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CONCLUSÕES DO ADVOGADO-GERAL

JÁN MAZÁK

apresentadas em 9 de Dezembro de 2010 (1)

Processo C-253/09

Comissão Europeia

contra

República da Hungria

«Incumprimento de Estado – Violação dos artigos 18.° CE, 39.° CE e 43.° CE e dos artigos 28.° e 31.° do acordo EEE – Imposto sobre as transmissões onerosas de imóveis – Imóvel destinado a habitação - Legislação fiscal de um Estado-Membro que concede aos compradores de um imóvel destinado a habitação, na determinação da matéria colectável do imposto, a possibilidade de deduzir o valor de mercado de outro imóvel para fins de habitação vendido dentro do período de um ano anterior ou posterior à aquisição se o mesmo estiver situado em território nacional – Não discriminação»





I –    Introdução

1.        Na presente acção por incumprimento intentada pela Comissão em 8 de Julho de 2009, esta pede ao Tribunal de Justiça que declare que a República da Hungria não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força dos artigos 18.° CE, 39.° CE e 43.° CE e dos artigos 28.° e 31.° do acordo EEE ao conceder à aquisição de um imóvel destinado à habitação situado na Hungria em substituição de um imóvel destinado ao mesmo fim situado noutro Estado-Membro um tratamento menos favorável que o concedido à aquisição de um imóvel destinado à habitação situado na Hungria em substituição de um imóvel destinado ao mesmo fim neste mesmo Estado-Membro.

II – Quadro jurídico

2.        Nos termos do artigo 63.° da Lei CXVII de 1995, lei húngara relativa ao imposto sobre o rendimento (a seguir «Lei CXVII»), «a taxa de imposto sobre os rendimentos obtidos com a venda de um imóvel e dos direitos de propriedade é de 25% […] O imposto liquidado é reduzido (ou não cobrado) até ao montante do imposto que incida sobre a parte do rendimento correspondente à venda de um imóvel ou de um direito de propriedade (dedução para aquisição de habitação) que seja utilizado para a aquisição de um bem imóvel destinado à habitação por qualquer particular, para proveito do próprio, de um familiar directo ou de um ex-cônjuge, dentro do período de 12 meses anterior à obtenção do rendimento ou de 60 meses após essa data (base da dedução para aquisição de habitação).» Essa dedução para aquisição de habitação só é concedida se o investimento se destinar à compra de habitação na Hungria.

3.        O artigo 1.° da Lei XCIII de 1990 relativa aos impostos (a seguir «Lei XCIII») estabelece:

«O imposto sobre imóveis incide sobre todas as transmissões de imóveis, sejam elas por morte, por doação ou onerosas.»

4.        O artigo 2.° da Lei XCIII estabelece:

«[…] as disposições relativas à tributação das doações e transmissões onerosas de imóveis são aplicáveis aos imóveis situados no território nacional e aos respectivos direitos de propriedade, salvo disposição em contrário de convenção internacional.»

5.        Por último, o artigo 21.°, n.° 5, da Lei XCIII estabelece:

«[...] Se um comprador privado vender a sua outra residência dentro do período de um ano anterior ou posterior à data da aquisição, a matéria colectável do imposto corresponderá à diferença entre o valor de mercado (bruto) do imóvel adquirido e do imóvel vendido.»

III – Procedimento pré-contencioso e processo judicial

6.        Por carta de 23 de Março de 2007, a Comissão chamou a atenção do Governo húngaro para o facto de a legislação fiscal respeitante à transmissão de imóveis violar as obrigações impostas à República da Hungria pelos artigos 18.° CE, 39.° CE e 43.° CE e pelos correspondentes artigos do acordo EEE.

7.        Referiu que, no seu entender, as disposições da Lei CXVII e da Lei XCIII violam os princípios da livre circulação de pessoas e da liberdade de estabelecimento ao imporem, na aquisição de um imóvel destinado à habitação na Hungria, quando tenha tido lugar uma venda de uma habitação situada noutro Estado-Membro, um encargo fiscal mais gravoso do que o imposto devido quando a venda se refere a um imóvel para habitação situado no território da Hungria. Pela sua natureza discriminatória, estas disposições representam um obstáculo à livre circulação dos trabalhadores e dos capitais, assim como à liberdade de estabelecimento.

8.        Por carta de 8 de Agosto de 2007, o Governo húngaro reconheceu que as disposições do artigo 63.° da Lei CXVII representam uma violação do direito comunitário (actual direito da União Europeia) e anunciou a sua intenção de adoptar nova legislação por forma a garantir o mesmo tratamento a todos os sujeitos passivos. O Governo húngaro sustentou todavia que o artigo 21.°, n.° 5, da Lei XCIII cumpre as regras de direito da União em matéria de livre circulação.

9.        Em 27 de Junho de 2008, a Comissão emitiu um parecer fundamentado no qual manteve as acusações formuladas na sua notificação de 23 de Março de 2007 relativamente ao artigo 2.°, em conjugação com o artigo 21.°, n.° 5, da Lei XCIII e reiterou a sua opinião de que tais disposições da legislação tributária húngara violam os artigos 18.° CE, 39.° CE e 43.° CE.

10.      Uma vez que, na sua resposta ao parecer fundamentado, as autoridades húngaras mantiveram no essencial a sua posição de que as disposições da legislação tributária húngara em apreço estão em conformidade com o direito da União, a Comissão decidiu intentar a presente acção.

IV – Análise

A –    Principais argumentos das partes

11.      A Comissão considera que as disposições controvertidas da legislação tributária húngara, ao concederem, para determinação da matéria colectável do imposto sobre a transmissão de imóveis, a possibilidade de deduzir o valor de mercado do imóvel vendido do valor do imóvel adquirido, no caso de a venda ter por objecto um imóvel situado no território húngaro, e ao negarem essa dedução, se o imóvel para habitação vendido estiver situado noutro Estado-Membro, violam os princípios da livre circulação de pessoas e da liberdade de estabelecimento consagrados nos artigos 18.° CE, 39.° CE e 43.° CE e nos artigos 28.° e 31.° do acordo EEE, pelo que representam um obstáculo ao exercício dessas liberdades.

12.      Alega, em substância, que a não concessão do benefício fiscal descrito pode dissuadir os cidadãos estrangeiros ou húngaros que vivem noutro Estado-Membro e aí tenham adquirido um imóvel de exercerem o seu direito à livre circulação e de se estabelecerem na Hungria.

13.      A Comissão considera que estas pessoas, que já tinham eventualmente pago impostos num montante semelhante no Estado em que residiam anteriormente quando adquiriram o seu imóvel, se encontram numa situação objectivamente comparável à daquelas que adquiriram o seu anterior imóvel na Hungria. Por conseguinte, essas pessoas devem ser tratadas do mesmo modo no que diz respeito ao imposto húngaro que incide sobre a transmissão de imóveis. No entanto, na medida em que a legislação húngara em apreço coloca aqueles que adquirem na Hungria um imóvel destinado a habitação que substitui o imóvel situado em qualquer outro Estado-Membro numa situação menos favorável (porquanto têm de pagar imposto sobre o valor total do imóvel visado) do que aqueles que também adquiriram um imóvel mas já eram proprietários de outro no território da Hungria, a norma húngara em questão trata situações idênticas de modo diferente, pelo que é susceptível de constituir uma discriminação.

14.      No entender da Comissão, esta diferença de tratamento não é objectivamente justificada.

15.      A este respeito, a Comissão rejeita a perspectiva de que as normas fiscais em apreço possam justificar-se pela necessidade de garantir a coesão do sistema fiscal, uma vez que não existe nenhuma relação directa entre a vantagem fiscal em causa e a compensação da referida vantagem, conforme exigido pela jurisprudência assente nesta matéria. Mais particularmente, não existe nenhuma relação directa entre, por um lado, a aquisição de outro imóvel destinado a habitação, e consequente obrigação de pagar o imposto, e, por outro, a venda do primeiro imóvel e os impostos pagos nesse momento, elementos esses que só o legislador húngaro relaciona entre si.

16.      Além disso, no entender da Comissão, a violação das liberdades fundamentais objecto do presente processo não pode ser justificada nem pelo princípio da territorialidade invocado pelo Governo húngaro, nem pela necessidade de prevenir situações abusivas que possam ocorrer na administração da vantagem fiscal em causa ou com base nas sérias dificuldades administrativas ou complicações com que as autoridades húngaras possam confrontar-se neste contexto.

17.      A Comissão admite, no entanto, que a República da Hungria possa impor requisitos específicos aos sujeitos passivos com vista a obter as informações necessárias, não podendo no entanto esses requisitos ser desproporcionais relativamente ao objectivo prosseguido.

18.      O Governo húngaro contesta a opinião da Comissão segundo a qual a norma tributária em apreço, que diz claramente respeito à tributação directa, viola as disposições do Tratado e do acordo EEE respeitantes à livre circulação de pessoas e à liberdade de estabelecimento.

19.      A este respeito, salienta em particular que as pessoas que adquirem um imóvel para fins de habitação na Hungria pela primeira vez e que já eram proprietárias de um imóvel para habitação noutro Estado-Membro não se encontram numa situação comparável à das pessoas que adquirem um segundo imóvel para habitação na Hungria em substituição de um imóvel situado neste país.

20.      Todos os que adquirem um imóvel no território húngaro pela primeira vez encontram-se na mesma situação para efeitos da legislação fiscal em causa, ao passo que os que adquirem um segundo imóvel para habitação no território húngaro, em substituição de um imóvel de que já eram proprietários nesse mesmo território, encontram-se numa situação comparável entre si. Na verdade, os membros de qualquer destes grupos são objecto de idêntico tratamento nos termos da legislação fiscal húngara, independentemente da nacionalidade ou residência. A vantagem fiscal em questão não representa deste modo qualquer tratamento discriminatório.

21.      O Governo húngaro salienta neste contexto que a distinção feita entre aqueles que pretendem adquirir um imóvel para habitação na Hungria pela primeira vez e aqueles que, depois de venderem um imóvel que já tenha sido sujeito ao imposto sobre as transmissões, adquirem um novo imóvel na Hungria, justifica-se objectivamente pelo facto de os poderes de tributação da Hungria se limitarem ao seu território no que diz respeito à transmissão de bens imóveis. Além disso, segundo a jurisprudência iniciada pelo acórdão Schumacker, o facto de determinado Estado-Membro não fazer beneficiar os não residentes de certos benefícios fiscais atribuídos aos residentes não é, regra geral, discriminatório, pois aquelas duas categorias de contribuintes não se encontram em situação comparável (2).

22.      Relativamente à questão de saber se a legislação húngara em causa constitui um obstáculo ao direito à livre circulação consagrado nos artigos do Tratado invocados pela Comissão, o Governo húngaro recorda que, nos termos da jurisprudência do Tribunal de Justiça, o Tratado não garante a um cidadão da União Europeia que a transferência das suas actividades para um Estado-Membro diferente daquele em que residia até então seja neutra em termos de impostos. Tendo em conta as disparidades entre as legislações fiscais dos Estados-Membros, essa transferência pode, conforme o caso, ser mais ou menos vantajosa ou desvantajosa para o cidadão, no plano dos impostos indirectos (3).

23.      Em qualquer caso, segundo o Governo húngaro, mesmo que a legislação em causa seja considerada um obstáculo à livre circulação, é objectivamente justificada pelo princípio da territorialidade fiscal e pela necessidade de garantir a coesão do sistema fiscal nacional. No que respeita a esta última justificação, o requisito de que deve existir uma «relação directa» entre a vantagem fiscal em causa e a compensação dessa vantagem não deve ser interpretado de forma tão restritiva como a Comissão entende, uma vez que o benefício fiscal concedido para a aquisição do segundo imóvel não necessita de corresponder exactamente ao imposto aplicado à aquisição do primeiro imóvel.

24.      O Governo húngaro sublinha, por último, que a obrigação de tomar em conta um imposto que possa ter sido pago pela transmissão de um imóvel noutro Estado-Membro tornaria o seu sistema fiscal excessivamente complexo e daria origem a sérias dificuldades administrativas, uma vez que não é possível na prática verificar em que medida um imposto comparável sobre as transmissões foi efectivamente aplicado à aquisição de um imóvel situado fora da Hungria e evitar de forma eficaz abusos no aproveitamento da vantagem fiscal. Por outro lado, contrariamente às alegações da Comissão, a legislação fiscal em causa não tem por objectivo evitar uma redução das receitas fiscais.

B –    Apreciação

25.      A título preliminar, na minha opinião, contrariamente às alegações da Comissão na sua petição, não há razão para pôr em causa a qualificação, por parte do Governo húngaro, do imposto sobre as transmissões de imóveis em questão no presente processo como imposto directo, na medida em que o mesmo é aparentemente cobrado directamente à pessoa que também suporta o seu encargo económico (4).

26.      Quanto ao acórdão proferido no processo Comunidade Europeia/Bélgica, referido pela Comissão neste contexto, basta referir que, em primeiro lugar, esse processo dizia respeito a um imposto diferente, nomeadamente aos direitos de registo, e, em segundo lugar, para responder às questões suscitadas nesse processo, o Tribunal de Justiça adoptou a classificação de imposto indirecto atribuída pelo órgão jurisdicional nacional ao imposto então em causa (5).

27.      Assim sendo, importa recordar que, segundo jurisprudência assente do Tribunal de Justiça, embora a fiscalidade directa seja da competência dos Estados-Membros, estes últimos devem, todavia, exercer essa competência no respeito do direito comunitário (6).

28.      É deste modo necessário examinar se, conforme sustentado pela Comissão, as disposições da legislação húngara em matéria de tributação das transmissões onerosas de imóveis e, em particular o artigo 2.° em conjugação com o artigo 21.°, n.° 5, da Lei XCIII, constituem um obstáculo à livre circulação de pessoas e à liberdade de estabelecimento consagradas nos artigos 18.° CE, 39.° CE e 43.° CE e nos artigos 28.° e 31.° do acordo EEE.

29.      No que diz respeito, em primeiro lugar, à alegação de que a República da Hungria não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força dos artigos 18.° CE, 39.° CE e 43.° CE, importa observar que o artigo 18.° CE, que confere em termos gerais a todos os cidadãos da União o direito de circular e permanecer livremente no território dos Estados-Membros, encontra expressão particular no artigo 39.° CE sobre a livre circulação dos trabalhadores e no artigo 43.° CE sobre a liberdade de estabelecimento. Importa assim determinar primeiro se o regime fiscal em causa viola os artigos 39.° CE e 43.° CE antes de proceder a uma apreciação deste regime à luz do artigo 18.° CE (7).

30.      Neste contexto, há que recordar que qualquer nacional de um Estado-Membro, independentemente do seu lugar de residência e da sua nacionalidade, que exerça ou tenha exercido o direito à liberdade de circulação dos trabalhadores ou à liberdade de estabelecimento e que tenha trabalhado noutro Estado-Membro diferente do da residência, está abrangido pelo âmbito de aplicação do artigo 39.° ou do artigo 43.° CE, conforme o caso (8).

31.      A seguir, importa observar que o conjunto das disposições do Tratado relativas à livre circulação de pessoas visa facilitar aos nacionais da União o exercício de actividades profissionais de qualquer natureza em todo o território da União e opõe-se às medidas que possam desfavorecer esses nacionais quando desejem exercer uma actividade económica no território de outro Estado-Membro (9).

32.      Assim, as disposições relativas à livre circulação de trabalhadores e à liberdade de estabelecimento visam, em particular, assegurar o que os nacionais e sociedades estrangeiros sejam tratados no Estado-Membro de acolhimento da mesma forma que os nacionais desse Estado (10).

33.      No presente processo, a legislação fiscal em causa, em especial o artigo 21.°, n.° 5, da Lei XCIII, é criticada pela Comissão pelo facto de, para determinar se um comprador de um imóvel para habitação na Hungria pode, para efeitos de determinação da matéria colectável do imposto sobre as transmissões onerosas de imóveis, deduzir o valor de mercado de outro imóvel para habitação vendido dentro do período de um ano anterior ou posterior à aquisição do imóvel visado, diferenciar os casos em que os imóveis anteriormente possuídos e vendidos se situam ou não no território da Hungria. Segundo a Comissão, a diferença de tratamento fiscal entre sujeitos passivos (quer se trate de cidadãos estrangeiros ou húngaros) que vendem um imóvel situado na Hungria e sujeitos passivos que vendem um imóvel situado fora do território da Hungria torna o regime fiscal em causa discriminatório e pode dissuadir os sujeitos passivos de exercerem o seu direito à livre circulação e à liberdade de estabelecimento.

34.      A este respeito, importa observar que as alegações da Comissão, a quem cabe demonstrar, no âmbito de uma acção por incumprimento, a existência da alegada violação do direito comunitário/do direito da União (11), eram ambíguas quanto à questão de saber se aquela considera a diferenciação prevista pela legislação fiscal húngara uma discriminação com base na residência. Por um lado, a Comissão alega que a legislação controvertida desencoraja as pessoas que tenham residência noutro Estado-Membro de se estabelecerem na Hungria, por exemplo, aceitando um emprego neste país. Por outro lado, rejeita expressamente a referência do Governo húngaro à jurisprudência Schumacker (12), declarando neste contexto que a distinção prevista pelo regime fiscal em causa não se baseia na residência, uma vez que o presente processo diz respeito a contribuintes que residem ou estão prestes a residir na Hungria.

35.      Seja como for, de acordo com a sua linha de argumentação, a Comissão parece considerar que a discriminação advém de um modo geral do tratamento fiscal menos favorável dado às transferências de residência de outro Estado-Membro comparativamente às transferências de residência dentro do território húngaro. A Comissão considera no essencial que, por força do princípio da igualdade (fiscal), a primeira situação transfronteiriça deve ser alvo de um tratamento fiscal idêntico ao daquela situação interna, ou seja, deve beneficiar da vantagem fiscal em causa no presente processo.

36.      Como ambas as partes no presente processo reconheceram neste contexto, independentemente da posição da Comissão e, por conseguinte, da presente acção por incumprimento, proceder, importa determinar se as situações acima referidas (a dos contribuintes que vendem um imóvel situado na Hungria, por um lado, e a dos contribuintes que vendem um imóvel situado fora do território da Hungria, por outro) são objectivamente comparáveis no que diz respeito à vantagem fiscal em causa (a possibilidade de deduzir o valor de mercado do imóvel vendido da matéria colectável do imposto sobre as transmissões de imóveis).

37.      Tal resulta efectivamente do facto de que, segundo jurisprudência assente, uma discriminação só pode consistir na aplicação de regras diferentes a situações comparáveis ou na aplicação da mesma regra a situações diferentes (13).

38.      Da mesma forma, a discriminação de uma determinada categoria de sujeitos passivos em relação a outra só pode ser alegada se a situação dos dois grupos for comparável no que diz respeito às normas tributárias em causa (14).

39.      Quanto ao caso em apreço, a Hungria só é instada a proporcionar a vantagem fiscal em causa aos sujeitos passivos que vendem um imóvel para habitação situado fora do território da Hungria se a situação destes for objectivamente comparável, no contexto da tributação das transmissões de imóveis em questão, à situação de um sujeito passivo que vende um imóvel situado no território da Hungria (15).

40.      Importa notar neste contexto que, tanto nas suas alegações escritas como na audiência, no que diz respeito à abordagem apropriada a adoptar para responder à questão da comparabilidade objectiva no presente processo, a Comissão limitou-se essencialmente a afirmar que, no seu entender, não existe diferença objectiva entre um sujeito passivo que adquire um primeiro imóvel para habitação na Hungria e outro que adquire um primeiro imóvel para habitação noutro local da União.

41.      Além do facto de tal argumento ser, em si, dificilmente conclusivo, considero que a análise da Comissão no presente processo assenta numa premissa que não tem em devida conta que, no actual estádio de desenvolvimento do direito da União e da harmonização da legislação nacional em matéria de impostos directos, não podemos encarar a Comunidade/União como uma «zona fiscal» única ou uma soberania fiscal que torne a localização dos sujeitos passivos ou dos imóveis, ou a sua circulação dentro dessa zona, irrelevantes para efeitos de impostos directos.

42.      Ora, na realidade, numa perspectiva de tributação directa, a Comunidade/União apresenta-se como um mosaico de sistemas e soberanias fiscais nacionais coexistentes, onde, em princípio, cada Estado-Membro determina a organização e concepção do seu sistema fiscal e exerce os seus poderes tributários, de acordo com o princípio da territorialidade fiscal, em relação às actividades realizadas no seu território (16).

43.      Mesmo que a soberania fiscal esteja sujeita às exigências do direito comunitário/da União, em particular às liberdades fundamentais, e ainda que a repartição de poderes tributários nacionais seja em certa medida coordenada por convenções tributárias, a verdade é que alguns aspectos territoriais, como o local de residência ou o local onde se situa o imóvel, podem ter uma relevância objectiva para o exercício dos poderes tributários dos Estados-Membros.

44.      O problema consiste, porém, em determinar se, num caso específico, a legislação fiscal se pode basear num critério dessa natureza ou, por outras palavras, se as situações de dois contribuintes são objectivamente comparáveis, apesar da diferença de residência do contribuinte ou do local da situação do imóvel. Esta questão deve ser, em qualquer caso, abordada e apreciada à luz do objectivo e conteúdo do regime fiscal nacional que procede à distinção em causa (17).

45.      A este respeito, importa ter em conta no presente caso que o imposto em causa incide sobre as transmissões onerosas de imóveis. É comum nos imóveis e, aliás, conforme sustentado pelo Governo húngaro, coerente com o princípio da territorialidade fiscal, que este tipo de tributação seja aplicado em função do local onde está situado o imóvel. Este critério é, deste modo, objectivamente coerente com o tipo de imposto em causa.

46.      Importa em seguida observar que, ao adoptar o controvertido artigo 21.°, n.° 5, da Lei XCIII, a Hungria decidiu exercer os seus poderes tributários sobre as transmissões de imóveis de modo a que, nas condições definidas na disposição em causa, uma segunda aquisição de um imóvel para habitação só seja tributada com base na diferença entre o valor de mercado do imóvel adquirido e o valor de mercado do imóvel vendido. Não foi contestada a legitimidade dessa opção nem que a mesma se inclui no âmbito da soberania fiscal da Hungria, pois seria legítimo não cobrar qualquer imposto sobre a transmissão de imóveis para habitação ou, inversamente, considerar, para efeitos de cálculo da matéria colectável, o valor de mercado do imóvel adquirido sem dedução em todas as aquisições deste tipo de imóvel.

47.      Mesmo que, conforme demonstrado pela Comissão, a dedução concedida ao abrigo deste regime possa não corresponder necessariamente ao imposto aplicado à primeira aquisição de imóvel para habitação, o facto é que o sujeito passivo visado já foi, nos termos da legislação fiscal em causa, sujeito ao imposto húngaro sobre as transmissões no que respeita a esse imóvel.

48.      Assim, instar a Hungria a ter em conta o valor de mercado do imóvel para habitação adquirido e vendido noutro Estado-Membro e, consequentemente, a transmissão de um imóvel que ainda não gerou imposto sobre transmissões na Hungria, implicaria uma grave interferência no nível e âmbito da tributação legitimamente (18) determinada por aquela no que respeita às transmissões de imóveis para habitação.

49.      No meu entender, o Governo húngaro sustentou de forma correcta que a situação de um sujeito passivo que adquiriu e vendeu um imóvel para habitação no território da Hungria é, no que respeita ao objecto e finalidade da legislação fiscal em causa, objectivamente diferente da situação de um sujeito passivo que adquiriu e vendeu um imóvel para habitação noutro Estado-Membro, visto que, na primeira situação, a aquisição do imóvel foi sujeita a um imposto sobre as transmissões na Hungria, ao passo que a transmissão do imóvel em causa na segunda situação não é, por força do princípio da territorialidade fiscal, tributável na Hungria.

50.      Por outras palavras, na perspectiva dos poderes tributários da Hungria, que são, segundo o princípio da territorialidade fiscal, limitados, relativamente ao imposto sobre as transmissões de imóveis, às actividades realizadas dentro do seu território, os sujeitos passivos numa situação meramente interna e os sujeitos passivos numa situação transfronteiriça são objecto de idêntico tratamento, na medida em que qualquer pessoa que adquira pela primeira vez um imóvel para habitação situado na Hungria é tributada pelo valor total de mercado do imóvel visado, ao passo que quem adquirir posteriormente um segundo imóvel para habitação na Hungria pode, desde que cumpra os demais requisitos previstos no artigo 21.°, n.° 5, da Lei XCIII, ser tributado com base na diferença entre o valor de mercado do imóvel comprado e o valor de mercado do (primeiro) imóvel vendido.

51.      Daí resulta que, contrariamente às alegações da Comissão, as disposições conjugadas do artigo 2.° e do artigo 21.°, n.° 5, da Lei XCIII não são discriminatórias ao permitir que o valor de mercado do imóvel para habitação vendido seja tomado em conta na determinação da matéria colectável do imposto sobre as transmissões de imóveis, desde que o imóvel esteja situado na Hungria.

52.      Quanto ao facto de a Comissão sustentar que este regime fiscal, ao negar a vantagem fiscal prevista no mesmo aos sujeitos passivos que transferem o seu imóvel para habitação para a Hungria, pode constituir uma restrição à livre circulação de pessoas, importa notar que o Tribunal de Justiça já declarou que o Tratado não garante a um cidadão da União que a transferência das suas actividades para um Estado-Membro diferente daquele em que residia até então seja neutra em termos de impostos. Tendo em conta as disparidades entre as legislações fiscais dos Estados-Membros, essa transferência pode, conforme o caso, ser mais ou menos vantajosa ou desvantajosa para o cidadão (19).

53.      A este respeito, o possível «efeito dissuasor» do regime fiscal em causa para as pessoas que desejam exercer o seu direito à livre circulação não é em princípio diferente daquele que pode decorrer meramente da existência de qualquer imposto directo num Estado-Membro ou da existência de uma taxa de imposto comparativamente elevada que um Estado-Membro é livre de adoptar, em qualquer momento, no exercício da sua soberania fiscal. A questão é que, em circunstâncias como as do presente processo, este efeito restritivo resulta das disparidades existentes entre os sistemas tributários dos diferentes Estados-Membros e não de um tratamento fiscal desfavorável de situações transfronteiriças, inerente à própria legislação fiscal do Estado-Membro, pelo que este efeito deve ser aceite como uma consequência da coexistência dos diferentes sistemas fiscais nacionais (20).

54.      Conclui-se então, em primeiro lugar, sem ser necessário avaliar se a legislação fiscal em causa também se justifica pela necessidade de garantir a coesão do sistema fiscal ou de prevenir abusos em matéria fiscal, que as disposições conjugadas do artigo 2.° e do artigo 21.°, n.° 5, da Lei XCIII não violam os artigos 39.° CE e 43.° CE.

55.      Em segundo lugar, no que respeita às pessoas que não são economicamente activas, a mesma conclusão se impõe, por razões idênticas, quanto à alegada violação do artigo 18.° CE.

56.      Em terceiro lugar, na medida em que a Comissão também alega que a República da Hungria não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força dos artigos 28.° e 31.° do acordo EEE, que são no essencial idênticas às decorrentes dos artigos 39.° CE e 43.° CE e cujo alegado incumprimento não foi objecto de fundamentação autónoma por parte da Comissão, esta acusação deve ser julgada improcedente pelos mesmos motivos mencionados anteriormente.

57.      Atendendo a estas considerações, concluo que a presente acção por incumprimento deve ser julgada improcedente.

V –    Conclusão

58.      Proponho assim que o Tribunal de Justiça:

1)      Julgue a acção improcedente.

2)      Condene a Comissão Europeia nas despesas.


1 – Língua original: inglês.


2 – Acórdão de 14 de Fevereiro de 1995, Schumacker (C-279/93, Colect., p. I-225, n.° 34).


3 – Com base, inter alia, no acórdão de 12 de Julho de 2005, Schempp (C-403/03, Colect., p. I-6421, n.° 45).


4 – Relativamente à distinção comummente aceite entre imposto directo e indirecto, v. as conclusões da advogada-geral C. Stix-Hackl no processo Banca Popolare di Cremona (acórdão de 3 de Outubro de 2006, C-475/03, Colect., p. I-9373), n.os 54 e 55.


5 – Acórdão de 26 de Outubro de 2006 (C-199/05, Colect., p. I-10485, nomeadamente n.° 17).


6 – V., por exemplo, acórdãos de 17 de Janeiro de 2008, Comissão/Alemanha (C-152/05, Colect., p. I-39, n.° 16); de 13 de Dezembro de 2005, Marks & Spencer (C-446/03, Colect., p. I-10837, n.° 29); de 26 de Outubro de 2006, Comissão/Portugal (C-345/05, Colect., p. I-10633, n.° 10); e de 18 de Janeiro de 2007, Comissão/Suécia (C-104/06, Colect., p. I-671, n.° 12).


7 – V., neste sentido, acórdão Comissão/Portugal, já referido na nota 6, n.os 23 e 14, e acórdão Comissão/Alemanha, já referido na nota 6, n.os 18 e 19.


8 – V. acórdão Comissão/Alemanha, já referido na nota 6, n.° 20; acórdão de 21 de Fevereiro de 2006, Ritter-Coulais (C-152/03, Colect., p. I-1711, n.° 31); acórdão de 7 de Setembro de 2006, N (C-470/04, Colect., p. I-7409, n.° 28); e acórdão de 18 de Julho de 2007, Hartmann (C-212/05, Colect., p. I-6303, n.° 17).


9 – V. acórdão Comissão/Suécia, já referido na nota 6, n.° 17; acórdão de 15 de Dezembro de 1995, Bosman (C-415/93, Colect., p. I-4921, n.° 94); acórdão de 2 de Outubro de 2003, Hans van Lent (C-232/01, Colect., p. I-11525, n.° 15); e acórdão de 29 de Abril de 2004, Weigel (C-387/01, Colect., p. I-4981, n.° 52).


10 – V., por exemplo, acórdão de 6 de Dezembro de 2007, Columbus Container Services (C-298/05, Colect., p. I-10451, n.° 33), e acórdão Comissão/Suécia, já referido na nota 6, n.° 19.


11 – V., inter alia, acórdão de 29 de Abril de 2004, Comissão/Áustria (C-194/01, Colect., p. I-4579, n.° 34), e acórdão de 22 de Setembro de 1988, Comissão/Grécia (C-272/86, Colect., p. 4875, n.° 17).


12 – Acórdão Schumacker, já referido na nota 2, n.° 34.


13 – V., neste sentido, por exemplo, acórdãos de 22 de Março de 2007, Talotta (C-383/05, Colect., p. I-2555, n.° 18), e de 18 de Julho de 2007, Lakebrink e Peters-Lakebrink (C-182/06 , Colect., p. I-6705, n.° 27).


14 – V., neste sentido, acórdão Schempp, já referido na nota 3, n.° 29, e acórdão de 8 de Novembro de 2007, Amurta (C-379/05, Colect., p. I-9569, n.° 33).


15 – V. a contrario acórdão Schumacker, já referido na nota 2, n.° 34.


16 – V., neste contexto, acórdãos de 12 de Fevereiro de 2009, Block (C-67/08, Colect., p. I-883, n.os 28 a 30); de 28 de Janeiro de 1992, Bachmann (C-204/90, Colect., p. I-249, n.° 23); relativamente ao princípio da territorialidade fiscal, v. acórdãos de 13 de Março de 2007, Test Claimants (C-524/04, Colect., p. I-2107, n.° 75); e de 15 de Maio de 1997, Futura Participations (C-250/95, Colect., p. I-2471, n.° 22).


17 – V., neste sentido, acórdão Amurta, já referido na nota 14, n.° 33; acórdão de 14 de Setembro de 1999, Frans Gschwind (C-391/97, Colect., p. I-5451, n.° 26); v., também, acórdão de 16 de Dezembro de 2008, Arcelor Atlantique et Lorraine e o. (C-127/07, Colect., p. I-9895, n.° 26). Por conseguinte, a jurisprudência do Tribunal de Justiça neste aspecto da tributação directa, como o acórdão Schumacker, já referido na nota 2, invocada pelo Governo húngaro, ou o acórdão de 7 de Setembro de 2004, Manninen (C-319/02, Colect., p. I-7477) em que a Comissão se baseou, deve ser interpretada à luz das circunstâncias de cada caso e, em particular, à luz do imposto específico em causa, não podendo simplesmente ser transpostas para a legislação fiscal em causa no presente processo.


18 – V. n.° 46, supra.


19 – V., neste sentido, acórdão Block, já referido na nota 16, n.os 34 e 35; acórdão Schempp, já referido na nota 3, n.° 45; e acórdão de 15 de Julho de 2004, Lindfors (C-365/02, Colect., p. I-7183, n.° 34).


20 – V., também, neste sentido, acórdão Block, já referido na nota 16, n.° 28; acórdão de 14 de Novembro de 2006, Kerckhaert e Morres (C-513/04, Colect., p. I-10967, n.° 20); e acórdão Columbus Container Services, já referido na nota 10, n.° 43. Assim, no presente processo, por exemplo, se o Estado-Membro onde uma pessoa adquiriu um primeiro imóvel para habitação tributar todas as aquisições, incluindo uma segunda aquisição, de imóveis para habitação sem deduções e aplicando uma taxa de imposto superior à praticada na Hungria, essa pessoa pode, segundo a linha de argumentação da Comissão, ser incentivada, não obstante o regime fiscal húngaro em causa, a estabelecer-se na Hungria e aí adquirir um segundo imóvel para habitação, em vez de se mudar para outro local dentro do mesmo Estado-Membro.