      o imposto sobre o valor acrescentado devido ou pago em relação a bens que lhe tenham sido fornecidos ou que lhe devam ser fornecidos e a serviços que lhe tenham sido prestados ou que lhe devam ser prestados por outro sujeito passivo;

[…]

6.      O mais tardar antes de decorrido o prazo de quatro anos a contar da data da entrada em vigor da presente directiva, o Conselho, deliberando por unanimidade, sob proposta da Comissão, determinará quais as despesas que não conferem direito à dedução do imposto sobre o valor acrescentado. Serão excluídas do direito à dedução, em qualquer caso, as despesas que não tenham carácter estritamente profissional, tais como despesas sumptuárias, recreativas ou de representação.

Até à entrada em vigor das disposições acima referidas, os Estados-Membros podem manter todas as exclusões previstas na legislação nacional respectiva no momento da entrada em vigor da presente directiva».

B –    O direito nacional

8.        O artigo 2.° da Wet op de omzetbelasting 1968 (lei neerlandesa de 1968 relativa ao imposto sobre o valor acrescentado, a seguir «lei relativa ao IVA») dispõe:

«O imposto que incidiu sobre as entregas de bens e as prestações de serviços ao empresário, as aquisições intracomunitárias de bens por este efectuadas e as importações de mercadorias que lhe eram destinadas é deduzido do imposto a pagar sobre as entregas de bens e as prestações de serviços».

9.        O artigo 15.° da lei relativa ao IVA estabelece:

«1.      O imposto que, na acepção do artigo 2.°, pode ser deduzido pelo empresário é:

a)      o imposto que lhe foi cobrado por outros empresários, por meio de factura elaborada segundo as regras aplicáveis, durante o período respeitante à declaração relativa aos bens fornecidos e aos serviços prestados;

[…]».

10.      O artigo 16.°, n.° 1, da lei relativa ao IVA, dispõe:

«A dedução a que se refere o artigo 15.°, n.° 1, primeiro parágrafo, pode, em certos casos, ser integral ou parcialmente excluída por decreto real, a fim de evitar que bens e serviços afectos a despesas sumptuárias, a fins de pessoas que não são empresários […] sejam integral ou parcialmente isentos do imposto».

11.      Nos termos do artigo 1.° do Besluit uitsluiting aftrek omzetbelasting (1968) (decreto real de 1968 relativo às operações excluídas da dedução de IVA; a seguir «decreto real de 1968»), na versão em vigor entre 1 de Janeiro de 1969 e 31 de Dezembro de 1979, a dedução a que se refere o artigo 15.°, n.° 1, da lei relativa ao IVA não era autorizada nos casos e na medida em que os bens e serviços fossem utilizados para:

«1. […]

a)      [realizar] ofertas de negócios ou outras ofertas a pessoas às quais, se tivessem que pagar imposto sobre o valor acrescentado correspondente, estaria vedada a totalidade ou, pelo menos, uma parte substancial da dedução;

b)      fornecer alimentos, bebidas, alojamento, retribuições em espécie ao pessoal do empresário, ou facultar o exercício de actividades desportivas ou de lazer ou um meio de transporte privado ou ainda destinadas a outros fins privados desse pessoal.

2. Entende-se por ‘ofertas de negócios’ ou ‘outras ofertas’ qualquer prestação fornecida pelo empresário no quadro das suas relações de negócios ou como liberalidade para outrem, sem retribuição ou mediante uma retribuição inferior ao custo da aquisição ou da produção ou, no caso dos serviços, ao preço de custo destes, sem imposto sobre o valor acrescentado».

12.      O artigo 2.° do decreto real de 1968 dispõe:

«Se o empresário tiver facturado uma contrapartida por uma prestação como a referida no artigo 1.° [n.° 1], alíneas b) ou c), sobre a qual seja devido um montante de imposto sobre o valor acrescentado, a dedução é autorizada proporcionalmente ao montante do imposto relativo a essa prestação».

13.      O artigo 3.° do decreto real de 1968, na sua versão em vigor até 31 de Dezembro de 1979, precisava:

«Se o custo total, sem imposto sobre o valor acrescentado, da aquisição ou da produção, ou o preço de custo, de todas as prestações referidas no artigo 1.° [n.° 1], alíneas b) ou c), fornecidas pelo empresário a uma mesma pessoa no decurso de um exercício contabilístico não ultrapassar 250 florins, as prestações em questão não são abrangidas no âmbito de aplicação do presente decreto».

14.      O decreto real de 1968 foi alterado com efeito a partir de 1 de Janeiro de 1980, a fim de estabelecer um regime particular para o fornecimento de alimentos e de bebidas, sem que as outras disposições tenham sofrido alteração.

15.      Assim, a partir de 1 de Janeiro de 1980, o fornecimento de alimentos e de bebidas foi excluído do artigo 1.°, n.° 1, alínea c), do decreto real de 1968. O artigo 3.° deste decreto passou a artigo 4.°, tendo sido inserido um novo artigo 3.°, que exclui a dedução do IVA que incide sobre o fornecimento de alimentos e bebidas. O montante mencionado no antigo artigo 3.° (novo artigo 4.°) passou de 250 para 500 florins.

16.      Em consequência, as novas disposições do referido decreto passaram a ter a seguinte redacção:

Artigo 3.°

«1.      Se o empresário utilizar os bens e os serviços para fornecer alimentos e bebidas ao seu pessoal e facturar por essa prestação um montante inferior ao definido no n.° 2, a dedução é excluída até ao limite de 6% da diferença entre esse montante e o montante facturado.

2.      O montante a que se refere o n.° 1 corresponde ao custo de aquisição dos alimentos e bebidas, sem imposto sobre o valor acrescentado, aumentado de 25%. Se tiver sido o próprio empresário a produzir os alimentos e bebidas, em lugar do custo de aquisição dos alimentos e bebidas ter-se-á em conta o custo de aquisição das matérias-primas utilizadas».

Artigo 4.°

«1.      Se o total, sem imposto sobre o valor acrescentado, do custo da aquisição ou da produção ou o preço de custo de todas as prestações a que se refere o artigo 1.°, n.° 1, alíneas b) ou c), fornecidas pelo empresário a uma mesma pessoa no decurso de um exercício contabilístico e a parte da diferença a que se refere o artigo 3.°, n.° 1, relativamente a essa pessoa, não ultrapassar 500 florins, as prestações em questão e essa parte da referida diferença não são tidas em conta para aplicação do presente decreto.

2.      Para o cálculo do total a que se refere o n.° 1, não será tida em conta a diferença referida no artigo 3.°, n.° 1, relativamente ao fornecimento de alimentos e bebidas ao pessoal do empresário se a dedução tiver sido excluída com base no artigo 3.°».

III – Os litígios nos processos principais e as questões prejudiciais

A –    Processo C-538/08, X Holding

17.      No período compreendido entre 1 de Janeiro de 1997 e 31 de Dezembro de 1999, a X Holding comprou 34 veículos de turismo a concessionários de automóveis. Conservou os automóveis durante um período limitado, tendo posteriormente procedido à sua revenda.

18.      A X Holding deduziu na íntegra o IVA que lhe foi facturado na aquisição dos automóveis. Pagou através da declaração do IVA o imposto correspondente à entrega de cada automóvel.

19.      Em 10 de Julho de 2001, foi aberto um inquérito à exactidão das declarações de IVA entregues pela X Holding nos anos em causa. Num relatório de 13 de Novembro de 2002, a inspecção de finanças concluiu que a maior parte dos automóveis não tinha sido afecta aos fins de empresa e que a X Holding tinha, portanto, assumido erradamente um direito à dedução do IVA pago a montante. Em consequência, foi fixada uma liquidação adicional de IVA, no montante de 887 852 NLG (402 889 euros).

20.      A X Holding reclamou desta decisão. No âmbito de uma reapreciação deste caso, a inspecção de finanças considerou que apenas quatro dos 34 automóveis tinham sido adquiridos e utilizados para fins profissionais, no quadro da empresa. Nestas condições, foi admitida a dedução do IVA pago a montante relativamente à aquisição desses quatro automóveis. A liquidação adicional de IVA foi consequentemente reduzida e o montante de imposto devido foi fixado em 856 605 NLG (388 710 euros).

21.      A X Holding interpôs recurso desta decisão no Gerechtshof Amsterdam. Este considerou que os 30 automóveis objecto da liquidação adicional de IVA tinham sido utilizados tanto para fins profissionais como privados. O Gerechtshof manteve, por isso, a referida liquidação adicional de IVA.

22.      Em sede de recurso de cassação interposto da decisão do Gerechtshof, o Hoge Raad der Nederlanden considerou que o artigo 11.°, n.° 4, da Segunda Directiva permitia aos Estados-Membros excluir do regime de dedução certos bens e serviços, em particular os susceptíveis de serem exclusiva ou parcialmente utilizados para os fins privados do sujeito passivo ou do seu pessoal. Por conseguinte, esta disposição autorizava os Estados-Membros a excluir do referido regime certas categorias de veículos automóveis, não lhes permitindo, no entanto, exclui-los todos na medida em que os mesmos são utilizados para os fins privados do sujeito passivo. Com efeito, a faculdade oferecida visava apenas as exclusões para categorias de despesas definidas por referência à natureza do bem ou do serviço e não por referência à afectação que lhes é dada ou às modalidades dessa afectação.

23.      O Hoge Raad observou igualmente que a limitação da dedução prevista no artigo 1.°, n.° 1, alínea c), do decreto real de 1968 diz respeito igualmente a bens e serviços afectos a outros fins privados do pessoal e ao pagamento de salários em espécie. Esta limitação não era suficientemente precisa em termos globais e, por outro lado, seria demasiado vaga, visto o regime se aplicar a todos os bens afectos ao uso privado. No entanto, a referida disposição definia mais especificamente certas categorias de bens e serviços, nomeadamente os utilizados para facultar um meio de transporte privado. A análise da génese da disposição em causa mostra que o legislador nacional tinha tido em mente simultaneamente os bens e serviços utilizados para oferecer um meio de transporte privado e a disponibilização, pelo sujeito passivo, de um automóvel de turismo a um elemento do seu pessoal.

24.      O Hoge Raad decidiu então suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias as seguintes questões prejudiciais:

«1)      Os artigos 11.°, n.° 4, da Segunda Directiva, e 17.°, n.° 6, da Sexta Directiva devem ser interpretados no sentido de que um Estado-Membro que quis fazer uso da faculdade, oferecida por esses artigos, de (manutenção da) exclusão da dedução do imposto no que respeita a categorias de despesas descritas como ‘facultar um meio de transporte privado’ satisfez a condição de indicar uma categoria de bens e serviços de forma suficientemente definida?

2)      Em caso de resposta afirmativa à primeira questão, os artigos 6.°, n.° 2, e 17.°, n.os 2 e 6, da Sexta Directiva oferecem margem para uma norma legislativa nacional como a que está em causa no processo, que foi aprovada antes da entrada em vigor da directiva e por força da qual um sujeito passivo não pode deduzir integralmente o IVA pago sobre a aquisição de determinados bens e serviços que são parcialmente afectos à empresa e parcialmente afectos aos fins privados do pessoal, apenas podendo deduzir o IVA na parte em que este for imputável à afectação à empresa?»

B –    Processo C-33/09, Oracle Nederland

25.      A Oracle é fornecedora de produtos de bases de dados para as empresas, a nível mundial.

26.      Em Maio de 2005, a Oracle forneceu ao seu pessoal alimentos e bebidas, a título oneroso, pelos quais inscreveu na sua declaração fiscal um montante de 3 977 euros de IVA pago. No mesmo período, a Oracle contratou os serviços de um disc-jockey para uma festa do seu pessoal e de procura de alojamento para um dos seus empregados, tendo os montantes de IVA pago por essas despesas sido de 850 e 380 euros, respectivamente. Por último, a Oracle fez também uma oferta de negócios a terceiros, sob a forma de um forfait de golfe, à qual imputou um montante de IVA de 256 euros na sua declaração referente ao mês de Maio de 2005.

27.      O litígio que opõe a Oracle ao Inspecteur van de Belastingdienst Utrecht-Gooi diz respeito ao IVA devido a montante sobre as despesas mencionadas no número anterior; o inspecteur considerou que, segundo as disposições da lei relativa ao IVA e do decreto real de 1968, a dedução do IVA pago a montante para as categorias de despesas aí referidas devia ser excluída.

28.      Esta apreciação foi contestada pela Oracle no rechtbank de Haarlem, que deu provimento ao recurso em parte, no respeitante às despesas ligadas ao forfait de golfe, constituindo as «ofertas de negócios» uma categoria insuficientemente determinada para ser de natureza a limitar o direito à dedução. Quanto ao resto, o rechtbank de Haarlem negou provimento ao recurso.

29.      Tanto a Oracle como a administração fiscal neerlandesa interpuseram recurso da decisão do rechtbank de Haarlem.

30.      A Oracle sustentou, designadamente, que as disposições pertinentes da regulamentação neerlandesa, excluindo ou limitando o direito à dedução do IVA que incidiu sobre os bens e os serviços em causa, não são conformes com os artigos 11.°, n.° 4, da Segunda Directiva, e 6.°, n.os 2 e 6, da Sexta Directiva. Por seu lado, a administração fiscal neerlandesa defendeu que a exclusão do direito à dedução do IVA pago a montante assenta numa disposição nacional adoptada antes da entrada em vigor da Sexta Directiva, mas que continua a ser aplicada ao abrigo da faculdade concedida aos Estados-Membros pelo artigo 17.°, n.° 6, da Sexta Directiva.

31.      Nestas circunstâncias, o Gerechtshof te Amsterdam suspendeu a instância e submeteu ao Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias as seguintes questões prejudiciais:

«1)      Os artigos 11.°, n.° 4, da Segunda Directiva e 17.°, n.° 6, da Sexta Directiva devem ser interpretados no sentido de que um Estado-Membro, que quis fazer uso da faculdade oferecida por esses artigos, de (manutenção da) exclusão da dedução do imposto no que respeita a categorias de despesas descritas como:

–        ‘fornecimento de alimentos e de bebidas ao pessoal do empresário’;

–        ‘realização de ofertas de negócios ou de outras ofertas a quem está ou estaria total ou essencialmente vedada a dedução do imposto sobre o volume de negócios que lhes é ou seria facturado’;

–        ‘atribuição de alojamento ao pessoal do empresário’;

–        ‘facultação do exercício de actividades de lazer ao pessoal do empresário’,

satisfez a condição de indicar uma categoria de bens e serviços de forma suficientemente definida?

2)      Em caso de resposta afirmativa à primeira questão relativamente a uma das categorias referidas, os artigos 6.°, n.° 2, e 17.°, n.os 2 e 6, da Sexta Directiva oferecem margem para uma norma legislativa nacional como a que está em causa no processo, que foi aprovada antes da entrada em vigor dessa directiva e por força da qual um sujeito passivo não pode deduzir integralmente o imposto sobre o volume de negócios pago na aquisição de determinados bens e serviços, porque relativamente a esses bens e serviços foi facturada uma remuneração e o respectivo imposto sobre o volume de negócios, apenas podendo deduzi-lo em montante equivalente ao do imposto devido sobre esta prestação?

3)      Se, relativamente ao ‘fornecimento de alimentos e de bebidas’ estiver satisfeita a condição de indicar uma categoria de bens e serviços de forma suficientemente definida, o artigo 17.°, n.° 6, da Sexta Directiva opõe-se a uma alteração de uma exclusão vigente da dedução do imposto, da qual resulte, em princípio, a limitação do alcance dessa exclusão, sem que se possa excluir que, num caso individual e num determinado ano, devido nomeadamente ao carácter fixo do regime alterado, seja alargado o âmbito de aplicação da restrição à dedução?»

IV – Tramitação no Tribunal de Justiça

32.      Nos termos do artigo 23.° do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia, os governos helénico e neerlandês e a Comissão das Comunidades Europeias apresentaram observações escritas nos processos C-538/08 e C-33/09. A demandante no processo C-33/09 também apresentou observações escritas no referido processo.

33.      Por despacho do Presidente do Tribunal, de 17 de Junho de 2009, os processos C-538/08 e C-33/09 foram apensados para efeitos da fase oral e da decisão.

34.      Na audiência, realizada em 3 de Dezembro de 2009, apresentaram as suas alegações a demandante no processo principal C-33/09, o Governo helénico, o Governo neerlandês e a Comissão.

V –    Análise jurídica

35.      Como o teor de cada uma das duas primeiras questões apresentadas no processo C-33/09 apenas difere das formuladas no processo C-538/08 no que se refere à natureza dos bens e dos serviços em causa nos litígios nos processos principais, penso que é possível analisá-las conjuntamente. Só a terceira questão formulada no processo C-33/09 merecerá um tratamento aparte.

A –    Quanto às primeiras questões colocadas nos dois processos

36.      Com as suas primeiras questões, os órgãos jurisdicionais de reenvio pretendem saber se o artigo 11.°, n.° 4, da Segunda Directiva e o artigo 17.°, n.° 6, segundo parágrafo, da Sexta Directiva devem ser interpretados no sentido de que autorizam um Estado-Membro a excluir do direito à dedução do IVA pago a montante diferentes categorias de bens ou de serviços, enumeradas na sua regulamentação nacional aplicável antes da entrada em vigor da Sexta Directiva, tendo em conta a descrição das referidas categorias.

37.      Importa, antes de mais, lembrar que o princípio do direito à dedução do IVA, tal como enunciado de forma explícita e precisa no artigo 17.°, n.° 2, da Sexta Directiva, está, no entanto, sujeito à disposição derrogatória constante do artigo 17.°, n.° 6, segundo parágrafo, da Sexta Directiva. Por força desta disposição, os Estados-Membros estão autorizados a manter a sua legislação existente em matéria de exclusão do direito à dedução do IVA na data de entrada em vigor da Sexta Directiva até que o Conselho aprove as disposições previstas nesse artigo (3).

38.      Todavia, não tendo nenhuma das propostas apresentadas pela Comissão ao Conselho, nos termos do artigo 17.°, n.° 6, primeiro parágrafo, da Sexta Directiva, sido adoptada por este último, os Estados-Membros podem manter a sua legislação existente em matéria de exclusão do direito à dedução do IVA até que o legislador comunitário estabeleça um regime comunitário das exclusões e realize assim a harmonização progressiva das legislações nacionais em matéria de IVA. O direito comunitário não inclui, pois, actualmente, qualquer disposição que enumere as despesas excluídas do direito à dedução do IVA (4).

39.      Por outras palavras, o artigo 17.°, n.° 6, segundo parágrafo, da Sexta Directiva contém uma cláusula de «standstill» que prevê a manutenção das exclusões nacionais do direito à dedução do IVA que eram aplicáveis antes da entrada em vigor da Sexta Directiva (5).

40.      Não obstante, tal como o Tribunal de Justiça precisou, o artigo 17.°, n.° 6, da Sexta Directiva pressupõe que as exclusões que os Estados-Membros podem manter por força desta disposição eram legais por força da Segunda Directiva, anterior à Sexta Directiva (6).

41.      Ora, embora o n.° 1 do artigo 11.° da Segunda Directiva, preveja o direito à dedução, o n.° 4 permite que os Estados-Membros excluam do regime das deduções certos bens e serviços, nomeadamente os susceptíveis de serem exclusiva ou parcialmente utilizados para os fins privados do sujeito passivo ou do seu pessoal (7).

42.      É neste contexto que os órgãos jurisdicionais de reenvio se perguntam se a regulamentação neerlandesa existente antes da entrada em vigor da Sexta Directiva (ou seja, antes de 1 de Janeiro de 1978) define de forma suficientemente precisa certos bens e serviços, cujas despesas exclui do direito à dedução do IVA.

43.      Embora, em princípio, não seja da competência do Tribunal de Justiça, no quadro do reenvio prejudicial, interpretar a legislação nacional a fim de determinar se, no momento da entrada em vigor da Sexta Directiva, o seu conteúdo era compatível com a referida directiva e com a Segunda Directiva, o Tribunal de Justiça pode, num espírito de colaboração com o órgãos jurisdicionais nacionais, fornecer ao órgão jurisdicional de reenvio todas as indicações que considere necessárias para lhe dar uma resposta útil (8).

44.      No caso em apreço, trata-se de precisar o que se deve entender por certos bens e serviços na acepção do artigo 11.°, n.° 4, da Segunda Directiva e da jurisprudência.

45.      A este respeito, no acórdão Royscot, já referido, o Tribunal de Justiça admitiu que o Reino Unido tinha utilizado correctamente a autorização decorrente do artigo 11.°, n.° 4, da Segunda Directiva, para excluir do direito à dedução determinados bens, como os veículos automóveis, mesmo que as despesas em causa tivessem um carácter estritamente profissional (9).

46.      O Tribunal de Justiça valorizou, assim, a natureza dos bens (ou dos serviços) para apurar as despesas abrangidas pela exclusão do direito à dedução prevista no artigo 11.°, n.° 4, da Segunda Directiva, sem utilizar nessa verificação o critério de afectação dos referidos bens (ou serviços), ou seja, a susceptibilidade do seu uso profissional e/ou privado.

47.      Aliás, foi esta interpretação do já referido acórdão Royscot que o Tribunal de Justiça seguiu, na sua essência, no acórdão Udenkaupungin kaupunki (10). Com efeito, neste último acórdão, o Tribunal de Justiça deduziu explicitamente dos números 21 a 25 do acórdão Royscot, já referido – que, recordo, tratavam da interpretação do artigo 11.°, n.° 4, da Segunda Directiva – que a análise da génese do artigo 17.°, n.° 6, da Sexta Directiva demonstrava que a faculdade concedida aos Estados-Membros pelo segundo parágrafo desta disposição apenas se aplicava «à manutenção das exclusões da dedução no que diz respeito a categorias de despesas definidas em função da natureza do bem ou do serviço adquirido e não em função da afectação que lhe é dada ou das modalidades desta afectação» (11).

48.      A questão de saber se este critério de definição dos bens ou serviços em causa, por referência à sua natureza, exclui outros critérios foi suscitada nas observações escritas da Comissão bem como, na audiência, pelos governos neerlandês e grego. Com efeito, estas partes indicaram que, no n.° 28 do acórdão PARAT Automotive Cabrio, já referido, o Tribunal de Justiça teria reconhecido que a exclusão do direito à dedução do IVA podia igualmente ser justificada por referência ao objecto, ou seja, à finalidade dos bens ou serviços em causa, constatação esta que constituiria uma evolução face à referida jurisprudência Udenkaupungin kaupunki. Segundo estas partes, este dado do acórdão PARAT Automotive Cabrio, já referido, teria como consequência, no processo principal C-33/09, que a exclusão do direito à dedução do IVA prevista para a categoria das ofertas de negócios a que se refere a regulamentação neerlandesa podia ser justificada.

49.      Por mim, penso que a Comissão e os governos neerlandês e grego tentam retirar do número 28 do acórdão PARAT Automotive Cabrio, já referido, consequências que ultrapassam o conteúdo real do referido acórdão. Com efeito, pelas razões adiante expostas, considero que este acórdão não pode ser interpretado, nos presentes processos, no sentido indicado pela Comissão e pelos governos neerlandês e grego.

50.      Recordo que, no número 28 do acórdão PARAT Automotive Cabrio, já referido, o Tribunal de Justiça, chamado a pronunciar-se sobre uma questão relativa à interpretação do artigo 17.°, n.° 6, segundo parágrafo, da Sexta Directiva, declarou que «não se pode considerar que [esta disposição] autorize um Estado-Membro a manter uma restrição do direito à dedução do IVA susceptível de se aplicar genericamente a qualquer despesa relacionada com a aquisição de bens, independentemente da sua natureza ou do seu objecto» (12).

51.      Do ponto de vista da sua redacção, saliento desde já que, contrariamente ao que a Comissão indicou nas suas observações escritas, não obstante o ter admitido na audiência, na sequência de uma pergunta precisa a este respeito formulada pelo Tribunal de Justiça, a expressão «seu objecto» não se refere «ao bem» mas à despesa ligada à aquisição de um bem. É o que decorre da leitura da versão do acórdão na língua de processo bem como, por exemplo, das versões francesa e italiana (13). Esta interpretação compreende-se também em relação ao número 27 do acórdão PARAT Automotive Cabrio, que refere as despesas enumeradas no artigo 17.°, n.° 6, primeiro parágrafo, da Sexta Directiva e que, segundo esta disposição, deverão ser excluídas do direito à dedução do IVA pago a montante, a saber, as despesas sumptuárias, recreativas ou de representação. Com efeito, estes dois últimos tipos de despesas definem-se claramente pelo seu objecto, o que explica a referência ao objecto da despesa no número 28 do mesmo acórdão.

52.      Independentemente deste esclarecimento, e mais fundamentalmente, são o contexto em que se insere o número 28 do acórdão PARAT Automotive Cabrio, já referido, e a relação entre o artigo 17.°, n.° 6, da Sexta Directiva e o artigo 11.°, n.° 4, da Segunda Directiva que me levam a pensar que a inserção da expressão «seu objecto» não pode ser interpretada como a manifestação de uma vontade do Tribunal de Justiça de acrescentar ao critério de definição de certos bens ou serviços a que se refere o artigo 11.°, n.° 4, da Segunda Directiva, por referência à sua natureza, um critério assente no objecto (na acepção de finalidade) dos bens ou serviços, ou mesmo das despesas ligadas à aquisição de bens ou de serviços.

53.      Com efeito, antes de mais, importa recordar que, no acórdão PARAT Automotive Cabrio, já referido, foi colocada ao Tribunal de Justiça a questão de saber se uma medida nacional de carácter geral, adoptada antes da adesão da República da Hungria à União Europeia e que excluía o direito à dedução integral do IVA pago a montante relativamente a qualquer aquisição de bens financiada por um subsídio proveniente de fundos públicos, era compatível com o artigo 17.° da Sexta Directiva. Ora, tendo em conta o carácter geral da medida nacional, que se aplicava a qualquer tipo de bens, não se suscitava logicamente a questão de saber se, como acontece nos processos principais, a categoria de bens ou serviços referida pela regulamentação nacional estava suficientemente definida.

54.      Depois, importa também esclarecer que o n.° 28 do acórdão PARAT Automotive Cabrio, já referido, se limita a interpretar o artigo 17.°, n.° 6, segundo parágrafo, da Sexta Directiva, não tocando na questão da interpretação da expressão «certos bens ou serviços» na acepção do artigo 11.°, n.° 4, da Segunda Directiva.

55.      Em meu entender, esta interpretação é confirmada pelo n.° 29 do mesmo acórdão, que lembra que, à luz do histórico desta disposição, o «legislador comunitário […] apenas autoriz[ou] a exclusão de certos bens ou serviços do regime de dedução e não exclusões gerais desse regime».

56.      Com efeito, como já salientei nos n.os 41 e 42 das presentes conclusões, para ser autorizada, uma regulamentação nacional como a que está em causa nos processos principais, que prevê a exclusão do direito à dedução do IVA e que foi adoptada antes da entrada em vigor da Sexta Directiva, tem não só que ser abrangida pelo artigo 17.°, n.° 6, segundo parágrafo, desta directiva, mas também que ser compatível com a Segunda Directiva, em particular com o seu artigo 11.°, n.° 4, aplicável na altura em que a referida regulamentação foi adoptada.

57.      Daqui decorre, em minha opinião, que os n.os 28 e 29 do acórdão PARAT Automotive Cabrio, já referido, significam simplesmente que, apesar do próprio artigo 17.°, n.° 6, segundo parágrafo, da Sexta Directiva, autorizar os Estados-Membros a excluir do direito à dedução do IVA pago a montante despesas definidas tendo em conta a sua natureza ou o seu objecto, não pode eximi-los da obrigação, que decorre directa ou indirectamente do artigo 11.°, n.° 4, da Segunda Directiva, de precisarem suficientemente a natureza dos bens ou dos serviços a que essas despesas dizem respeito, sob pena de alargar excessivamente o âmbito de aplicação de uma disposição derrogatória do regime do direito à dedução (14).

58.      Por conseguinte, e de acordo com a jurisprudência Udenkaupungin kaupunki, importa verificar se, nos processos principais, as categorias de despesas excluídas da dedução do IVA pago a montante ao abrigo da regulamentação em causa foram definidas de forma suficientemente precisa, ou seja, se foram delimitadas por referência à natureza dos bens ou dos serviços adquiridos.

59.      De um modo geral, saliento que, para além das categorias específicas que exclui do direito à dedução, o decreto real de 1968 visa igualmente os bens e serviços utilizados para qualquer outro uso privado do pessoal da empresa. Formulada nestes termos, uma tal exclusão parece fundada mais na afectação privada dos bens e dos serviços do que na sua natureza e, neste contexto, não preenche os requisitos do artigo 11.°, n.° 4, da Segunda Directiva, tal como interpretado pelo Tribunal da Justiça.

60.      No entanto, como o Governo grego assinalou nas suas observações escritas, os processos principais não se referem a bens ou serviços abrangidos nesta categoria genérica, mas a bens ou serviços usados pelo sujeito passivo para necessidades mais concretas do seu pessoal, descritas nas outras categorias enumeradas no decreto real de 1968.

61.      Portanto, importa examinar a natureza suficientemente precisa destas categorias, tendo em atenção os requisitos do artigo 11.°, n.° 4, da Segunda Directiva.

62.      No que se refere ao processo C-538/08, a categoria em causa é aquela a que se refere o artigo 1.°, n.° 1, alínea c), do decreto real de 1968 que abrange os bens ou serviços utilizados pelo empresário para fornecer ao seu pessoal «um meio de transporte privado».

63.      Segundo o órgão jurisdicional de reenvio, a análise da génese desta disposição mostra claramente que o legislador nacional pretendeu incluir simultaneamente os bens e os serviços utilizados para oferecer um meio de transporte privado e a disponibilização, por um sujeito passivo, de um automóvel a um elemento do seu pessoal.

64.      Vale a pena salientar que esta categoria é, por duas razões, mais ampla do que a examinada pelo Tribunal de Justiça no processo em que foi proferido o acórdão Royscot, já referido, em que a exclusão do direito à dedução do IVA devido pela compra de veículos automóveis foi julgada compatível com o artigo 17.°, n.° 6, da Sexta Directiva. Com efeito, por um lado, a categoria prevista pelo artigo 1.°, n.° 1, alínea c), do decreto real de 1968 inclui os bens ou serviços utilizados para fornecer um meio de transporte privado. Por outro lado, esta categoria não está limitada aos veículos automóveis ditos de turismo, podendo igualmente incluir, como observou o órgão jurisdicional de reenvio, a disponibilização de um meio de transporte do pessoal do sujeito passivo do local da respectiva residência para o local de trabalho.

65.      Nessa medida, isso não significa que a categoria em causa esteja definida de modo demasiado geral.

66.      Em primeiro lugar, é pouco duvidoso que esta categoria possa levar a excluir do direito à dedução a totalidade ou a quase totalidade dos bens ou serviços e a esvaziar de substância o regime geral previsto no artigo 17.°, n.° 2, da Sexta Directiva (15).

67.      Em segundo lugar, ao incluir a própria disponibilização de um meio de transporte privado para os elementos do pessoal do sujeito passivo, a referida categoria contém indubitavelmente uma definição suficientemente precisa dos bens a que dizem respeito as despesas controvertidas no processo principal, que, recordo, diz respeito à exclusão do direito à dedução do IVA pago na aquisição, pelo sujeito passivo, de automóveis afectos, em parte, ao uso privado dos elementos do seu pessoal.

68.      Quanto às categorias em causa no processo C-33/09, considero igualmente que a categoria relativa ao «fornecimento de alimentos e de bebidas ao pessoal do sujeito passivo» e a respeitante à «atribuição de alojamento ao pessoal do empresário» preenchem suficientemente os requisitos do artigo 11.°, n.° 4, da Segunda Directiva.

69.      Por um lado, e contrariamente ao que a demandante sugeriu no processo principal neste mesmo caso a propósito da categoria relativa ao fornecimento de alimentos e de bebidas, não penso que os bens ou serviços abrangidos nesta categoria tenham de ser descritos e/ou enumerados de forma exaustiva. Tendo em conta as informações fornecidas pelo órgão jurisdicional de reenvio, é claro que estão compreendidos nesta categoria os bens alimentares e os bens e serviços que servem para a confecção e preparação de refeições e de bebidas. Esta categoria de bens ou serviços parece-me, portanto, suficientemente identificável e definida, implicitamente, em função da sua natureza.

70.      Além disso, observo que, no acórdão Danfoss e AstraZeneca, já referido, o Tribunal de Justiça não mencionou qualquer obstáculo de princípio àquilo que faz parte do campo de aplicação da derrogação prevista no artigo 17.°, n.° 6, da Sexta Directiva, a saber, a exclusão do direito à dedução do IVA que onera as compras e operações equiparadas, relativas às «alimentação do proprietário e do pessoal da empresa».

71.      Por outro lado, subscrevo a apreciação do órgão jurisdicional de reenvio a propósito da categoria relativa à «atribuição de alojamento ao pessoal do empresário», que, tal como referiu o órgão jurisdicional de reenvio, compreende não só a atribuição propriamente dita de alojamento aos membros do pessoal do empresário, mas também os custos dos serviços de agência ou de mediação para conseguir essa atribuição. Nesse caso, trata-se ainda, em meu entender, de uma categoria suficientemente definida, de forma implícita, por referência à natureza dos bens e dos serviços em causa.

72.      Em contrapartida, tenho fortes dúvidas quanto ao carácter suficientemente definido das duas outras categorias controvertidas, a saber, a que se refere a facultar o exercício de «actividades de lazer ao pessoal [do sujeito passivo]», prevista no artigo 1.°, n.° 1, alínea c), do decreto real de 1968, e a respeitante a «ofertas de negócios ou outras ofertas a quem está ou estaria total ou essencialmente vedada a dedução do imposto sobre o volume de negócios que lhes é ou seria facturado», prevista no artigo 1.°, n.° 1, alínea b), do referido decreto real.

73.      Com efeito, estas categorias são definidas em função do seu objecto, isto é, da sua finalidade, e, além disso, sem que seja ou possa ser objectivamente definida, mesmo de maneira geral, a natureza dos bens ou dos serviços em causa. Em particular, ao invés do que o Governo neerlandês defendeu nas suas observações escritas, não existe qualquer indício que permita sustentar que a categoria das ofertas de negócios estaria limitada a artigos de luxo. Pelo contrário, essa alegação é desmentida pelo artigo 1.°, n.° 2, do decreto real de 1968, que esclarece que por «ofertas de negócios» ou «outras ofertas» se deve entender «qualquer prestação fornecida pelo empresário no quadro das suas relações de negócios ou como liberalidade para outrem».

74.      Atendendo às considerações que antecedem, penso que o artigo 11.°, n.° 4, da Segunda Directiva e o artigo 17.°, n.° 6, da Sexta Directiva, devem ser interpretados no sentido de que um Estado-Membro, que exerceu a faculdade oferecida por esses artigos, de excluir da dedução as categorias de despesas descritas como:

–        «fornecimento de um meio de transporte privado ao pessoal do empresário»,

–        «fornecimento de alimentos e de bebidas ao pessoal do empresário»,

–        «atribuição de alojamento ao pessoal do empresário»,

cumpre a condição que lhe impõe indicar uma categoria de bens e/ou de serviços de forma suficientemente definida, por referência, ainda que implícita, à natureza dos referidos bens e/ou serviços.

Em contrapartida, não satisfaz essa condição a exclusão, por um Estado-Membro, do direito à dedução do IVA pago a montante em relação a categorias de despesas descritas como:

–        «facultar o exercício de actividades de lazer ao pessoal do empresário»;

–        «[realizar] ofertas de negócios ou outras ofertas a quem está ou estaria total ou essencialmente vedada a dedução do imposto sobre o volume de negócios que lhes é ou seria facturado».

B –    Quanto às segundas questões submetidas nos dois processos

75.      Com as suas segundas questões, formuladas em termos idênticos em ambos os processos, os órgãos jurisdicionais de reenvio perguntam essencialmente se, na hipótese de ser autorizada uma exclusão total do direito à dedução do IVA relativamente a uma ou mais das categorias de despesas analisadas no quadro da resposta às primeiras questões prejudiciais, as disposições da Sexta Directiva devem ser interpretadas no sentido de que se opõem a uma exclusão parcial do direito à dedução do IVA, tal como resulta de uma regulamentação nacional adoptada antes da entrada em vigor da referida directiva.

76.      Tendo em conta, por um lado, o carácter geral da faculdade oferecida aos Estados-Membros pelo artigo 17.°, n.° 6, da Sexta Directiva, que lhes permite manter todas as exclusões do direito à dedução previstas na sua legislação nacional aplicada antes da entrada em vigor da Sexta Directiva, e, por outro lado, o brocardo jurídico «quem pode o mais pode o menos», não vejo qualquer obstáculo a que um Estado possa limitar o âmbito de uma exclusão da dedução do IVA a partir do momento da adopção dessa exclusão.

77.      Essa possibilidade parece-me conforme ao espírito da Sexta Directiva. Com efeito, se o Tribunal de Justiça admitiu que o artigo 17.° da Sexta Directiva não obsta a que um Estado-Membro reduza o âmbito ou o campo de aplicação das exclusões existentes posteriormente à entrada em vigor da Sexta Directiva, constituindo a sua supressão o objectivo do artigo 28.°, n.° 4, da mesma directiva (16), é lógico deduzir daí que as disposições da Sexta Directiva, designadamente o seu artigo 17.°, n.° 2, também não obstam à adopção, antes mesmo da entrada em vigor desta directiva, de uma regulamentação nacional que prevê a exclusão parcial do direito à dedução do IVA pago a montante.

78.      Considero, portanto, que o artigo 17.°, n.° 6, da Sexta Directiva, deve ser interpretado no sentido de que autoriza um Estado-Membro a manter uma exclusão parcial do direito à dedução do IVA pago a montante por despesas relativas a certos bens ou serviços, que tenha sido estabelecida por uma regulamentação nacional adoptada antes da entrada em vigor da Sexta Directiva.

C –    Quanto à terceira questão submetida no processo C-33/09

79.      A terceira questão submetida pelo órgão jurisdicional de reenvio no processo C-33/09 diz exclusivamente respeito à situação particular da exclusão parcial do direito à dedução do IVA da categoria de despesas relativa ao «fornecimento de alimentos e de bebidas» aos elementos do pessoal do sujeito passivo, a que se refere o artigo 1.°, n.° 1, alínea c), do decreto real de 1968.

80.      Recordo que, com esta questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta se o artigo 17.°, n.° 6, da Sexta Directiva deve ser interpretado no sentido de que proíbe a um Estado-Membro modificar a exclusão parcial do direito à dedução do IVA no que respeita à categoria de despesas relativa ao «fornecimento de alimentos e bebidas» no sentido de, em princípio, restringir o seu âmbito, mas sem se poder excluir que, num caso individual e para um dado exercício fiscal, alargue o âmbito da referida exclusão tendo em conta o carácter forfetário do regime modificado.

81.      É pacífico que, no caso da referida categoria – que me parece suficientemente definida, como assinalei na análise das primeiras questões prejudiciais – o decreto real de 1968 foi alterado posteriormente à entrada em vigor da Sexta Directiva.

82.      É igualmente pacífico, como decorre do despacho de reenvio e como a própria demandante no processo principal admitiu na audiência no Tribunal, que as alterações introduzidas relativamente à exclusão do direito à dedução do IVA das despesas relativas ao fornecimento de alimentos e bebidas reduziram, de um modo geral, o âmbito da referida exclusão.

83.      Ora, de acordo com a jurisprudência, essa modificação do âmbito das exclusões do direito à dedução mediante a sua redução está coberta pela derrogação prevista no artigo 17.°, n.° 6, da Sexta Directiva, mesmo que tenha sido efectuada posteriormente à entrada em vigor da Sexta Directiva (17). Com efeito, como já foi indicado, a redução do âmbito duma tal derrogação ao princípio do direito à dedução do IVA, previsto no artigo 17.°, n.° 2, da Sexta Directiva, é conforme com o objectivo desta última.

84.      Esta apreciação de ordem geral não me parece infirmada pela possibilidade, invocada pelo órgão jurisdicional de reenvio mas que é pacífico não ser pertinente no processo principal, de que, num caso excepcional, o novo regime de exclusão parcial de tipo forfetário, instaurado posteriormente à entrada em vigor da Sexta Directiva, possa levar a um resultado económico mais desfavorável do que aquele que existia sob o regime anterior, em virtude das modalidades de aplicação deste novo regime.

85.      A este respeito, lembro que, tanto segundo o órgão jurisdicional de reenvio como segundo as observações escritas do Governo neerlandês, tal situação só seria susceptível de ocorrer no caso de o sujeito passivo propor alimentos e bebidas aos elementos do seu pessoal, sem contribuir para a sua preparação nem para o seu consumo, num valor superior a 500 NLG (cerca de 227 euros) por elemento do pessoal, no decurso de um mesmo exercício contabilístico.

86.      Ora, a simples possibilidade de semelhante caso ocorrer não pode, em meu entender, levar a excluir a aplicação da derrogação prevista no artigo 17.°, n.° 6, da Sexta Directiva, pois, como referiu o órgão jurisdicional de reenvio, a alteração introduzida posteriormente à entrada em vigor da referida directiva é, de um modo geral, mais favorável para os sujeitos passivos do que o regime em vigor antes dessa data. Com efeito, mesmo a verificar-se, a existência desse caso isolado ou excepcional não afectaria o princípio de que a alteração da regulamentação nacional adoptada posteriormente à entrada em vigor da Sexta Directiva reduziu o âmbito das exclusões anteriormente existentes.

87.      Em contrapartida, considero que, tal como a Comissão observou, com razão, um órgão jurisdicional confrontado com o caso excepcional e presentemente hipotético tido em vista pelo órgão jurisdicional de reenvio deveria, na medida do possível, em cumprimento da obrigação que lhe incumbe por força do direito comunitário, interpretar o direito interno à luz do teor e da finalidade da Sexta Directiva, para alcançar os resultados por esta prosseguidos (18).

88.      Por conseguinte, considero que o artigo 17.°, n.° 6, da Sexta Directiva, deve ser interpretado no sentido de que autoriza um Estado-Membro a, posteriormente à entrada em vigor da referida directiva, modificar a exclusão do direito à dedução do IVA de uma categoria de despesas, como a relativa, no processo principal, ao fornecimento de alimentos e bebidas pelo sujeito passivo a elementos do seu pessoal, no sentido de, em princípio, restringir o seu âmbito, mas sem se poder excluir que, num caso individual e para um dado exercício fiscal não pertinente no processo principal, alargue o âmbito da referida exclusão tendo em conta o carácter forfetário do regime modificado.

VI – Conclusão

89.      Tendo em conta as considerações precedentes, proponho que se responda da seguinte forma às questões prejudiciais submetidas pelo Hoge Raad der Nederlanden e pelo Gerechtshof Amsterdam:

«1.      O artigo 11.°, n.° 4, da Segunda Directiva 67/228/CEE, do Conselho, de 11 de Abril de 1967, relativa à harmonização das legislações dos Estados-Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios – Estrutura e modalidades de aplicação do sistema comum de imposto sobre o valor acrescentado, e o artigo 17.°, n.° 6, da Directiva 77/338/CEE do Conselho, de 17 de Maio de 1977, relativa à harmonização das legislações dos Estados-Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios – Sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado: matéria colectável uniforme, devem ser interpretados no sentido de que um Estado-Membro, que quis exercer a faculdade oferecida por esses artigos, de excluir da dedução as categorias de despesas descritas como:

–        «fornecimento de um meio de transporte privado ao pessoal do empresário»,

–        «fornecimento de alimentos e bebidas ao pessoal do empresário»,

–        «atribuição de um alojamento ao pessoal do empresário»

cumpre a condição que lhe impõe indicar uma categoria de bens e/ou serviços de forma suficientemente definida, por referência, ainda que implícita, à natureza dos referidos bens e/ou serviços.

Em contrapartida, não satisfaz essa condição a exclusão, por um Estado-Membro, do direito à dedução do IVA pago a montante em relação a categorias de despesas descritas como:

–        «facultar o exercício de actividades de lazer ao pessoal do empresário»;

–        «[realizar] ofertas de negócios ou outras ofertas a quem está ou estaria total ou essencialmente vedada a dedução do imposto sobre o volume de negócios que lhes é ou seria facturado».

2. O artigo 17.°, n.° 6, da Sexta Directiva, deve ser interpretado no sentido de que autoriza um Estado-Membro a manter uma exclusão parcial do direito à dedução do IVA pago a montante por despesas relativas a certos bens ou serviços, que tenha sido estabelecida por uma regulamentação nacional adoptada antes da entrada em vigor da Sexta Directiva.

3. O artigo 17.°, n.° 6, da Sexta Directiva, deve ser interpretado no sentido de que autoriza um Estado-Membro a, posteriormente à entrada em vigor da referida directiva, modificar a exclusão parcial do direito à dedução do IVA de uma categoria de despesas como a relativa, no processo principal no caso C-33/90, ao fornecimento de alimentos e bebidas pelo sujeito passivo a elementos do seu pessoal, no sentido de, em princípio, restringir o seu âmbito, mas sem se poder excluir que, num caso individual e para um dado exercício fiscal não pertinente no processo principal, alargue o âmbito da referida exclusão tendo em conta o carácter forfetário do regime modificado.»


1 – Língua original: francês.


2 – JO 71, p. 1303; EE 09 F1 p. 6. Esta directiva foi revogada, com efeito a partir de 1 de Janeiro de 1978, pela Sexta Directiva 77/388/CEE, de 17 de Maio de 1977, relativa à harmonização das legislações dos Estados-Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios – sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado: matéria colectável uniforme (JO L 145, p. 1, EE 09 F1 p. 54, a seguir «Sexta Directiva»).


3 – Neste sentido, v. acórdãos de 8 de Janeiro de 2002, Metropol e Stadler (C-409/99, Colect., p. I-81, n.os 43 e 44); de 11 de Dezembro de 2008, Danfoss e AstraZeneca (C-371/07, ainda não publicado na Colectânea, n.os 27 e 28), e de 23 de Abril de 2009, PARAT Automotive Cabrio (C-74/08, ainda não publicado na Colectânea, n.os 17 e 21), e Puffer (C-460/07, ainda não publicado na Colectânea, n.° 83).


4 – V., designadamente, acórdãos de 14 de Junho de 2001, Comissão/França (C-345/99, Colect., p. I-4493, n.° 20), e Danfoss e AstraZeneca, já referido (n.° 29).


5 – Neste sentido, v. designadamente acórdãos Danfoss e AstraZeneca, já referido (n.° 30), e de 22 de Dezembro de 2008, Magoora (C-414/07, ainda não publicado na Colectânea, n.° 35).


6 – V. acórdão de 5 de Outubro de 1999, Royscot e o. (C-305/97, Colect., p. I-6671, n.° 21).


7 – Neste sentido, v. acórdãos Royscot (n.° 22) e PARAT Automotive Cabrio (n.° 29), já referidos.


8 – Neste sentido, v. acórdão Magoora, já referido (n.os 32 e 33).


9 – V. acórdão Royscot, já referido (n.os 23 e 25). V. igualmente acórdão de 14 de Julho de 2005, Charles e Charles-Tijmens (C-434/03, Colect., p. I-7037, n.° 34).


10 – Acórdão de 30 de Março de 2006 (C-184/04, Colect., p. I-3039).


11 – Idem (n.° 49) (o itálico é meu).


12 – O itálico é meu.


13 – A versão italiana é particularmente clara a este respeito: «[…] a qualunque spesa legata all’acquisto di beni, indipendentemente dalla sua natura o dal suo oggetto».


14 – Para os Estados-Membros fundadores da Comunidade Europeia e para os que aderiram antes de 1 de Janeiro de 1978, que adoptaram a regulamentação relativa à exclusão do direito à dedução do IVA quando a Segunda Directiva ainda estava em vigor, o artigo 11.°, n.° 4, desta, continua a ser directamente pertinente. Em contrapartida, para os Estados-Membros que aderiram após a revogação da Segunda Directiva pela Sexta Directiva, a aplicação do critério «certos bens e serviços» é apenas indirecta ou, melhor dito, foi incorporada nas condições de aplicação do artigo 17.°, n.° 6, da Sexta Directiva.


15 – A este respeito, v. designadamente, acórdãos, já referidos, Royscot (n.° 24) e Charles e Charles-Tijmens (n.° 33).


16 – V. acórdãos, Comissão/França, já referido, ( n.os 21 e 22); de 8 de Janeiro de 2002, Metropol e Stadler (C-409/99, Colect., p. I-81, n.° 45); e os acórdãos, já referidos, Danfoss e AstraZeneca (n.° 32) e Magoora (n.° 36).


17 – Acórdãos, já referidos, Comissão/França (n.° 22), Danfoss e AstraZeneca (n.° 32), Magoora (n.° 36) e Puffer (n.° 85).


18 – Sobre esta obrigação, v., designadamente, o acórdão Magoora, já referido (n.° 44 e jurisprudência aí indicada).