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CONCLUSÕES DO ADVOGADO-GERAL

PEDRO CRUZ VILLALÓN

apresentadas em 29 de setembro de 2011 (1)

Processo C-318/10

SIAT SA

contra

Estado belga

[pedido de decisão prejudicial apresentado pela Cour de cassation (Bélgica)]

«Livre prestação de serviços — Artigo 49.° CE — Fiscalidade direta — Imposto sobre o rendimento — Regime de dedução das despesas profissionais — Não dedutibilidade da remuneração dos serviços prestados por pessoas residentes em Estados-Membros que têm uma fiscalidade claramente mais vantajosa que a do Estado-Membro de tributação — Dedutibilidade sujeita à prova do caráter real e genuíno das prestações e do caráter normal da remuneração correspondentes — Restrição à livre prestação de serviços — Justificações — Combate à fraude e evasão fiscais — Eficácia dos controlos fiscais — Proporcionalidade»





1.        Nos últimos anos, o Tribunal de Justiça foi chamado, em numerosas ocasiões, a apreciar a compatibilidade com as disposições do Tratado CE relativas à liberdade de estabelecimento (2) ou à livre circulação de capitais (3), mais raramente, com as relativas à livre prestação de serviços (4), como acontece no caso do processo principal (5), de regulamentações fiscais nacionais que estabelecem regimes diferenciados, com repercussões transfronteiriças, relativas à dedução fiscal do imposto sobre o rendimento das pessoas singulares ou coletivas.

2.        Mais especificamente, os casos mais próximos do processo principal referem-se quer a sociedades que mantêm relações de interdependência entre si (6), quer à fiscalidade dos não-residentes, enquanto contribuintes, face às dos residentes (7).

3.        No âmbito do presente processo, o Tribunal de Justiça foi chamado especificamente a pronunciar-se sobre uma disposição do Code des impôts sur les revenus 1992 [Código do imposto sobre o rendimento] belga (8) que, como teremos ocasião de ver, introduz, para o contribuinte belga, uma clara diferenciação no regime das deduções das despesas profissionais no imposto sobre o rendimento, consoante o prestador de serviços a quem as referidas despesas são pagas resida (artigo 54.° do CIR de 1992) ou não (artigo 49.° do CIR de 1992) num Estado-Membro cuja fiscalidade seja claramente mais vantajosa do que a da Bélgica, abstraindo por completo da relação de interdependência entre o referido contribuinte e o referido prestador de serviços (9).

4.        Por conseguinte, o Tribunal de Justiça vê-se confrontado com a tarefa de ponderar se a restrição resultante da diferença de tratamento é legítima e proporcionada.

I —    Quadro jurídico

5.        O artigo 49.° do CIR de 1992 prevê:

«São dedutíveis como despesas profissionais as despesas que o sujeito passivo efetuou ou suportou durante o período de tributação para adquirir ou manter rendimentos tributáveis, cuja exatidão e montante demonstre através de documentos justificativos ou, se tal não for possível, através de quaisquer outros meios de prova admitidos pelo direito comum, com exceção da confissão.

Considera-se que foram feitas ou suportadas durante o período de tributação as despesas que, durante este período, tiverem sido efetivamente pagas ou suportadas ou que tenham adquirido o caráter de dívidas ou perdas certas e líquidas e tenham sido contabilizadas como tal.»

6.        O artigo 53.° do CIR de 1992 precisa:

«Não constituem despesas profissionais:

[...]

10.° todas as despesas que ultrapassem de forma não razoável as necessidades profissionais [...]»

7.        O artigo 54.° do CIR de 1992 dispõe:

«As [...] remunerações pelas prestações ou serviços fornecidos não são consideradas despesas profissionais quando sejam pagas ou atribuídas, direta ou indiretamente, a um contribuinte referido no artigo 227.° ou a um estabelecimento estrangeiro que, por força das disposições da legislação do país onde se encontram estabelecidos, não estão sujeitos a imposto sobre os rendimentos ou aí estão sujeitos, relativamente aos rendimentos em questão, a um regime de tributação claramente mais vantajoso do que aquele a que esses rendimentos estariam sujeitos na Bélgica, exceto se o contribuinte legitimamente demonstrar que correspondem a operações reais e genuínas e que não excedem os limites normais.»

II — Factos que deram origem ao litígio no processo principal

8.        A sociedade de investimento para a agricultura tropical (SIAT), sociedade belga, criou, em 1991, em conjunto com o grupo nigeriano Presco International Limited (PINL), uma filial comum, Presco Industries Limited (PIL), para a exploração de palmeirais com vista à produção de óleo de palma.

9.        Os acordos celebrados entre as partes preveem que a SIAT deve, por um lado, prestar serviços remunerados e vender equipamentos à filial comum e, por outro, devolver uma parte dos lucros que daí retirar à sociedade principal do grupo PINL, a sociedade luxemburguesa Megatrade International (MISA), a título de comissão pela angariação de negócios.

10.      Em 1997, as partes puseram termo à parceria por não terem chegado a acordo sobre o montante exato das comissões devidas pela SIAT. Através de um primeiro acordo, celebrado em 3 de dezembro de 1997, a SIAT readquiriu ao grupo PINL a sua participação na PIL. Através de um segundo acordo, celebrado no mesmo dia, a SIAT comprometeu-se a pagar à MISA uma indemnização de dois milhões de USD para saldar todas as dívidas.

11.      Na sequência do acordo de 3 de dezembro de 1997, a SIAT contabilizou, como encargos nas contas apuradas em 31 de dezembro de 1997, a quantia de 28 402 251 BEF, correspondente ao montante das comissões devidas, devidas em finais do ano de 1997, por força do acordo de 1991.

12.      Tendo verificado que a MISA possuía o estatuto de sociedade holding, regida pela Lei luxemburguesa de 31 de julho de 1929, relativa ao regime fiscal das sociedades de participações financeiras, e que, portanto, não estava sujeita a um imposto análogo ao imposto ao qual estão sujeitas as sociedades belgas, a Administração Fiscal belga, que aplicou o artigo 54.° do CIR de 1992, notificou a SIAT de um aviso de retificação da sua declaração fiscal ao exercício de 1998 (rendimentos de 1997) em que não aceitava a dedução, como despesas profissionais, da quantia de 28 402 251 BEF.

13.      O recurso interposto pela SIAT contra a não aceitação desta dedução como despesas profissionais foi indeferido em primeira instância e, posteriormente, pelo acórdão da Cour d’appel de Bruxelles de 12 de março de 2008, tendo os respetivos tribunais considerado que as comissões em causa caíam no âmbito de aplicação do artigo 54.° do CIR de 1992.

III — A questão prejudicial

14.      A SIAT recorreu do acórdão da Cour d’appel de Bruxelles, de 12 de março de 2008, para a Cour de cassation que decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial:

«Deve o artigo 49.° do Tratado CE, na versão aplicável ao presente caso, dado que os factos em apreço ocorreram antes da entrada em vigor, em 1 de dezembro de 2009, do Tratado de Lisboa, ser interpretado no sentido de que se opõe à legislação nacional de um Estado-Membro segundo a qual as contrapartidas por prestações ou serviços fornecidos não são consideradas [despesas] profissionais dedutíveis quando sejam pagas ou atribuídas, direta ou indiretamente, a um contribuinte residente noutro Estado-Membro ou a um estabelecimento estrangeiro que, por força da legislação do país em que estão estabelecidos, não estão sujeitos nesse país a imposto sobre os rendimentos ou estão sujeitos, relativamente aos rendimentos em questão, a um regime de tributação claramente mais vantajoso do que o regime a que esses rendimentos estão sujeitos no Estado-Membro cuja legislação está em causa, exceto se o contribuinte demonstrar por todos os meios legalmente admissíveis que essas contrapartidas correspondem a operações reais e verdadeiras e que não excedem os limites normais, quando essa prova não é necessária para se poderem deduzir as contrapartidas por prestações ou serviços fornecidos a contribuintes residentes nesse Estado-Membro, mesmo que esses contribuintes não estejam sujeitos a imposto sobre os rendimentos ou estejam sujeitos, relativamente aos rendimentos em questão, a um regime de tributação claramente mais vantajoso do que o de direito comum desse Estado?»

IV — Observações das partes

15.      A SIAT, os Governos belga, francês, português e do Reino Unido assim como a Comissão apresentaram observações escritas. A SIAT, o Governo belga e a Comissão apresentaram também alegações orais na audiência realizada em 16 de junho de 2011.

16.      Os diferentes governos que apresentaram observações e a Comissão alegaram, na generalidade, que a legislação belga não é incompatível com o artigo 49.° CE, na medida em que esta se justifique por exigências imperiosas de interesse geral, tais como a necessidade de lutar contra a evasão fiscal, de preservar a repartição equilibrada do poder de tributação entre os Estados-Membros e de garantir a eficácia dos controlos fiscais, e na medida em que seja proporcional aos objetivos assim prosseguidos. A SIAT, pelo contrário, considera que a legislação belga constitui um entrave à livre prestação de serviços e que não pode ser justificada pelas exigências imperiosas de interesse geral invocadas pelo Governo belga.

V —    Análise

A —    Observações preliminares

1.      Quanto à comparação proposta pelo órgão jurisdicional de reenvio

17.      Um ponto sobre o qual considero importante pronunciar-me, desde já, no caso em apreço, é o do tertium comparationis que o órgão jurisdicional de reenvio nos propõe no âmbito da avaliação do regime estabelecido pelo artigo 54.° do CIR de 1992. Com a sua única questão prejudicial, como acabámos de ver, o órgão jurisdicional de reenvio confronta-nos com a diferença de tratamento que resulta da referida disposição, salientando, em particular, a oposição de tratamento fiscal do contribuinte belga, consoante tenha suportado despesas profissionais em relação a um prestador de serviços residente na Bélgica ou em relação a um prestador de serviços estabelecido noutro Estado-Membro, no caso em que, tanto um como o outro, embora por razões diversas, beneficiem de um tratamento fiscal claramente mais vantajoso que o regime de tributação belga designado «de direito comum». O contribuinte está sujeito, no primeiro caso, à regra do artigo 49.° do CIR de 1992, no segundo, à do artigo 54.° do CIR de 1992, constituindo a única diferença o lugar de estabelecimento do prestador de serviços.

18.      Esta forma de concluir pela diferença de tratamento que decorreria as duas disposições nacionais em questão parece-me inutilmente artificial, no mínimo, porque seria necessário que a legislação nacional pudesse submeter, pelo menos ocasionalmente, a um tratamento fiscal claramente mais vantajoso as despesas profissionais suportados no âmbito de transações no âmbito das operações efetuadas em território nacional, o que não está confirmado.

19.      Portanto, parece-me evidente que a diferença de tratamento em causa é a que resulta do contraste entre a norma especial estabelecida pelo artigo 54.° do CIR de 1992, que visa especificamente os contribuintes que tenham suportado encargos face aos prestadores estabelecidos nos Estados-Membros em que a fiscalidade sobre o rendimento se mostre claramente mais vantajosa que a fiscalidade belga, e a regra geral prevista no artigo 49.° do CIR de 1992, que visa os outros contribuintes, incluindo, há que salientá-lo, aqueles que suportaram encargos face aos prestadores estabelecidos em Estados-Membros que não têm uma fiscalidade claramente mais vantajosa que a fiscalidade belga.

20.      É certo que esta diferença não se circunscreve apenas a uma questão de residência. Contudo, fica muito claro que o artigo 54.° do CIR de 1992 só é aplicável no caso em que tenha lugar uma prestação de serviços transfronteiriços, mesmo que esta circunstância, em si mesma, seja suficiente.

21.      Em consequência, proponho-me examinar a questão a partir da oposição entre a disposição que integra a exceção, o artigo 54.° do CIR de 1992, e a que prevê a regra da dedução das despesas profissionais, essencialmente o artigo 49.° do CIR de 1992.

2.      Um argumento a afastar liminarmente

22.      Impõe-se uma última observação prévia. O Governo belga salienta que o artigo 54.° do CIR de 1992 já não é suscetível de ser aplicado aos pagamentos efetuados na União. Com efeito, nos termos do código de conduta no domínio da fiscalidade das empresas (10), os regimes fiscais dos Estados-Membros que extravasem do direito comum, que tenham por efeito submeter determinados elementos de rendimentos a uma tributação nula ou quase nula (e, em especial, o regime luxemburguês das holdings 29), devem ser integralmente revogados, o mais tardar, em 31 de dezembro de 2010. A SIAT, ao invés, alega essencialmente tanto nas suas observações como na audiência que o dispositivo instituído pelo artigo 54.° do CIR de 1992, que datava de 1954(11), institui uma presunção geral de fraude que já não era admissível no âmbito da União Europeia.

23.      Sem que seja necessário tomar posição sobre a justeza das afirmações do Governo belga, basta, a este respeito, salientar que o código de conduta no domínio da fiscalidade das empresas já referido, não pode exercer a mínima influência na resolução do litígio principal, uma vez que, como o especifica o último considerando da resolução de 1 de dezembro de 1997, o código de conduta é um compromisso político o qual, em consequência, não afeta os direitos e as obrigações dos Estados-Membros nem as respetivas competências dos Estados-Membros e da Comunidade.

B —    Quanto ao conteúdo da legislação

24.      Na decisão de reenvio, o órgão jurisdicional de reenvio qualifica o regime da legislação belga como uma «presunção de não dedutibilidade dos encargos profissionais». Por seu lado, a SIAT considera que o artigo 54.° do CIR de 1992 institui uma «presunção geral de fraude». Por último, o Governo belga entende que a legislação nacional institui uma «presunção legal de simulação» (12). Qualquer que possa ser a qualificação a fazer desta disposição, importa, em primeiro lugar, identificar claramente as suas características principais.

1.      Quanto às características principais da legislação belga

25.      Antes de proceder à identificação das diferenças entre os dois regimes fiscais, o do artigo 49.° do CIR de 1992 e o do artigo 54.° do CIR de 1992, impõem-se duas considerações. Em primeiro lugar, torna-se necessário partir da ratio subjacente a qualquer disposição nacional em causa, a saber, como acabámos de ver, a coexistência na União de regimes claramente diferentes de tributação dos rendimentos que, longe de ser apenas possível, é uma realidade frequente. Assim, a disposição nacional em questão alude, sem outras especificações, a «um regime de tributação claramente mais vantajoso» noutros Estados-Membros que o regime belga (artigo 54.° do CIR de 1992). Por seu lado, o órgão jurisdicional de reenvio não forneceu qualquer indicação suplementar a este respeito. Questionado sobre este ponto na audiência, o Governo belga especificou que, se existissem listas de «paraísos fiscais» (13), quer intra quer extracomunitários, competiria, todavia, à Administração Fiscal, sob fiscalização dos tribunais nacionais competentes, pronunciar-se caso a caso sobre este aspeto. Desde logo, pode aqui salientar-se a existência de uma lacuna a nível da segurança jurídica dos contribuintes belgas na escolha das suas estratégias comerciais, com as consequências não negligenciáveis para a livre prestação de serviços.

26.      Em segundo lugar, impõe-se salientar que a legislação belga sujeita todas as despesas profissionais suportadas pelo contribuinte, resultantes de operações realizadas com prestadores de serviços estabelecidos noutros Estados-Membros com uma fiscalidade claramente mais vantajosa, suscetível de ser considerada, prima facie, suspeita. Esta característica do artigo 54.° do CIR de 1992 merece um breve comentário. Diferentemente de outras situações anteriormente analisadas pelo Tribunal de Justiça, e como já assinalado (14), a legislação belga abstrai de qualquer relação de interdependência entre o contribuinte que solicite a dedução das despesas profissionais e o prestador de serviços beneficiário da remuneração correspondente às referidas despesas.

27.      O simples facto de o prestador de serviços em questão estar sujeito a uma fiscalidade claramente mais vantajosa que a fiscalidade belga basta para o legislador belga considerar suspeitas todas as despesas profissionais suportadas por um contribuinte belga com o referido prestador de serviços, daí resultando a submissão deste último ao princípio da não dedutibilidade. Neste sentido, pode afirmar-se que o legislador nacional estabeleceu uma presunção geral de fraude relativamente a todas as despesas profissionais suportadas por um contribuinte belga face a um prestador de serviços não residente pelo simples facto de se encontrar estabelecido num Estado-Membro com uma fiscalidade sobre os rendimentos claramente menos gravosa que a existente na Bélgica.

2.      Quanto às diferenças entre os regimes relativos à dedutibilidade das despesas profissionais: o contraste entre o artigo 54.° do CIR de 1992 e o artigo 49.° do CIR de 1992.

a)      O princípio

28.      Enquanto que o artigo 49.° do CIR de 1992 institui como regra um princípio de dedutibilidade, embora sob condições que se podem qualificar como normais, das despesas profissionais resultantes de operações efetuadas em território nacional, o artigo 54.° do CIR de 1992 estabelece um princípio de não dedutibilidade das despesas profissionais sempre que forem suportados face a prestadores de serviços estabelecidos noutros Estados-Membros nas circunstâncias acima descritas.

29.      Daí resulta uma primeira diferença que pode ser qualificada como inversão do princípio, inversão que coloca os contribuintes em causa em situações claramente diferentes, consoante a origem dos serviços requeridos. Como adiante mostrarei imediatamente, tanto o princípio de dedutibilidade como o princípio de não dedutibilidade são «condicionados»: a dedutibilidade não é incondicionada, a não dedutibilidade prevê exceções, admitidas de forma casuística. Mas já existe, por esse simples facto, uma diferença de tratamento: é sempre claramente mais difícil, pelo menos na perspetiva processual, obter da Administração Fiscal o benefício da exceção ao princípio do que preencher os requisitos previstos pela regra.

b)      Os requisitos

30.      Por conseguinte, não é surpreendente que os requisitos de que depende a dedução das despesas profissionais sejam materialmente diferentes consoante o caso. Embora as duas disposições tenham em comum imporem ao contribuinte a obrigação de produzir a prova da «realidade» das operações que estiverem na origem da remuneração suscetível de ser deduzida como despesa profissional, o artigo 54.° do CIR de 1992 incorpora dois requisitos suplementares e cumulativos(15). Por um lado, as prestações devem ser «genuínas», por outro, a remuneração destas prestações não deve ultrapassar «os limites normais». Importa, neste ponto, tentar avaliar o possível alcance destes dois requisitos adicionais.

31.      Por um lado, não é fácil apurar o que o requisito de «genuinidade» acrescenta ao de «realidade». Todavia, existem algumas linhas de orientação que permitem apreender o conteúdo deste requisito. Com efeito, resulta dos trabalhos preparatórios da legislação belga evocados na decisão de reenvio que a prova da realidade e da genuinidade das prestações impõe aos contribuintes a obrigação de provar que as despesas correspondentes «integrem o quadro normal das suas operações profissionais», que «correspondam a uma necessidade industrial, comercial ou financeira e que obtenham ou devam obter normalmente uma compensação no conjunto da atividade da empresa»(16). A ideia a reter é pois a de que as prestações em causa devem corresponder a uma necessidade real.

32.      Por outro lado, nem a legislação belga nem o comentário ao code des impôts sur les revenus definem em que consiste exatamente a obrigação de provar que as despesas profissionais não ultrapassam os limites normais. Questionado sobre este ponto na audiência, o Governo belga limitou-se a precisar que o teste a efetuar implicava comparar a operação em causa com a prática normal entre operadores económicos que operam no mercado. Ao fazê-lo, o artigo 54.° do CIR de 1992 impõe ao contribuinte a prova de que a remuneração da prestação de serviços que este entenda deduzir do imposto enquanto despesas profissionais não é anormal face à prática habitual.

33.      Importa, todavia, especificar, para que a diferença entre os dois regimes seja corretamente entendida, que o artigo 53.°, n.° 10, do CIR de 1992(17) prevê, em relação às deduções ditas ordinárias, que não constituem despesas profissionais, «todas as despesas na medida em que ultrapassem de forma não razoável as necessidades profissionais».

34.      Com esta redação, o legislador belga parece ter querido excluir da dedutibilidade as despesas profissionais não razoáveis, tanto do ponto de vista da sua necessidade como do ponto de vista, o que não é inteiramente de excluir, da sua remuneração («ultrapassem»). Deste ponto de vista, a regra do artigo 53.°, n.° 10, do CIR de 1992 inseria-se em última instância na mesma lógica do artigo 54.° do CIR de 1992. Contudo, as diferenças de ordem quantitativa são patentes: o artigo 53.°, n.° 10, do CIR de 1992 só exclui da dedução o que se considere «não razoável», ao passo que o artigo 54.° do CIR de 1992 exige uma prova positiva tanto da necessidade («genuinidade») da prestação que dá origem às despesas como da normalidade do preço pago correspondente a essas despesas.

c)      Os meios de prova

35.      Por último, as duas disposições distinguem-se no que concerne aos meios de prova admissíveis. O artigo 49.° do CIR de 1992 limita-se a exigir «documentos justificativos» ou, na sua falta e subsidiariamente, «quaisquer outros meios de prova admitidos em direito comum», exceto a confissão. Em contrapartida, o artigo 54.° do CIR de 1992 refere-se de uma maneira aparentemente mais permissiva a «todos os meios legalmente admissíveis», sem excluir formalmente nenhum meio de prova. Por isso, pareceria que o artigo 54.° do CIR de 1992 era mais abrangente. No entanto, o contexto desta diferença suscita uma certa precaução em relação a qualquer conclusão precipitada. A este respeito, importa salientar que o comentário ao code des impôts indica que se trata de «conseguir obter a convicção razoável por parte do funcionário tributário quanto à realidade e genuinidade das operações que tenham dado lugar às despesas a que a lei se refere» (18). Neste ponto, revela-se um espaço amplo de discricionariedade na avaliação da força dos diferentes meios de prova, que de momento apenas se assinala.

36.      Em resumo, o artigo 54.° do CIR de 1992 estabelece diferenças claras de tratamento. Dito de forma telegráfica, ao inverter o princípio do direito ou não à dedução, de certa maneira inverte o ónus da prova que, além disso, varia de um caso para outro, agravando, finalmente, o peso deste ónus. Sendo assim, deve examinar-se se estas diferenças de tratamento constituem uma restrição à livre prestação de serviços na aceção do artigo 49.° CE (19).

C —    Quanto à existência de uma restrição ou de um entrave à livre prestação de serviços

37.      Com base nas considerações precedentes, não é difícil demonstrar que a diferença de tratamento descrita constitui uma restrição à livre prestação de serviços. Em termos gerais, o artigo 49.° CE opõe se à aplicação de qualquer legislação nacional que, sem justificação objetiva, entrave a possibilidade de um prestador de serviços exercer efetivamente essa liberdade (20).

38.      Mais precisamente, o Tribunal de Justiça tem reiteradamente decidido que esta disposição se opõe à aplicação de qualquer legislação nacional que tenha por efeito tornar a prestação de serviços entre Estados-Membros mais difícil do que a prestação de serviços puramente interna num Estado-Membro (21). Além disso, segundo jurisprudência constante, o artigo 49.° CE confere direitos não só ao próprio prestador de serviços mas também ao destinatário desses serviços (22).

39.      No caso em apreço, o regime do direito à dedução das despesas profissionais correspondentes à remuneração de serviços prestados por pessoas residentes no Estado-Membro de tributação é mais favorável que o aplicado às despesas profissionais correspondentes à remuneração de serviços prestados por pessoas residentes noutro Estado-Membro, desde que se considere o seu sistema fiscal claramente mais vantajoso que o sistema fiscal belga.

40.      Os contribuintes belgas que recorrem aos serviços prestados por pessoas residentes em Estados-Membros com uma fiscalidade claramente mais vantajosa que a fiscalidade belga, que assim exerçam o seu direito à livre prestação de serviços do lado passivo, encontram-se pois numa situação menos vantajosa que os contribuintes que não tenham exercido esta liberdade e que limitaram a sua atividade ao território do Estado-Membro de tributação. Para esses, a legislação belga em causa é, por conseguinte, dissuasora. Ela é igualmente suscetível de colocar entraves à oferta de serviços provenientes de pessoas estabelecidas nos Estados-Membros cuja fiscalidade é mais vantajosa do que na Bélgica, destinada aos contribuintes residentes neste Estado-Membro (23).

41.      Por fim, a circunstância de a diferença de tratamento incidir em aspetos processuais (como o ónus da prova reforçado) em vez de aspetos materiais (como uma diferença na incidência ou na taxa do imposto), não é evidentemente suscetível de pôr em causa esta apreciação. De resto, o Tribunal de Justiça já teve ocasião de considerar que diferenças de ordem processual podiam constituir restrições ou entraves a uma liberdade (24).

42.      No entanto, torna-se necessário especificar que foi objetado (25) que a diferença de tratamento em causa não é discriminatória, uma vez que os prestadores de serviços residentes e os prestadores de serviços não residentes não estão objetivamente na mesma situação no que respeita a obrigações ligadas ao controlo fiscal a que estão sujeitos os contribuintes(26).

43.      Com efeito, os prestadores de serviços estabelecidos num Estado-Membro estão sujeitos ao controlo da Administração Fiscal do referido Estado-Membro, que pode verificar diretamente se os montantes deduzidos com despesas profissionais por um contribuinte correspondem a operações reais. Em contrapartida, quando as operações que justificam a dedução são realizadas pelos prestadores de serviços estabelecidos noutro Estado-Membro, o controlo da sua realidade exige a colaboração da Administração Fiscal do referido Estado-Membro. Nestas condições, é normal que seja ao contribuinte a quem incumbe fazer prova de que as despesas que contabilizou são reais.

44.      Todavia, para afastar aquelas objeções, por assim dizer, de princípio, basta observar que é no âmbito da fase seguinte da análise, ou seja, a propósito da justificação que possa legitimar restrições à liberdade de prestações de serviços e, em especial, a justificação relativa à necessidade de preservar a eficácia dos controlos fiscais, que essas objeções devem ser respondidas.

45.      A legislação belga constitui portanto uma restrição à livre prestação de serviços na aceção do artigo 49.° CE. Todavia, pode admitir-se uma legislação nacional restritiva, se prosseguir um objetivo legítimo compatível com o Tratado, se for justificada por motivos imperiosos de interesse geral, se for suscetível de garantir a realização do objetivo prosseguido e não for para além do necessário para o alcançar (27).

D —    Quanto às exigências imperiosas suscetíveis de justificar a restrição da livre prestação de serviços

46.      A título de justificação da restrição em causa, os Governos belga, francês, português e do Reino Unido, assim como a Comissão declaram que esta se justifica por razões relativas à necessidade de lutar contra a evasão fiscal assim como à de preservar a repartição equilibrada da soberania fiscal entre os Estados-Membros, considerados no seu conjunto (28). Adicionalmente, os Governos francês e português consideram que a legislação belga é igualmente justificada pela necessidade de garantir a eficácia dos controlos fiscais.

47.      Face a esta pluralidade de motivos de justificação possíveis, todos efetivamente admitidos pelo Tribunal de Justiça, importa identificar bem, tanto quanto possível, o objetivo que inspirou o legislador belga no momento da elaboração da disposição em causa.

48.      O Tribunal de Justiça reconheceu que a necessidade de preservar a repartição equilibrada do poder de tributação entre os Estados-Membros, a repartição da competência fiscal (29) ou do poder tributário (30) entre os Estados-Membros, podia constituir uma razão imperiosa de interesse geral suscetível de justificar um entrave às liberdades (31). Este elemento de justificação pode ser admitido sempre que o regime fiscal em causa vise evitar comportamentos suscetíveis de comprometer o direito de um Estado-Membro exercer a sua competência fiscal em relação às atividades realizadas no seu território(32). Este, no entanto, como o próprio Tribunal de Justiça salientou (33), só foi admitido quando relacionado com outras causas de justificação (34).

49.      Esta é a pela qual o Governo belga alegou especificamente a este respeito, referindo-se ao acórdão Oy AA do Tribunal de Justiça (35), foi que o artigo 54.° do CIR de 1992 se justificava pela necessidade de preservar a repartição equilibrada do poder de tributação entre os Estados-Membros e de lutar contra a evasão fiscal, considerados no seu conjunto (36). Portanto, a pertinência da justificação relativa à repartição equilibrada do poder tributário deve ser afastada no caso do processo principal.

50.      Com efeito, o artigo 54.° do CIR de 1992 não visa, pelo menos na sua letra, permitir à Bélgica conservar recursos fiscais que estaria em risco de perder. É necessário não esquecer que esta disposição visa as pessoas que são e só podem ser contribuintes na Bélgica e apenas visa assegurar que as deduções do imposto sobre os seus rendimentos são justificadas. Portanto, não procede à repartição equilibrada do poder tributário dos Estados-Membros em causa relativamente aos benefícios correspondentes às referidas remunerações (37). Isso não exclui, naturalmente, que esta disposição possa ter indiretamente como efeito dissuadir os contribuintes belgas de recorrerem aos prestadores de serviços estabelecidos noutros Estados-Membros e, por conseguinte, afetar finalmente a repartição dos recursos fiscais entre os referidos Estados-Membros e a Bélgica. Todavia, esta eventual consequência indireta não permite considerar que a legislação belga seja justificada pela necessidade de garantir a repartição equilibrada do poder de tributação entre os Estados-Membros.

51.      Em conclusão, não pode ser considerado que o simples exercício, pelos contribuintes belgas, da livre prestação de serviços do lado passivo (38) possa assemelhar-se a um comportamento suscetível de comprometer o direito que assiste à Bélgica de exercer a sua competência fiscal, sob pena de esvaziar esta liberdade do seu conteúdo (39).

52.      Resta agora examinar se a legislação belga se pode justificar com a necessidade de preservar a eficácia dos controlos fiscais e de lutar contra a fraude e evasão fiscais ou os abusos.

53.      É certo que o Tribunal de Justiça reconheceu que a necessidade de preservar a eficácia dos controlos fiscais podia constituir, enquanto tal, razão imperiosa de interesse geral (40) suscetível de justificar uma restrição às liberdades. Ora, o artigo 54.° do CIR de 1992 reforça claramente a fiscalização da Administração relativamente às despesas profissionais que podem ser deduzidas ao imposto sobre o rendimento.

54.      No entanto, constitui primeiro objetivo do artigo 54.° do CIR de 1992 o combate à fraude e evasão fiscais ou aos abusos e, mais especificamente, precaver o Estado belga contra a prática de despesas profissionais não reais, não genuínos e anormais. Como é evidente, o legislador nacional prossegue esta luta através do reforço do controlo das deduções e mesmo uma exclusão das deduções, salvo exceções. Mas é essencialmente enquanto dispositivo de luta contra a fraude fiscal dos contribuintes belgas que a legitimidade da legislação belga deve ser examinada (41).

55.      No caso em apreço, pode admitir-se que a legislação belga se pode justificar pela necessidade de lutar contra determinadas formas de evasão fiscal e, mais precisamente pela deteção de práticas na forma de remuneração de prestações fictícias ou de remuneração anormal de prestações reais que, apresentadas como encargos profissionais e suscetíveis, como tais, de serem deduzidas do montante de imposto sobre o rendimento na Bélgica, são suscetíveis de lesar indiretamente, em razão do seu caráter abusivo, o exercício pelo Estado-Membro em questão da sua competência fiscal em relação às atividades realizadas no seu território.

56.      O combate à fraude e evasão fiscais ou aos abusos constitui assim o centro de gravidade do regime específico estabelecido pelo artigo 54.° do CIR de 1992 e é, portanto, a justificação à luz da qual a proporcionalidade da legislação belga, e também os requisitos da sua aplicação concreta e efetiva, devem ser examinados.

57.      O Tribunal de Justiça tem reiteradamente decidido, a este respeito, que uma restrição à livre prestação de serviços pode ser justificada pela necessidade de lutar contra o risco de evasão fiscal(42) e, mais amplamente, de prevenir as práticas abusivas (43), desde que responda ao critério de especificidade.

58.      Uma legislação nacional restritiva preenche o requisito de especificidade se visar especificamente os expedientes puramente artificiais, desprovidos de realidade económica, tendo por único objetivo obter uma vantagem fiscal, fugir ao imposto ou ainda contornar ou escapar à alçada da lei fiscal nacional (44), e também se tiver por objetivo específico excluir de uma vantagem fiscal prevista na lei os expedientes puramente artificiais cuja única finalidade seja a de fugir à sua alçada (45).

59.      Como atrás salientado, no quadro que caracteriza a legislação belga, esta impõe a todos os contribuintes a obrigação de fazer a prova da realidade das operações cuja remuneração for suscetível de dedução de imposto sobre o rendimento a título de despesas profissionais. Esta exigência, que pode ser considerada como elementar para a obtenção de uma vantagem fiscal qualquer que ela seja e, portanto, em si mesma adequada para garantir a realização dos objetivos prosseguidos, não está, todavia, em causa no processo principal.

60.      A questão que a legislação belga suscita é a de saber se a obrigação imposta aos contribuintes que pretendem deduzir ao imposto sobre o rendimento, a título de despesas profissionais, a remuneração de serviços prestados por pessoas residentes nos Estados-Membros com uma fiscalidade claramente mais vantajosa que a fiscalidade belga, de fazer prova da genuinidade das operações e da normalidade das remunerações correspondentes, é justificada e, admitindo que é adequada a realizar os objetivos assim definidos, não vai além do que é necessário para esse fim.

61.      Os dois requisitos previstos no artigo 54.° do CIR de 1992, ou seja, a produção da prova da genuinidade das operações e da normalidade das remunerações correspondentes podem ser considerados, em princípio, adequados a realizar os objetivos identificados de luta contra a evasão e fraude ou os abusos.

62.      Com efeito, exigir dos contribuintes que pretendam beneficiar de uma vantagem fiscal, como a dedução das despesas profissionais em causa no processo principal, que forneçam os elementos que provam que as referidas despesas correspondem a operações genuínas e se situam dentro dos limites normais tem incontestavelmente como objetivo evitar que os referidos contribuintes planeiem a redução do seu rendimento tributável através da emissão de faturas falsas ou anormalmente elevadas (46).

63.      Estas exigências são, pois, incontestavelmente adequadas para contribuir para a luta contra a fraude e evasão fiscais e também contra os abusos. Como o Governo português salientou nas suas observações, estas exigências são, além disso, suscetíveis de dissuadir os contribuintes de se dedicarem a práticas fraudulentas por simulação ou exagero, ou mediante declaração de operações fictícias ou sobrefaturadas.

64.      Falta verificar, por fim, se não vão para além do necessário à realização dos objetivos prosseguidos.

E —    Quanto à proporcionalidade da legislação belga

65.      Para estar em condições de fazer uma apreciação de conjunto sobre a proporcionalidade da legislação belga, proponho-me fazer uma distinção entre os diferentes requisitos, previstos no artigo o artigo 54.° do CIR de 1992. Estes requisitos podem ser divididos em dois grupos, o primeiro que compreende os que podem ser objeto de uma interpretação e aplicação pela Administração Fiscal belga, sob fiscalização dos tribunais nacionais competentes, compatível com as exigências da livre prestação de serviços na aceção do artigo 49.° CE; o segundo compreende os que não podem ser objeto de uma interpretação e aplicação compatível.

66.      Em primeiro lugar, ao impor ao contribuinte a produção da prova da genuinidade das prestações transfronteiriças de serviços e da normalidade da remuneração correspondente, o artigo 54.° do CIR de 1992 estabelece dois requisitos suplementares aos previstos pelo artigo 49.° do CIR de 1992 que estabelece o regime de direito comum. Contudo, estes requisitos não parecem, por si próprios, irrazoáveis face ao objetivo de luta contra a fraude e evasão fiscais, na medida em que sejam efetivamente objeto de uma interpretação e de uma aplicação moderadas pela Administração Fiscal e pelos tribunais nacionais, mesmo que apresentem uma diferença face às previstas pelas disposições do artigo 53.°, n.° 10, do CIR de 1992.

67.      Muito embora seja verdade que o artigo 54.° do CIR de 1992 não garante expressamente (47) que o direito à dedução só é excluído, quando tiver sido constatado que a remuneração de uma prestação transfronteiriça é anormal, para a parte que excede o que teria sido acordado em condições normais de concorrência (48), parece, todavia, que a prática dos tribunais evoluiu a este respeito (49). Portanto, nesta matéria, a legislação belga podia ser perfeitamente considerada compatível com o artigo 49.° CE, na condição de a Administração Fiscal e os tribunais nacionais só recusarem a dedução dentro dos limites estabelecidos pela jurisprudência do Tribunal de Justiça já referida (50).

68.      Por fim, na mesma ordem de ideias, poder-se-ia igualmente considerar que incumbe ao órgão jurisdicional de reenvio fazer com que a obrigação que recai sobre o contribuinte, que consiste em ilidir a convicção por parte do funcionário tributário acerca da realidade e da genuinidade das prestações em causa, seja objeto de uma aplicação moderada, eventualmente regulamentando o exercício desse poder de apreciação. Como a Comissão salientou na audiência, o controlo da Administração quanto à realidade e à genuinidade das operações tem os seus limites na proibição de qualquer ingerência na gestão da empresa.

69.      Se as dificuldades que o artigo 54.° do CIR de 1992 suscita se reduzissem estes a três elementos, seria assim possível concluir que, sem prejuízo das verificações a efetuar pelo órgão jurisdicional de reenvio, respeitantes à interpretação e aplicação do direito nacional à luz do direito da União, a legislação belga é proporcionada, face ao objetivo principal que prossegue. Contudo, as disposições do artigo 54.° do CIR de 1992 suscitam dificuldades adicionais que não é impossível ignorar.

70.      O principal problema que o artigo 54.° do CIR de 1992 coloca a respeito da livre prestação de serviços na aceção do artigo 49.° CE, reside na sua falta de especificidade ou, se preferirmos, na universalidade do seu campo de aplicação.

71.      Com efeito, como já salientado, o artigo 54.° do CIR de 1992 impõe ao contribuinte belga que pretenda deduzir como despesas profissionais a remuneração de prestações de serviços realizadas por operadores estabelecidos noutros Estados-Membros com uma fiscalidade claramente mais vantajosa que a fiscalidade belga que justifique sistematicamente a genuinidade de todas as prestações realizadas e a normalidade de todas as remunerações correspondentes, mesmo que não exista uma suspeita objetiva de fraude ou abuso. Ao fazê-lo, o artigo 54.° do CIR de 1992 exonera a Administração Fiscal belga de qualquer obrigação de fornecer nem que sejam indícios de prova de fraude, evasão ou abuso e estabelece uma suspeita geral de fraude (51), uma presunção geral de fraude e evasão ou de práticas abusivas (52).

72.      A este respeito, é claro que, se o artigo 54.° do CIR de 1992 só se aplicasse em circunstâncias específicas, como por exemplo, nos casos em que existisse uma relação de interdependência (53) entre o contribuinte belga e o prestador de serviços estabelecido num Estado-Membro com uma fiscalidade claramente mais vantajosa que a fiscalidade belga, seria mais fácil constatar que não ultrapassaria o necessário para atingir o objetivo principal que legitimamente prossegue (54). Também está claro que o artigo 54.° do CIR de 1992 se aplica em tais circunstâncias, o que incumbe ao órgão jurisdicional de reenvio constatar. Todavia, a existência de uma relação de interdependência é, precisamente, apenas uma circunstância, cuja presença eventual num caso determinado não permite relativizar a universalidade do campo de aplicação do artigo 54.° do CIR de 1992, a sua falta de especificidade.

73.      A situação do contribuinte belga é, além disso, complicada pela circunstância de não dispor de informação alguma sobre o que é um Estado-Membro com uma fiscalidade claramente mais vantajosa que a fiscalidade belga. Por isso, está obrigado a ser ele próprio a avaliar, quando entender utilizar os serviços de uma pessoa estabelecida noutro Estado-Membro, se a fiscalidade do referido Estado-Membro é claramente mais vantajosa que a fiscalidade belga, para determinar que regime de dedução das despesas profissionais aplicará, o que o coloca numa situação de insegurança jurídica. A isso acresce o facto de ser particularmente difícil identificar com precisão as situações que a utilização do advérbio «claramente» se destina a apreender. Por certo, a dificuldade nascida desta insegurança jurídica poderia deixar de existir se a Administração Fiscal belga tivesse condições para elaborar a lista dos regimes fiscais claramente mais vantajosos que o regime belga suscetível de cair sob a alçada do artigo 54.° do CIR de 1992. Mas não é esta a prática seguida. Em qualquer caso, parece particularmente difícil prever todas as aplicações possíveis de uma disposição desse tipo.

74.      Em conclusão, considero que, mesmo sendo possível submeter certas especificidades da legislação belga em questão a um juízo de conformidade, essa legislação, considerada no seu conjunto, estabelece uma restrição desproporcionada à livre prestação de serviços que, por isso, não é justificada.

VI — Conclusão

75.      Por conseguinte, proponho ao Tribunal de Justiça que responda à questão prejudicial colocada pela Cour de cassation, nos seguintes termos:

«O artigo 49.° CE deve ser interpretado no sentido de que se opõe uma norma legal de um Estado-Membro, como o artigo 54.° do Código do imposto sobre o rendimento de 1992, em causa no processo principal, nos termos da qual as despesas profissionais não podem ser deduzidas do imposto sobre o rendimento quando se verifique a circunstância de corresponderem à remuneração de prestações de serviços realizadas por uma pessoa estabelecida noutro Estado-Membro no qual essa pessoa não esteja sujeita a um imposto sobre o rendimento ou esteja sujeita a um regime de tributação claramente mais vantajoso do que o do Estado-Membro de tributação, salvo se o contribuinte provar que esta remuneração corresponde a operações reais e genuínas e não ultrapassa os limites normais, ao passo que, em princípio, as despesas profissionais podem ser deduzidos do imposto sobre o rendimento quando não se verifiquem essas circunstâncias.»


1 – Língua original: francês.


2 – V. acórdãos de 14 de dezembro de 2000, AMID (C-141/99, Colet., p. I-11619); de 13 de dezembro de 2005, Marks & Spencer (C-446/03, Colet., p. I-10837); de 12 de dezembro de 2006, Test Claimants in the FII Group Litigation (C-446/04, Colet., p. I-11753); de 13 de março de 2007, Test Claimants in the Thin Cap Group Litigation (C-524/04, Colet., p. I-2107); de 26 de março de 2007, Rewe Zentralfinanz (C-347/04, Colet., p. I-2647); de 18 de julho de 2007, Oy AA (C-231/05, Colet., p. I-6373); de 28 de fevereiro de 2008, Deutsche Shell (C-293/06, Colet., p. I-1129); de 15 de maio de 2008, Lidl Belgium (C-414/06, Colet., p. I-3601); de 23 de outubro de 2008, Krankenheim Ruhesitz am Wannsee-Seniorenheimstatt («Wannsee», C-157/07, Colet., p. I-8061); de 19 de novembro de 2009, Filipiak (C-314/08, Colet., p. I-11049); e de 18 de março de 2010, Gielen (C-440/08, Colet., p. I-2323).


3 – V., designadamente, acórdãos de 22 de janeiro de 2009, STEKO Industriemontage (C-377/07, Colet., p. I-299); de 27 de janeiro de 2009, Persche (C-318/07, Colet., p. I-359); de 15 de outubro de 2009, Busley et Cibrian Fernandez (C-35/08, Colet., p. I-9807); de 31 de março de 2011, Schröder (C-450/09, Colet., p. I-2497); e de 16 de junho de 2011, Comissão/Áustria (C-10/10, Colet., p. I-5389).


4 – V., designadamente, acórdãos de 28 de outubro de 1999, Vestergaard (C-55/98, Colet., p. I-7641); de 12 de junho de 2003, Gerritse (C-234/01, Colet., p. I-5933); de 3 de outubro de 2006, FKP Scorpio Konzertproduktionen (C-290/04, Colet., p. I-9461); de 11 de setembro de 2007, Comissão/Alemanha (C-318/05, Colet., p. I-6957); e de 13 de março de 2008, Comissão/Espanha (C-248/06).


5 – Ou com a cidadania da União Europeia, v. acórdão de 23de abril de 2009, Rüffler (C-544/07, Colet., p. I-3389).


6 – V., por exemplo, acórdãos, já referidos, Marks & Spencer, Test Claimants in the Thin Cap Group Litigation e Rewe Zentralfinanz; e Oy AA, e acórdão de 21 de janeiro de 2010, SGI (C-311/08, Colet., p. I-487.)


7 – V., em especial, acórdão FKP Scorpio Konzertproduktionen, já referido.


8 – A seguir «CIR de 1992».


9 – Em tais circunstâncias, quando muito, o acórdão do Tribunal de Justiça no processo Vestergaard, já referido, poderá na sua especificidade oferecer-nos linhas de orientação diretamente pertinentes.


10 – Resolução do Conselho e dos Representantes dos Governos dos Estados-Membros, reunidos no Conselho de 1 de dezembro de 1997 (JO 1998, C 2, p. 1).


11 – Pode observar-se, a este respeito, que o Governo belga se refere, nas suas observações escritas, à exposição de motivos da lei, inserindo-a no CIR, aprovada na sessão parlamentar de 1953-1954.


12 – De resto, em conformidade com a doutrina da Administração Fiscal, como resulta do próprio título do número 54/26 do comentário do code des impôts sur les revenus 1992 (Código do Imposto sobre o Rendimento de 1992) (http://fiscus.fgov.be/interfaoiffr/publicaties/lijst_aoif.htm).


13 – É a terminologia usada, na audiência, pelo agente do Governo belga.


14 – Estou a pensar, em especial, na jurisprudência relativa às sociedades estrangeiras controladas e, mais amplamente, às relações entre sociedades-mãe e afiliadas, como acima referida na nota de pé de página n.° 6.


15 – Como resulta do número 54/28 do comentário do code des impôts sur les revenus de 1992 (CIR 1992), já referido, que cita o acórdão da Cour de Cassation de 10 de novembro de 1964, SA Anc. Ets. Paul Auerbach (Bull. 423, p. 151). Por seu lado, a Comissão evoca «requisitos processuais reforçados».


16 – Estas fórmulas são, de resto, reproduzidas no número 54/28 do comentário ao code des impôts sur les revenus de 1992, já citado.


17 – Esta disposição, citada pela Comissão nas suas observações escritas, não é referida em momento algum nem pelo órgão jurisdicional de reenvio na sua decisão de reenvio nem pelo Governo belga nas suas observações escritas e orais.


18 – V. número 54/29 do comentário ao code des impôts sur les revenus 92, já citado.


19 – Importa precisar, neste ponto, que o órgão jurisdicional de reenvio coloca explicitamente ao Tribunal de Justiça uma questão de interpretação do artigo 49.° CE (atual artigo 56.° TFUE) relativo à livre prestação de serviços. Atendendo todavia à natureza das relações que unem as sociedades em causa no processo principal (uma filial comum), coloca-se a questão de saber se são aplicáveis outras disposições do Tratado, em especial, os artigos 43.° CE (artigo 49.° TFUE) e 48,.° CE (artigo 54.° TFUE), respeitantes à liberdade de estabelecimento, em conformidade com a jurisprudência decorrente do acórdão de 13de abril de 2000, Baars (C-251/98, Colet., p. I-2787); v., igualmente, a este respeito, o acórdão de 21 de janeiro de 2010, SGI (já referido, Colet., p. I-487, n.os 23 a 37). Contudo, tendo em conta as características da legislação belga acima expostas e na medida em que esta questão não constituiu objeto de debate, é à luz das disposições do Tratado relativas à livre prestação de serviços que a referida legislação será examinada. V., por analogia, o acórdão de 12 de setembro de 2006, Cadbury Schweppes e Cadbury Schweppes Overseas (C-196/04, Colet., p. I-7995, n.° 33).


20–      V. acórdãos de 25 de julho de 1991, Collectieve Antennevoorziening Gouda (C-288/89, Colet., p. I-4007, n.° 12), e de 5 de outubro de 1994, Comissão/França (C-381/93, Colet., p. I-5145, n.° 16).


21 – V. acórdãos Comissão/França (já referido, n.° 17); de 28 de abril de 1998, Kohll (C-158/96, Colet., p. I-1931, n.° 33); de 12 de julho de 2001, Smits e Peerbooms (C-157/99, Colet., p. I-5473, n.° 61); e de 11 de setembro de 2007, Schwarz e Gootjes-Schwarz (C-76/05, Colet., p. I-6849, n.° 67).


22 – V., designadamente, acórdãos de 31 de janeiro de 1984, Luisi e Carbone (286/82 e 26/83, Recueil, p. 377); de 26 de outubro de 1999, Eurowings Luftverkehr (C-294/97, Colet., p. I-7447, n.° 34); FKP Scorpio Konzertproduktionen (já referido, n.° 32); e de 1 de julho de 2010, Dijkman e Dijkman-Lavaleije (C-233/09, Colet., p. I-6649, n.° 24).


23 – Neste sentido, acórdãos Schwarz e Gootjes-Schwarz (já referido, n.° 66), Comissão/Alemanha (já referido, n.° 80); e acórdão de 20 de maio de 2010, Zanotti (C-56/09, Colet., p. I-4517, n.° 41).


24 – Acórdão de 11 de junho de 2009, X e Passenheim-van Schoot (C-155/08 e C-157/08, Colet., p. I-5093), para um prazo prolongado de caducidade em relação a ativos que detenham fora do Estado-Membro de tributação.


25–      Constitui a primeira linha de argumentação do Governo português e também a perspetiva do Governo belga.


26 – É o que observam os Governos francês e português.


27 – V., designadamente, acórdãos de 31 de março de 1993, Kraus (C-19/92, Colet., p. I-1663, n.° 32); de 5 de julho de 2007, Comissão/ Bélgica (C-522/04, Colet., p. I-5701, n.° 47); e de 4 de dezembro de 2008, Jobra (C-330/07, Colet., p. I-9099, n.° 27).


28–      Nos termos do acórdão SGI, já referido (n.os 66 e 69).


29 – V. acórdãos de 12 de maio de 1998, Gilly (C-336/96, Colet., p. I-2793, n.os 24 e 30); de 21 de setembro de 1999, Saint-Gobain ZN, C-307/97, Colet., p. I-6161, n.° 57); e de 27 de novembro de 2008, Papillon (C-418/07, Colet., p. I-8947, n.os 34 a 40).


30 – V. acórdão de 26 de junho de 2008, Burda (C-284/06, Colet., p. I-4571, n.° 87).


31 – Até hoje, o Tribunal de Justiça só admitiu esta justificação em cinco processos: v. acórdãos, já referidos, Oy AA; Lidl Belgium e SGI; e acórdãos de 17 de setembro de 2009, Glaxo Wellcome (C-182/08, Colet., p. I-8591), e de 25 de fevereiro de 2010, X Holding (C-337/08, Colet., p. I-1215).


      Quanto às rejeições em matéria de liberdade de estabelecimento, v. acórdãos, já referidos, Saint-Gobain ZN e Rewe Zentralfinanz, bem como acórdão de 18 de junho de 2009, Aberdeen Property Fininvest Alpha (C-303/07, Colet., p. I-5145); em matéria de liberdade de circulação de capitais, acórdãos de 8 de novembro de 2007, Amurta (C-379/05, Colet., p. I-9569), de 19 de novembro de 2009, Comissão/Itália (C-540/07, Colet., p. I-10983), e de 3 de junho de 2010, Comissão/Espanha (C-487/08, Colet., p. I-4843); em matéria de livre prestação de serviços, acórdão Jobra (já referido).


32 – Acórdão Oy AA (já referido, n.° 54), que remete para o acórdão Rewe Zentralfinanz (já referido, n.° 42), o qual, por sua vez, remete para os acórdãos, já referidos, Marks & Spencer (n.° 46) e Cadbury Schweppes e Cadbury Schweppes Overseas (n.os 55 e 56).


33 – V. acórdãos, já referidos, Rewe Zentralfinanz (n.° 41) e Oy AA, n.° 51.


34–      V. acórdão Marks & Spencer, já referido (n.os 43 e 51).


35 –      Já referido, n.os 51 e segs.


36 – V. acórdão SGI (já referido, n.° 66).


37 – V. acórdãos, já referidos, Rewe Zentralfinanz (n.° 42) e Jobra (n.° 33).


38 – Segundo terminologia empregue, designadamente, pelas advogadas-gerais C. Stix-Hackl, no n.° 53 das suas conclusões apresentadas no processo que deu origem ao acórdão Lindmann (C-42/02, n.° 53), e J. Kokott, no n.° 35 das suas conclusões apresentadas no processo que deu origem ao acórdão Presidente del Consiglio dei Ministri (C-169/08; n.° 35).


39 – V. acórdão Rewe Zentralfinanz (já referido, n.° 43).


40 – V., designadamente, acórdãos de 20 de fevereiro de 1979, Rewe-Zentral, dito «Cassis de Dijon» (120/78, Colet., p. 327, n.° 8); de 15 de maio de 1997, Futura Participations e Singer, C-250/95, Colet., p. I-2471, n.° 31); de 8 de julho de 1999, Baxter e o. (C-254/97, Colet., p. I-4809, n.° 18); de 10 de março de 2005, Laboratoires Fournier (C-39/04, Colet., p. I-2057, n.° 24); de 14 de setembro de 2006, Centro di Musicologia Walter Stauffer (C-386/04, Colet., p. I-8203, n.° 47); de 26 de outubro de 2010, Schmelz (C-97/09, Colet., p. I-10465, n.° 57); e de 30 de junho de 2011, Meilicke e o. (C-262/09, Colet., p. I-5669, n.° 41).


41 – O órgão jurisdicional de reenvio evocou igualmente, na decisão de reenvio, a questão da relevância da Diretiva 77/799/CEE do Conselho, de 19 de dezembro de 1977, relativa à assistência mútua das autoridades competentes dos Estados-Membros no domínio dos impostos diretos (JO L 336, p. 15; EE 09 F1 p. 94), sobre a apreciação das justificações da legislação belga. Todavia, e sem entrar aqui num exame aprofundado da questão, não é certo que a Diretiva 77/799/CEE seja indubitavelmente aplicável, num caso como o que está em causa no processo principal, tendo em conta os artigos 2.° e 8.° assim como a jurisprudência do Tribunal de Justiça. Comparar, em especial, os acórdãos, já referidos, Cadbury Schweppes e Cadbury Schweppes Overseas (n.os 70 e 71), X e Passenheim-van Schoot (n.os 65 a 67) e Persche (n.° 61 e segs.); V., igualmente, acórdão de 27 de setembro de 2007, Twoh International (C-184/05, Colet., p. I-7897, n.° 32).


42–      V. acórdãos de 16 de julho de 1998, ICI (C-264/96, Colet., p. I-4695, n.° 26), de 12 de dezembro de 2002, Lankhorst-Hohorst (C-324/00, Colet., p. I-11779, n.° 37), e acórdão de Lasteyrie du Saillant (já referido, n.° 50).


43 – V. acórdãos, já referidos, Cadbury Schweppes e Cadbury Schweppes Overseas (n.os 51 e 55), Test Claimants in the Thin Cap Group Litigation (n.° 74) e Jobra (n.° 35); e acórdão de 22 de dezembro de 2010, Tankreederei I (C-287/10, Colet., p. I-14233, n.° 28).


44–      V., designadamente, acórdãos, já referidos, Cadbury Schweppes e Cadbury Schweppes Overseas (n.° 55), Test Claimants in the Thin Cap Group Litigation (n.° 74), Jobra (n.° 35), Aberdeen Property Fininvest Alpha (n.° 64), Glaxo Wellcome (n.° 89) e Tankreederei I (n.° 28); e acórdão de 10 de fevereiro de 2011, Haribo Lakritzen Hans Riegel e Österreichische Salinen (C-436/08 e C-437/08, Colet., p. I-305, n.° 165).


45 – V., designadamente, acórdãos, já referidos, ICI (n.° 26), X e Y (n.° 61), Lankhorst-Hohorst (n.° 37), de Lasteyrie du Saillant (n.° 50), Marks & Spencer (n.° 57) e Test Claimants in the Thin Cap Group Litigation (n.° 79); e acórdão de 21 de novembro de 2002, X e Y (C-436/00, Colet., p. I-10829, n.° 61).


46 – Como a Comissão e o Governo belga salientaram nas suas observações, resulta dos trabalhos preparatórios da lei que introduziu o artigo 54.° CIR 1992 que esta disposição visava opor-se às manobras pelas quais as sociedades belgas diminuíam ficticiamente a sua matéria tributável, remunerando prestações de serviços inexistentes fornecidas por sociedades que dispõem de um regime fiscal privilegiado.


47 – Resulta, em particular do número 54/28 do comentário ao imposto sobre o rendimento, já referido, que cita um acórdão antigo (Cour de cassation, 12 de fevereiro de 1963, SA Oftri, Bull. 411, p. 1758), que quando for provado o caráter anormal de uma despesa, será toda a despesa e não apenas a parte anormal da despesa que deve ser excluída das despesas gerais.


48 – Com efeito, o princípio de plena concorrência constitui o critério apropriado para distinguir o expediente artificial de operações económicas reais, para retomar a expressão empregue pelo advogado-geral L. A. Geelhoed, nas suas conclusões no processo Test Claimants in the Thin Cap Group Litigation (já referido, n.° 66), e pela advogada-geral J. Kokott, nas suas conclusões no processo SGI (já referido, n.° 68). Sobre a aplicação deste princípio, v., mais especificamente, acórdão SGI (já referido, n.os 71 e 72). V. igualmente a comunicação da Comissão ao Conselho, ao Parlamento Europeu e ao Comité Económico e Social Europeu, de 10 de dezembro de 2007, A aplicação de medidas de combate aos abusos no domínio da fiscalidade direta — na União Europeia e nas relações com países terceiros, COM(2007)785 final, pp. 5 e 6.


49 – É o que alega a Comissão, referindo-se a um acórdão da Cour de cassation de 27 de novembro de 1966 que teria reiterado a solução vertida no acórdão de 12 de fevereiro de 1963.


50 – Para um exemplo concreto de reserva de interpretação, v. acórdão SGI (já referido, n.° 75)


51 – V. acórdão de 9 de julho de 2009, Comissão/Espanha (C-397/07, Colet., p. I-6029, n.° 30).


52 – V., entre outros, acórdãos Cadbury Schweppes e Cadbury Schweppes Overseas (n.° 50); ICI (n.° 26); X e Y (n.° 62); e acórdão de 11 de outubro de 2007, ELISA (C-451/05, Colet., p. I-8251, n.° 91).


53 – No caso em apreço, resulta do n.° 54/26 do comentário ao code des impôts sur les revenus 1992, já referido, que o artigo 54.° CIR 1992 se aplica, como a SIAT salientou na audiência, independentemente de qualquer relação de dependência entre o prestador e o destinatário de serviços.


54 – Como a Comissão salientou na sua comunicação de 10 de dezembro de 2007, já referida, «as normas nacionais antiabuso podem prever uma esfera de segurança, ou seja, critérios que permitam visar as situações que correspondam à mais elevada probabilidade de abuso». Acrescenta que «o estabelecimento de critérios de presunção razoáveis contribui para uma aplicação equilibrada das medidas antiabuso, reforçando a segurança jurídica em proveito do contribuinte, facilitando a tarefa da Administração Fiscal». Não obstante, como salienta a seguir, as normas antiabuso não devem ter um alcance excessivo, devendo apreender apenas as situações caracterizadas pela falta de justificação comercial.