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CONCLUSÕES DA ADVOGADA-GERAL

VERICA TRSTENJAK

apresentadas em 12 de janeiro de 2012 (1)

Processo C-591/10

Littlewoods Retail Ltd e o.

contra

Her Majesty’s Commissioners of Revenue and Customs

[pedido de decisão prejudicial apresentado pela High Court of Justice (England & Wales), Chancery Division (Reino Unido)]

«Reembolso do IVA cobrado em violação do direito da União — Juros — Juros simples — Juros compostos — Autonomia processual dos Estados-Membros — Princípio da efetividade — Princípio da equivalência»





I —    Introdução

1.        A High Court of Justice (England & Wales), Chancery Division, submeteu ao Tribunal de Justiça, através do presente pedido de decisão prejudicial, quatro questões relativas ao dever, decorrente do direito da União, de reembolso do imposto sobre o valor acrescentado (a seguir «IVA») cobrado em violação do direito da União. Neste âmbito, o órgão jurisdicional de reenvio pretende, em especial, saber se e, em caso de resposta afirmativa, em que medida um Estado-Membro que cobrou o IVA em violação das disposições em matéria de IVA do direito da União é também obrigado, para além do seu reembolso, ao pagamento de juros sobre o referido montante principal.

II — Quadro jurídico

A —    Direito nacional

2.        A Lei do Imposto sobre o Valor Acrescentado de 1994 (Value Added Tax Act 1994, a seguir «Lei do IVA de 1994») contém as disposições nacionais sobre a administração, o pagamento voluntário e a cobrança coerciva do IVA, bem como sobre os recursos que podem ser interpostos para um tribunal especializado.

3.        Se um sujeito passivo pagar IVA em excesso, a section 80 da Lei do IVA de 1994 permite que este apresente um pedido de reembolso da quantia paga em excesso. No que toca à matéria relevante para o presente caso, a section 80 da Lei do IVA de 1994 dispõe o seguinte:

«80      Crédito ou reembolso de IVA declarado ou pago em excesso

(1)      Quando um sujeito passivo:

(a)      tenha apresentado aos Commissioners uma declaração de IVA relativa a um determinado período contabilístico (independentemente da data em que este tenha terminado) e

(b)      tenha declarado, como imposto a jusante, uma quantia que não era devida a esse título,

os Commissioners estão obrigados a creditar-lhe essa quantia.

[…]

(1B)      Quando um sujeito passivo, num determinado período contabilístico (independentemente da data em que este tenha terminado), tenha pago aos Commissioners uma quantia a título de IVA que não era devida, e que não resulte de:

(a)      uma quantia declarada como imposto a jusante e que não era devida a esse título, ou

[…]

os Commissioners estão obrigados a reembolsar-lhe essa quantia.

(2)      Os Commissioners apenas são obrigados a creditar ou a reembolsar uma quantia ao abrigo da presente section com base num pedido apresentado para esse efeito.

(2A)      Quando:

(a)      na sequência de um pedido apresentado ao abrigo da presente section, deva ser creditada uma determinada quantia a um sujeito passivo em virtude da subsection (1) ou (1A) supra, e

(b)      após efetuadas eventuais compensações nos termos ou ao abrigo da presente lei, exista ainda um crédito total ou parcial a favor do sujeito passivo,

os Commissioners estão obrigados a pagar-lhe (ou a reembolsar-lhe) essa quantia.

[…]

(7)      Exceto nos casos previstos na presente section, os Commissioners não são obrigados a creditar ou a reembolsar qualquer quantia indevidamente declarada ou paga a título de IVA.»

4.        Quando um pedido apresentado ao abrigo da section 80 da Lei do IVA de 1994 é deferido, o sujeito passivo pode igualmente ter direito a juros sobre o montante pago em excesso, calculados em conformidade com o disposto na section 78 da Lei do IVA de 1994. A section 78 dispõe o seguinte:

«78      Juros em caso de erro das autoridades

(1)      Quando, devido a um erro dos Commissioners, um sujeito passivo:

(a)      tenha declarado aos Commissioners, como imposto a jusante, uma quantia que não era devida a esse título e, como resultado, os Commissioners estejam obrigados, nos termos da section 80(2A), a pagar-lhe (ou a reembolsar-lhe) uma determinada quantia, ou

(b)      não tenha pedido, nos termos da section 25, o crédito a que tinha direito e que, consequentemente, os Commissioners estejam obrigados a pagar-lhe, ou

(c)      [salvo nos casos previstos nas alíneas a) ou b) supra] tenha pago indevidamente aos Commissioners uma quantia a título de IVA e que, consequentemente, os Commissioners estejam obrigados a reembolsar-lhe, ou

(d)      tenha recebido com atraso uma quantia que lhe era devida pelos Commissioners relativamente ao IVA,

os Commissioners, na medida em que não estejam obrigados a fazê-lo por força de outras disposições, deverão pagar-lhe juros sobre aquela quantia correspondentes ao período aplicável, sem prejuízo das disposições seguintes da presente section.

[…]

(3)      Os juros devidos ao abrigo da presente section deverão ser pagos à taxa aplicável nos termos da section 197 do Finance Act 1996 […]»

III — Matéria de facto e pedido de decisão prejudicial

5.        As demandantes no processo principal exerceram ou exercem no Reino Unido a atividade comercial de vendas ao domicílio por catálogo, que envolve a distribuição de catálogos e a venda dos bens constantes desses catálogos através de uma rede de pessoas designadas como «representantes». Os representantes recebiam uma comissão sobre as vendas feitas por eles ou através deles (a seguir «compras efetuadas por terceiros»), recebida em dinheiro, que podiam utilizar para o pagamento de compras já efetuadas pelos próprios representantes ou reservar (com uma percentagem superior) para compras futuras.

6.        É ponto assente no processo principal que desde 1973 até outubro de 2004, a comissão devida por compras efetuadas por terceiros foi indevidamente tratada, tanto em conformidade com o direito da União Europeia como com o direito nacional, no âmbito do cálculo do IVA, pelo que relativamente a certos fornecimentos a matéria tributável foi calculada de forma elevada, tendo, por conseguinte, sido pago IVA em excesso.

7.        Desde outubro de 2004, os Her Majesty’s Commissioners for Revenue & Customs (a seguir «demandado no processo principal») devolveram às demandantes no processo principal cerca de 204 774 763 GBP relativamente ao IVA pago em excesso, de acordo com o previsto na section 80 da Lei do IVA de 1994. Para além disso, os demandantes no processo principal pagaram igualmente a quantia de 268 159 135 GBP a título de juros simples vencidos, de acordo com o previsto na section 78 da Lei do IVA de 1994.

8.        As demandantes no processo principal reclamam quantias adicionais que ascendem, no total, a cerca de mil milhões de GBP. Aquelas quantias correspondem, no seu entender, ao benefício obtido pelo Reino Unido através do uso dos montantes principais de impostos pagos em excesso. A este respeito, por sentença de 19 de maio de 2010, o órgão jurisdicional de reenvio, baseando-se apenas no direito nacional e sem considerar o direito da União, julgou que a referida ação devia ser julgada improcedente.

9.        Na medida em que o órgão jurisdicional de reenvio tem dúvidas quanto à compatibilidade desta conclusão com as exigências do direito da União, submeteu as seguintes questões prejudiciais ao Tribunal de Justiça:

«1.      No caso de um sujeito passivo ter pago IVA em excesso, cobrado pelo Estado-Membro em violação do disposto na legislação da União Europeia em matéria de IVA, é conforme com o direito da União Europeia a reparação prevista por um Estado-Membro que contempla apenas: a) o reembolso dos montantes principais pagos em excesso, e b) os juros simples sobre esses montantes, em conformidade com a legislação nacional, tal como a section 78 da Lei do IVA de 1994?

2.      Em caso de resposta negativa à primeira questão, o direito da UE exige que um Estado-Membro inclua na reparação: a) o reembolso dos montantes principais pagos em excesso, e b) o pagamento de juros compostos como o equivalente do valor de uso dos montantes pagos em excesso em poder do Estado-Membro e/ou da perda do valor de uso do montante em poder do contribuinte?

3.      Em caso de resposta negativa às duas primeiras questões, o que deverá incluir a reparação exigida pelo direito da União Europeia aos Estados-Membros, para além do reembolso dos montantes principais pagos em excesso, relativamente ao valor de uso do montante pago em excesso e/ou dos juros?

4.      Em caso de resposta negativa à primeira questão, o princípio da efetividade consagrado no direito da União Europeia exige a um Estado-Membro que afaste a aplicação de restrições previstas na legislação nacional (tal como as constantes das secções 78 e 80 da Lei do IVA de 1994) em quaisquer ações ou vias de recurso nacionais que, de outra forma, o sujeito passivo teria à sua disposição para defender o direito conferido pelo direito da União Europeia e estabelecido na resposta do Tribunal de Justiça às três primeiras questões, ou é suficiente que o órgão jurisdicional nacional afaste a aplicação de tais restrições relativamente a apenas uma destas ações ou vias de recurso nacionais?

Que outros princípios deverão orientar o órgão jurisdicional nacional na efetivação deste direito conferido pelo direito da União Europeia por forma a respeitar o princípio da efetividade consagrado no direito da União Europeia?»

IV — Processo no Tribunal de Justiça

10.      A decisão de reenvio, com data de 4 de novembro de 2010, deu entrada na Secretaria do Tribunal de Justiça em 14 de dezembro de 2010. As demandantes no processo principal, o Reino Unido, a República Federal da Alemanha, a República do Chipre, o Reino dos Países Baixos, a República francesa, a República da Finlândia, bem como a Comissão apresentaram observações. Na audiência de 22 de novembro de 2011 participaram os representantes das demandantes do processo principal, do Reino Unido e da Comissão.

V —    Argumentos das partes

A —    Quanto à primeira, segunda e terceira questões prejudiciais

11.      A Comissão entende que a primeira, a segunda e a terceira questões prejudiciais devem ser respondidas no sentido de que quando um sujeito passivo pagou IVA em excesso, cobrado pelo Estado-Membro em violação do disposto na legislação da União Europeia em matéria de IVA, uma reparação que contemple apenas o reembolso dos montantes principais pagos em excesso, bem como juros simples sobre esses montantes, é conforme com o direito da União Europeia desde que a referida reparação permita obter um reembolso adequado ou uma compensação adequada pela perda do valor de uso do montante em causa e desde que o direito nacional não preveja qualquer reparação mais favorável em relação a outros impostos.

12.      Para os Governos do Reino Unido, da República do Chipre, da República Francesa e da República Federal da Alemanha deve responder-se à primeira questão prejudicial que a reparação prevista por um Estado-Membro que, num caso de cobrança de IVA em violação do disposto na legislação da União Europeia, contempla o reembolso dos montantes principais pagos em excesso, bem como juros simples sobre esses montantes, em conformidade com a legislação nacional, é conforme com o direito da União Europeia. Também a resposta do Governo finlandês à primeira questão prejudicial aponta no mesmo sentido, sublinhando ainda a necessidade de respeitar os princípios da efetividade e da equivalência. De forma semelhante, o Governo neerlandês alega que o direito da União não obriga os Estados-Membros a pagar juros compostos no âmbito do reembolso de IVA cobrado em violação do direito da União. Assim sendo, os Governos do Reino Unido e da República do Chipre, bem como dos Países Baixos e da Finlândia, entendem não ser necessário responder à segunda, terceira e quarta questões prejudiciais.

13.      No que respeita à resposta a dar à primeira, à segunda e à terceira questões prejudiciais, as demandantes no processo principal expressam a opinião de que a reparação que os Estados-Membros devem conceder para o reembolso do IVA cobrado em violação do direito da União deve visar a compensação do benefício obtido pelo Estado-Membro através da utilização do montante principal cobrado em violação do direito da União. A questão de determinar se, para este efeito, a reparação, para além do reembolso do montante principal pago em excesso, deve também contemplar juros simples, juros compostos ou outro tipo de fórmula para calcular os juros compete aos órgãos jurisdicionais nacionais.

B —    Quarta questão prejudicial

14.      No entender das demandantes no processo principal, deve responder-se à quarta questão prejudicial no sentido de que se deve afastar a aplicação de uma restrição nacional contrária ao direito da União para invocar direitos resultantes do direito da União (tal como consta da section 78 e da section 80 da Lei do IVA de 1994), que afeta duas vias de recurso nacionais diferentes, nos casos em que, nos termos do direito nacional, o titular do direito ao reembolso é livre de escolher entre uma ou outra.

15.      A Comissão entende que a quarta questão não necessita de ser respondida. Caso o Tribunal de Justiça considerar, no entanto, pertinente dar resposta a esta questão, deve responder-se à mesma que a aplicação da section 78 da Lei do IVA de 1994 deve ser afastada, no seu todo, caso se conclua que a referida disposição é incompatível com o direito da União.

VI — Apreciação jurídica

A —    Primeira, segunda e terceira questões prejudiciais

16.      Com a primeira, a segunda e a terceira questões prejudiciais o órgão jurisdicional de reenvio pretende, no essencial, saber de que modo se deve processar o pagamento de juros, a favor do sujeito passivo de IVA titular do direito ao reembolso, sobre o IVA cobrado em violação do direito da União num caso como o do processo principal. Neste âmbito, o órgão jurisdicional de reenvio levanta em especial a questão de saber se, para além do reembolso dos montantes principais pagos em excesso, o direito nacional deve contemplar o pagamento de juros «simples» (primeira questão prejudicial), de juros «compostos» (segunda questão prejudicial) ou de um outro tipo de juros a definir mais pormenorizadamente pelo Tribunal de Justiça (terceira questão prejudicial) sobre o referido montante.

17.      Para o órgão jurisdicional de reenvio, os juros «simples» constituem juros sem capitalização de juros dos períodos de cálculo prévios. Os juros «compostos», pelo contrário, são constituídos pelos juros dos períodos de cálculo prévios que são adicionados ao capital, passando a integrar, por conseguinte, a base de cálculo para os períodos de juro posteriores.

18.      O ponto de partida para a resposta à primeira, segunda e terceira questões prejudiciais é a constatação de que a problemática do pagamento de juros sobre o IVA cobrado em violação do direito da União não está expressamente prevista nem na Segunda Diretiva IVA (2) nem na Sexta Diretiva IVA (3).

19.      Para além disso, importa sublinhar que as demandantes no processo principal não apresentaram quaisquer pedidos de indemnização relacionados com uma violação do direito da União por parte do Reino Unido (4). De acordo com o órgão jurisdicional de reenvio, no processo principal é pacífico que não estão cumpridos os pressupostos para a responsabilização do Estado nos termos do direito da União. O processo principal diz, por conseguinte, respeito a ações destinadas a obter o reembolso de IVA cobrado em violação do direito da União que não podem ser qualificadas como ações de indemnização.

20.      À luz destes esclarecimentos, a resposta à primeira, segunda e terceira questões prejudiciais deve basear-se na jurisprudência do Tribunal de Justiça, nos termos da qual os Estados-Membros estão, em princípio, obrigados a reembolsar os impostos recebidos em violação das regras do direito da União (5). O direito daí resultante do sujeito passivo de obter o reembolso dos impostos cobrados em violação do direito da União é a consequência e o complemento dos direitos conferidos aos particulares pelas disposições do direito da União que proíbem tais impostos (6).

21.      De forma a executar judicialmente este tipo de direitos a reembolso decorrentes do direito da União, os titulares do direito a reembolso devem recorrer aos órgãos jurisdicionais nacionais (7).

22.      Na falta de uma regulamentação da União pertinente, também a configuração processual concreta das ações de reembolso compete aos Estados-Membros, que neste contexto devem, no entanto, respeitar sempre os princípios da equivalência e da efetividade (8). Neste âmbito, compete a cada Estado-Membro designar os órgãos jurisdicionais competentes e regular as modalidades processuais das ações de reembolso, desde que estas modalidades não sejam menos favoráveis do que as das ações análogas de natureza interna (princípio da equivalência) e, por outro, que não tornem, na prática, impossível ou excessivamente difícil o exercício dos direitos conferidos pela ordem jurídica da União (princípio da efetividade) (9).

23.      Esta função dos Estados-Membros de regular processualmente os direitos das pessoas singulares e coletivas decorrentes do direito da União, bem como o poder de apreciação de que os Estados-Membros dispõem neste âmbito, são tradicionalmente resumidos sob o conceito de «autonomia processual dos Estados-Membros». No entanto, este conceito é ligeiramente enganador e impreciso. Embora a expressão «autonomia» pareça indiciar um amplo poder de apreciação dos Estados-Membros na determinação das regras processuais, de acordo com a jurisprudência do Tribunal de Justiça não existe tal poder de apreciação absoluto. Isto porque, por um lado, nos termos da referida linha jurisprudencial o Tribunal de Justiça baseia-se na obrigação dos Estados-Membros decorrente do direito da União de possibilitar a execução processual de direitos resultantes do direito da União (10). Por conseguinte, a decisão sobre a previsão, ou não, de disposições processuais relativas à execução de direitos resultantes do direito da União não é deixada à discricionariedade dos Estados-Membros. Por outro lado, o poder de apreciação conferido aos Estados-Membros na determinação dos processos e das modalidades processuais aplicáveis é limitado pelos princípios da efetividade e da equivalência.

24.      A máxima da «autonomia processual» não confere, por conseguinte, uma verdadeira autonomia aos Estados-Membros, mas apenas um determinado poder de apreciação no contexto da configuração processual de direitos decorrentes do direito da União, cuja execução a nível judicial não é regulada de forma pormenorizada pelo direito da União (11). Para além disso, na jurisprudência do Tribunal de Justiça a «autonomia processual» dos Estados-Membros não se restringiu às questões processuais, estendendo-se, pelo contrário, em parte também à configuração do conteúdo dos direitos decorrentes do direito da União (12), pelo que a autonomia processual abrange simultaneamente uma certa remedial autonomy dos Estados-Membros (13).

25.      Apesar de o conceito de «autonomia processual dos Estados-Membros» ser, por conseguinte, duplamente impreciso, impôs-se, no entanto, na jurisprudência do Tribunal de Justiça como um conceito particularmente fácil de memorizar (14). Sob reserva dos meus esclarecimentos expostos supra, também o irei utilizar a seguir.

26.      No contexto da sua jurisprudência relativa à autonomia processual dos Estados-Membros, o Tribunal de Justiça já debateu repetidamente a questão dos juros sobre montantes cobrados em violação do direito da União, tendo, neste âmbito, introduzido diferentes nuances nos vários acórdãos, com base nas quais é possível diferenciar duas linhas jurisprudenciais.

27.      Numa primeira série de acórdãos — sobretudo mais antigos —, o Tribunal de Justiça concluiu que a problemática do pagamento de juros sobre montantes indevidamente cobrados nos termos do direito da União representa uma questão acessória que deve ser regulada a nível do direito nacional. Neste âmbito, compete aos Estados-Membros, em particular, regular a questão do pagamento dos juros, incluindo a data a partir da qual os juros devem ser calculados e a respetiva taxa. O Tribunal de Justiça decidiu neste sentido nos acórdãos Roquette Frères/Comissão (15) e Express Dairy Foods (16). Esta linha jurisprudencial foi confirmada no acórdão Ansaldo Energia e o. (17), bem como no acórdão N (18).

28.      Numa segunda série de acórdãos — sobretudo mais recentes —, o Tribunal de Justiça concluiu, pelo contrário, que o sujeito passivo tem, por força da legislação da União, direito ao pagamento de juros sobre impostos cobrados em violação do direito da União. Esta linha jurisprudencial foi iniciada com o acórdão Metallgesellschaft e o. (19), no qual foi submetida ao Tribunal de Justiça uma questão relativa a um pagamento antecipado do imposto em violação do direito da União. Apesar de o Tribunal de Justiça ter, neste acórdão, começado por confirmar a sua jurisprudência anterior, nos termos da qual é ao direito nacional que compete regular todas as questões acessórias relativas à restituição dos impostos indevidamente cobrados, como o eventual pagamento de juros, incluindo a data a partir da qual estes devem ser calculados e a respetiva taxa (20), esclareceu, de seguida, que a atribuição de juros é imposta pelo direito da União no caso de uma exigibilidade antecipada do imposto em violação do direito da União. A este respeito, referiu em particular que a norma do direito da União que se opõe à exigibilidade antecipada do imposto confere ao sujeito passivo o direito de obter os juros vencidos sobre o pagamento antecipado do imposto durante o período que separa o pagamento — em violação do direito da União — da data de exigibilidade deste pagamento — conforme ao direito da União (21).

29.      Esta nova linha jurisprudencial foi confirmada nos acórdãos Test Claimants in the FII Group Litigation (22) e Test Claimants in the Thin Cap Group Litigation (23). Ambos os acórdãos comprovam também de forma evidente que a argumentação desenvolvida no acórdão Metallgesellschaft e o. em relação ao pagamento adiantado de impostos em violação do direito da União também pode ser transposta para casos em que a cobrança dos impostos foi, no seu todo, contrária ao direito da União. Esta transposição não deixa de ser lógica. Isto porque, ao fundamentar o direito a juros resultante do direito da União na sequência do pagamento adiantado de impostos em violação do direito da União, o Tribunal de Justiça parte do princípio de que o sujeito passivo sofreu prejuízos devido à indisponibilidade de somas de dinheiro na sequência da exigibilidade prematura do imposto, devendo estes prejuízos ser classificados como montantes retidos pelo Estado ou a ele pagos em violação do direito da União (24). Na medida em que também a cobrança de impostos contrária ao direito da União provoca uma indisponibilidade dos montantes pagos até à data do reembolso, não se depreende qualquer motivo para diferenciar entre o direito a juros do sujeito passivo resultante do direito da União no contexto dos pagamentos adiantados contrários ao direito da União e um correspondente direito no contexto de pagamentos, enquanto tais, contrários ao direito da União.

30.      Resulta destas considerações que, nos termos da mais recente jurisprudência do Tribunal de Justiça, os Estados-Membros que cobraram impostos contrários ao direito da União devem restituir tanto por princípio os impostos cobrados em violação do direito da União como pagar juros para compensar a indisponibilidade dos montantes pagos. Os sujeitos passivos dispõem, por conseguinte, de um direito ao reembolso do imposto bem como um direito ao pagamento de juros, fundamentando-se estes direitos do sujeito passivo nas disposições do direito da União nos termos das quais os impostos cobrados são proibidos.

31.      Aplicando a jurisprudência relativa à autonomia processual dos Estados-Membros, compete aos mesmos a configuração concreta do conteúdo e das modalidades processuais do direito a juros do sujeito passivo resultante do direito da União. Neste sentido, os Estados-Membros têm o poder de determinar as modalidades de juros, desde que respeitem os princípios da efetividade e da equivalência. Nas referidas modalidades inclui-se também a decisão de saber se o pagamento de juros é realizado de acordo com um sistema de «juros simples» ou, pelo contrário, nos termos de um sistema de «juros compostos».

32.      É possível deduzir das indicações fornecidas pelo órgão jurisdicional de reenvio que o Reino Unido cumpriu a sua obrigação, decorrente do direito da União, de conceder um direito a juros ao sujeito passivo de IVA titular do direito ao reembolso. Ao invés, é controvertida a questão de saber se o Reino Unido violou o princípio da efetividade ou o princípio da equivalência na determinação das modalidades do referido direito a juro, ao conceder apenas um pagamento de juros simples sobre o montante principal.

33.      No meu entender, é possível responder afirmativamente à questão de saber se o princípio da efetividade foi respeitado.

34.      Nos termos de jurisprudência assente, o princípio da efetividade proíbe aos Estados-Membros que tornem impossível na prática ou excessivamente difícil o exercício dos direitos conferidos pelo ordenamento jurídico da União (25). Por conseguinte, no contexto da determinação das modalidades de um direito a juros decorrente do direito da União apenas se poderia considerar a possibilidade de uma violação do princípio da efetividade caso os juros fossem de tal forma reduzidos que poriam excessivamente em causa o conteúdo do direito a juros decorrente do direito da União.

35.      Neste contexto, resulta da decisão de reenvio que o Reino Unido pagou juros sobre o IVA cobrado às demandantes no processo principal em violação do direito da União, de acordo com o disposto na section 78 da Lei do IVA de 1994.

36.      Os juros devidos ao abrigo da section 78 da Lei do IVA de 1994 são calculados nos termos da section 197 da Lei das Finanças de 1996 (Finance Act 1996) e do Regulamento das Taxas de Aeroporto e Outros Impostos Indiretos (Taxa de Juro) de 1998 [Air Passenger Duty and Other Indirect Taxes (Interest Rate) Regulations 1998]. O efeito geral destas disposições é o de que, desde 1998, para efeitos do disposto na section 78, as taxas são fixadas através de uma fórmula que tem em conta a taxa de juro base média do crédito concedido por seis bancos de compensação, designada «taxa de referência». Para o período entre 1973 e 1998, as taxas são as constantes do quadro 7 do Regulamento de 1998. A taxa de juro aplicável nos termos da section 78 consiste na taxa de referência menos 1%. A section 78 também define o «período aplicável» relativamente ao qual são devidos juros. No processo principal, aquele período inicia-se na data em que os Commissioners receberam o pagamento em excesso e termina na data em que ordenaram o pagamento do montante sobre o qual são devidos juros.

37.      Aplicando estas disposições, o Reino Unido restituiu às demandantes no processo principal o IVA, obtido em violação do direito da União durante o período entre 1973 e 2004, no valor de cerca de 204 774 763 GBP, acrescidas de 268 159 135 GBP a título de juros simples. Neste sentido foi conferido às demandantes no processo principal um direito a juros simples, de acordo com o disposto na section 78 da Lei do IVA de 1994, nos termos do qual o montante de juros (268 159 135 GBP) vencidos durante um período de cerca de 30 anos excede em mais de 25% o montante principal (204 774 763 GBP). Na minha opinião, este pagamento de juros nos termos da section 78 da Lei do IVA de 1994 cumpre o princípio da efetividade.

38.      A questão de saber se o pagamento de juros simples nos termos da section 78 da Lei do IVA de 1994 também cumpre o princípio da equivalência num processo como o presente não pode, no entanto, ser tão facilmente resolvida.

39.      Segundo jurisprudência assente, o princípio da equivalência exige que o conjunto das regras aplicáveis às ações ou recursos se aplique indiferentemente às ações ou recursos assentes na violação do direito da União e aos assentes na violação do direito interno (26). No que respeita ao presente processo, isso significa que as modalidades do direito a juros por IVA cobrado em violação do direito da União não podem ser menos favoráveis do que as modalidades de direitos a juros similares que resultam de uma violação do direito interno (a seguir «direitos a juros similares de natureza interna»). Neste contexto, a similitude dos direitos a juros de natureza interna utilizados como base de comparação pressupõe que estes possam ser considerados similares tanto em relação ao seu objeto como aos seus elementos essenciais (27).

40.      Por conseguinte, para responder à questão relativa ao respeito do princípio da equivalência o órgão jurisdicional de reenvio, o único a ter um conhecimento direto das modalidades de juros no caso de direito ao reembolso contra o Estado, deve analisar se as modalidades aplicáveis aos juros sobre o IVA obtido em violação do direito da União, de acordo com o disposto na section 78 da Lei do IVA de 1994, correspondem, ou não, às modalidades aplicáveis a direitos a juros similares de natureza interna.

41.      Neste contexto importa referir que as partes intervenientes no presente processo definem de forma diferente o círculo de direitos a juros similares de natureza interna que devem ser utilizados como base de comparação.

42.      A Comissão entende que no âmbito da análise do princípio da equivalência se deve proceder a uma comparação entre os juros que recaem sobre o IVA obtido em violação do direito da União e os juros aplicados em caso de cobrança indevida de outros impostos. De acordo com esta abordagem, os juros aplicados sobre o IVA obtido em violação do direito da União deverão, por conseguinte, ser comparados com os juros que estão previstos no direito interno para o caso de uma cobrança indevida de impostos diretos ou indiretos, com exceção do IVA.

43.      O Governo do Reino Unido, por seu lado, alega que os juros aplicáveis sobre o IVA obtido em violação do direito da União apenas podem ser comparados com os juros sobre os impostos indiretos indevidamente cobrados, mas não com os juros sobre os impostos diretos indevidamente cobrados.

44.      De acordo com o entendimento defendido pelo Governo neerlandês (28), num caso como o presente o princípio da equivalência exige, pelo contrário, que as ações de restituição de IVA indevidamente cobrado devem ser tratadas de forma igual às ações internas de restituição de encargos ou impostos semelhantes. De acordo com esta abordagem, deve, por conseguinte, começar-se por averiguar quais os impostos e encargos que são equiparáveis ao IVA. De seguida, importa comparar as modalidades de juros em caso de cobrança indevida deste tipo de impostos ou contribuições equiparáveis com as modalidades de juros no domínio do IVA.

45.      O Governo francês (29) remete neste contexto para a jurisprudência do Tribunal de Justiça, nos termos da qual uma modalidade de restituição nacional respeita o princípio da equivalência quando se aplique indiferentemente às ações baseadas em violação do direito da União e às baseadas em violação do direito interno, tratando-se do mesmo tipo de contribuições ou taxas.

46.      Estas afirmações divergentes da Comissão, dos Governos do Reino Unido, neerlandês e francês demonstram claramente que, num caso como o do processo principal, a determinação concreta dos direitos a juros similares de natureza interna se pode revelar particularmente difícil.

47.      Para determinar os direitos a juros similares de natureza interna o órgão jurisdicional de reenvio deve basear-se nos elementos essenciais do direito a juros, decorrente do direito da União, sobre o IVA indevidamente cobrado. É indubitável que os direitos a juros sobre os impostos indiretos cobrados em violação do direito nacional são similares. A questão de saber se, num caso como o presente, os direitos a juros sobre impostos ou encargos diretos cobrados em violação do direito nacional também devem ser qualificados como direitos a juros similares de natureza interna não pode, no entanto, ser respondida em abstrato (30). Caso esta questão se colocar de facto no processo principal, no contexto da análise do princípio da equivalência, o órgão jurisdicional de reenvio deve, por via de um novo pedido de decisão prejudicial, pedir ao Tribunal de Justiça de forma pormenorizada novos esclarecimentos sobre a similitude dos direitos a juros de natureza interna relevantes.

48.      Caso o órgão jurisdicional de reenvio, tendo em consideração o acima exposto, chegue à conclusão de que existem vários direitos a juros similares de natureza interna, estando as suas modalidades configuradas de modo diferente, não se estaria, desde logo, a violar o princípio da equivalência caso os juros sobre o IVA cobrado em violação do direito da União não fossem calculados de acordo com as modalidades mais vantajosas aplicáveis a um ou a vários direitos a juros similares de natureza interna. Isto porque, segundo a jurisprudência assente, o princípio da equivalência não pode ser interpretado no sentido de que obriga um Estado-Membro a alargar o seu regime interno mais favorável a todas as ações propostas num determinado domínio do direito (31).

49.      Face ao exposto, há que responder à primeira, à segunda e à terceira questões prejudiciais que nos termos do direito da União o sujeito passivo que pagou IVA em excesso, cobrado pelo Estado-Membro em violação do disposto na legislação da União Europeia em matéria de IVA, tem direito ao reembolso do IVA cobrado em violação do direito da União, bem como direito ao pagamento de juros sobre o montante principal a restituir. A questão de saber se os juros a aplicar ao montante principal a restituir devem ser calculados de acordo com um sistema de «juros simples» ou, pelo contrário, de acordo com um sistema de «juros compostos» diz respeito às modalidades do direito a juros decorrente do direito da União, que devem ser definidas pelos Estados-Membros tendo em conta os princípios da efetividade e da equivalência.

B —    Quarta questão prejudicial

50.      Com a sua quarta questão prejudicial, o órgão jurisdicional pede esclarecimentos em relação ao procedimento correto necessário nos termos do direito da União caso os juros simples aplicados sobre o IVA cobrado em excesso durante o período entre 1973 e 2004, de acordo com o previsto na section 78 da Lei do IVA de 1994, não satisfaçam as exigências resultantes do princípio da efetividade consagrado pelo direito da União.

51.      Tal como já tive oportunidade de referir, os juros simples aplicados sobre o IVA cobrado em excesso durante o período compreendido entre 1973 e 2004, de acordo com o previsto na section 78 da Lei do IVA de 1994, são compatíveis com o princípio da efetividade. Esta constatação não significa, no entanto, que a quarta questão prejudicial deva ser considerada desprovida de objeto, na medida em que dos elementos fornecidos pelo órgão jurisdicional de reenvio em relação à origem da quarta questão prejudicial decorre que esta — apesar da remissão expressa para o princípio da efetividade — diz essencialmente respeito aos efeitos do princípio da equivalência.

52.      De forma a entender melhor a quarta questão prejudicial, importa começar por analisar as diferentes bases jurídicas do direito a juros sobre o IVA cobrado em violação do direito da União em discussão no processo principal. Do pedido de decisão prejudicial resulta, em particular, que, para além do direito a juros simples nos termos da section 78 da Lei do IVA de 1994, estão ainda em discussão outras duas bases jurídicas ou vias de recurso nacionais. Neste âmbito, estão particularmente em causa, por um lado, o denominado mistake-based claim e, por outro, o denominado Woolwich claim. De acordo com o órgão jurisdicional de reenvio, estas duas causas de pedir nos termos da Common law estão excluídas em virtude da aplicabilidade da section 78 da Lei do IVA de 1994.

53.      Caso se conclua, no âmbito da resposta à primeira a terceira questões prejudiciais, que a exclusão das referidas causas de pedir nos termos da Common law em virtude da aplicabilidade da section 78 da Lei do IVA de 1994 é contrária ao direito da União, o órgão jurisdicional de reenvio propõe, como solução conforme com o direito da União, que se permita às demandantes no processo principal invocar uma Woolwich claim, enquanto a mistake-based claim se manteria excluída.

54.      Neste sentido, com a sua quarta questão prejudicial o órgão jurisdicional de reenvio pretende essencialmente saber se, caso se conclua pela incompatibilidade da section 78 e da section 80 da Lei do IVA de 1994 com o direito da União, o afastamento da aplicação das restrições incluídas nestas disposições no que respeita à Woolwich claim poderia resultar num pagamento de juros compatível com o direito da União no processo principal ou se, a restrição prevista na section 78 e na section 80 da Lei do IVA de 1994 se deveria afastar em relação a todas as causas de pedir ou vias de recurso nacionais existentes nos termos da Common law.

55.      Nas suas observações escritas e orais, as demandantes no processo principal alegaram, a este respeito (32), que as causas de pedir nos termos da Common law relevantes no processo principal se caracterizam pelo princípio de livre concurso de direitos, pelo que o titular do direito pode optar livremente por um dos direitos em causa — caso todas as condições de aplicação estejam reunidas. Em relação aos dois direitos nos termos da Common law (o mistake-based claim e o Woolwich claim) que as demandantes podem escolher no processo principal aplica-se um prazo de caducidade de seis anos. No caso da Woolwich claim, o prazo inicia-se logo a partir da data de pagamento, enquanto no caso da mistake-based claim, pelo contrário, apenas se inicia a partir do momento em que o titular do direito a reembolso tenha, ou poderia razoavelmente ter, tido conhecimento da ilegalidade do seu pagamento. Na medida em que as demandantes no processo principal, de acordo com as suas próprias observações, invocaram os seus direitos dentro do prazo de seis anos após terem tido conhecimento da referida ilegalidade, teriam um interesse particular em basear-se na mistake-based claim como causa de pedir no processo principal.

56.      Para responder à quarta questão prejudicial importa partir do princípio de que a determinação das modalidades de juros sobre impostos cobrados em violação do direito da União compete aos Estados-Membros, que devem, neste âmbito, respeitar o princípio da efetividade e da equivalência. Neste contexto já concluí que os juros simples sobre o IVA cobrado em violação do direito da União, determinados pelo Reino Unido de acordo com o previsto na section 78 da Lei do IVA de 1994, respeitam o princípio da efetividade (33).

57.      A questão de saber se os referidos juros simples nos termos da section 78 da Lei do IVA de 1994 e a correspondente exclusão de causas de pedir mais amplas nos termos da Common law também respeitam o princípio da equivalência deve ser resolvida pelo órgão jurisdicional de reenvio de acordo com os critérios já apreciados (34). No contexto da quarta questão prejudicial o referido órgão jurisdicional deve, em particular, responder à questão de saber se um sujeito passivo, que exige a restituição de impostos ou contribuições similares cobrados em violação do direito nacional, acrescidos de juros, pode escolher livremente a causa de pedir relativa aos direitos a juros nos termos da Common law ou, porventura, nos termos da lei, podendo, neste caso, optar pela Woolwich claim, pela mistake-based claim ou por uma outra causa de pedir — caso se cumpram todas as condições de aplicação —, definindo, deste modo, ele próprio as modalidades de juros.

58.      Caso o órgão jurisdicional de reenvio conclua, neste âmbito, que as modalidades de juros sobre o IVA cobrado em violação do direito da União são menos favoráveis do que as modalidades de direitos a juros similares de natureza interna devido ao facto de os sujeitos passivos poderem, através da escolha da causa de pedir, determinar o prazo de prescrição, bem como os outros elementos dos direitos a juros similares de natureza interna, enquanto o mesmo não sucede no caso dos juros sobre o IVA cobrados em violação do direito da União, impor-se-ia a aplicação das modalidades mais favoráveis que valem em relação aos direitos a juros similares de natureza interna também aos juros sobre o IVA cobrado em violação do direito da União, possibilitando assim aos sujeitos passivos a livre escolha da causa de pedir.

59.      De forma a assegurar a plena eficácia do direito da União, neste caso o órgão jurisdicional de reenvio estaria obrigado a afastar, caso necessário, a aplicação das disposições nacionais que se opõem à imposição de juros sobre o IVA cobrado em violação do direito da União de acordo com as modalidades mais favoráveis aplicáveis aos direitos a juros similares de natureza interna e a aplicar aos direitos a juros que resultam do direito da União as disposições nacionais que preveem, em relação aos direitos similares de natureza interna, modalidades mais favoráveis (35). Esta obrigação resulta diretamente do efeito direto e do primado da aplicação (36) das disposições do direito da União das quais decorre o direito a juros do sujeito passivo de IVA titular do direito a reembolso.

60.      No entanto, importa ainda recordar que o princípio da equivalência não pode ser entendido no sentido de obrigar um Estado-Membro a alargar o seu regime interno mais favorável a ações equiparáveis relativas aos juros sobre o IVA cobrado em violação do direito da União (37). Caso se constate, neste sentido, que os sujeitos passivos titulares do direito a reembolso, através da escolha da causa de pedir, apenas podem determinar o prazo de prescrição e as restantes modalidades de juros em relação a alguns direitos a juros similares de natureza interna, enquanto o mesmo é excluído em relação a outros direitos a juros similares de natureza interna, o Estado-Membro também pode excluir a livre escolha da causa de pedir em relação aos juros sobre o IVA cobrado em violação do direito da União.

61.      Face ao exposto, há que responder à quarta questão prejudicial que caso o órgão jurisdicional de reenvio conclua que as modalidades de juros sobre o IVA cobrado em violação do direito da União controvertidos no processo principal são menos favoráveis que as modalidades de direitos a juros similares de natureza interna e que, por conseguinte, se verifica uma violação do princípio da equivalência, deve interpretar e aplicar as disposições nacionais no sentido de que sobre o IVA cobrado em violação do direito da União devem ser aplicados juros de acordo com as modalidades mais favoráveis aplicáveis aos direitos a juros similares de natureza interna.

VII — Conclusão

62.      Com base nas considerações que precedem, proponho ao Tribunal de Justiça que responda da seguinte forma às questões prejudiciais:

«1.      O sujeito passivo que pagou IVA em excesso, cobrado pelo Estado-Membro em violação do disposto na legislação da União Europeia em matéria de IVA, tem, nos termos do direito da União, direito ao reembolso do IVA cobrado em violação do direito da União, bem como direito ao pagamento de juros sobre o montante principal a restituir. A questão de saber se os juros a aplicar ao montante principal a restituir devem ser calculados de acordo com um sistema de «juros simples» ou, pelo contrário, de acordo com um sistema de «juros compostos» diz respeito às modalidades do direito a juros decorrente do direito da União, que devem ser definidas pelos Estados-Membros, tendo em conta os princípios da efetividade e da equivalência.

2.      Caso o órgão jurisdicional de reenvio conclua que as modalidades de juros sobre o IVA cobrado em violação do direito da União controvertidos no processo principal são menos favoráveis que as modalidades de direitos a juros similares de natureza interna e que, por conseguinte, se verifica uma violação do princípio da equivalência, deve interpretar e aplicar as disposições nacionais no sentido de que sobre o IVA cobrado em violação do direito da União devem ser aplicados juros de acordo com as modalidades mais favoráveis aplicáveis aos direitos a juros similares de natureza interna.»


1 —      Língua original das conclusões: alemão.


2 —      Segunda Diretiva 67/228/CEE do Conselho, de 11 de abril de 1967, relativa à harmonização das legislações dos Estados-Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios - estrutura e modalidades de aplicação do sistema comum de imposto sobre o valor acrescentado (JO 71, p. 1303; EE 09 F1 p. 6).


3 —      Sexta Diretiva 77/388/CEE do Conselho, de 17 de maio de 1977, relativa à harmonização das legislações dos Estados-Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios - sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado: matéria coletável uniforme (JO 145, p. 1; EE 09 F1 p. 54).


4 —      Nos termos de jurisprudência assente, o direito da União não se opõe a que uma ação de indemnização relacionada com uma violação do direito da União coexista com uma ação de reembolso para repetição do indevido; v. acórdão de 20 de outubro de 2011, Danfoss e Sauer-Danfoss (C-94/10, Colet., p. I-9963, n.° 32).


5 —      Acórdãos de 15 de setembro de 2011, Accor (C-310/09, Colet., p. I-8115, n.° 71); de 2 de outubro de 2003, Weber’s Wine World e o. (C-147/01, Colet., p. I-11365, n.° 93); e de 8 de março de 2001, Metallgesellschaft e o. (C-397/98 e C-410/98, Colet., p. I-1727, n.° 84).


6 —      V. acórdãos Danfoss e Sauer-Danfoss (já referido na nota 4, n.° 20); de 6 de setembro de 2011, Lady & Kid e o. (C-398/09, Colet., p. I-7375, n.° 17); de 28 de janeiro de 2010, Direct Parcel Distribution Belgium (C-264/08, Colet., p. I-731, n.° 45); de 14 de janeiro de 1997, Comateb e o. (C-192/95 a C-218/95, Colet., p. I-165, n.° 20); e de 9 de novembro de 1983, San Giorgio (199/82, Recueil, p. 3595, n.° 12).


7 —      O TFUE apenas confere aos particulares um direito de recurso direto para o TJCE em alguns processos muito específicos, como por exemplo o direito de recurso de pessoas singulares ou coletivas nos termos do artigo 263.°, quarto parágrafo, TFUE, do artigo 268.° TFUE ou do artigo 270.° TFUE. V., neste contexto, igualmente Basedow, J., «Der Europäische Gerichtshof und das Privatrecht», Archiv für die civilistische Praxis, vol. 210, 2010, pp. 157, 192 e segs., que considera que a impossibilidade de os agentes privados interporem perante um órgão jurisdicional da União ações relacionadas com direitos decorrentes do direito da União representa uma inconsistência insatisfatória entre o direito processual e o direito material da União.


8 —      V. acórdãos Danfoss e Sauer-Danfoss (já referido na nota 4, n.° 24); de 6 de outubro de 2005, MyTravel (C-291/03, Colet., p. I-8477, n.° 17); e Weber’s Wine World e o. (já referido na nota 5, n.° 103).


9 —      V. acórdãos Accor (já referido na nota 5, n.° 79); de 8 de julho de 2010, Bulicke (C-246/09, Colet., p. I-7003, n.° 25); de 13 de março de 2007, Test Claimants in the Thin Cap Group Litigation (C-524/04, Colet., p. I-2107, n.° 111); e de 12 de dezembro de 2006, Test Claimants in the FII Group Litigation (C-446/04, Colet., p. I-11753, n.° 203).


10 —      V., a este respeito, acórdão de 16 de dezembro de 1976, Rewe-Zentralfinanz e Rewe-Zentral (33/76, Colet., p. 813), que é considerado o acórdão doutrinário no que respeita ao conceito de autonomia processual dos Estados-Membros na jurisprudência do Tribunal de Justiça. Neste acórdão, que dizia respeito à compatibilidade com o direito da União de prazos, previstos no direito nacional, para a execução, a nível judicial, de direitos decorrentes do direito da União, o Tribunal de Justiça associou o conceito da autonomia processual dos Estados-Membros ao princípio da cooperação leal entre a União e os Estados-Membros, atualmente consagrado no artigo 4.°, n.° 3, TUE. Com base neste princípio, o Tribunal de Justiça concluiu, em particular, que o cuidado de garantir a proteção judicial decorrente, para os cidadãos, do efeito direto das normas de direito da União é confiado aos órgãos jurisdicionais nacionais. Esta função dos Estados-Membros visa garantir o efeito pleno do direito da União e está intimamente relacionada com o princípio da proteção jurisdicional efetiva bem como com o direito fundamental a um recurso efetivo nos termos do artigo 47.° da Carta dos Direitos Fundamentais. No que respeita à referida ligação entre as obrigações dos Estados-Membros nos termos do artigo 4.° TUE, a garantia do efeito pleno do direito da União e o princípio da proteção jurisdicional efetiva bem como o direito fundamental a um recurso efetivo nos termos do artigo 47.° da Carta dos Direitos Fundamentais, v. acórdão de 15 de abril de 2008, Impact (C-268/06, Colet., p. I-2483, n.os 41 e segs.).


11 —      V., a este respeito, em particular Kakouris, C.N., «Do the Member States possess judicial procedural ‘autonomy’?», CMLRev., 1997, pp. 1389 e segs. V., igualmente, Van Gerven, W., «Of Rights, Remedies and Procedures», CMLRev., 2000, pp. 501, 502, que propõe, entre outras soluções, a substituição do conceito de autonomia processual pelo da competência processual dos Estados-Membros. O mesmo é defendido por Delicostopoulos, J., «Towards European Procedural Primacy in National Legal Systems», ELJ, 2003, pp. 599 e segs., que neste contexto parte do princípio de uma conjugação da competência processual dos Estados-Membros com o primado do direito processual da União.


12 —      V. acórdão de 4 de julho de 2006, Adeneler e o. (C-212/04, Colet., p. I-6057, n.os 90 e segs.), em que o Tribunal de Justiça recorreu, entre outros, ao princípio da autonomia processual para responder à questão de saber que medidas e sanções os Estados-Membros devem prever para enfrentar a violação dos direitos decorrentes do direito da União em causa neste processo. V., também, acórdãos de 7 de setembro de 2006, Marrosu e Sardino (C-53/04, Colet., p. I-7213, n.os 50 e segs.), e Vassallo (C-180/04, Colet., p. I-7251, n.os 35 e segs.).


13 —      V., a este respeito, Trstenjak, V./Beysen, E., «European Consumer Protection Law: Curia semper dabit remedium?», CMLRev., 2011, pp. 95, 104 e segs.


14 —      Quanto ao papel da autonomia processual dos Estados-Membros no sistema do direito processual civil europeu, v. igualmente Wagner, G., em Stein, F.,/Jonas, M., Kommentar zur Zivilprozessordnung, 22.ª ed., Tübingen, 2011, introdução antes do artigo 1.°, n.os 68 e segs.


15 —      Acórdão de 21 de maio de 1976, Roquette frères/Comissão (26/74, Colet., p. 295, n.os 11 e segs.).


16 —      Acórdão de 12 de junho de 1980, Express Dairy Foods (130/79, Recueil, p. 1887, n.os 16 e segs.).


17 —      Acórdão de 15 de setembro de 1998, Ansaldo Energia e o. (C-279/96, C-280/96 e C-281/96, Colet., p. I-5025, n.° 28).


18 —      Acórdão de 7 de setembro de 2006, N (C-470/04, Colet., p. I-7409, n.° 60).


19 —      Acórdão Metallgesellschaft e o. (já referido na nota 5).


20 —      Idem (n.° 86).


21 —      Idem (n.os 87 e 89).


22 —      Já referido na nota 9, n.os 202 e segs.


23 —      Já referido na nota 9, n.° 112.


24 —      V., em particular, acórdão Test Claimants in the FII (já referido na nota 9, n.° 205).


25 —      V. acórdãos Accor (já referido na nota 5, n.° 79), e de 30 de junho de 2011, Meilicke e o. (C-262/09, Colet.,p. I-5669, n.° 55).


26 —      V. acórdãos de 15 de abril de 2010, Barth (C-542/08, Colet., p. I-3189, n.° 19); de 26 de janeiro de 2010, Transportes Urbanos y Servicios Generales (C-118/08, Colet., p. I-635, n.° 33); e de 19 de setembro de 2006, i-21 Germany e Arcor (C-392/04 e C-422/04, Colet., p. I-8559, n.° 62).


27 —      V. acórdãos Transportes Urbanos y Servicios Generales (já referido na nota 26, n.° 35); Bulicke (já referido na nota 9, n.° 28); e de 16 de maio de 2000, Preston e o. (C-78/98, Colet., p. I-3201, n.° 49).


28 —      Observações escritas do Governo neerlandês (n.° 21).


29 —      Observações escritas do Governo francês (n.° 55).


30 —      V., neste contexto, igualmente acórdão de 15 de março de 2007, Reemtsma Cigarettenfabriken (C-35/05, Colet., p. I-2425, n.os 43 e segs.), em que o Tribunal de Justiça concluiu, no âmbito da apreciação da comparabilidade entre impostos diretos e indiretos, que o sistema de impostos diretos, no seu todo, não apresenta qualquer relação com o sistema de IVA.


31 —      Acórdãos Bulicke (já referido na nota 9, n.° 27); Transportes Urbanos y Servicios Generales (já referido na nota 26, n.° 34); de 29 de outubro de 2009, Pontin (C-63/08, Colet., p. I-10467, n.° 45); e Ansaldo Energia e o. (já referido na nota 17, n.° 29).


32 —      Observações escritas (n.os 34 e segs. e 112 e segs.).


33 —      V. n.os 33 e segs. das presentes conclusões.


34 —      V. n.os 38 e segs. das presentes conclusões.


35 —      V. acórdãos de 15 de julho de 2010, Purrucker (C-256/09, Colet., p. I-7353, n.° 99); de 14 de janeiro de 2010, Kyrian (C-233/08, Colet., p. I-177, n.° 61); e de 8 de novembro de 2005, Leffler (C-443/03, Colet., p. I-9611, n.° 51).


36 —      Quanto ao primado da aplicação bem como ao efeito direto do direito da União, v. o parecer 1/09, de 8 de março de 2011 (Colet., p. I-1137, n.° 65), bem como o parecer 1/91, de 14 de dezembro de 1991 (Colet., p. I-6079, n.° 21).


37 —      V., a este respeito, a jurisprudência referida na nota 31.