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CONCLUSÕES DA ADVOGADA-GERAL

JULIANE KOKOTT

apresentadas em 14 de junho de 2012 (1)

Processo C-234/11

TETS Haskovo AD

contra

Direktor na Direktsia «Obzhalvane I upravlenie na izpalnenieto» — Varna pri Tsentralno upravlenie na Natsionalnata agentsia za prihodite

[pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Administrativen Sad Varna (Bulgária)]

«Direito fiscal — Imposto sobre o valor acrescentado — Artigos 185.° e 187.° da Diretiva 2006/112/CE — Regularização das deduções devido à demolição de edifícios»





I —    Introdução

1.        O sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado (IVA) da União Europeia é caracterizado pela figura da dedução. Por via da dedução, o volume de compras de cada empresário beneficia de um desagravamento fiscal, mas em regra apenas quando o imposto também incide sobre o seu volume de vendas. Segundo a descrição do Tribunal de Justiça, a dedução dos impostos pagos a montante está ligada à cobrança dos impostos a jusante (2).

2.        Mas o que acontece quando esta ligação entre volume de compras e de vendas é interrompida? Por exemplo, um empresário não pode revender um objeto comprado porque o armazém ardeu ou porque todas as mercadorias foram roubadas.

3.        Estas questões são reguladas pelas disposições do direito da União relativamente à regularização das deduções, as quais são objeto do presente pedido de decisão prejudicial. Felizmente, as circunstâncias não são tão lamentáveis como um incêndio ou um roubo. Pelo contrário, foi o próprio empresário que tomou a iniciativa e demoliu vários dos seus edifícios a fim de criar espaço para algo novo. O Tribunal de Justiça deve agora pronunciar-se sobre se, num caso desta natureza, é necessária a regularização das deduções iniciais.

II — Quadro jurídico

A —    Direito da União

4.        O direito da União regula o IVA, no período em causa no processo principal, na Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro de 2006, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado (3) (a seguir «Diretiva IVA»).

5.        As disposições do capítulo 1 do título X da referida diretiva regulam a «Origem e âmbito do direito à dedução». O artigo 168.° da Diretiva IVA estabelece, designadamente, as seguintes condições a este respeito:

«Quando os bens […] sejam utilizados para os fins das suas operações tributadas, o sujeito passivo tem direito, no Estado-Membro em que efetua essas operações, a deduzir do montante do imposto de que é devedor os montantes seguintes:

a)      O IVA devido ou pago nesse Estado-Membro em relação aos bens que lhe tenham sido ou venham a ser entregues […] por outro sujeito passivo;

[…]»

6.        O capítulo 5 do título X da Diretiva IVA inclui, nos artigos 184.° a 192.° as disposições relativas à «regularização das deduções». Em geral, o artigo 184.° regula da forma que segue:

«A dedução inicialmente efetuada é objeto de regularização quando for superior ou inferior à dedução a que o sujeito passivo tinha direito.»

7.        O artigo 185.° inclui a seguinte situação de regularização especial:

«(1)      A regularização é efetuada nomeadamente quando se verificarem, após a declaração de IVA, alterações dos elementos tomados em consideração para a determinação do montante das deduções, por exemplo no caso de anulação de compras ou de obtenção de abatimentos nos preços.

(2)      Em derrogação do disposto no n.° 1, não é efetuada qualquer regularização no caso de operações total ou parcialmente por pagar, no caso de destruição, perda ou roubo devidamente comprovados ou justificados, bem como no caso das afetações de bens a ofertas de pequeno valor e a amostras referidas no artigo 16.°

No caso de operações total ou parcialmente por pagar e nos casos de roubo, os Estados-Membros podem, todavia, exigir a regularização.»

8.        Para a regularização das deduções no caso de bens de investimento, a Diretiva IVA prevê regimes especiais nos artigos 187.° a 191.° O artigo 187.° tem, designadamente, o seguinte conteúdo:

«(1)      No que diz respeito aos bens de investimento, a regularização deve repartir-se por um período de cinco anos, incluindo o ano em que os bens tenham sido adquiridos ou produzidos.

[…]

No que diz respeito aos bens de investimento imobiliário, o período que serve de base ao cálculo das regularizações pode ser prolongado até vinte anos.

(2)      Anualmente, a regularização é efetuada apenas sobre a quinta parte ou, caso o período de regularização tenha sido prolongado, sobre a fração correspondente do IVA que incidiu sobre os bens de investimento em questão.

A regularização referida no primeiro parágrafo é realizada em função das alterações do direito à dedução verificadas durante os anos seguintes, em relação ao direito à dedução do ano em que os bens em questão foram adquiridos […].»

9.        Adicionalmente, o artigo 19.° da Diretiva IVA inclui o seguinte regime especial relativo às consequências fiscais de uma entrada em espécie:

«Os Estados-Membros podem considerar que a transmissão […] sob a forma de entrada numa sociedade, de uma universalidade de bens ou de parte dela não implica uma entrega de bens e que o beneficiário sucede ao transmitente.»

B —    Direito búlgaro

10.      A República da Bulgária transpôs a Diretiva IVA através da Zakon za danak varhu dobavena stoynost (Lei do imposto sobre o valor acrescentado; a seguir «Lei búlgara do IVA»).

11.      A regularização de uma dedução, anteriormente efetuada, de imposto pago a montante é disciplinada pelo artigo 79.° da Lei búlgara do IVA, da seguinte forma:

«[…]

(3)      O sujeito passivo registados que exerça o direito de deduzir, no todo ou em parte, o imposto pago a montante pelos bens por si produzidos, comprados, adquiridos ou importados, deve calcular e pagar um montante de imposto igual ao imposto deduzido a montante se os bens tiverem sido destruídos, tiverem sido constatadas faltas ou se os bens tiverem sido qualificados como refugo ou afetos a outro fim e esse novo fim não permitir a dedução de IVA.

(4)      A regularização a que deva proceder-se nos termos dos n.os 1 e 3 deve ser realizada no período de tributação em que ocorreram os factos que lhe deram origem […]

[…]

(6)      Sem prejuízo do disposto nos n.os 1 e 3, o sujeito passivo fica obrigado, relativamente a bens ou serviços que sejam bens de investimento […], ao pagamento de um imposto cujo montante é determinado […] pela […] fórmula: […]»

12.      Relativamente a exceções à regularização das deduções, o artigo 80.° da Lei búlgara do IVA estipula o seguinte, nomeadamente:

«[…]

(2)      Não há lugar à regularização prevista no artigo 79.°, n.° 3, em caso de:

1.      Destruição, faltas ou refugo causados por caso de força maior […]

2.      Destruição, faltas ou refugo causados por avaria ou acidente que se possa provar não terem sido provocados pelo sujeito passivo;

[…]»

13.      Além disso, o artigo 10.° da Lei búlgara do IVA prevê as seguintes consequências, em matéria de IVA, de uma entrada em espécie:

«(1)      Não se considera entrega de um bem ou prestação de serviço a entrega ou prestação ao destinatário por uma pessoa que se encontre em transformação, que faça uma cessão ou realize uma contribuição que resulte:

[…]

3.      de uma entrada em espécie para uma sociedade comercial.

(2)      Nos casos previstos no n.° 1, a pessoa que recebe o bem ou a prestação de serviços sucede em todos os direitos e deveres decorrentes da lei inerentes ao bem ou prestação, incluindo o direito à dedução do imposto pago a montante e o dever de regularização dessa dedução.»

III — Matéria de facto e questões prejudiciais

14.      No processo principal, é controverso o montante de IVA devido pela TETS Haskovo AD, uma sociedade de direito búlgaro (a seguir «sujeito passivo»), no período de janeiro e fevereiro de 2010.

15.      Em agosto de 2008, o sujeito passivo decidiu realizar um aumento de capital através de uma entrada em espécie. A entrada em espécie incluía também três instalações para produção de energia — uma torre de refrigeração, uma chaminé e uma outra instalação —, que foram demolidas pelo sujeito passivo em janeiro e fevereiro de 2010. A demolição visava a execução de um plano de reconstrução e modernização de uma central térmica no terreno. Os resíduos ferrosos obtidos na demolição foram vendidos e sujeita a IVA.

16.      As referidas instalações eram, antes da entrada em espécie, propriedade da Finans inzhenering AD (a seguir «Finans inzhenering»). A mesma adquirira as instalações em abril de 2008 ao município de Haskovo, tendo deduzido o imposto pago sobre essa aquisição. Sobre os edifícios que foram posteriormente demolidos incidiu uma dedução de aproximadamente 1,5 milhões de lewa (a seguir BGN), o que corresponde a cerca de 767 000 euros.

17.      A administração fiscal búlgara considera que esta dedução deve ser parcialmente corrigida, em conformidade com o artigo 79.°, n.os 3 e 6, da Lei búlgara do IVA, devido à demolição dos edifícios. A referida administração emitiu um aviso de liquidação segundo o qual o sujeito passivo, enquanto sucessor da Finans inzhenering, deve um montante total de 1,3 milhões de BGN a título de IVA, pelos meses de janeiro e fevereiro de 2010.

18.      O órgão jurisdicional de reenvio deve pronunciar-se sobre a ação proposta pelo sujeito passivo contra o referido aviso de liquidação e considera que, para tal, é necessário que o Tribunal de Justiça responda às seguintes questões:

«1)      Como deve ser interpretado o conceito de ‘destruição’ de bens constante do artigo 185.°, n.° 2[,] da Diretiva 2006/112? Para efeitos de regularização dos montantes do imposto pago a montante deduzidos no momento da aquisição dos bens são relevantes os motivos da destruição e/ou as circunstâncias em que ela ocorreu?

2)      Deve a destruição devidamente comprovada de bens económicos com a única finalidade de construir outros bens económicos novos e mais modernos com os mesmos fins ser considerada uma alteração dos elementos tomados em consideração para a determinação do montante das deduções, no sentido do artigo 185.°, n.° 1, da Diretiva 2006/112?

3)      Deve o artigo 185.°, n.° 2[,] da Diretiva 2006/112 ser interpretado no sentido de que os Estados-Membros podem prever a regularização em caso de destruição de bens quando a aquisição dos mesmos não tenha sido [paga, ou só tenha sido parcialmente] paga?

4)      Devem os n.os 1 e 2 do artigo 185.° da Diretiva 2006/112 ser interpretados no sentido que se opõem a um regime nacional como o do artigo 79.°, n.° 3, do CIVA e do artigo 80.°, n.° 2, ponto 1 do mesmo Código, que prevê a regularização das deduções do imposto pago a montante em caso de destruição de um bem cujo preço e respetivo imposto, à data da sua aquisição, foram integralmente pagos e que faz depender a não regularização das deduções do imposto pago a montante de um requisito diferente do pagamento?

5)      Deve o n.° 2 do artigo 185.° da Diretiva 2006/112 ser interpretado no sentido de que exclui a regularização da dedução do imposto pago a montante num caso em que a demolição de um imóvel tenha sido feita unicamente com o objetivo de construir em seu lugar um edifício novo e mais moderno com a mesma finalidade do edifício demolido e para realização de operações que permitem a dedução?»

IV — Apreciação jurídica

19.      As questões prejudiciais são colocadas face à circunstância de, em conformidade com o artigo 10.°, n.os 1, ponto 3, e 2 da Lei búlgara do IVA, o sujeito passivo, cuja dedução foi regularizada, ser sucessor da Finans inzhenering, a qual deduzira o imposto pago a montante inicial. Esta situação jurídica constituirá a base para a minha análise das questões prejudiciais.

20.      Contudo, parece-me necessário indicar que o artigo 19.° da Diretiva IVA só permite aos Estados-Membros regular desta forma a sucessão caso seja transmitida uma universalidade de bens ou parte dela. Relativamente à disposição anterior do artigo 5.°, n.° 8, da Sexta Diretiva (4), o Tribunal de Justiça concluiu que esta compreende apenas a transmissão do estabelecimento comercial ou de uma parte autónoma de uma empresa, que constituem uma empresa ou parte de uma empresa que pode prosseguir uma atividade económica autónoma, mas não a simples cessão de bens (5). Os dados da decisão de reenvio não permitem inferir se estas condições estão preenchidas. Por conseguinte, o órgão jurisdicional de reenvio terá, eventualmente, de analisar se, no processo principal, o artigo 10.°, n.° 1, ponto 3, e n.° 2 da Lei búlgara do IVA pode ser aplicado em conformidade com o artigo 19.° da Diretiva IVA.

21.      O órgão jurisdicional de reenvio colocou cinco questões de interpretação do artigo 185.° da Diretiva IVA. Considero adequado analisar essas questões numa sequência diferente, que corresponda ao sistema geral da referida disposição. Além disso, para a interpretação da Diretiva IVA recorrerei também à jurisprudência do Tribunal de Justiça sobre a Sexta Diretiva que, no essencial, foi objeto de uma mera reformulação pela Diretiva IVA atualmente em vigor.

A —    Quanto à segunda questão: aplicação do mecanismo de regularização

22.      Obedecendo à estrutura do artigo 185.° da Diretiva IVA, deve responder-se em primeiro lugar à segunda questão, que diz respeito ao n.° 1 dessa disposição e, deste modo, à eventual aplicabilidade do mecanismo de regularização. Com esta questão, o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber, em essência, se a destruição devidamente comprovada de bens económicos, com a única finalidade de construir outros bens económicos novos e mais modernos com os mesmos fins, representa, em princípio, um caso de regularização da dedução.

1.      Regime especial para bens de investimento

23.      Para responder a esta questão, há que considerar, em primeiro lugar, que no que diz respeito aos bens de investimento existe um regime especial de regularização das deduções (6), previsto nos artigos 187.° a 191.° da Diretiva IVA. Por bens de investimento entendem-se, na aceção das referidas disposições, bens utilizados de forma duradoura e cujos custos de aquisição são amortizados (7). Os edifícios constituem o caso clássico de um bem de investimento desta natureza, pelo que os referidos regimes especiais se aplicam ao caso em apreço.

24.      O artigo 187.°, n.° 2, primeiro parágrafo da Diretiva IVA prevê uma regularização anual das deduções para bens de investimento. O segundo parágrafo dessa disposição faz depender esta regularização das «alterações do direito à dedução verificadas durante os anos seguintes, em relação ao direito à dedução do ano em que os bens em questão foram adquiridos […]». Deste modo, o direito à dedução deve ser determinado de novo para cada ano corrente do período de regularização. Se este direito não existir num ano, de acordo com o artigo 187.°, n.° 2, primeiro parágrafo da Diretiva IVA deve ser regularizada, logo reembolsada, a quinta parte do imposto a montante pago e deduzido no ano da aquisição. Esta verificação é repetida anualmente até ao final do período de regularização.

25.      Esta determinação contínua do direito à dedução, prevista pelo artigo 187.°, n.° 2, da Diretiva IVA para bens de investimento durante o período de regularização, corresponde às condições estipuladas nas hipóteses de regularização previstas no artigo 185.°, n.° 1 e 184.° da diretiva. Em ambos os casos, a aplicação do mecanismo de regularização carece de uma alteração posterior das deduções concedidas inicialmente ou dos fatores decisivos para a determinação das deduções, sendo obrigatório, para o efeito, determinar um posterior direito à dedução. Por conseguinte, não é necessário determinar se o artigo 187.° ordena autonomamente a aplicação do mecanismo de regularização para bens de investimento ou se, por sua vez, pressupõe a aplicação das hipóteses de regularização do artigo 185.°, n.° 1, ou 184.° da Diretiva IVA. Em qualquer caso, é necessário que se verifique uma alteração posterior do direito à dedução para que, em princípio, o mecanismo de regularização possa ter aplicação no caso de bens de investimento.

26.      O artigo 187.°, n.° 2, segundo parágrafo da Diretiva IVA não estabelece expressamente, como tão-pouco o artigo 185.°, n.° 1, ou o artigo 184.° da diretiva, a forma de determinação do posterior direito à dedução em cada ano corrente do período de regularização. O capítulo 1 do título X da Diretiva IVA regula apenas, nos seus artigos 167.° e seguintes, a origem do direito à dedução, ou seja, o direito do ano em que um bem de investimento foi adquirido. Porém, considero que estas disposições devem ser aplicadas mutatis mutandis, para averiguar o direito à dedução de cada ano corrente.

27.      Desta aplicação mutatis mutandis resulta uma certa modificação na análise do direito à dedução. O artigo 168.° da Diretiva IVA impõe, para a origem deste direito, a condição de o bem adquirido ser utilizado para os fins das operações tributadas. Contudo, em regra não é possível estabelecer, na data em que o direito se constitui, se um bem de investimento é, efetivamente, utilizado para esses efeitos. Com efeito, em conformidade com os artigos 167.° e 63.° da Diretiva IVA, o direito à dedução constitui-se, em princípio, com a entrega do bem a um sujeito passivo (8). A utilização efetiva para operações tributadas só sucede necessariamente depois. Por conseguinte, em princípio, para a origem do direito à dedução, é determinante apenas a utilização pretendida, confirmada por elementos objetivos (9).

28.      Pelo contrário, a utilização efetiva de um bem pode ser considerada a posteriori para a regularização das deduções. O direito à dedução de cada ano corrente do período de regularização deve ser determinado com base nesta consideração a posteriori. Este procedimento está em consonância com o objetivo da regularização das deduções. Em particular no caso de bens de investimento adquiridos pelo sujeito passivo, há que assegurar que as deduções a montante refletem a utilização do bem de investimento de natureza duradoura para os fins das operações tributáveis (10).

2.      Alteração do direito à dedução em janeiro e fevereiro de 2010

29.      Por conseguinte, no caso em apreço a regularização só deve ocorrer em conformidade com o artigo 187.°, n.° 2 da Diretiva IVA, se a demolição dos edifícios tiver alterado o direito à dedução em janeiro e fevereiro de 2010. Tal será o caso, de acordo com o artigo 168.°, alínea a) da Diretiva IVA, se, por esse motivo, os edifícios já não fossem utilizados em janeiro e fevereiro de 2010 para os fins das operações tributadas.

a)      Critério da relação direta e imediata

30.      Não é a primeira vez que o Tribunal de Justiça se ocupa da questão de saber quando, na aceção da referida disposição, se deve entender que há uma utilização para os fins de operações tributadas. Segundo jurisprudência constante, o Tribunal de Justiça exige que, em princípio, exista uma relação direta e imediata entre uma determinada operação a montante e uma ou várias operações a jusante com direito à dedução (11).

31.      De acordo com jurisprudência constante, este requisito aplica-se tanto aos bens como aos serviços que sujeito passivo adquiriu enquanto operações a montante (12). Recentemente, no acórdão EON ASET MENIDJMUNT, o Tribunal de Justiça decidiu que o critério relativo à utilização de uma operação a montante difere consoante se trate da aquisição de um serviço ou de um bem de investimento e exigiu uma relação direta e imediata com operações a jusante apenas no caso da aquisição de serviços (13). Todavia, na minha perspetiva, tal não implica o abandono da jurisprudência anterior no caso da aquisição de bens. Com efeito, no referido processo, o Tribunal de Justiça diferenciou claramente entre os serviços que, desde o início, se destinam em parte a uso privado e em parte a uso profissional. Neste âmbito, existem particularidades que, com base na jurisprudência do Tribunal de Justiça, poderão motivar esta diferenciação (14), mas que, no caso em apreço, não são pertinentes.

32.      Aliás, de acordo com jurisprudência constante, a relação direta e imediata exigida pelo Tribunal de Justiça pressupõe que as despesas efetuadas para a aquisição de operações a montante façam parte dos elementos constitutivos do preço das operações a jusante tributadas, ou seja, têm de entrar no seu preço (15). O Tribunal de Justiça esclareceu igualmente que aqui também se incluem operações a montante imputáveis aos custos gerais de um sujeito passivo. No caso das referidas operações a montante, não existe a relação exigida com determinadas operações a jusante, mas antes com toda a atividade económica do sujeito passivo, isto é, com todas as suas operações a jusante (16).

33.      Também estes requisitos estabelecidos pelo Tribunal de Justiça para a constituição do direito à dedução carecem de uma certa adaptação no âmbito da regularização das deduções. Tal como exposto (17), o direito à dedução para os anos correntes do período de regularização, nos termos do artigo 187.°, n.° 2, segundo parágrafo da Diretiva IVA, em regra é determinado com base na utilização efetiva de um bem de investimento. Neste caso, a relação exigida pelo Tribunal de Justiça deve existir entre a utilização efetiva do bem de investimento e as operações a jusante tributadas. Com efeito, uma relação com a operação a montante, ou seja, com a aquisição do bem de investimento, só é relevante para a constituição do direito à dedução, dado que, nesse momento, ainda não existe nenhuma utilização efetiva.

34.      É evidente que estas exigências abstratas do Tribunal de Justiça não são fáceis de gerir em determinados casos. Há muito que o próprio Tribunal de Justiça indicou não ser possível, em virtude da variedade de atividades económicas, especificar com mais pormenor a relação entre operações a montante e a jusante, necessária para as deduções. Por conseguinte, em princípio incumbe aos órgãos jurisdicionais nacionais aplicar concretamente o critério da relação direta e imediata aos factos de cada processo que lhes seja presente (18).

b)      Aplicação no caso em apreço

35.      No entanto, considero poder concluir que, num caso como o em apreço, existe uma relação direta e imediata entre a utilização dos edifícios em janeiro e fevereiro de 2010 e as operações a jusante tributadas.

36.      Tal decorre, desde logo, do facto de os resíduos ferrosos obtidos na demolição dos edifícios terem sido vendidos e sujeitos a IVA. Nesta medida, pode-se inferir facilmente uma relação direta e imediata. Acresce que as despesas para a aquisição dos edifícios, que continham o ferro, são indubitavelmente elementos constitutivos do preço para a sua venda. Para esta conclusão, é irrelevante que o preço de compra dos edifícios demolidos ou o valor que lhes foi atribuído para efeitos da entrada em espécie excedam manifestamente o produto da venda dos resíduos ferrosos. Com efeito, o direito à dedução não depende do sucesso económico do sujeito passivo.

37.      O facto de os edifícios terem sido «destruídos» pela demolição, como afirma o órgão jurisdicional de reenvio, também não se opõe a esta conclusão. A demolição de um edifício e a exploração económica dos componentes assim obtidos representam, de certa forma, o consumo de um bem no processo de produção do sujeito passivo. Como a Comissão também sublinhou, este consumo de um bem é uma forma bastante comum de utilização na aceção do artigo 168.°, alínea a), da Diretiva IVA. Assim, o Tribunal de Justiça decidiu que, no âmbito da regularização das deduções, não existe qualquer alteração de elementos, na aceção do atual artigo 185.°, n.° 1 da Diretiva IVA, se os bens ou serviços tiverem sido totalmente consumidos no quadro da atividade económica (19).

38.      Além disso, também pode existir uma relação direta e imediata entre a demolição dos edifícios em janeiro e fevereiro de 2010 e fornecimentos de energia tributados posteriormente — em particular se se tiver em conta que os edifícios demolidos foram manifestamente adquiridos em conjunto com um terreno e outros edifícios. Por sua vez, a aquisição conexa destes bens imóveis representa indubitavelmente um elemento constitutivo do preço de posteriores fornecimentos energéticos produzidos neste terreno. Concordo com a Comissão que a demolição de alguns dos edifícios em nada altera esta situação, se essa demolição fizer parte da modernização da instalação, como sucede no caso em apreço. Em última análise, a aquisição e a demolição dos edifícios servem para fornecimentos de energia, que são operações a jusante tributadas.

39.      Além disso, é irrelevante saber se a reconstrução da central térmica é bem sucedida e se, efetivamente, se fazem fornecimentos de energia. Com efeito, segundo a jurisprudência, em princípio também existe um direito à dedução na fase de arranque de uma atividade económica que nunca chega à fase da realização de operações. O direito à dedução do imposto pago a montante em atividades preparatórias subsiste mesmo quando a atividade económica projetada não dá origem a operações tributáveis (20).

40.       Deste modo, no caso em apreço poderá existir também em janeiro e fevereiro de 2010 um direito à dedução relativamente aos edifícios demolidos, pelo que, a priori, o mecanismo de regularização não é aplicável. Permito-me ainda indicar que, neste caso, por aplicação analógica do artigo 188.°, n.° 1 da Diretiva IVA, se deverá excluir a regularização das deduções também para o resto do período de regularização.

3.      Destruição na aceção do artigo 185.°, n.° 2, primeiro parágrafo da Diretiva IVA

41.      Esta conclusão não é colocada em causa pelo facto de o artigo 185.°, n.° 2, primeiro parágrafo da Diretiva IVA prever que, em casos «de destruição […] devidamente comprovados ou justificados», não é efetuada qualquer regularização das deduções nos termos do seu n.° 1. É que desta disposição pode inferir-se que, em caso de destruição de um bem, deve, em princípio, efetuar-se uma regularização em conformidade com o artigo 185.°, n.° 1, da Diretiva IVA, pois de outro modo o seu número 2, primeiro parágrafo não teria de prever uma exceção para esse caso.

42.      Poderá ser necessário examinar, em primeiro lugar, se o artigo 185.° da Diretiva IVA é aplicável no caso de bens de investimento. Esta aplicabilidade poderá estar em causa, uma vez que os artigos 187.° a 191.° da Diretiva IVA preveem regimes especiais para bens de investimento que definem condições próprias para uma regularização, e que os artigos 186.° e 189.° incluem autorizações distintas e substantivamente diferentes para a execução, respetivamente, dos artigos 184.° e 185.° e dos artigos 187.° e 188.° da Diretiva IVA.

43.      Em qualquer caso, o conceito de destruição utilizado no artigo 185.°, n.° 2, primeiro parágrafo da Diretiva IVA pode ser interpretado no sentido de que abrange apenas a destruição de bens que não seja efetuada para os fins das operações tributadas de um sujeito passivo. Se, por exemplo, um bem for destruído por acaso ou para fins privados do sujeito passivo, em meu entender o mecanismo de regularização do artigo 185.° da Diretiva IVA é, em princípio, aplicável.

4.      Abuso

44.      Finalmente, gostaria de abordar a acusação de abuso suscitada no caso em apreço, pelo menos implicitamente, pelo Governo búlgaro e pela administração fiscal búlgara. É verdade que a luta contra a fraude, evasão fiscal e eventuais abusos é um objetivo que é reconhecido e incentivado no direito da União em matéria de IVA (21). Segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça, a Administração Fiscal pode pedir, com efeitos retroativos, a restituição das quantias deduzidas se um sujeito passivo tiver apenas simulado desenvolver uma atividade económica específica (22). Além disso, é possível recusar a um sujeito passivo o direito à dedução se as operações subjacentes a este direito representarem uma prática abusiva. Tal pressupõe, nomeadamente, que a aplicação do direito em matéria de IVA tenha por resultado a obtenção de uma vantagem fiscal cuja concessão seja contrária ao objetivo das disposições aplicadas (23).

45.      No entanto, no caso em apreço o Tribunal de Justiça não tem elementos que justifiquem uma acusação de abuso no que respeita ao IVA. O sujeito passivo tomou, no quadro da sua atividade económica, decisões de investimento cujo sentido o direito em matéria de IVA não tem, em princípio, de questionar. Neste contexto, a manutenção das deduções do imposto pago a montante na aquisição dos edifícios posteriormente demolidos corresponde a jurisprudência constante, segundo a qual um sujeito passivo é liberado inteiramente, pelo regime das deduções, do peso do IVA devido ou pago no âmbito de todas as suas atividades económicas (24).

46.      A manutenção das deduções no caso em apreço também está em consonância com os objetivos do mecanismo de regularização. Por um lado, este visa evitar conceder uma vantagem económica injustificada ao sujeito passivo, relativamente a um consumidor final (25). No caso em apreço, não se verifica esta vantagem, dado que o sujeito passivo não pode utilizar os edifícios para fins privados, após a demolição. Trata-se, por outro lado, de assegurar, através do mecanismo de regularização, uma correspondência entre a dedução do imposto a montante e a cobrança do imposto a jusante (26), correspondência esta já exposta nas presentes conclusões (27).

47.      Uma questão diferente é saber se o valor dos edifícios objeto da entrada em espécie foi determinado corretamente. Poderá questionar-se se podem ser contabilizados, por aproximadamente 8,9 milhões de BGN, edifícios que pouco tempo depois são demolidos, resultando na necessidade de amortização correspondente. Todavia, este é um problema exclusivamente de imposto sobre o rendimento.

48.      Esta questão não é relevante para o IVA. Com efeito, resulta da jurisprudência constante que, para a determinação do valor tributável e, logo, do valor da dedução, é decisiva a contrapartida efetivamente recebida e não um valor calculado segundo critérios objetivos (28). Mesmo quando um sujeito passivo pagou objetivamente um preço demasiado elevado pela aquisição de um bem, tal não afeta o valor da sua dedução.

5.      Conclusão intercalar

49.      Por conseguinte, deve-se responder à segunda questão do órgão jurisdicional de reenvio que, de acordo com o artigo 187.°, n.° 2 da Diretiva IVA, a destruição de bens de investimento com a finalidade de construir outros bens novos e mais modernos com os mesmos fins não dá lugar à regularização das deduções quando a destruição representa uma utilização para os fins de operações tributadas na aceção do artigo 168.° da Diretiva.

B —    Quanto à quarta questão: compatibilidade do regime nacional

50.      Com a sua quarta questão prejudicial, o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber se o artigo 185.° da Diretiva IVA se opõe a um regime nacional que prevê a regularização da dedução do imposto pago a montante em caso de destruição de um bem cujo preço e respetivo imposto, à data da sua aquisição, foram integralmente pagos e que faz depender a não regularização das deduções do imposto pago a montante de um requisito diferente do pagamento.

51.      Decorre da minha resposta à segunda questão prejudicial que, de acordo com o artigo 187.°, n.° 2 da Diretiva IVA, a destruição de um bem de investimento não desencadeia a aplicação do mecanismo de regularização quando a destruição representa uma utilização para os fins de operações tributadas na aceção do artigo 168.° da Diretiva. Por conseguinte, deve-se responder à quarta questão do órgão jurisdicional de reenvio de que um regime nacional que prevê uma regularização da dedução do imposto pago a montante, em caso de destruição de bens de investimento, independentemente de esta ser efetuada para os fins de operações tributadas, não é compatível com o artigo 187.°, n.° 2, nem com o artigo 168.° da Diretiva IVA.

C —    Quanto às restantes questões

52.      Face à resposta que sugiro para a segunda e quarta questões do órgão jurisdicional de reenvio, deixa de ser necessário responder às restantes questões prejudiciais. A primeira, terceira e quinta questões prejudiciais visam a interpretação do artigo 185.°, n.° 2, da Diretiva IVA, que regulamenta exceções à obrigação de regularização. É manifesto que a resposta a estas questões só é relevante no processo principal se o mecanismo de regularização for, em princípio, aplicável. Como já expliquei (29), considero que não é esse o caso.

V —    Conclusão

53.      Atentas as considerações que precedem, proponho que se responda às questões prejudiciais submetidas pelo Administrativen Sad Varna do seguinte modo:

«1)      O artigo 187.°, n.° 2, da Diretiva IVA deve ser interpretado no sentido de que a destruição de bens de investimento com a finalidade de construir outros bens novos e mais modernos com os mesmos fins não dá lugar à regularização das deduções quando a destruição representa uma utilização para os fins de operações tributadas na aceção do artigo 168.° da Diretiva.

2)      Um regime nacional que prevê uma regularização da dedução do imposto pago a montante, em caso de destruição de bens de investimento, independentemente de esta ser efetuada para os fins de operações tributadas, não é compatível com o artigo 187.°, n.° 2, nem com o artigo 168.° da Diretiva IVA.»


1 —      Língua original: alemão.


2 —      Acórdão de 30 de março de 2006, Uudenkaupungin kaupunki (C-184/04, Colet., p. I-3039, n.° 24).


3 —      JO L 347, p. 1.


4 —      Sexta Diretiva 77/388/CEE do Conselho, de 17 de maio de 1977, relativa à harmonização das legislações dos Estados-Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios — Sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado: matéria coletável uniforme (JO L 145, p. 1; EE 09 F1 p. 54).


5 —      V. acórdãos de 27 de novembro de 2003, Zita Modes (C-497/01, Colet., p. I-14393, n.° 40), de 29 de outubro de 2009, SKF (C-29/08, Colet., p. I-10413, n.° 37) e de 10 de novembro de 2011, Schriever (C-444/10, Colet., p. I-11071, n.° 24).


6 —      V. acórdão de 15 de dezembro de 2005, Centralan Property (C-63/04, Colet., 2005, I-11087, n.° 55).


7 —      V. acórdão Centralan Property (já referido na nota 6, n.° 55).


8 —      V. acórdão de 22 de março de 2012, Klub (C-153/11, n.° 36).


9 —      V. minhas conclusões de 1 de março de 2012, X (acórdão de 19 de julho de 2012, C-334/10, ainda não publicado na Coletânea, n.° 81).


10 —      V. acórdão Centralan Property (já referido na nota 6, n.° 77).


11 —      V. acórdãos de 6 de abril de 1995, BLP Group (C-4/94, Colet., p. I-983, n.° 19), de 8 de junho de 2000, Midland Bank (C-98/98, Colet., p. I-4177, n.° 24), de 22 de fevereiro de 2001, Abbey National (C-408/98, Colet., p. I-1361, n.° 26), de 27 de setembro de 2001, Cibo Participations (C-16/00, Colet., p. I-6663, n.° 29), de 3 de março de 2005, Fini H (C-32/03, Colet., p. I-1599, n.° 26), de 21 de fevereiro de 2006, Halifax e o. (C-255/02, Colet., p. I-1609, n.° 79), de 8 de fevereiro de 2007, Investrand (C-435/05, Colet., p. I-1315, n.° 23) e SKF (já referido na nota 5, n.° 57).


12 —      V., em particular, acórdãos Midland Bank (já referido na nota 11, n.° 20) e SKF (já referido na nota 5, n.° 57).


13 —      V. acórdão de 16 de fevereiro de 2012, EON ASET MENIDJMUNT (C-118/11, n.os 45 e 46).


14 —      V. acórdão EON ASET MENIDJMUNT (já referido na nota 13, n.os 53 e segs.) e minhas conclusões X (já referidas na nota 9, n.os 23 e segs.).


15 —      V. acórdãos Midland Bank (já referido na nota 11, n.° 30) Abbey National (já referido na nota 11, n.° 28) Cibo Participations (já referido na nota 11, n.° 31), Investrand (já referido na nota 11, n.° 23), SKF (já referido na nota 5, n.os 57 e 60) e EON ASET MENIDJMUNT (já referido na nota 13, n.° 48).


16 —      V. acórdãos Midland Bank (já referido na nota 11, n.° 31) Abbey National (já referido na nota 11, n.° 35) Cibo Participations (já referido na nota 11, n.° 33), Investrand (já referido na nota 11, n.° 24), SKF (já referido na nota 5, n.° 58) e EON ASET MENIDJMUNT (já referido na nota 13, n.° 47).


17 —      V. n.os 27 e segs., supra.


18 —      V. acórdãos Midland Bank (já referido na nota 11, n.° 25) e SKF (já referido na nota 5, n.° 63).


19 —      V. acórdão de 17 de maio de 2001, Fischer e Brandenstein (C-322/99 e C-323/99, Colet., p. I-4049, n.° 91).


20 —      V. acórdãos de 29 de fevereiro de 1996, INZO (C-110/94, Colet., p. I-857, n.° 20), e Fini H (já referido na nota 11, n.° 22).


21 —      V. acórdão de 27 de outubro de 2011, Tanoarch (C-504/10, Colet., p. I-10853, n.° 50 e jurisprudência referida).


22 —      V. acórdão Klub (já referido na nota 8, n.° 48 e jurisprudência referida).


23 —      V., nomeadamente, acórdãos Halifax e o. (já referido na nota 11, n.° 74) e Tanoarch (já referido na nota 21, n.° 52).


24 —      V., nomeadamente, acórdãos de 14 de fevereiro de 1985, Rompelman (268/83, Recueil, p. 655, n.° 19), e Klub (já referido na nota n.° 8, n.° 35).


25 —      Acórdão de 14 de setembro de 2006, Wollny (C-72/05, p. I-8297, n.° 35).


26 —      Acórdão Wollny (já referido na nota n.° 25, n.° 36).


27 —      V. n.os 35 e segs., supra.


28 —      V., nomeadamente, acórdãos de 5 de fevereiro de 1981, Coöperatieve Aardappelenbewaarplaats (154/80, Recueil, p. 445, n.° 13), e de 26 de janeiro de 2012, Kraft Foods Polska (C-588/10, n.° 27).


29 —      V. n.os 22 e segs., supra.