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CONCLUSÕES DO ADVOGADO-GERAL

JÁN MAZÁK

apresentadas em 19 de julho de 2012 (1)

Processo C-174/11

Finanzamt Steglitz

contra

Ines Zimmermann

[pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Bundesfinanzhof (Alemanha)]

«Sexta Diretiva 77/388/CEE do Conselho — IVA — Isenções — Artigo 13.°, A, n.° 1, alínea g) — Serviços relacionados com a assistência social e com a segurança social prestados por organismos de direito público ou por outros organismos reconhecidos de caráter social — Legislação nacional que faz depender a isenção prevista para a prestação de cuidados ambulatórios da observância de determinadas condições, as quais não são exigíveis quando esses cuidados são prestados por certas associações reconhecidas pelo Estado, ou por membros dessas associações»





1.        O imposto sobre o valor acrescentado (IVA) foi originariamente estabelecido como uma forma de tributação simples sobre o fornecimento de bens e a prestação de serviços. Questiona-se, no entanto, se o sistema de IVA e algumas das suas regras não se transformaram, entretanto, em algo bem mais complexo. Um juiz do Court of Appeal (Inglaterra e País de Gales) observou, a este respeito, que «para além do mundo quotidiano […] reside o mundo do [IVA], uma espécie de parque temático fiscal no qual as realidades de facto e as jurídicas se encontram suspensas ou invertidas» (2).

2.        Seja como for, no presente processo, o Bundesfinanzhof (tribunal fiscal federal, Alemanha) solicita orientação sobre a interpretação a dar ao n.° 1, alínea g) e/ou ao n.° 2, alínea a) do artigo 13.°, A, da Sexta Diretiva (3). O pedido foi feito no âmbito do processo que opôs I. Zimmermann ao Finanzamt Steglitz (serviço de finanças de Steglitz) (a seguir «Finanzamt»), em relação ao IVA devido nos anos de 1993 e 1994.

3.        É solicitado ao Tribunal de Justiça que esclareça se um Estado-Membro pode — em caso de aplicação do artigo 13.°, A, n.° 1, alínea g) da Sexta Diretiva — fazer depender a isenção fiscal prevista para a prestação de cuidados ambulatórios a doentes ou pessoas que deles careçam, no que toca aos organismos que os prestam, da condição de «os custos dos cuidados terem sido suportados, na totalidade ou na sua maior parte, no ano civil anterior, em, pelo menos, dois terços dos casos, pelas instituições legais de seguro social ou de assistência social» (4).

4.        Em particular, como adiante demonstrarei, levantam-se sérias dúvidas sobre se tal condição será consistente com o princípio da neutralidade fiscal, uma vez que não se aplica de igual forma a todos os prestadores de cuidados ambulatórios.

I —    Enquadramento legal

A —    Direito da União Europeia

5.        O artigo 13.°, A, n.° 1, alínea g) da Sexta Diretiva estabelece que os Estados-Membros isentarão, nas condições por eles fixadas e com o fim de assegurar a aplicação correta e simples das isenções enunciadas e de evitar qualquer possível fraude, evasão ou abuso:

«as prestações de serviços e as entregas de bens estreitamente conexas com a assistência social e com a segurança social, incluindo as realizadas por centros de terceira idade, por organismos de direito público ou por outros organismos reconhecidos de caráter social pelo Estado-Membro em causa».

6.        De acordo com o artigo 13.°, A, n.° 2, alínea a) da Sexta Diretiva, «os Estados-Membros podem subordinar, caso a caso, a concessão, a organismos que não sejam de direito público, de qualquer das isenções previstas nas alíneas b), g), h), i), l), m) e n) do n.° 1, à observância de uma ou mais das seguintes condições:

¾        os organismos em questão não devem ter como objetivo a obtenção sistemática de lucro; os eventuais lucros não devem, em caso algum, ser distribuídos, devendo antes ser destinados à manutenção ou à melhoria das prestações fornecidas,

¾        devem ser geridos e administrados essencialmente a título gratuito por pessoas que não detenham, por si mesmas ou por interposta pessoa, qualquer interesse direto ou indireto nos resultados da exploração,

¾        devem praticar preços homologados pela Administração Pública, ou que não excedam os preços homologados, ou, no que diz respeito às atividades não suscetíveis de homologação de preços, preços inferiores aos exigidos para atividades análogas por empresas comerciais sujeitas a [IVA],

¾        as isenções não devem ser suscetíveis de provocar distorções de concorrência em detrimento das empresas comerciais sujeitas a [IVA]».

B —    Direito nacional

7.        Nos termos do § 4, n.° 16, alínea e) da Umsatzsteuergesetz 1993 (lei relativa ao imposto sobre o volume de negócios de 1993, a seguir «UstG»), na redação em vigor nos anos em causa (ou seja, 1993 e 1994), encontravam-se isentas as seguintes transações mencionadas no § 1, n.os 1 a 3 da UStG: «transações estreitamente conexas com as atividades de [...] organismos que dispensam cuidados ambulatórios a doentes ou a pessoas que deles careçam, quando:

(e) no caso de organismos que acolham em regime temporário pessoas que careçam de cuidados ou de organismos que prestem cuidados ambulatórios a doentes ou pessoas que deles careçam, os custos tenham sido suportados, na totalidade ou na sua maior parte, em, pelo menos, dois terços dos casos, pelas instituições legais do seguro social ou da assistência social, no ano civil anterior».

8.        Nos termos do § 4, n.° 18, primeira frase, da UStG, estão isentas as seguintes transações: «as prestações de serviços de instituições particulares de solidariedade social oficialmente reconhecidas, corporações, bem como associações ou fundos dedicados à ação social, que sejam membros de instituições de solidariedade social, quando

(a)      estas entidades prossigam, exclusiva e diretamente, fins de interesse geral, de beneficência ou religiosos,

(b)      os serviços beneficiem diretamente o grupo de pessoas abrangido pelos respetivos estatutos, ato constitutivo ou outro, e

(c)      a retribuição paga pelos serviços em causa seja inferior à exigida, em média, por empresas que prestem serviços equivalentes.»

9.        O limite de dois terços, previsto no § 4, n.° 16, alínea e), da UStG (a seguir «limite de dois terços»), baixou para 40% a partir de 1 de janeiro de 1995.

10.      O § 23 da Umsatzsteuer-Durchführungsverordnung 1993 (regulamento de execução da lei relativa ao IVA de 1993, a seguir «UStDV 1993») enumera onze entidades oficialmente reconhecidas como instituições particulares de solidariedade social na aceção do n.° 18 do § 4 da UStG.

II — Matéria de facto e questões prejudiciais

11.      I. Zimmermann, que é recorrente e recorrida no recurso de revista do processo principal, explora um serviço de cuidados ambulatórios em Berlim. É enfermeira licenciada e trabalhou, em 1992, como chefe de um serviço de cuidados médicos num centro de solidariedade social. Para além disso, desde o princípio de 1993, cuidava de doentes particulares, a título privado, tendo constituído e registado, em 1 de junho de 1993, um serviço de cuidados ambulatórios. Na sequência do seu requerimento de 27 de agosto de 1993, foi autorizada a prestar serviços de enfermagem ao domicílio (5), serviços de assistência ao domicílio (6) e ajuda doméstica (7), no quadro de regimes complementares de seguros de saúde, a partir de 1 de outubro de 1993. Nas suas declarações de IVA relativas aos anos de 1993 e 1994 (anos controvertidos), I. Zimmermann tratou as suas operações como se estivessem isentas ao abrigo do § 4, n.° 16, alínea e), da UStG 1993.

12.      Em 1999, o Finanzamt, recorrido e recorrente no recurso de revista do processo principal, constatou que, durante o ano de 1993, I. Zimmermann (juntamente com os seus colaboradores) haviam prestado este tipo de serviços a um total de 76 pessoas, 52 das quais (68%) eram pacientes particulares. Nesta medida, o Finanzamt recusou a isenção ao abrigo do § 4, n.° 16, alínea e), da UStG 1993, para os serviços prestados por I. Zimmermann em 1993, com o fundamento de que, de acordo com esta norma, em, pelo menos, dois terços dos casos, os custos deveriam ter sido suportados, na totalidade ou na sua maior parte, pelas instituições legais de seguro social ou de assistência social.

13.      O Finanzamt recusou a isenção ao abrigo do § 4, n.° 16, alínea e), da UStG para os serviços prestados por I. Zimmermann em 1994, porquanto a norma se reportava a condições cuja verificação deveria ter ocorrido no ano civil anterior. Foi-lhe, no entanto, reconhecida a isenção fiscal ao abrigo do § 4, n.° 14, da UStG 1993, na medida em que I. Zimmermann tinha prestado serviços de natureza terapêutica; o Finanzamt estimou a percentagem destes serviços em um terço (8).

14.      Após ter reclamado sem sucesso, I. Zimmermann interpôs recurso da decisão do Finanzamt. No decurso do mesmo, juntou ao processo uma carta, com data de 19 de outubro de 2005, que lhe havia sido endereçada pelo Berlin Senate Administration for Health, Social Affairs and Consumer Protection (departamento da saúde, dos assuntos sociais e da proteção do consumidor da cidade de Berlim), a qual referia o seguinte: «[...] Confirmamos que prestou os mesmos serviços e desempenhou o mesmo tipo de atividades de enfermagem ao domicílio que os centros de assistência (centros de apoio social) pertencentes à League of Voluntary Welfare Associations in Berlin (liga das instituições privadas de solidariedade social de Berlim). A descrição das funções e o conteúdo das atividades exercidas pelos prestadores privados destes serviços foram equivalentes às exercidas pelos centros de apoio. De acordo com a informação de que dispomos, eram equivalentes, pelo menos, desde 1988. Salientamos que, a partir de 1 de janeiro de 1992, a isenção fiscal passou a estar subordinada à observância de determinadas condições, nos termos do § 4, n.° 16, alínea e), da UStG. Não podemos, nem pretendemos, aferir se tais condições se encontram reunidas. No entanto e independentemente desta disposição, consideramos que, para efeitos da lei da segurança social, a atividade desenvolvida por si e pela sua empresa foi reconhecida como um organismo de caráter social».

15.      O Finanzgericht (tribunal fiscal) deu maioritariamente provimento ao recurso, com o fundamento de que as transações realizadas por I. Zimmermann em 1993, até 1 de outubro, se encontravam isentas, nos termos do § 4, n.° 14, primeira frase, da UstG, na medida em que se traduziram na prestação de serviços de natureza terapêutica; com base nos cálculos apresentados por I. Zimmermann em sede de recurso, o Finanzgericht calculou em 75% a percentagem desses serviços.

16.      O Finanzgericht entendeu que I. Zimmermann podia beneficiar de isenção, ao abrigo do § 4, n.° 16, alínea e), da UStG, no período compreendido entre 1 de outubro de 1993 e 31 de dezembro de 1994. A partir de então, pelo menos, dois terços dessas transações disseram respeito a cuidados cujos custos foram suportados, total ou maioritariamente, pelo sistema público de segurança social e de assistência social. O § 4, n.° 16, alínea e), da UstG, interpretado em conformidade com a Sexta Diretiva, implicava que apenas era relevante o período a partir de outubro de 1993.

17.      Com o recurso de revista, o Finanzamt invoca uma violação do § 4, n.° 16, alínea e), da UStG. Pede ao Bundesfinanzhof que anule a sentença recorrida e negue provimento ao recurso, na medida em que o Finanzgericht lhe deu provimento relativamente ao período compreendido entre 1 de outubro de 1993 e 31 de dezembro de 1994, com base no § 4, n.° 16, alínea e), da UStG. I. Zimmermann pediu ao Bundesfinanzhof que negasse provimento ao recurso de revista.

18.      Neste contexto, o órgão jurisdicional de reenvio decidiu suspender a instância e submeter as seguintes questões ao Tribunal de Justiça:

«1)      O artigo 13.°, A, n.° 1, alínea g), e/ou o n.° 2, alínea a), da [Sexta Diretiva], permitem ao legislador nacional sujeitar a isenção fiscal de prestações no domínio do tratamento ambulatório de doentes ou de pessoas que careçam desses cuidados à condição de, no que toca às organizações que os prestam, ‘os custos […] [tenham] sido suportados, na totalidade ou na sua maior parte, [no ano civil anterior, em, pelo menos, dois terços dos casos], pelas instituições legais [de] seguro social ou [de] assistência social’ [§ 4, ponto 16, alínea e), da (UstG 1993)]?

2)       Tendo em consideração o princípio da neutralidade do imposto sobre o valor acrescentado, é relevante para a resposta a dar a esta questão que o legislador nacional isente em condições diferentes as mesmas prestações quando sejam realizadas por instituições de solidariedade social oficialmente reconhecidas [corporações, bem como associações ou fundos dedicados à ação social, que sejam] membros [de instituições] de solidariedade social [§ 4, n.° 18, da (UstG)]?»

III — Apreciação

A —    Principais argumentos das partes

19.      I. Zimmermann explica que os organismos públicos (incluindo as instituições particulares de solidariedade social) são concorrentes de organismos com fins lucrativos na prestação de cuidados ambulatórios. Alega que uma disposição normativa como a que se discute no processo principal apenas garantirá o controlo dos preços homologados pelas autoridades públicas dos Estados-Membros se se encontrarem reunidas as seguintes condições: i) os custos suportados pelo sistema público de segurança social e de assistência social correspondam às tarifas acordadas; e ii) os custos suportados pelo sistema de segurança social sejam, em geral, inferiores aos montantes exigidos aos doentes de regimes privados ou às companhias de seguros.

20.      I. Zimmermann alega, no essencial, que, para apreciar se existe ou não uma distorção ilegal da concorrência, os órgãos jurisdicionais nacionais devem antes definir se os serviços prestados, que são equivalentes ou idênticos na perspetiva do doente e na do consumidor final, se encontram sujeitos a um tratamento fiscal diferenciado. A este respeito, para efeitos de imposto sobre o volume de negócios, nem o tipo de entidade, nem a sua forma jurídica, nem a qualificação do prestador dos cuidados têm qualquer relevância.

21.      O Governo alemão sustenta que os moldes em que a legislação define as condições para o reconhecimento oficial do caráter social de certos organismos já têm em consideração certos aspetos sublinhados pela jurisprudência, como sejam (9): i) a eventual existência de disposições legais específicas; ii) o caráter de interesse público das atividades do contribuinte; iii) se outros contribuintes que desenvolvem o mesmo tipo de atividades beneficiam de um reconhecimento semelhante; iv) se grande parte dos custos dos serviços em causa são eventualmente suportados por seguros de doença ou outros organismos de segurança social; v) o princípio da neutralidade no sentido da neutralidade concorrencial.

22.      De acordo com o Governo alemão, os limites da margem de discricionariedade no que se refere ao princípio da neutralidade fiscal foram respeitados. Em particular, no contexto do artigo 13.°, A, n.° 1, alínea g), da Sexta Diretiva, o reconhecimento do caráter social de certos organismos a fim de os equiparar a organismos públicos decorre precisamente da aplicação do princípio da igualdade de tratamento. Deste ponto de vista, o princípio da neutralidade pode não ser interpretado no sentido habitual de que a serviços equivalentes corresponde uma tributação equivalente. Deverá antes ser interpretado no sentido de que contribuintes idênticos devem ser sujeitos às mesmas condições a fim de poderem beneficiar da isenção. Para além disso, segundo o Governo alemão, é admissível que uma norma relativa ao reconhecimento de um organismo por parte de um Estado-Membro possa causar distorções na concorrência em detrimento de empresas privadas.

23.      Por conseguinte, o Governo alemão considera que, caso se aceite que o § 4, n.° 18, da UStG — diferentemente do n.° 16 dessa disposição — se aplica apenas a pessoas coletivas sem fins lucrativos cujo caráter social tenha sido oficialmente reconhecido, a legislação alemã não trata diversamente contribuintes idênticos, limitando-se a estabelecer condições diferenciadas para o reconhecimento do caráter social de diferentes contribuintes que estão sujeitos a requisitos materiais e legais de base diferentes.

B —    Apreciação

1.      A primeira questão

24.      Em primeiro lugar, no que refere ao enquadramento legal da situação segundo o direito nacional, o órgão jurisdicional de reenvio indica, de forma inequívoca, que, no presente processo, os requisitos previstos no § 4, n.° 16, alínea e), da UStG não se encontram preenchidos.

25.      O órgão jurisdicional de reenvio tem, no entanto, dúvidas sobre se esta conclusão estará correta à luz da Sexta Diretiva.

26.      Por conseguinte, com a sua primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio decidiu perguntar ao Tribunal de Justiça se o artigo 13.°, A, n.° 1, alínea g), da Sexta Diretiva obsta a que a isenção dos serviços de cuidados ambulatórios prestados por organismos privados fique dependente de uma condição como a que está em causa no processo principal (10).

27.      Começarei por fazer uma retrospetiva da jurisprudência relevante, que já é bastante extensa, à luz da qual entendo ser necessário analisar as questões submetidas.

28.      Tal como o Tribunal de Justiça recentemente recordou no processo Future Health Technologies (11), «as isenções previstas no [artigo 13.°, A, da Sexta Diretiva (12)] não se destinam a isentar de IVA todas as atividades de interesse geral, mas unicamente as que aí são enumeradas e descritas de maneira muito detalhada».

29.      Resulta também da jurisprudência relativa à Sexta Diretiva que os termos usados para designar as isenções previstas no artigo 13.° são de interpretação estrita, dado que constituem exceções ao princípio geral segundo o qual o IVA é cobrado sobre cada entrega de bens ou prestação de serviços efetuada a título oneroso por um sujeito passivo. Todavia, a interpretação desses termos deve ser feita em conformidade com os objetivos prosseguidos pelas referidas isenções e respeitar as exigências do princípio da neutralidade fiscal. Assim, esta regra da interpretação estrita não significa que os termos utilizados para definir as isenções previstas no referido artigo 13.° da Sexta Diretiva devam ser interpretados de maneira a privá-las dos seus efeitos (13).

30.      Sublinhe-se que as regras de interpretação mencionadas no n.° 29, supra, para as isenções previstas no artigo 13.° da Sexta Diretiva se aplicam às condições específicas de concessão dessas isenções, em particular as referentes ao estatuto ou à identidade do agente económico prestador dos serviços abrangidos pela isenção (14).

31.      Assim, o Tribunal de Justiça já tinha declarado que o artigo 13.°, A, n.° 1, alínea g), da Sexta Diretiva, relativo à isenção de IVA das prestações de serviços e entregas de bens estreitamente conexas com a assistência social e com a segurança social, deve ser interpretado no sentido de que a expressão «organismos reconhecidos de caráter social pelo Estado-Membro em causa» (15), não exclui do seu âmbito entidades privadas com fins lucrativos, incluindo, por exemplo, pessoas singulares que explorem uma «empresa» (16).

32.      O artigo 13.°, A, n.° l, alínea g), da Sexta Diretiva não especifica as condições e os procedimentos de reconhecimento do caráter social de organismos que não sejam de direito público. Por conseguinte, em princípio, cabe à legislação de cada Estado-Membro estabelecer as regras nos termos das quais o reconhecimento deve ser conferido a esses organismos (17).

33.      A adoção de medidas internas nesta matéria encontra-se, para além disso, prevista na alínea a) do n.° 2 do artigo 13.°, A, da Sexta Diretiva, nos termos da qual «[o]s Estados-Membros podem subordinar, caso a caso, a concessão, a organismos que não sejam de direito público, de qualquer das isenções previstas nas alíneas […] g) […] do n.° 1, à observância de uma ou mais condições», a seguir enunciadas nessa disposição (18).

34.      A jurisprudência torna também claro que embora, por força da frase introdutória do artigo 13.°, A, n.° 1, da Sexta Diretiva, os Estados-Membros fixem as condições de isenção a fim de assegurarem a sua aplicação correta e simples e de prevenirem as fraudes, a evasão e os eventuais abusos, essas condições não podem afetar a definição do conteúdo das isenções previstas (19).

35.      Resulta da jurisprudência (20) que o artigo 13.°, A, n.° 1, alínea g) da Sexta Diretiva concede aos Estados-Membros poderes de apreciação para reconhecer o caráter social a determinados organismos que não são de direito público.

36.      Todavia, quando um contribuinte contesta o reconhecimento do caráter social de um organismo, incumbe aos órgãos jurisdicionais nacionais examinar se as autoridades competentes respeitaram os limites do poder de apreciação consentido pelo artigo 13.°, A, n.° 1, alínea g), da Sexta Diretiva de acordo com os princípios gerais do direito da União, em especial o princípio da igualdade de tratamento (21).

37.      Deste modo, o princípio da neutralidade fiscal opõe-se, em particular, a que serviços equivalentes e, por isso, concorrentes entre si, sejam tratados diferentemente em matéria de cobrança do IVA (22). Este princípio constitui, na verdade, a base lógica do IVA. A este respeito, resulta do pedido de reenvio, e não é contestado, que os serviços prestados por I. Zimmermann, pelo menos, a partir de outubro de 1993, foram essencialmente os mesmos que os que se consideram automaticamente isentos por aplicação do § 4, n.° 18, da UStG.

38.      Por último, decorre também da jurisprudência que, para se determinar se entidades de direito privado podem ou não ser reconhecidas para efeitos da isenção prevista no artigo 13.°, A, n.° 1, alínea g), da Sexta Diretiva, as autoridades nacionais podem, de acordo com o direito da União e sob fiscalização dos órgãos jurisdicionais nacionais, ter em conta, juntamente com o interesse público das atividades do contribuinte em causa e com o facto de outros contribuintes que desenvolvem as mesmas atividades beneficiarem de um reconhecimento semelhante, inter alia, o facto de os custos das prestações em causa serem eventualmente assumidos, em grande parte, por seguros de doença ou outros organismos de segurança social (23).

39.      A este respeito, refira-se que o § 4, n.° 16, alínea e), da UStG foi introduzido pelo legislador alemão a fim de «melhorar as estruturas de apoio e assistência a doentes e a todos os que necessitem desses cuidados» (24). O limite de dois terços estabelecido por esta norma visa assegurar que as vantagens fiscais contribuem, de forma significativa, para aliviar os encargos que recaem sobre os organismos de segurança social (25).

40.      Face ao exposto, torna-se claro que o § 4, n.° 16, alínea e), da UStG pode ser lido em conjugação com o requisito imposto pelo artigo 13.°, A, n.° 1, alínea g) da Sexta Diretiva, nos termos do qual os prestadores de serviços aí enumerados devem ser «[organismos] reconhecidos de caráter social pelo Estado-Membro em causa».

41.      Para além da jurisprudência evocada no n.° 38, supra, o Tribunal de Justiça declarou, no processo L.u.P. (26), que o artigo 13.°, A, n.° 1, alínea b), da Sexta Diretiva se opõe a que uma regulamentação nacional faça depender a isenção de análises clínicas efetuadas por um laboratório de direito privado externo a um estabelecimento de assistência médica da condição de serem realizadas sob controlo médico. Em contrapartida, também declarou que o artigo 13.°, A, n.° 1, alínea b), não se opõe a que essa mesma regulamentação faça depender a isenção das referidas análises da condição de serem, pelo menos, em 40%, destinadas a pessoas inscritos num organismo de segurança social.

42.      Por conseguinte, esse tipo de critério — baseado numa definição particular do grupo de beneficiários dos serviços — deverá, nos termos desse acórdão, ser apreciado à luz do artigo 13.°, A, n.° 1, da Sexta Diretiva.

43.      Em minha opinião, a questão fulcral do presente processo reside essencialmente em estabelecer se — ao subordinar a isenção nos termos do artigo 13.°, A, n.° 1, alínea g), da Sexta Diretiva à observância de condições como as que constam do § 4, n.° 16, da UStG — a República Federal foi além da margem de discricionariedade permitida pela Sexta Diretiva (27).

44.      O órgão jurisdicional de reenvio indica que uma das questões relativas à interpretação do direito da União Europeia suscitadas consiste em saber se o limite de dois terços, estabelecido pelo § 4, n.° 16, alínea e), da UStG, se pode basear no artigo 13.°, A, n.° 1, alínea g), ou no artigo 13.°, A, n.° 2, alínea a), da Sexta Diretiva.

45.      O critério ora em causa é ligeiramente diferente do que estava em causa no processo L.u.P. (28). No presente processo, o critério não se baseia apenas na composição do grupo de beneficiários dos serviços, mas exige também que, para uma percentagem mínima de beneficiários em relação aos quais o regime de segurança social e de solidariedade social contribui para a cobertura das respetivas despesas médicas e farmacêuticas, o organismo em causa suporte tais custos na sua totalidade ou «em grande parte».

46.      A disposição alemã em causa poderia, pelo menos em teoria, ser interpretada no sentido de que contém igualmente um critério relativo a preços, o qual teria que ser analisado separadamente, à luz do terceiro travessão do artigo 13.°, A, n.° 2, alínea a), da Sexta Diretiva. Contudo, contrariamente ao alegado por I. Zimmermann e pelo Governo alemão, não considero que esse artigo seja relevante para a resolução do litígio no processo principal. A Comissão está correta ao defender que, visto o órgão jurisdicional de reenvio não ter considerado necessário proceder a uma apreciação mais aprofundada deste ponto, uma análise separada da alínea a) do n.° 2 do artigo 13.°, A, tornar-se-ia artificial e, em qualquer caso, inútil para a resolução do presente litígio. Para além disso, o processo principal não suscita, de modo algum, questões relacionadas com a fixação de preços.

a)      Quanto à questão de saber se a margem de discricionariedade do Estado-Membro foram respeitados — o limite de dois terços

47.      Como referi no n.° 41, supra, o Tribunal de Justiça admitiu, no processo L.u.P. (29) que a alínea b) do n.° 1 do artigo 13.°, A, da Sexta Diretiva permitia ao legislador nacional subordinar a concessão da isenção prevista para a realização das análises médicas em causa à condição de, pelo menos, 40% desses serviços se destinarem a pessoas cobertas pela segurança social. O Tribunal de Justiça considerou que essa escolha do legislador se encontrava dentro dos limites da margem de discricionariedade de que os Estados-Membros gozam para estabelecer as condições em que reconhecerão o caráter social de um organismo (30).

48.      Em minha opinião, o Tribunal de Justiça já reconheceu, de facto, que as disposições normativas que definem certos limites percentuais (como o de dois terços) são, em princípio, legais neste contexto. Concordo com a Comissão quanto ao facto de que, na medida em que é relevante no presente processo e independentemente do facto de se aplicar a um sistema social (assistência social) diferente, o critério dos dois terços não difere do critério apreciado pelo Tribunal de Justiça no processo L.u.P., a não ser num único ponto, a saber, a percentagem de beneficiários dos serviços cujos custos devem ser suportados, na totalidade ou em grande parte, pelos sistemas sociais.

49.      Considero, por isso, que a fixação do limite de dois terços se encontra dentro dos limites do poder de que os Estados-Membros gozam para reconhecer o caráter social de certos organismos (31).

50.      Do meu ponto de vista, ao fixar o limite em dois terços, o legislador alemão definiu a percentagem que, segundo ele, garante um nível suficiente de integração do prestador de serviços no regime de segurança social. O referido limite permite, em contrapartida, que o caráter social do prestador seja salvaguardado e se considere que os seus serviços apresentam a (suficiente) ligação ao regime de assistência social e de segurança social.

51.      Além disso, na jurisprudência, quando o Tribunal de Justiça se refere ao critério da cobertura de custos por seguros de doença para que um organismo seja oficialmente reconhecido, menciona sempre também que os custos têm que ser cobertos «em grande parte» por esquemas de seguro de doença (32). Por consequência, no contexto da sua margem de discricionariedade, o legislador alemão optou por um limite que é simples mas adequado.

b)      Quanto à questão de saber se os limites da margem de discricionariedade do Estado-Membro foram respeitados — o ano civil anterior

52.      Para começar, concordo com a Comissão que a referência ao ano civil anterior gera um sem número de dificuldades. A escolha do ano civil anterior pressupõe alguma inexatidão, uma vez que não foi esse o ano em que as transações em causa tiveram lugar.

53.      Esclareça-se, no entanto, que não é pelo facto de a margem de dois terços se reportar ao «ano civil anterior» que o Estado-Membro excedeu a sua margem de discricionariedade.

54.      Por um lado, é discutível que a conclusão acima exposta encontre suporte no facto de o Tribunal de Justiça ter evocado o mesmo critério no acórdão L.u.P. (33) e em momento algum ter questionado a referência ao «ano civil anterior» constante da norma que fixa o limite de 40% em causa nesse processo (34). Por outro lado, também é verdade que, no acórdão L.u.P. (35) o Tribunal de Justiça não comentou expressamente o requisito imposto pelo § 4, n.° 16, alínea c), da UstG, segundo o qual o limite de 40% deve ter sido atingido no «ano civil anterior».

55.      Seja como for, concordo com o Governo alemão e com a Comissão que a referência do § 4, n.° 16, alínea e), da UStG ao ano civil anterior — para além das razões óbvias de ordem prática — tem a vantagem de dar cumprimento ao princípio da segurança jurídica.

56.      Efetivamente, seria complicado se os contribuintes tivessem de se reportar constantemente ao ano civil em curso. Se assim fosse, o contribuinte nunca poderia saber, aquando da prestação do serviço, se este seria ou não considerado isento, a não ser que conhecesse a percentagem dos custos que seria suportada no ano em curso.

57.      A abordagem que aqui defendo é também a do órgão jurisdicional de reenvio, o qual considera, no seu despacho de reenvio, que a tomada em consideração das circunstâncias verificadas no ano civil anterior, nos termos do § 4, n.° 16, alínea e) (36), serve os propósitos da certeza e da segurança jurídicas e se pode basear no direito da União e no corpo do n.° 1 do artigo 13.°, A, da Sexta Diretiva, nos termos do qual deverá ser assegurada, inter alia, a «aplicação simples das isenções».

58.      De todo o exposto resulta que a alínea g) do n.° 1 do artigo 13.°, A, da Sexta Diretiva permite, em princípio, ao legislador nacional fazer depender a isenção prevista para o tratamento ambulatório de doentes ou de pessoas que dele careçam, no que toca aos organismos que os prestam, à condição de os custos terem sido suportados, na totalidade ou na sua maior parte, no ano civil anterior, em, pelo menos, dois terços dos casos, pelo sistema público de segurança social e de assistência social.

59.      A verdade, porém, é que o critério apenas poderá ser aplicado na medida em não contrarie o princípio da neutralidade fiscal, aspeto este que o órgão jurisdicional de reenvio refere expressamente na segunda questão (37).

2.      A segunda questão

60.      Com a segunda questão o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber se, para responder à primeira questão, atento o princípio da neutralidade fiscal, é relevante o facto de o legislador nacional considerar os mesmos serviços isentos, sob condições diferentes, quando sejam prestados por instituições particulares de solidariedade social oficialmente reconhecidas ou por corporações, associações ou fundos dedicados à ação social, que sejam membros de instituições de solidariedade social (38).

61.      Como ponto de partida, não há dúvidas de que o princípio da neutralidade fiscal é inerente ao sistema comum do IVA (39), dele constituindo, na verdade, um princípio fundamental (40).

62.      A este propósito, recorde-se que o princípio da neutralidade fiscal reflete, em matéria de IVA, o princípio geral da igualdade de tratamento (41).

63.      Em minha opinião, cabe salientar a este respeito que o princípio da igualdade de tratamento é um princípio geral de direito da União — hoje consagrado também pelo artigo 20.° da Carta dos Direitos Fundamentais — e que o princípio da neutralidade fiscal constitui, muito simplesmente, uma manifestação desse princípio.

64.      Na verdade, o Tribunal de Justiça já teve oportunidade de declarar que se uma norma nacional que transpõe uma isenção ao abrigo da Sexta Diretiva contiver um requisito contrário ao princípio da neutralidade fiscal, é necessário não aplicar esse requisito (42).

65.      A jurisprudência também esclarece que quando usam, ao abrigo do artigo 13.°, A, n.° 1, alínea g), da sua faculdade para definir as condições e os limites das isenções e, como tal, determinar as operações que ficam sujeitas ou isentas de IVA, os Estados-Membros estão vinculados ao princípio da neutralidade fiscal (43).

66.      No processo Kügler, o Tribunal de Justiça sublinhou que o princípio da neutralidade fiscal se opõe, designadamente, a que operadores económicos que efetuam as mesmas operações sejam tratados diferentemente em matéria de cobrança do IVA. Resulta daqui que o referido princípio seria ignorado se a possibilidade de invocar o benefício da isenção prevista para as prestações de cuidados pessoais mencionadas no artigo 13.°, A, n.° 1, alínea c), estivesse dependente da forma jurídica sob a qual o sujeito passivo exerce a sua atividade (44).

67.      Para além disso, a jurisprudência determina que o princípio da neutralidade fiscal se opõe, nomeadamente, a que mercadorias ou prestações de serviços semelhantes, portanto, concorrentes entre si, sejam tratadas de maneira diferente para efeitos de IVA, de modo que os referidos produtos devem ser submetidos a uma taxa uniforme (45).

68.      Das declarações do Tribunal de Justiça no processo L.u.P. (46) pode inferir-se que o cumprimento do princípio da neutralidade fiscal exige, primeiro, que todas as categorias de organismos de direito privado mencionadas no artigo 13.°, A, n.° 1, alínea g), da Sexta Diretiva sejam sujeitas às mesmas condições para efeitos do seu reconhecimento como prestadores de serviços semelhantes.

69.      In fine, cabe obviamente ao órgão jurisdicional nacional (47) apreciar se a legislação nacional cumpre com aquela exigência ou se, pelo contrário, restringe a aplicação das condições em causa a certos tipos de organismos, excluindo outros.

70.      No entanto, deduz-se já claramente do despacho de reenvio que o órgão jurisdicional nacional se inclina para concluir que, no presente processo, esse princípio não foi respeitado.

71.      Como demonstrarei seguidamente, apenas posso concordar com o órgão jurisdicional de reenvio que, face à exigência de neutralidade do IVA — aqui na forma de neutralidade concorrencial — no caso em apreço, em princípio, não deveria ter sido recusada a I. Zimmermann a isenção, nos termos do artigo 13.°, A, n.° 1, alínea g), da Sexta Diretiva, com o fundamento de que, a partir de 1 de janeiro de 1992, por força do § 4, n.° 16, alínea e), da UStG, na redação em vigor nos anos controvertidos, o legislador nacional passou a exigir que os custos sejam suportados, na totalidade ou na sua maior parte, no ano civil anterior, em, pelo menos, dois terços dos casos, pelas instituições legais de seguro social ou de assistência social.

72.      O despacho de reenvio esclarece, de acordo com a exposição de motivos, que tanto o § 4, n.° 16, alínea e), como o § 4, n.° 18, da UStG visavam transpor para a legislação nacional o artigo 13.°, A, n.° 1, alínea g), da Sexta Diretiva.

73.      Contudo, o § 4, n.° 16, alínea e), da UStG estabelece as condições que regem a concessão de isenções para a prestação de cuidados médicos, que os concorrentes que prestam serviços semelhantes não estão obrigados a satisfazer para efeitos da isenção prevista no § 4, n.° 18.

74.      Efetivamente, no caso de cuidados médicos prestados pela League of Voluntary Welfare Associations, é irrelevante, para efeitos da aplicação da isenção prevista no § 4, n.° 18, da UStG, que os custos desses serviços tenham ou não sido suportados, numa determinada percentagem dos casos, pelas instituições de segurança social ou de assistência social; nem as circunstâncias relativas ao ano civil anterior são relevantes.

75.      Por outras palavras, os organismos abrangidos pelo n.° 18 do § 4 da UStG — contrariamente aos que recaem no âmbito do n.° 16 do § 4 — estão isentos de IVA independentemente da composição do grupo de beneficiários dos serviços.

76.      Estamos, portanto, perante uma situação em que — considerando a concorrência existente entre prestadores de serviços semelhantes — o reconhecimento de certos organismos, ao abrigo do artigo 13.°, A, n.° 1, alínea g), da Sexta Diretiva (que recaem no âmbito do n.° 16 do § 4 da UStG), não está sujeito às mesmas condições impostas para serviços semelhantes (abrangidos pelo n.° 18 do § 4).

77.      Assinale-se, a este respeito, que em 15 de março de 2007 (48) a Quinta Secção do Bundesfinanzhof chegou acertadamente à conclusão, no processo L.u.P., depois de ter recebido a resposta do Tribunal de Justiça à sua questão prejudicial, que as normas nacionais constantes do n.° 14 e do n.° 16, alíneas b) e c), do § 4 da UStG eram contrárias ao princípio de direito comunitário da neutralidade fiscal, uma vez que nos termos destas normas nem todas as categorias de organismos de direito privado, na aceção do artigo 13.°, A, n.° 1, alínea b), da Sexta Diretiva, estavam sujeitas às mesmas condições para efeitos do seu reconhecimento como prestadores de serviços idênticos.

78.      Considero que nada existe nos documentos apresentados perante o Tribunal de Justiça que possa levar à conclusão de que a mencionada diferenciação pode, não obstante, ser considerada compatível com o princípio da neutralidade fiscal, e os argumentos do Governo alemão não são convincentes a este respeito.

79.      O Governo alemão argumenta, no essencial, que deveria ser permitido aplicar diferentes regras a diferentes contribuintes. De facto, numa decisão administrativa de 13 de maio de 2003, intitulada «Brief information on turnover tax No 10» (Breve informação relativa ao imposto sobre o volume de negócios n.° 10) (49), a Oberfinanzdirektion Düsseldorf (tesouraria pública de Düsseldorf) considerou que, em matéria de isenções, se aplicam diferentes condições aos serviços de cuidados ambulatórios. Sustentou que podia ser concedida uma isenção ao abrigo do n.° 18 do § 4 da UStG mesmo que não se encontrassem preenchidos os requisitos da alínea e) do n.° 16 do § 4 da UStG.

80.      Contudo, em minha opinião, este argumento contraria o princípio da neutralidade fiscal e o acórdão do Tribunal de Justiça no processo L.u.P. (50). Decorre deste princípio e da jurisprudência que, regra geral, os Estados-Membros não podem aplicar regras diferentes a contribuintes diferentes.

81.      O Governo alemão argumentou que os organismos de direito público podem ser tratados de forma diferente das entidades de direito privado. É, todavia, importante salientar — um aspeto que foi necessário esclarecer na audiência e que foi depois confirmado pelo Governo alemão — que as instituições particulares de solidariedade social oficialmente reconhecidas (51), a que se refere o n.° 18 do § 4 da UStG, se regem pelo direito privado e não pelo direito público e, como tal, não estão abrangidas por uma isenção autónoma nos termos da alínea a) do n.° 16 do § 4, a qual se refere apenas a organismos de direito público.

82.      Deve ser realçado que o objetivo do artigo 13.°, A, n.° 1, alínea g), da Sexta Diretiva é reduzir os custos com os cuidados de saúde (52). De facto, relativamente aos fins visados pelas isenções previstas pelo artigo 13.°, A, n.° 1, alínea g), da Sexta Diretiva, resulta claramente do seu teor que ao tratar de modo mais favorável, para efeitos de IVA, determinadas prestações de serviços de interesse geral, no setor social, o que se pretende é reduzir o custo desses serviços e torná-los mais acessíveis aos indivíduos que deles possam beneficiar (53).

83.      Considero (tal como a Comissão) que apesar de o objetivo acima indicado de redução de custos com os cuidados de saúde justificar, em princípio, o uso de um critério como o dos dois terços, fixado pela alínea e) do n.° 16 do § 4 da UStG, a verdade é que esse objetivo não explica a razão pela qual pessoas como as que se encontram na situação de I. Zimmermann estão sujeitas ao referido critério, ao passo que entidades como as mencionadas no n.° 18 do § 4 da UStG não estão.

84.      O Governo alemão argumenta que a condição imposta pelo n.° 16 do § 4 da UStG visa garantir que o prestador de serviços é, de facto, um organismo social e serve para o colocar em paralelo com organismos públicos. Sustenta que o objetivo das normas em causa é usar a isenção fiscal para atrair as pessoas ao sistema de seguro de doença.

85.      Apesar do argumento ser compreensível, mantenho a posição de que ambos os grupos de contribuintes [abrangidos pelo n.° 16, alínea e), e pelo n.° 18 do § 4] deveriam estar sujeitos às mesmas regras.

86.      De facto, tal como o Tribunal de Justiça declarou no processo The Rank Group, «o princípio da neutralidade fiscal deve ser interpretado no sentido de que uma diferença de tratamento em termos de IVA de duas prestações de serviços idênticas ou semelhantes, do ponto de vista do consumidor e que satisfazem as mesmas necessidades deste basta para demonstrar uma violação deste princípio. Assim, essa violação não exige que também seja demonstrada a existência efetiva de concorrência entre os serviços em causa ou uma distorção da concorrência causada pela referida diferença de tratamento» (54).

87.      Por último, o órgão jurisdicional de reenvio está correto ao afirmar que a Sexta Diretiva não contém nenhuma disposição que permita aos Estados-Membros isentar os mesmos serviços consoante o prestador é uma determinada associação ou um membro dessa associação.

88.      Como comentário final, diria que se a Alemanha optar por introduzir regras para o reconhecimento do caráter social dos organismos — embora a jurisprudência torne claro que a Sexta Diretiva não exige um procedimento formal para um tal reconhecimento ou que o mesmo se encontre expressamente previsto na legislação fiscal interna (55) — poderá fazê-lo. Essas regras não devem, porém, ser contrárias ao princípio da neutralidade fiscal.

89.      Resulta de todo o exposto que o princípio da neutralidade fiscal obsta à aplicação da condição em causa no processo principal (56) se, nos termos das normas nacionais aplicáveis, os mesmos serviços forem considerados isentos, sob diferentes condições, quando prestados por instituições particulares de solidariedade social oficialmente reconhecidas, corporações, bem como associações ou fundos dedicados à ação social, que sejam membros de instituições de solidariedade social.

IV — Conclusão

90.      Pelas razões acima expostas, entendo que as questões submetidas pelo Bundesfinanzhof (Alemanha) deveriam ser respondidas do seguinte modo:

1.      O artigo 13.°, A, n.° 1, alínea g), da Sexta Diretiva 77/388/CEE do Conselho, de 17 de maio de 1977, relativa à harmonização das legislações dos Estados-Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios — sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado: matéria coletável uniforme, permite ao legislador nacional fazer depender a isenção fiscal de prestações no domínio do tratamento ambulatório de doentes ou de pessoas que deles careçam à condição de, no que toca às organizações que os prestam, os custos terem sido suportados, na totalidade ou na sua maior parte, no ano civil anterior, em, pelo menos, dois terços dos casos, pelas instituições legais de seguro social ou de assistência social.

Todavia, esse critério apenas pode ser aplicado na medida em que respeite o princípio da neutralidade fiscal.

2.      O princípio da neutralidade fiscal obsta à aplicação desse critério se, nos termos das normas nacionais aplicáveis, serviços idênticos ou semelhantes forem considerados isentos, sob diferentes condições, como acontece no processo principal.


1 —      Língua original: inglês.


2 —      Royal & Sun Alliance Insurance Group plc/Customs and Excise Commissioners [2001] STC 1476 (CA) em [54] por Sedley LJ. Em minha opinião, porém, deveria acrescentar-se que as dificuldades relacionadas com a sua aplicação e interpretação não se devem ao IVA, em si mesmo, mas às tentativas de jogar com ele.


3 —      Sexta Diretiva 77/388/CEE do Conselho, de 17 de maio de 1977, relativa à harmonização das legislações dos Estados-Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios - Sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado: matéria coletável uniforme (JO 1977, L 145, p. 1; EE 09 F1 p. 54).


4 —      A seguir «condição em causa no processo principal».


5 —      § 37 do quinto livro do Sozialgesetzbuch (Código da Segurança Social alemão, a seguir «SGB V»), na redação aplicável ao período em apreço (de 20 de dezembro de 1988, parte I, p. 2477).


6 —      §§ 53 a 56 do SGB V.


7 —      § 38 do SGB V.


8 —      Avisos de liquidação de IVA relativos a 1993 e 1994, datados de 27 de abril de 1999.


9 —      O Governo alemão refere-se aos acórdãos de 26 de maio de 2005, Kingscrest Associates e Montecello (C-498/03 Colet., p. I-4427, n.os 53 e 41 e segs.), e de 10 de setembro de 2002, Kügler (C-141/00 Colet., p. I-6833, n.os 57 e segs.). Refere-se, também, ao acórdão de 6 de novembro de 2003, Dornier (C-45/01 Colet., p. I-12911, n.os 72 e segs.).


10 —      Nos termos da qual, no ano civil anterior e em, pelo menos, dois terços dos casos, os custos dos cuidados devem ter sido suportados, na totalidade ou na sua maior parte, pelas instituições legais de seguro social ou de assistência social.


11 —      Acórdão de 10 de junho de 2010 (C-86/09, Colet., p. I-5215, n.° 29). V., por analogia, designadamente, acórdãos de 11 de julho de 1985, Comissão/Alemanha (107/84, Recueil, p. 2655, n.° 17); de 20 de novembro de 2003, D’Ambrumenil e Dispute Resolution Services (C-307/01 Colet., p. I-13989, n.° 54); e de 28 de janeiro de 2010, Eulitz (C-473/08 Colet., p. I-907, n.° 26 e jurisprudência referida).


12 —      Atual artigo 132.° da Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 novembro de 2006, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado (JO L 347, p. 1).


13 —      V. acórdão Future Health Technologies, já referido na nota 11 (n.° 30). V., por analogia, designadamente, acórdãos de 14 de junho de 2007, Haderer (C-445/05, Colet., p. I-4841, n.° 18 e jurisprudência referida); de 19 de novembro de 2009, Don Bosco Onroerend Goed (C-461/08, Colet., p. I-11079, n.° 25 e jurisprudência referida); e acórdão Eulitz, já referido na nota 11 (n.° 27 e jurisprudência referida). V., também, acórdão de 10 de junho de 2010, CopyGene A/S (C-262/08, Colet., p. I-5053, n.os 25 e 26).


14 —      V. acórdão Eulitz, já referido na nota 11 (n.° 42). V., neste sentido, acórdão de 7 de setembro de 1999, Gregg (C-216/97 Colet., p. I-4947, n.os 16 a 20); e acórdãos Kingscrest Associates e Montecello, já referido na nota 9 (n.° 23), e Haderer, já referido na nota 13 (n.° 19).


15 —      Na versão inglesa, a disposição correspondente da Diretiva 2006/112 — artigo 132.°, n.° 1, alínea g) — já não usa a palavra «charitable», referindo-se, em seu lugar, a órgãos reconhecidos pelo Estado-Membro em causa como sendo «devoted to social wellbeing» (o sublinhado é meu).


16 —      V. acórdãos Kingscrest Associates e Montecello, já referido na nota 9 (n.os 35 e segs.), e Gregg, já referido na nota 14 (n.os 17 e segs.).


17 —      V. acórdãos, já referidos na nota 9, Dornier (n.os 64 e 81) e Kingscrest Associates e Montecello (n.° 49); acórdão de 8 de junho de 2006, L.u.P. (C-106/05, Colet., p. I-5123, n.° 42); e acórdão CopyGene A/S, já referido na nota 13 (n.° 63).


18 —      V. acórdãos, já referidos na nota 9, Dornier (n.° 65) e Kingscrest Associates e Montecello (n.° 50).


19 —      V., inter alia, acórdãos Kingscrest Associates e Montecello, já referido na nota 9 (n.os 22 a 24 e jurisprudência referida), e de 14 de dezembro de 2006, Dental Laboratory (C-401/05 VDP, Colet., p. I-12121, n.° 26).


20 —      V. acórdãos, já referidos na nota 9, Kügler (n.° 54) e Kingscrest Associates e Montecello (n.° 51).


21 —      V., neste sentido, acórdãos, já referidos na nota 9, Kügler (n.° 56), Dornier (n.° 69) e Kingscrest Associates e Montecello (n.° 52); e acórdão L.u.P., já referido na nota 17 (n.° 48).


22 —      V., inter alia, acórdãos Kügler, já referido na nota 9 (n.° 30); de 3 de maio de 2001, Comissão/França (C-481/98, Colet., p. I-3369, n.° 22); de 23 de outubro de 2003, Comissão/Alemanha (C-109/02, Colet., p. I-12691, n.° 20); Kingscrest Associates e Montecello, já referido na nota 9 (n.os 41 e 54); de 10 de abril de 2008, Marks & Spencer (C-309/06, Colet., p. I-2283, n.° 47); e de 8 de março de 2011, Comissão/Reino dos Países Baixos (C-41/09 Colet.,p. I-831, n.° 66).


23 —      V. acórdãos, já referidos na nota 9, Kügler (n.os 57 e 58), Dornier (n.os 72 e 73) e Kingscrest Associates e Montecello (n.° 53) [em relação ao artigo 13.°, A, n.° 1, alínea g), da Sexta Diretiva]; e L.u.P., já referido na nota 17 (n.° 53) [em relação ao artigo 13.°, A, n.° 1, alínea b), da Sexta Diretiva].


24 —      No original, «[um] die bestehenden Versorgungsstrukturen bei der Pflege kranker und pflegebedürftiger Personen zu verbessern». V. Bundestags-Drucksache 12/1506, p. 178 em conjugação com p. 65.


25 —      Referência feita ao acórdão do Bundesfinanzhof de 24 janeiro de 2008, V R 54/06, Bundessteuerblatt 2008, parte II, p. 643, sob II. l.c., relativo à decisão do Bundesverfassungsgericht de 31 de maio de 2007, 1 BvR 1316/04, Neue Juristische Wochenschrift 2007, p. 3628.


26 —      Já referido na nota 17 (n.° 55).


27 —      V., por exemplo, acórdão de 7 de maio de 1998, Comissão/Espanha (C-124/96, Colet., p. I-2501), no qual o Tribunal de Justiça essencialmente defendeu que do artigo 13.°, A, n.° 2, alínea a), terceiro travessão, da Sexta Diretiva não resulta que, ao fazer depender a isenção prevista no artigo 13.°, A, n.° 1, alínea m), de uma ou várias condições previstas no n.° 2, alínea a), do mesmo artigo, um Estado-Membro possa modificar o seu âmbito de aplicação. Para além disso, o artigo 13.°, A, n.° 2, alínea a), exclui uma limitação da isenção a organismos ou estabelecimentos desportivos privados de caráter social que cobram quotas não superiores a um certo montante, sem ter em conta a natureza e as circunstâncias próprias de cada atividade desportiva.


28 —      Já referido na nota 17.


29 —      Ibidem.


30 —      V. acórdãos, já referidos na nota 9, Kügler (n.° 54) e Kingscrest Associates e Montecello (n.° 51).


31 —      Refira-se que, entretanto, o limiar de dois terços foi reduzido para 40%.


32 —      V. acórdãos, já referidos na nota 9, Kügler (n.os 57 e segs.), Dornier (n.os 72 e segs.) e Kingscrest Associates e Montecello (n.os 53 e 41 e segs.).


33 —      Já referido na nota 17.


34 —      § 4, n.° 16, alínea c), da UstG de 1980/1991/1993.


35 —      Em particular, nos n.os 41 e segs.


36 —      E, na verdade, do § 4, n.° 16, alíneas b) a d), da UStG.


37 —      V. acórdão L.u.P., já referido na nota 17 (n.° 50).


38 —      § 4, n.° 18, da UStG.


39 —      V., inter alia, acórdão de 11 de junho de 1998, Fischer (C-283/95, Colet., p. I-3369, n.° 27), e acórdão Gregg, já referido na nota 14 (n.° 19).


40 —      V. acórdão de 29 de outubro de 2009, SKF (C-29/08 Colet., p. I-10413, n.° 67 e jurisprudência referida).


41 —      V., inter alia, acórdãos de 29 de outubro de 2009, NCC Construction Danmark (C-174/08 Colet., p. I-10567, n.° 41); CopyGene A/S, já referido na nota 13 (n.° 64); e de 10 de novembro de 2011, The Rank Group (C-259/10 e C-260/10, Colet., p. I-10947, n.° 61). V., também, acórdão de 7 de dezembro de 2006, Eurodental (C-240/05 Colet., p. I-11479, n.° 55).


42 —      V., neste sentido, acórdão de 17 de fevereiro de 2005, Linneweber e Akritidis (C-453/02 e C-462/02, Colet., p. I-1131, n.° 37).


43 —      V., por analogia, acórdãos Fischer, já referido na nota 39 (n.° 27), e Linneweber e Akritidis, já referido na nota 42 (n.° 24).


44 —      Já referido na nota 9, n.° 30. V., a este respeito, acórdão Gregg, já referido na nota 14 (n.° 20).


45 —      V. acórdão de 11 de outubro de 2001, Adam (C-267/99 Colet., p. I-7467, n.° 36), e acórdão Comissão/Alemanha, já referido na nota 22 (n.° 20).


46 —      Já referido na nota 17 (n.° 50).


47 —      V., neste sentido, acórdãos, já referidos na nota 9, Kügler (n.° 57) e Dornier (n.° 74); e acórdão CopyGene A/S, já referido na nota 13 (n.° 65).


48 —      V R 55/03 (BFHE 217, 48, BStBl II 2008, 31). Confronte-se, todavia, com o acórdão do Bundesfinanzhof no processo Czukas, de 24 de janeiro de 2008, V R 54/06.


49 —      Kurzinformation Umsatzsteuer n.° 10 (Umsatzsteuer-Rundschau 2005, 516).


50 —      Já referido na nota 17.


51 —      E corporações, associações ou fundos dedicados a ações de voluntariado social, que sejam membros de instituições de solidariedade social.


52 —      V., inter alia, acórdão L.u.P., já referido na nota 17 (n.° 31).


53 —      Acórdão Kingscrest Associates e Montecello, já referido na nota 9 (n.° 30). V., também, acórdão Dornier, já referido na nota 9 (n.° 43) [em relação ao artigo 13.°, A, n.° 1, alíneas b) e c), da Sexta Diretiva]; D’Ambrumenil e Dispute Resolution Services, já referido na nota 11 (n.° 58) [artigo 13.°, A, n.° 1, alínea b)]; e L.u.P., já referido na nota 17 (n.° 25) [artigo 13.°, A, n.° 1, alíneas b) e c), da Sexta Diretiva].


54 —      Já referido na nota 41 (n.° 36).


55 —      V. acórdão Dornier, já referido na nota 9 (n.° 67).


56 —      Ou seja, quando um Estado-Membro — no contexto da aplicação da isenção prevista no artigo 13.°, A, n.° 1, alínea g) da Sexta Diretiva — isenta a prestação de serviços no domínio do tratamento ambulatório de doentes ou de pessoas que careçam desses cuidados, e no que toca aos organismos que os prestam, da condição de os custos com os cuidados médicos, no ano civil anterior e, pelo menos, em dois terços dos casos, terem sido suportados, na totalidade ou na sua maior parte, pelas instituições legais do seguro social ou da assistência social.