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CONCLUSÕES DO ADVOGADO-GERAL

PAOLO MENGOZZI

apresentadas em 12 de setembro de 2012 (1)

Processo C-395/11

BLV Wohn- und Gewerbebau GmbH

contra

Finanzamt Lüdenscheid

[pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Bundesfinanzhof (Alemanha)]

«Fiscalidade — Imposto sobre o valor acrescentado — Direito de um Estado-Membro autorizado a aplicar uma medida derrogatória a utilizar parcialmente — Conceito de ‘obras de construção civil’»





I —    Introdução

1.        No presente processo, o Bundesfinanzhof da República Federal da Alemanha submete ao Tribunal de Justiça um pedido prejudicial que tem por objeto a interpretação da Decisão 2004/290/CE do Conselho, de 30 de março de 2004, que autoriza a Alemanha a aplicar uma medida derrogatória do artigo 21.° da Sexta Diretiva 77/388/CEE do Conselho, de 17 de maio de 1977, relativa à harmonização das legislações dos Estados-Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios (2).

II — Quadro jurídico

A —    Legislação da União

2.        O artigo 1.° da Decisão 2004/290 estabelece que:

«Em derrogação da alínea a) do n.° 1 do artigo 21.° da Diretiva 77/388/CEE, na versão que lhe foi dada pelo seu artigo 28.°G, a República Federal da Alemanha é autorizada, com efeitos a 1 de abril de 2004, a designar como devedor do imposto sobre o valor acrescentado o destinatário dos fornecimentos de bens e das prestações de serviços mencionados no artigo 2.° da presente decisão.»

3.        O artigo 2.° da Decisão 2004/290 dispõe que:

«O destinatário dos fornecimentos de bens e das prestações dos serviços pode ser designado como devedor do IVA:

1.      No caso de obras de construção civil e/ou serviços de limpeza de edifícios destinadas ou prestadas a sujeitos passivos, exceto quando o destinatário da prestação arrenda exclusivamente duas residências, no máximo, ou quando as obras se destinem a sujeitos passivos.

2.      No caso de entregas de bens imóveis a um sujeito passivo nos termos das alíneas g) e h) da parte B do artigo 13.°, e no caso de o prestador exercer o seu direito de solicitar a tributação da entrega.»

4.        O artigo 2.° da Sexta Diretiva 77/388/CEE do Conselho, de 17 de maio de 1977, relativa à harmonização das legislações dos Estados-Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios - sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado: matéria coletável uniforme (3), na versão relevante no caso em apreço, dispunha que:

«Estão sujeitas ao imposto sobre o valor acrescentado:

1.      As entregas de bens e as prestações de serviços, efetuadas a título oneroso, no território do país, por um sujeito passivo agindo nessa qualidade;

2.      As importações de bens.»

5.        O artigo 5.°, n.os 1 e 5, da Diretiva 77/388, na versão relevante para efeitos da presente decisão, estabelecia que:

«1.      Por ‘entrega de um bem’ entende-se a transferência do poder de dispor de um bem corpóreo, como proprietário.

[...].

5.      Nos termos do n.° 1, os Estados-Membros podem considerar entrega «A entrega de determinados trabalhos imobiliários.»

6.        O artigo 6.° da Diretiva 77/388, na versão aqui relevante, dispunha:

«Prestações de serviços

1      Por ‘prestação de serviços’ entende-se qualquer prestação que não constitua uma entrega de bens na aceção do artigo 5.°

[...]»

7.        O artigo 1.°, n.° 7, da Diretiva 2006/69/CE do Conselho, de 24 de julho de 2006, que altera a Diretiva 77/388/CEE no que se refere a certas medidas destinadas a simplificar o procedimento de cobrança do imposto sobre o valor acrescentado e a lutar contra a fraude ou evasão fiscais e que revoga certas decisões que concedem derrogações (4), enuncia:

«7)      Ao n.° 2 do artigo 21.°, na versão constante do artigo 28.°-G, é aditada a seguinte alínea: ‘c) Quando sejam efetuadas as operações adiante enumeradas, os Estados-Membros podem estabelecer que o devedor do imposto é o sujeito passivo destinatário dessas operações:

i)      prestação de serviços de construção, incluindo reparação, limpeza, manutenção, alteração e demolição respeitantes a bens imóveis, bem como a entrega de obras em imóveis considerada como entrega de bens por força do disposto no n.° 5 do artigo 5.°,

[...]»

8.        O artigo 199.° da Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro de 2006, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado (5), estabelece que:

«1.      Os Estados-Membros podem prever que o devedor do imposto é o sujeito passivo destinatário das seguintes operações:

a)      Prestação de serviços de construção, incluindo reparação, limpeza, manutenção, alteração e demolição respeitantes a bens imóveis, bem como a entrega de obras em imóveis considerada como entrega de bens nos termos do n.° 3 do artigo 14.°;

[...]»

B —    Legislação nacional

9.        O § 3, n.os 1, 4 e 9, da Umsatzsteuergesetz 2005 (Lei do imposto sobre o volume de negócios, também designada por «UStG»), dispõe:

«1.      As entregas de uma empresa são operações pelas quais um empresário ou um terceiro por ele mandatado dá ao adquirente ou a um terceiro por ele mandatado a capacidade de dispor de um bem em seu próprio nome (transferência do poder de dispor do bem). [...]

4.      Nos casos em que o empresário tenha tomado a seu cargo o fabrico ou a transformação de um bem e utilize, para esse efeito, materiais que ele próprio fabricou, a operação deve ser considerada uma entrega (fornecimento de uma obra), quando os materiais não forem apenas componentes ou outros elementos acessórios. O mesmo se aplica quando os bens são incorporados no terreno. [...]

9.      São consideradas outras prestações as operações que não constituam entregas. [...]»

10.      O § 13a, n.° 1, ponto 1, da UStG, na redação em vigor em 1 de abril de 2004, que tem como fundamento a Decisão 2004/290/CE, estabelece que, no caso previsto no § 1, n.° 1, ponto 1, o responsável pelo pagamento do imposto é o empresário.

11.      O § 13b, n.os 1, ponto 4, e 2, segundo período, da UStG, na redação em vigor em 1 de abril de 2004, dispõe:

«1)      Nas seguintes operações tributáveis, o imposto torna-se exigível quando é emitida a fatura, o mais tardar no final do mês seguinte àquele em que a prestação foi executada:

[...]

4.      Entregas de obras e outras entregas, que tenham por objeto a edificação, a reparação e restauro, a alteração ou a demolição de construções, com exceção das prestações de planeamento ou vigilância.

[...]

2)      [...] Nos casos referidos no n.° 1, primeiro parágrafo, ponto 4, primeiro período, o destinatário da prestação é o devedor do imposto, se for um empresário que forneça uma prestação na aceção do n.° 1, primeiro parágrafo, ponto 4, primeiro período, da UStG. [...]»

12.      O § 48, n.° 1, terceiro período, da Einkommensteuergesetz (Lei do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares), define as obras de construção civil como:

«[...] todas as prestações que tenham por objeto a edificação, a reparação e restauro, a alteração ou a demolição de construções».

III — Matéria de facto e questões prejudiciais

13.      A BLV Wohn- und Gewerbebau Gmbh (a seguir «BLV»), que interpôs o recurso para o órgão jurisdicional nacional, é uma empresa que exerce atividades de aquisição, urbanização e edificação de terrenos e deve ser considerada empresária na aceção da Lei do imposto sobre o volume de negócios de 2005 alemã e sujeito passivo de acordo com a Diretiva 77/388, na redação em vigor no ano em causa.

14.      Em setembro de 2004, a BLV incumbiu a sociedade Rolf & Co. oHG (a seguir «Rolf & Co.»), na qualidade de empreiteira-geral, da construção de um edifício de habitação, com seis apartamentos, por um preço global, num terreno de que a mesma BLV é proprietária.

15.      A Rolf & Co. emitiu, em 17 de novembro de 2005, uma fatura final, sem indicar o IVA e mencionando a BLV como devedora do imposto, enquanto destinatária da prestação.

16.      Num primeiro momento, a BLV pagou o IVA relativo à prestação que recebera no ano fiscal de 2005, dado que, no caso em apreço, com base no § 13b, n.° 2, segundo período, da UStG, o referido imposto incidia sobre o destinatário da prestação (6).

17.      Em seguida, a BLV requereu ao serviço competente (o Finanzamt Lüdenscheid) a restituição do montante pago, alegando que esta última disposição não deveria ter sido aplicada no caso em apreço e que, portanto, o único devedor do imposto era a Rolf & C.

18.      O indeferimento do pedido da BLV pelo referido serviço deu origem ao processo aqui em causa; no decurso desse processo, o Bundesfinanzhof, considerando que existia um problema de interpretação da Decisão 2004/290/CE, submeteu ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)      O conceito de ‘obras de construção civil’, na aceção do artigo 2.°, n.° 1, da Decisão (de autorização) 2004/290/CE abrange, além de prestações de serviços, também entregas de bens?

2)      Caso a autorização, dada por essa decisão, para designar o destinatário da prestação de serviços como devedor do imposto abranja também as entregas:

O Estado-Membro autorizado pode fazer apenas uso parcial dessa autorização, relativamente a determinadas subcategorias, como tipos particulares de obras de construção civil, e a prestações a determinados beneficiários?

3)      Caso o Estado-Membro possa designar subcategorias: os Estados-Membros estão sujeitos a restrições na definição de subcategorias?

4)      Caso o Estado-Membro não possa definir subcategorias, em geral (v. segunda questão supra) ou devido à existência de restrições que não foram observadas (v. terceira questão supra):

a)      Quais as consequências da definição ilegal de subcategorias?

b)      A definição ilegal de subcategorias leva a que a disposição de direito nacional não seja aplicável a determinados sujeitos passivos, ou a que não seja aplicável de todo?»

IV — Tramitação processual no Tribunal de Justiça

19.      Apresentaram observações escritas a Comissão e os Governos alemão e finlandês.

V —    Quanto à primeira questão prejudicial

20.      Na primeira questão prejudicial, o Bundesfinanzhof pergunta se o conceito de ‘obras de construção civil’, na aceção do artigo 2.°, n.° 1, da Decisão 2004/290 abrange, além de prestações de serviços, também entregas de bens.

21.      Segundo o órgão jurisdicional de reenvio, a importância desta questão resulta da circunstância de, de acordo com a legislação e a jurisprudência alemãs, a operação em causa (a construção de um edifício num terreno que é propriedade de outrem, por parte de um empresário que utiliza materiais próprios) constituir uma entrega de bens. Nos termos da legislação alemã, no caso em apreço, é aplicável o mecanismo de reverse charge, com base no qual o devedor do imposto é o destinatário da prestação (no presente caso, a BLV) e não quem a realizou (a Rolf & Co.).

22.      Ainda segundo o órgão jurisdicional de reenvio, este mecanismo derroga a Sexta Diretiva (que identifica o prestador como devedor do imposto) e, portanto, só seria admissível na medida em que seja aplicável a Decisão 2004/290, que autorizou expressamente a Alemanha, nos termos do artigo 27.° da mesma Diretiva, a aplicar a reverse charge nos casos em que as obras se destinem a sujeitos passivos (como, segundo o direito alemão, ocorreria no caso em apreço). Por conseguinte, caso a autorização constante da Decisão 2004/290 se referisse unicamente às prestações de serviços e não também às entregas de bens, já não seria permitido, no caso em apreço, o recurso à reverse charge, visto que, na Alemanha, a construção de um edifício em terreno de outrem por parte de um empresário que utilize materiais próprios é uma entrega de bens. Em consequência, o devedor do imposto deixaria de ser a BLV, devendo ser aplicado, em vez do direito alemão, o da União, que, regra geral, identifica como devedor do IVA a pessoa que realiza a prestação e não quem a recebe.

23.      Para responder ao pedido prejudicial, há, antes de mais, que definir os conceitos de entrega de bens e de prestação de serviços, no direito da União, de forma a distingui-los com precisão, e em seguida, analisar o de obras de construção civil, e, finalmente, relacionar este último conceito com os dois primeiros.

24.      Relativamente ao primeiro aspeto, faço notar que, nos termos do artigo 2.° da Diretiva 77/388, estão sujeitas ao imposto sobre o valor acrescentado as entregas de bens e as prestações de serviços efetuadas a título oneroso, no território do país, por um sujeito passivo agindo nessa qualidade (7).

25.      O artigo 5.° da Diretiva 77/388 define como entrega de um bem a transferência do poder de dispor de um bem corpóreo, como proprietário.

26.      A seguir, o artigo 6.° considera como prestação de serviços qualquer prestação que não seja qualificável como entrega.

27.      A noção de entrega de um bem, como foi salientado pela jurisprudência deste Tribunal de Justiça no processo Shipping & Forwarding Enterprise (Safe), «não se refere à transferência da propriedade nas formas previstas no direito interno aplicável, mas inclui qualquer operação de transferência de um bem corpóreo por uma parte que confira a outra parte o poder de dispor dele, de facto, como se fosse o seu proprietário» (8), mesmo que não seja transferida a propriedade jurídica.

28.      Esta conceção da noção de entrega de um bem é explicada à luz da finalidade da diretiva, «que visa, designadamente, basear o sistema comum do IVA numa definição uniforme das operações tributáveis. Ora, esse objetivo poderia ficar comprometido se a verificação de uma entrega de bens, que é uma das três operações tributáveis, ficasse sujeita à ocorrência de condições que variam de um Estado-Membro para outro, como é o caso das relativas à transferência da propriedade nos termos do direito civil» (9).

29.      A prestação de serviços, pelo contrário, é identificada de forma residual, como uma operação que não é entrega de bens.

30.      Atendendo à dificuldade de classificar muitas operações como entrega de bens ou prestação de serviços, este Tribunal de Justiça procurou, frequentemente, identificar um critério que pudesse ser seguido para proceder a essa qualificação.

31.      No entanto, o Tribunal de Justiça não logrou indicar um critério de distinção único, dado que o número e o tipo de operações que podem ser sujeitas a IVA são demasiado elevados e diversificados (10), e declarou que, para «determinar se determinadas operações constituem entregas de bens ou prestações de serviços, devem tomar-se em consideração todas as circunstâncias em que se desenvolve a operação em questão para apurar os seus elementos característicos» (11) e analisar, em concreto, a operação em apreço, a fim de identificar os elementos dominantes da mesma, distinguindo-os daqueles que têm um caráter menor e acessório (12).

32.      Além disso, também se deve ter em consideração que, com frequência, as partes realizam operações extremamente complexas, que apresentam aspetos reconduzíveis quer à entrega de bens, quer à prestação de serviços.

33.      Esta presença simultânea de aspetos de natureza diferente num único facto fiscalmente relevante pode significar, tanto que foi realizada uma pluralidade de operações diferentes entre si (embora possivelmente relacionadas), como que, na realidade, se trata de uma operação única, a qual, na medida em que é constituída ao mesmo tempo por elementos de natureza diferente, é mista e torna necessária a sua qualificação como entrega de bens ou prestação de serviços para efeitos da aplicação do imposto sobre o valor acrescentado.

34.      Este Tribunal de Justiça já se ocupou da distinção entre prestações unitárias, que apresentam elementos típicos da entrega de bens e da prestação de serviços, e prestações separadas, tendo declarado que «quando uma operação é constituída por um conjunto de elementos e de atos, devem tomar-se em consideração todas as circunstâncias em que se desenvolve a operação em questão, para se determinar, por um lado, se se está na presença de duas ou mais prestações distintas ou de uma prestação única» (13).

35.      Ao fazê-lo, é necessário considerar que, nos termos do artigo 2.°, n.° 1, da Sexta Diretiva, cada operação «deve normalmente ser considerada distinta e independente e que, por outro, a operação constituída por uma única prestação no plano económico não deve ser artificialmente decomposta para não alterar a funcionalidade do sistema do IVA» (14) e que, uma vez encontrados os elementos característicos da operação em causa, importa depois averiguar «se o sujeito passivo fornece ao consumidor, entendido como um consumidor médio, diversas prestações principais distintas ou uma prestação única» (15).

36.      Por isso, embora o princípio geral seja o de que cada prestação formalmente distinta, suscetível de ser realizada separadamente, deve ser objeto de tributação fiscal de forma individual, em certas circunstâncias, várias operações autónomas, quando não forem independentes, devem ser avaliadas como uma só (16).

37.      O Tribunal de Justiça precisou que existe uma prestação única sobretudo quando um ou vários elementos da prestação constituem a prestação principal, ao passo que os outros são prestações acessórias a que se aplica o regime fiscal da prestação principal; por prestação acessória deve entender-se uma prestação que não representa, para o destinatário, um fim em si, mas simplesmente um meio de beneficiar, nas melhores condições, da principal (17).

38.      Ocorre uma prestação única, igualmente, quando «dois ou vários elementos ou atos fornecidos pelo sujeito passivo ao consumidor, entendido como consumidor médio, estão tão estreitamente conexionados que formam, objetivamente, uma única prestação económica indissociável cuja decomposição teria natureza artificial» (18).

39.      Uma vez esclarecida a distinção entre entrega de bens e prestação de serviços (e entre operações unitárias e separadas), importa identificar um conceito de obras de construção civil, para depois averiguar se estas devem ser qualificadas como entregas de bens ou prestações de serviços, à luz dos já referidos princípios estabelecidos pela jurisprudência do Tribunal de Justiça e pelas disposições do direito da União que regulam esta matéria.

40.      Para esse efeito, antes de mais, é necessário ter em conta que já da Segunda Diretiva 67/228/CEE do Conselho, de 11 de abril de 1967, relativa à harmonização das legislações dos Estados-Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios — estrutura e modalidades de aplicação do sistema comum de imposto sobre o valor acrescentado (19) — constava, no Anexo A, n.° 5, uma lista de algumas atividades consideradas «trabalhos imobiliários» (embora sem dar uma definição geral do conceito), como a construção de edifícios, pontes, estradas, portos, etc., em execução de um contrato de empreitada, os trabalhos de aterros e plantação de jardins, os trabalhos de instalações (por exemplo, aquecimento central), as reparações de imóveis que não sejam operações normais de conservação.

41.      Além disso, o artigo 6.° da proposta posterior de Sexta Diretiva do Conselho relativa à harmonização das legislações dos Estados-Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios (não incluído depois no texto definitivo da diretiva) considerava «trabalhos imobiliários» todas as obras relativas a edifícios, pontes, estradas, portos, e a outras obras de arte incorporadas no terreno, como a demolição, a construção, incluindo as fundações, a entrega das paredes em tosco, os trabalhos de acabamento, a incorporação de um bem móvel num bem imóvel e, em especial, os trabalhos de instalação, as ampliações, as transformações, os restauros, as reparações e os trabalhos de manutenção, entre os quais, os de manutenção corrente, bem como os trabalhos relativos à adaptação do terreno, como as obras de infraestruturas de áreas industriais ou residenciais, loteamentos, nivelamento de terrenos, instalação de canalizações de água ou de esgotos, instalação elétrica, paredes de suporte, plantação de jardins (20).

42.      Finalmente, a República Federal da Alemanha, ao requerer, através de pedido apresentado em agosto de 2003 (21), a concessão da derrogação em apreço, no caso de «obras de construção civil», fez referência expressa ao § 48 da Einkommensteuergesetz, já mencionado, que, ao definir o conceito de «obras de construção civil», precisa que estas consistem na totalidade de prestações de construção, reparação, manutenção, alteração ou demolição dos edifícios.

43.      Considero que as listas de «trabalhos imobiliários» constantes da Segunda Diretiva e da proposta de Sexta Diretiva, embora não tendo valor vinculativo, são úteis para a interpretação do conceito de «obras de construção civil» usado na Decisão 2004/290, dado que as «obras de construção civil» não são mais do que «trabalhos imobiliários» que se caracterizam por dizerem especificamente respeito ao setor da construção (como se depreende do segundo considerando da decisão em apreço (22)) e, portanto, são «trabalhos imobiliários» realizados por empresas de construção e relativos à construção de edifícios (23).

44.      Portanto, à luz do conteúdo da Segunda Diretiva, da proposta de Sexta Diretiva e do pedido apresentado pelo Estado interessado que levou à aprovação da Decisão 2004/290, pode afirmar-se que as «obras de construção civil» são trabalhos de edificação, como a construção, manutenção, reparação, alteração, demolição de imóveis e de outras estruturas similares (no caso em apreço, é relevante a construção de edifícios).

45.      Por conseguinte, importa avaliar se os trabalhos referidos nos n.os 43 e 44, no seu conjunto, devem ser classificados como entregas de bens ou prestações de serviços, com base em todas as circunstâncias concretas das operações aqui em causa, como definido pelo Tribunal de Justiça; esta avaliação deve ser efetuada tendo presentes os seus elementos característicos e dominantes (24).

46.      Não surge qualquer problema quando, para a execução destes trabalhos, diversos empresários efetuam prestações diferentes, na medida em que cada uma das mesmas será avaliada autonomamente e, em consequência, classificada, segundo os casos, como entrega de bens ou prestação de serviços.

47.      No entanto, a questão em apreço diz respeito às situações em que os trabalhos são realizados por um único sujeito passivo, que efetua uma prestação unitária mista, constituída por elementos que podem ser qualificados como entrega de bens e como prestação de serviços: é relativamente a este tipo de operações que deve ser avaliado se predomina o elemento da entrega de bens ou o da prestação de serviços.

48.      Antes de mais, deve ter-se em conta que, entre os trabalhos imobiliários e de construção acima identificados, se incluem fundamentalmente atividades complexas, realizadas recorrendo, habitualmente, a uma organização empresarial e, de forma predominante, ao trabalho de quem as executa.

49.      A própria terminologia utilizada nos n.os 40 a 44 (construção, manutenção, reparação, alteração, demolição, arranjo) põe em evidência como, no centro destas operações, está a atividade do empresário, destinada a cumprir as obrigações assumidas, que se consubstancia na prestação de serviços, geralmente, a disponibilização de uma organização empresarial e, em qualquer caso, de trabalho, ao passo que o elemento da entrega de bens, quando presente (na demolição estará, em princípio, ausente), desempenha um papel secundário.

50.      Além disso, se se tomar em consideração o interesse concreto que se pretende alcançar através das referidas operações e a avaliação típica das mesmas por parte das entidades que encomendam trabalhos, resulta claro que o objeto dos acordos celebrados é principalmente a atividade de quem os executa (portanto, uma prestação de serviços), ao passo que os outros aspetos (reconduzíveis a uma entrega de bens), como, por exemplo, a entrega do bem realizado, permanecem em segundo plano e constituem o momento da conclusão da execução global do acordo e não o seu núcleo essencial.

51.      Se se examinar a situação que é objeto do presente processo, ou seja, a construção por um empreiteiro, com materiais próprios, de um edifício num terreno propriedade do dono da obra, estas considerações encontram confirmação.

52.      No caso em apreço, os dois elementos que devem ser avaliados, a fim de determinar o que é principal e o que é acessório no âmbito da prestação unitária de construção, são a atividade realizada pelo empresário, que, de acordo com o esquema típico do contrato de empreitada (25), utiliza a sua organização e o seu trabalho e o dos seus empregados (prestação de serviços), e a utilização de materiais do empreiteiro, que, no fim das obras, serão propriedade do dono da obra (entrega de bens).

53.      É evidente que, habitualmente, os materiais representam o elemento acessório, mesmo porque o contrato não visa a sua cedência ao dono da obra, mas sim a sua transformação definitiva para produzir um bem totalmente novo. Portanto, seria contraditório dar relevância principal aos materiais, dado que os mesmos são apenas um meio para permitir o desenvolvimento da atividade de construção e, na sequência desta, deixaram mesmo de existir autonomamente.

54.      Se se considerar a entrega do edifício construído no terreno, chega-se a conclusões idênticas. Esta, como foi esclarecido no n.° 50 supra, representa o elemento de conclusão e acessório de um processo mais complexo, e a aquisição da respetiva propriedade pelo dono da obra ocorre, geralmente, quando o imóvel é construído num terreno que é propriedade deste último, sem um ato de cessão do empreiteiro, mas por força do princípio da acessão.

55.      Obviamente, estas considerações pressupõem que, na prática, os elementos da organização empresarial e do trabalho indicados nos n.os 48, 49 e 52, que se consubstanciam no fornecimento de prestações de serviços, sejam predominantes em relação ao da entrega de bens, representado, no caso em apreço, pelos materiais fornecidos pelo empreiteiro.

56.      Na hipótese de a organização empresarial e o trabalho serem predominantes, o que implicará, geralmente, o recurso ao esquema típico do contrato de empreitada, a finalidade das prestações realizadas é, como já foi assinalado, uma atividade material de produção que conduzirá à realização de uma obra anteriormente inexistente; o objeto da atividade será principalmente um facere, e só nessa eventualidade existirá, em sentido próprio, uma operação relativa a «trabalhos imobiliários» e, portanto, «obras de construção civil».

57.      Pelo contrário, quando o núcleo essencial do contrato forem os bens cedidos ou, em qualquer caso, não a atividade de construção, mas a obtenção da propriedade, então o objeto do mesmo será um dare e não um facere e existirá, no essencial, um ato de transferência, geralmente, uma venda, não enquadrável na categoria dos «trabalhos imobiliários» e, portanto, das «obras de construção civil», mas sim na da entrega de bens.

58.      A determinação de facto da existência de uma prestação de serviços ou de uma entrega de bens é atribuída ao juiz, o qual poderá recorrer a uma pluralidade de critérios, contanto que tenha em conta que não existe um critério principal e mais importante que os outros, na medida em que, em casos particulares, poderão assumir relevância circunstâncias diferentes que deverão ser objeto de uma avaliação global.

59.      A título de exemplo, o órgão jurisdicional poderá dar relevância (a) ao predomínio ou não do trabalho sobre o material, geralmente, considerando o valor dos materiais utilizados (26), bem como (b) à vontade das partes, por referência à qual poderá resultar que o fornecimento do material é um simples meio para produção da obra e o trabalho a finalidade do contrato (como no contrato de empreitada) ou que o trabalho é o instrumento para a transformação do material, ao passo que a obtenção da res é o objetivo final do acordo (o que é típico da venda) (27); de uma forma mais geral, o juiz poderá ter em atenção as obrigações assumidas pelas partes e as modalidades de desenvolvimento da operação, como o tempo utilizado, a autonomia na execução do trabalho, e o tipo de garantias concedidas.

60.      Em especial, poderá ser tido em conta o facto de a obra realizada e entregue ser um produto com características originais, ou seja, um quid novi (o que caracteriza os trabalhos imobiliários e de construção) ou de, pelo contrário, ser um produto em série, como um prefabricado.

61.      Depois de um exame do texto da Sexta Diretiva, chega-se à mesma conclusão que foi expressa nos n.os 49 e seguintes.

62.      Em primeiro lugar, como o Governo finlandês assinalou, a tese que inclui as «obras de construção civil» na categoria das prestações de serviços encontra uma clara confirmação formal no artigo 5.°, n.° 5, alínea b), da diretiva, com fundamento no qual os Estados-Membros podem considerar entrega de bens «a entrega de determinados trabalhos imobiliários».

63.      Na realidade, se o legislador tivesse considerado os «trabalhos imobiliários» como entregas de bens e não como prestações de serviços, não teria tido qualquer razão para reconhecer aos Estados-Membros a possibilidade de qualificar como entregas «a entrega de determinados trabalhos imobiliários».

64.      Caso o mesmo legislador tivesse considerado, pelo contrário, que estas operações podiam ser, ora entregas de bens, ora prestações de serviços (28), logicamente, deveria ter dado aos Estados-Membros, diferentemente do que foi feito, o poder de tratar, em geral, os referidos trabalhos, quer como entregas de bens, quer como prestações de serviços.

65.      Portanto, não é possível partilhar a afirmação do Governo alemão de que o artigo 5.°, n.° 5, da Sexta Diretiva, ao mencionar «a entrega de determinados trabalhos imobiliários», se referiria apenas aos trabalhos imobiliários que já não são entregas de bens na aceção da Sexta Diretiva.

66.      De facto, essa observação baseia-se no pressuposto de que os trabalhos imobiliários, pela sua natureza, são, normalmente, entregas de bens, de acordo com a disposição geral do artigo 5.°, n.° 1, mas, independentemente das considerações já desenvolvidas anteriormente, não tem em conta que a única razão de ser de uma disposição como a do artigo 5.°, n.° 5, alínea b) é, pelo contrário, como foi salientado nos n.os 62 a 64, que, no sistema da Sexta Diretiva, «os trabalhos imobiliários» (29) são prestações de serviços (30).

67.      Além disso, quando o legislador da União pretendeu dar, no âmbito da Sexta Diretiva, uma relevância autónoma ao momento da transferência das construções novas (como a que está em causa no presente processo), fê-lo qualificando-a expressamente como «entrega», por exemplo, no artigo 4.°, n.° 3, alínea a), com base no qual, os Estados-Membros podem também considerar sujeito passivo quem realize, a título ocasional, «a) A entrega de um edifício ou de parte de um edifício e do terreno da sua implantação, efetuada anteriormente à primeira ocupação» (31).

68.      Pelo contrário, nos casos em que a entrega ocorre no termo de um processo contratual, como o do caso em apreço, a mesma não é considerada autonomamente, mas como momento acessório de uma operação mais ampla e complexa, que integra os elementos da prestação de serviços, tanto assim que, na Sexta Diretiva, é utilizado o termo «entrega», em vez de «cessão» [como no artigo 5.°, n.° 5, alínea b)] (32).

69.      Além disso, se se examinar o texto das diretivas do Conselho 2006/69 e 2006/112, ambas em matéria de IVA, chega-se a uma classificação dos trabalhos imobiliários e de construção como prestações de serviços.

70.      A primeira, no seu artigo 1.°, n.° 7, prevê que, ao n.° 2 do artigo 21.°, na versão constante do artigo 28.°-G da Sexta Diretiva, é aditado que «c) Quando sejam efetuadas as operações adiante enumeradas, os Estados-Membros podem estabelecer que o devedor do imposto é o sujeito passivo destinatário dessas operações: i) prestação de serviços (33) de construção, incluindo reparação, limpeza, manutenção, alteração e demolição respeitantes a bens imóveis, bem como a entrega de obras em imóveis considerada como entrega de bens por força do disposto no n.° 5 do artigo 5.°».

71.      A segunda, no seu artigo 199.°, estabelece que «[o]s Estados-Membros podem prever que o devedor do imposto é o sujeito passivo destinatário das seguintes operações: a) Prestação de serviços (34) de construção, incluindo reparação, limpeza, manutenção, alteração e demolição respeitantes a bens imóveis, bem como a entrega de obras em imóveis considerada como entrega de bens nos termos do n.° 3 do artigo 14.°».

72.      Embora estas duas diretivas sejam posteriores à Sexta Diretiva e não regulem o caso em apreço, considero que, como foi também assinalado pelo órgão jurisdicional de reenvio (35), a escolha de inserir, juntamente com as operações especificamente enumeradas nos artigos mencionados nos n.os 70 e 71, uma referência expressa às entregas de obras em imóveis consideradas pelos Estados-Membros como entregas de bens, nos termos do n.° 5 do artigo 5.° da Sexta Diretiva e do n.° 3 do artigo 14.° da Diretiva 2006/112 (36), demonstra que os trabalhos imobiliários e de construção são classificados pela União como prestações de serviços.

73.      A natureza de prestação de serviços das obras de construção civil depreende-se também do artigo 2.° da Decisão 2004/290, que, ao estabelecer que o destinatário dos fornecimentos de bens e das prestações dos serviços pode ser designado como devedor do IVA, nos casos previstos nos n.os 1 e 2 seguintes, inclui, as obras de construção civil no n.° 1, juntamente com os serviços de limpeza de edifícios, e não no n.° 2, ao lado das entregas de bens imóveis a um sujeito passivo em conformidade com as alíneas g) e h) da parte B do artigo 13.° da Sexta Diretiva.

74.      Portanto, as obras de construção civil foram referidas na primeira parte do artigo 2.° da Decisão 2004/290, relativo aos serviços (como se deduz da referência aos serviços de limpeza), enquanto consideradas como tal, ao passo que as entregas relativamente às quais foi concedida a derrogação pedida foram inseridas na segunda parte do mesmo artigo (37).

75.      Também se chega a conclusões idênticas, se se tomar em consideração o documento de trabalho da Comissão, de 10 de junho de 2004 (38), que, como foi reconhecido pela mesma (39), constituiu a base das negociações que levaram à alteração da Sexta Diretiva, a fim de simplificar o procedimento de cobrança do IVA e de lutar contra a fraude ou evasão fiscais, e à revogação da decisão objeto do presente processo.

76.      No ponto 4.1 desse documento, a Comissão esclarece que os trabalhos em questão (Arbeiten) são fundamentalmente prestações de serviços (40) e que os Estados-Membros que tivessem aplicado o artigo 5.°, n.° 5, da Sexta Diretiva, deveriam passar a incluir nessa categoria também as prestações de serviços que tivessem considerado entregas de bens (41).

77.      Além disso, ainda no ponto 4.1 do documento em causa, figura uma enumeração das derrogações ao sistema de identificação do devedor do imposto previsto na Sexta Diretiva pedidas, anteriormente, por alguns Estados-Membros e autorizadas pelo Conselho (como a que aqui está a ser examinada), com a finalidade de fazer incidir o imposto sobre o valor acrescentado sobre o destinatário da prestação, entre as quais, assume uma especial relevância a que foi concedida à Áustria através da Decisão 2002/880/CE (42).

78.      Isto porque o segundo considerando da Decisão 2004/290 indica, como referência própria, essa última derrogação, que também diz respeito às obras de construção (Bauarbeiten) e inclui, entre estas, algumas operações, mencionadas no referido documento de trabalho, nas quais predomina claramente o elemento da prestação de serviços, em razão da organização empresarial utilizada, como no caso de um subempreiteiro que tenha realizado trabalhos nos sectores da construção civil, da construção em metal ou da construção naval, e tenha fornecido o pessoal a um dono da obra principal, a um outro subempreiteiro ou, em geral, a um empresário que realiza, ele próprio, as suas obras imobiliárias.

79.      Outro argumento a favor da tese que considera como prestações de serviços os trabalhos imobiliários e de construção pode ser extraído da Segunda Diretiva e da proposta de Sexta Diretiva, já referidas nos n.os 40 e 41.

80.      Com efeito, resulta que, no decurso dos trabalhos preparatórios, os trabalhos imobiliários foram qualificados, no artigo 5.°, alínea e), como entregas de bens, seguindo a solução já adotada na Segunda Diretiva [artigo 5.°, n.° 2, alínea e)], mas essa solução não foi acolhida no momento da aprovação da Sexta Diretiva.

81.      Isto mostra que o legislador da época tinha bem clara a problemática em causa e que decidiu, de forma totalmente intencional, alterar a sua orientação anterior, expressa na Segunda Diretiva, que classificava os «trabalhos imobiliários» entre as entregas de bens.

82.      A tese de que os trabalhos imobiliários e de construção deveriam ser considerados prestações de serviços tem confirmação também nas conclusões do advogado-geral F. G. Jacobs apresentadas em 6 de abril de 1995 no processo C-291/92 (43), segundo o qual «o poder dos Estados-Membros de tratar como entrega de bens (mais que de serviços) o fornecimento, por um construtor, de trabalhos de construção no terreno do qual ele não detém título de propriedade decorre de uma disposição especial contida no artigo 5.°, n.° 5, alínea b)», com a consequência de, em caso de ausência da referida norma e da sua aplicação, os trabalhos imobiliários serem sempre prestações de serviços.

83.      Finalmente, embora esteja consciente de que esse argumento não assume um valor decisivo para efeitos da resposta à questão prejudicial, faço notar que as obras de construção civil são, em princípio, prestações de serviços em muitos (44) Estados-Membros (45).

84.      Daí decorre que, à luz das considerações acima desenvolvidas, em especial, em razão do predomínio da organização empresarial e do trabalho sobre o elemento do fornecimento de materiais (v. n.os 55 a 57), os trabalhos imobiliários e os de construção referidos no artigo 5.°, n.° 5, da Sexta Diretiva e no artigo 2.°, n.° 1, da Decisão 2004/290 devem ser qualificados como prestações de serviços.

85.      O Governo alemão, apoiado pela Comissão, sustenta que, na realidade, as obras de construção civil visadas na Decisão 2004/290 poderiam ser, indiferentemente, entregas de bens e prestações de serviços e que, se estas fossem qualificadas apenas como prestações de serviços, a Decisão 2004/290 seria privada de qualquer efeito útil, na medida em que muitas das obras em questão não seriam incluídas na exceção concedida, tratando-se de entregas de bens. Portanto, desse modo, seria frustrada a finalidade da decisão em questão, ou seja, a prevenção de fraudes fiscais (por exemplo, empresários fraudulentos poderiam não aplicar a reverse charge, fazendo a operação resultar numa entrega de bens) (46).

86.      Quanto a este ponto, considero oportuno desenvolver algumas considerações acerca da legislação alemã que regula esta matéria e acerca da respetiva jurisprudência.

87.      Segundo o § 3, n.° 4, da UStG, as operações em apreço devem ser qualificadas como entregas de bens quando forem realizadas por um empresário que utilize materiais que ele próprio obteve, salvo se se tratar de componentes ou de outros elementos acessórios.

88.      Na prática, a distinção entre entregas de bens e prestações de serviços depende da circunstância de o fornecimento de materiais por parte do construtor ter carácter principal e não acessório, e a jurisprudência alemã interpretou essa legislação no sentido de que, quando o empresário utiliza material que ele próprio obteve, para construir um edifício num terreno de outrem, ocorre uma entrega de bens.

89.      Isto esclarece por que motivo o Governo alemão tende a considerar que uma interpretação que restrinja o âmbito de aplicação da Decisão 2004/290 unicamente às prestações de serviços teria por efeito excluir do seu âmbito múltiplas operações de construção civil.

90.      Na realidade, deve ser repetido o que já foi dito nos n.os 48 e seguintes, ou seja, que os trabalhos imobiliários e de construção são prestações de serviços, na medida em que se trata de operações executadas recorrendo a uma organização empresarial e, em todo o caso, com predomínio do trabalho, que têm como finalidade, não a entrega de materiais, mas o desenvolvimento da atividade de construção (no caso em apreço).

91.      Esta conclusão pressupõe que os elementos que caracterizam a prestação de serviços são, efetivamente, predominantes em relação aos que são típicos da entrega de bens, caso contrário não se trataria de trabalhos imobiliários e de construção, mas sim de uma entrega de bens.

92.      O problema colocado pelo órgão jurisdicional de reenvio decorre da circunstância de, como se deduz da legislação e da jurisprudência referidas, no direito alemão, para avaliar se a operação é uma obra de construção civil e, portanto, uma prestação de serviços ou uma entrega de bens, não serem utilizados todos os elementos presentes em cada caso concreto. Pelo contrário, na lei, é dada uma relevância exclusiva aos materiais fornecidos pelo construtor e à sua importância, e a jurisprudência não toma em consideração outros critérios, mas qualifica automaticamente como entregas de bens as operações como a que está em causa no processo principal, apenas porque o empreiteiro utilizou materiais próprios.

93.      Além disso, essa legislação e essa jurisprudência contradizem a jurisprudência do Tribunal de Justiça referida no n.° 31 e nas notas 11 e 12, na medida em que não distinguem as prestações de serviços das entregas de bens identificando, em concreto, de entre os múltiplos elementos do caso, os dominantes e os acessórios, mas adotam como critério exclusivo a presença, ou não, de materiais de propriedade do construtor.

94.      Em especial, embora o legislador nacional possa indicar ao órgão jurisdicional os critérios que devem ser utilizados para distinguir as entregas de bens das prestações de serviços, não pode impor-lhe apenas um, nem essa distinção pode decorrer automaticamente da presença ou não de um único elemento específico, sem ser analisado qualquer outro aspeto do caso concreto.

95.      Assim, no caso em apreço, afirmar que as obras de construção civil são prestações de serviços não significa comprometer o efeito útil da Decisão 2004/290, dado que essas obras apenas incluem todas as atividades de construção que terminam com a entrega de um edifício e apresentam as características acima expostas e, por conseguinte, qualquer operação complexa, como a que é objeto do processo principal (47), relativamente à qual se pode colocar um problema de fraude fiscal (48).

96.      Pelo contrário, surgiria um problema de fraude fiscal se se adotasse a tese do Governo alemão e da Comissão, que reduziria o campo de aplicação desta derrogação.

97.      Com efeito, o artigo 199.° da Diretiva 2006/112, que regula agora o mecanismo de reverse charge, prevê expressamente que o referido sistema se aplique a operações no setor das construções respeitantes a bens imóveis, que são postas no mesmo plano que as entregas de obras em imóveis equiparadas a entrega de bens nos termos do n.° 3 do artigo 14.° (ex-artigo 5.°, n.° 5, da Sexta Diretiva).

98.      Daí resulta, dado que este é um indício claro de que, como exposto no n.° 72, as referidas operações são prestações de serviços, que se, na Alemanha, a construção de edifícios e as outras operações similares fossem classificadas como entregas de bens, as mesmas já não poderiam atualmente ser incluídas no mecanismo de reverse charge e seria frustrado o objetivo da luta contra a evasão fiscal (49).

99.      À luz das considerações que foram desenvolvidas, proponho que o Tribunal de Justiça responda à primeira questão prejudicial que:

¾        o conceito de ‘obras de construção civil’, na aceção do artigo 2.°, n.° 1, da Decisão (de autorização) 2004/290/CE abrange apenas as prestações de serviços, em especial, em função do predomínio da organização empresarial e do trabalho sobre o elemento fornecimento de materiais;

¾        ao avaliar se uma operação é uma obra de construção civil e, por conseguinte, uma prestação de serviços, ou uma entrega de bens, o órgão jurisdicional deve recorrer a todos os elementos presentes no caso concreto;

¾        o direito da União opõe-se a uma legislação e a uma jurisprudência nacionais que, para efeitos da distinção em causa, dão relevância exclusiva a um único elemento, em particular, ao facto de o construtor ter fornecido materiais de sua propriedade, e que reconduzam automaticamente à existência do referido elemento a distinção entre prestações de serviços e entregas de bens;

¾        o legislador nacional pode perfeitamente indicar ao órgão jurisdicional critérios que devem ser adotados para distinguir as entregas de bens das prestações de serviços, mas não pode limitar o poder de o mesmo distinguir as entregas de bens e as prestações de serviços através da análise, em concreto, de todos os aspetos do caso.

100. A resposta dada à primeira questão prejudicial torna desnecessária a análise da segunda, terceira e quarta questões, dado que o órgão jurisdicional de reenvio pediu que estas fossem tomadas em consideração apenas na eventualidade de as entregas de bens serem incluídas entre as obras de construção civil.

VI — Quanto à limitação dos efeitos do acórdão no tempo

101. O Governo alemão pediu que o Tribunal Justiça, caso considerasse que a regulamentação nacional em causa não é conforme com o artigo 2.°, n.° 1, da Decisão 2004/290, limitasse os efeitos do seu acórdão no tempo, na medida em que, caso contrário, decorreriam do mesmo repercussões económicas graves sobre o orçamento da Alemanha e, de qualquer forma, quer as autoridades nacionais, quer os agentes económicos envolvidos acreditaram, de boa-fé, que a legislação alemã respeitava o direito da União.

102. Quanto a este ponto, saliento que, segundo jurisprudência assente do Tribunal de Justiça, só a título excecional é permitido, em aplicação do princípio geral da segurança jurídica inerente à ordem jurídica da União, limitar a possibilidade de qualquer interessado invocar uma disposição interpretada pelo próprio Tribunal, para pôr em causa relações jurídicas estabelecidas de boa-fé. Isto pode ocorrer, exclusivamente, quando estejam preenchidos dois critérios essenciais, ou seja, a «boa fé dos meios interessados e o risco de perturbações graves» (50).

103. O Tribunal de Justiça só recorreu a esta solução «em circunstâncias bem precisas, quando, por um lado, existia um risco de repercussões económicas graves devidas em especial ao grande número de relações jurídicas constituídas de boa-fé com base na regulamentação que se considerou estar validamente em vigor e quando, por outro, se verificava que os particulares e as autoridades nacionais tinham sido levados a um comportamento não conforme com a regulamentação comunitária em virtude de uma incerteza objetiva e importante quanto ao alcance das disposições comunitárias, incerteza para a qual tinham eventualmente contribuído os próprios comportamentos adotados por outros Estados-Membros ou pela Comissão das Comunidades Europeias» (51).

104. Aliás, é jurisprudência assente que as consequências financeiras que poderiam decorrer, para um Estado-Membro, de um acórdão proferido a título prejudicial não justificam, em si mesmas, a limitação dos efeitos desse acórdão no tempo (52).

105. A este respeito, antes de mais, considero que as consequências económicas referidas nas observações do Governo alemão não se produzirão ou, pelo menos, não na medida indicada; com efeito, as operações como a que está em causa no presente processo deveriam, geralmente, ser incluídas, enquanto prestações de serviços, no âmbito da Decisão 2004/290, com a consequente aplicação do sistema de reverse charge, no caso de obras de construção civil (53). De qualquer modo, nas raras hipóteses em que deixasse de ser possível o recurso à inversão do sujeito passivo, o pagamento do imposto poderia ser exigido ao autor da prestação, como foi sublinhado pelo Governo finlandês, o qual assinalou que se verificaria uma lacuna em matéria fiscal se o imposto deixasse de ser pago pelo beneficiário da operação e o pagamento não fosse depois efetuado por quem a realizou, na medida em que essa operação não seria tributada e as entidades envolvidas beneficiariam de uma vantagem não justificada (54).

106. Além disso, à luz das considerações já desenvolvidas anteriormente e que invoco na íntegra, não reconheço uma hipótese de boa-fé das autoridades e dos agentes económicos envolvidos, uma vez que já da Decisão do Conselho 2002/880 relativa à Áustria (que faz referência expressa à Decisão 2004/290) (55) se depreendia quais eram as operações em causa e, da sua descrição, se compreendia que se tratava de prestações de serviços.

107. Também deve ser tomado em devida consideração o posterior documento de trabalho da Comissão de 10 de junho de 2004 (n.° 75 das presentes conclusões), pelo menos, a partir dessa data (56), no qual a Comissão esclarecia que os trabalhos em causa eram, fundamentalmente, prestações de serviços.

108. O texto do artigo 5.°, n.° 5, da Sexta Diretiva impedia, além disso, de modo evidente, uma qualificação dos trabalhos imobiliários e de construção como entregas de bens, sobretudo se se tiver em conta que, na Sexta Diretiva, não tinha sido reproduzia a disposição da Segunda Diretiva e da proposta de Sexta Diretiva, acima referidas, que considerava esses trabalhos como entregas de bens.

109. Por conseguinte, considero que não existem razões válidas para que o Tribunal de Justiça limite os efeitos da sua decisão no tempo.

VII — Conclusões

110. Com base nas considerações desenvolvidas, proponho que o Tribunal de Justiça responda às questões submetidas pelo Bundesfinanzhof, do seguinte modo:

1)      O conceito de ‘obras de construção civil’, na aceção do artigo 2.°, n.° 1, da Decisão (de autorização) 2004/290/CE abrange apenas as prestações de serviços, em especial, em função do predomínio da organização empresarial e do trabalho sobre o elemento fornecimento de materiais.

2)      Ao avaliar se uma operação é uma obra de construção civil e, por conseguinte, uma prestação de serviços, ou uma entrega de bens, o órgão jurisdicional deve recorrer a todos os elementos presentes no caso concreto.

3)      O direito da União opõe-se a uma legislação e a uma jurisprudência nacionais que, para efeitos da distinção em causa, dão relevância exclusiva a um único elemento, em particular, ao facto de o construtor ter fornecido materiais de sua propriedade, e que reconduzem automaticamente à existência do referido elemento a distinção entre prestações de serviços e entregas de bens.

4)      O legislador nacional pode perfeitamente indicar ao órgão jurisdicional critérios que devem ser adotados para distinguir as entregas de bens das prestações de serviços, mas não pode limitar o poder de o mesmo distinguir as entregas de bens e as prestações de serviços através da análise, em concreto, de todos os aspetos do caso.


1 —      Língua original: italiano.


2 —      JO L 94, p. 59 (EE 09 F1 p. 54)


3 —      JO L 145, p. 1 (EE 09 F1 p. 54).


4 —      JO L 221, p. 9.


5 —      JO L 347, p. 1.


6 —      No sistema do IVA, habitualmente, quem deve faturar e pagar o imposto é aquele que realiza a prestação. Além disso, em alguns setores (em primeiro lugar, no da construção civil, sobretudo nas relações entre empreiteiros e subempreiteiros, na medida em que, frequentemente, os subempreiteiros faturam e não pagam IVA) é cada vez mais comum o recurso à chamada inversão do sujeito passivo ou reverse charge, que identifica o destinatário da referida prestação como devedor do IVA (no exemplo mencionado, o empreiteiro). O artigo 27.° da Sexta Diretiva permite ao Conselho autorizar os Estados-Membros a derrogar a mesma diretiva para simplificar a cobrança fiscal ou para evitar fraudes. A Decisão 2004/290 concede à Alemanha, precisamente, autorização para utilizar o mecanismo acima descrito, em derrogação das disposições da Sexta Diretiva que, pelo contrário, imporiam que fosse considerado devedor do imposto aquele que realiza a prestação.


7 —      Para além das importações de bens, operações que não são relevantes no caso em apreço.


8 —      Acórdão de 8 de fevereiro de 1990, Shipping & Forwarding Enterprise (Safe) (320/88, Colet., p. 285, n.° 7); nos mesmos termos se expressam, também, os acórdãos de 14 de julho de 2005, British American Tobacco e Newman Shipping (C-435/03, Colet., p. I-7077, n.° 35), e de 6 de fevereiro de 2003, Auto Lease Holland (C-185/01, Colet., p. I-1317, n.° 32).


9 —      Acórdão Shipping & Forwarding Enterprise (Safe), já referido na nota 8, n.° 8.


10 —      Acórdão de 25 de fevereiro de 1999, CPP (C-349/96, Colet., p. I-973, n.° 27).


11 —      Acórdão de 2 de maio de 1996, Faaborg-Gelting Linien A/S (C-231/94, Colet., p. I-2395, n.° 12). No mesmo sentido, acórdãos de 11 de fevereiro de 2010, Graphic Procédé (C-88/09, Colet., p. I-1049, n.° 18), de 27 de outubro de 2005, Levob Verzekeringen BV (C-41/04, Colet., p. I-9433, n.os 19 e 27), e de 17 de maio de 2001, Finanzamt Burgdorf (C-322/99 e C-323/99, Colet., p. I-4049, n.° 62).


12 —      Acórdão Levob Verzekeringen BV, já referido na nota 11, n.os 27 e 29.


13 —      Acórdão Levob Verzekeringen BV, já referido na nota 11, n.° 19. Nos mesmos termos, acórdão de 29 de março de 2007, Aktiebolaget NN (C-111/05, Colet., p. I-2697, n.° 23).


14 —      Acórdão Levob Verzekeringen BV, já referido na nota 11, n.° 20.


15 —      Acórdão Levob Verzekeringen BV, já referido na nota 11, n.° 20.


16 —      Acórdão de 21 de fevereiro de 2008, Ministero dell’Economia e delle Finanze (C-425/06, Colet., p. I-897, n.° 51).


17 —      Acórdão de 2 de dezembro de 2010, Everything Everywhere (C-276/09, Colet., p.  I-12359, n.° 25), acórdãos Aktiebolaget NN, já referido na nota 13, n.° 28, e CPP, já referido na nota 10, n.° 30.


18 —      Acórdão Levob Verzekeringen BV, já referido na nota 11, n.° 22; leiam-se, também, os acórdãos de 6 de maio de 2010, Comissão/França (C-94/09, Colet., p. I-4261, n.° 15), Graphic Procédé (C-88/09), já referido na nota 11, n.° 19, e de 11 de junho de 2009, Rlre Tellmer Property sro (C-572/07, Colet., p. I-4983, n.os 17 a 19).


19 —      JO 71, p. 1303; EE 09 F1 p. 6.


20 —      Esta lista não se afasta muito das utilizadas pelos Estados-Membros nesta matéria. Em França, por exemplo, na ausência de uma definição legal, o Conselho de Estado (CE, sect., 17 de dezembro de 1976, n.° 94852) considera trabalhos imobiliários as operações que contribuem diretamente para a construção de um edifício, e a administração fiscal (Instr. 4 de janeiro de 2010: BOI 3 a-1-10, 11 de janeiro de 2010, n.° 57 e segs.) esclareceu que os referidos trabalhos são os trabalhos de construção, demolição, reparação, recuperação, melhoramento, transformação e arranjo relativos a um imóvel edificado e não edificado (são incluídos o arranjo de jardins e a terraplanagem).


21 —      Junto como anexo 1 das observações do Governo alemão.


22 —      Que refere: «Foram detetadas perdas consideráveis de IVA nos sectores da construção e da limpeza de edifícios. Estas perdas ocorreram em casos em que o IVA foi corretamente faturado mas não pago às autoridades fiscais, tendo o destinatário exercido o seu direito de dedução do IVA. [...]».


23 —      Deve sublinhar-se que na versão alemã da Sexta Diretiva e da Decisão 2004/290, os termos «trabalhos imobiliários» e «obras de construção civil» são sempre traduzidos por Bauleistungen. Todavia, este termo assume um matiz diferente em cada caso, visto que, à luz do segundo considerando da Decisão 2004/290, as respetivas Bauleistungen dizem respeito ao sector da construção de edifícios.


24 —      Acórdão Aktiebolaget NN, já referido na nota 13, n.os 21 e 27.


25 —      Da descrição constante do despacho de reenvio, conclui-se que as partes celebraram um contrato de empreitada. Por essa razão, a presente análise centrar-se-á sobre esse modelo contratual e não sobre outros potencialmente relevantes.


26 —      Nos casos em que o valor dos materiais utilizados supere em muito o do trabalho e represente uma componente significativa da prestação global pode tratar-se, não de um trabalho imobiliário, mas de uma venda desses materiais.


27 —      O juiz apreciará se as partes tinham em vista o imóvel em si ou como produto de uma atividade; no primeiro caso, existirá uma prestação de dare, no outro, de facere.


28 —      O que, obviamente, deveria ser determinado com base numa avaliação em concreto, caso a caso.


29 —      E, portanto, também as «obras de construção civil» que, como foi afirmado no n.° 43, estão abrangidas nos «trabalhos imobiliários».


30 —      O motivo pelo qual foi adotada uma disposição como o artigo 5.°, n.° 5, alínea b), é o de, frequentemente, os «trabalhos imobiliários» se caracterizarem pela presença de uma organização empresarial destinada a prestar serviços que são acompanhados, sobretudo no sector da construção, da cessão de materiais e da entrega de um imóvel, unido ou não ao terreno da sua implantação. Portanto, é lógico que tenha sido concedida aos Estados-Membros a possibilidade de classificarem como entregas de bens estas operações complexas que, se fossem apreciadas unitariamente, configurariam prestações de serviços.


31 —      Na realidade, com a expressão «anteriormente à primeira ocupação», esse artigo refere-se aos edifícios de construção nova: v. acórdão de 8 de julho de 1986, Kerrutt (73/85, Colet., p. 2219, n.° 16).


32 —      Esta distinção terminológica pode ser confirmada em várias versões linguísticas da Sexta Diretiva, como a francesa, em que se fala de «livraison d’un bâtiment» [artigo 4.°, n.° 3, alínea a)] e de «délivrance de certains travaux immobiliers» (artigo 5.°, n.° 5, alínea b), a inglesa, que distingue entre «supply before first occupation of buildings» [artigo 4.°, n.° 3, alínea a)] e «the handing over of certain works of construction» [artigo 5.°, n.° 5, alínea b)], a alemã, que utiliza as expressões «die Lieferung von Gebäuden» [artigo 4.°, n.° 3, alínea a)] e «die Ablieferung bestimmter Bauleistungen» [artigo 5.°, n.° 5, alínea b)], a neerlandesa, que refere «de levering van een gebouw» [artigo 4.°, n.° 3, alínea a)] e «de oplevering van een werk in onroerende staat», e a italiana, que contrapõe «la cessione, effettuata anteriormente alla prima occupazione, di un fabbricato» [artigo 4.°, n.° 3, alínea a)] e «la consegna di taluni trabalhos imobiliários» [artigo 5.°, n.° 5, alínea b)].


33 —      Faço notar que nas versões inglesa e francesa são utilizados os termos «work» e «travaux», e na alemã «Bauleistungen».


34 —      Também neste caso, nas versões inglesa e francesa foram utilizados os termos «work» e «travaux», e na alemã «Bauleistungen».


35 —      Ponto B, subponto cc), da fundamentação do despacho de reenvio relativa à primeira questão prejudicial.


36 —      Que, sem essa qualificação expressa, seriam prestações de serviços.


37 —      O Governo alemão defende que, na realidade, o artigo 2.° da Decisão 2004/290 não pode ser interpretado nestes termos, na medida em que o artigo 1.° anterior se referiria, genericamente e sem colocar restrições, aos fornecimentos de bens e prestações dos serviços constantes do artigo 2.° da mesma decisão. Faço notar que o artigo 2.° mais não é do que uma especificação do artigo 1.° e que se limita a indicar pormenorizadamente, distinguindo-as, respetivamente, no n.° 1 e no n.° 2, as prestações de serviços e as entregas de bens que são objeto da derrogação em causa. Assim, o artigo 2.° respeita o disposto no artigo 1.°, que, pelo contrário, contém uma referência abstrata às duas categorias gerais em causa. Não é partilhável, igualmente, a apreciação, feita pelo mesmo governo, da circunstância de, no decurso do processo de adoção da Decisão 2004/290, o grupo de trabalho do Conselho que se ocupou da mesma ter inserido no artigo 1.° não só o termo serviços, mas também o termo bens. Na realidade, isto explica-se pelo facto de, no artigo 2.°, n.° 2, serem referidas operações qualificáveis como entregas de bens.


38 —      Anexo n.° 1 da Comissão.


39 —      P. 4 das observações da Comissão.


40 —      Grundsätzlich nur Dienstleistungen gemeint sind.


41 —      «Mitgliedstaaten, die Artikel 5 Absatz 5 der Sechsten MwSt-Richtilinie umgesetz haben, müssen in diese Definition auch die Dienstleistungen einbeziehen, die sie als Lieferung von Gegenständen betrachten.»


42 —      JO L 306, p. 24. Trata-se da Decisão do Conselho, de 5 de novembro de 2002, que autoriza a Áustria a aplicar uma medida derrogatória do artigo 21.° da Diretiva 77/388/CEE relativa à harmonização das legislações dos Estados-Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios.


43 —      Trata-se do n.° 15 das segundas conclusões apresentadas no processo Armbrecht, acórdão de 4 de outubro de 1995 (C-291/92, Colet., p. I-2775).


44 —      Por exemplo, na Bulgária, na Finlândia, em França, na Itália, na Polónia, no Reino Unido, na Roménia e na Suécia. Pelo contrário, os Países Baixos e a Hungria fizeram uso da faculdade de considerar esses trabalhos como entregas de bens, expressamente prevista na Sexta Diretiva [artigo 5.°, n.° 5, alínea b)] e confirmada na Diretiva 2006/112 (artigo 14.°, n.° 3); a Espanha qualificou os trabalhos imobiliários como prestações de serviços, salvo se o valor dos materiais utilizados ultrapassar o limiar de 33% da matéria coletável fixada na lei, exercendo assim a faculdade concedida no artigo 14.°, n.° 3, da Diretiva 2006/112. A opção, dos Países Baixos, da Hungria e de Espanha, de exercerem a faculdade prevista no artigo 5.°, n.° 5, alínea b), da Sexta Diretiva e o artigo 14.°, n.° 3, da Diretiva 2006/112, para classificarem como entregas de bens os trabalhos imobiliários e de construção, demonstra que, também nesses países, sem esta derrogação, as referidas operações seriam prestações de serviços.


45 —      Pelo contrário, a Irlanda, a Grécia, Portugal e a Eslováquia seguem um caminho aparentemente diferente. A Irlanda aplica a chamada regra de 2/3, segundo a qual, na hipótese de o valor dos bens fornecidos com base num acordo de prestação de serviços representar mais de 2/3 do valor total do acordo, esse acordo é considerado, para efeitos de IVA, uma entrega de bens. A Grécia qualifica como uma entrega de bens as obras em imóveis ao abrigo de um contrato de empreitada. Pelo contrário, Portugal classifica a operação em apreço como uma entrega de bens, nos casos em que o empresário da construção forneça a totalidade dos materiais ou os materiais fornecidos pelo dono da obra sejam negligenciáveis. Finalmente, a Eslováquia considera as obras de construção civil como uma prestação de serviços, mas distingue destas a entrega de uma construção ou de parte da mesma ao abrigo de um contrato de construção ou similar, ou seja, a situação na qual um empresário fornece uma construção no seu conjunto e não serviços específicos. Entre estas soluções, a eslovaca mantém-se compatível com a possibilidade de utilização da faculdade de derrogação prevista no artigo 5.°, n.° 5, da Sexta Diretiva e no artigo 14.°, n.° 3, da Diretiva 2006/112, num sistema em que os referidos trabalhos são prestações de serviços, a da Irlanda e de Portugal introduz um critério de distinção entre entrega de bens e prestações de serviços baseado na relevância automaticamente dada a um só critério (o valor dos bens) e ao qual se voltará em seguida, nos n.os 92 a 94, ao passo que apenas a grega segue uma direção diferente da decorrente das diretivas sobre a matéria.


46 —      Contudo, deve observar-se que nem o Governo alemão, nem a Comissão indicaram, em concreto, que obras de construção civil deveriam ser consideradas, pela sua natureza, entregas de bens (à parte a situação objeto do presente processo).


47 —      Que, pelo exame dos únicos elementos que se podem retirar do despacho de reenvio, parece incluir-se nas prestações de serviços, tratando-se, à primeira vista, de empreitada para a construção, sem ser em série, de um edifício.


48 —      Não partilho da afirmação da Comissão segundo a qual, entre as obras de construção civil estariam incluídas prestações que, de acordo com as definições constantes da Sexta Diretiva, seriam classificadas como entregas de bens, dado que se baseia no pressuposto, que deve ser rejeitado, de que operações como a do caso em apreço são sempre entregas de bens.


49 —      Quanto a este ponto, devo reiterar que não é defensável a afirmação do Governo alemão, segundo a qual, de qualquer forma, existem entregas de bens diferentes das que são referidas no artigo 14.°, n.° 3, que, no entanto, se incluem entre os trabalhos imobiliários e de construção. Se essa tese tivesse fundamento, na realidade, não teria sentido a menção expressa a último artigo constante do artigo 199.° da Diretiva 2006/112.


50 —      Acórdãos de 3 de junho de 2010, Regionalna Mitnicheska Direktsia — Plovdiv (C-2/09, Colet., p. I-4939, n.° 50), de 10 de janeiro de 2006, Skov e Bilka (C-402/03, Colet., p. I-199, n.° 51), e de 28 de setembro de 1994, Vroege (C-57/93, Colet., p. I-4541, n.° 21).


51 —      Acórdão de 27 de abril de 2006, Richards (C-423/04, Colet., p. I-3585, n.° 42).


52 —      Acórdãos Regionalna Mitnicheska Direktsia — Plovdiv, já referido na nota 50, n.° 52, e de 15 de março de 2005, Bidar (C-209/03, Colet., p. I-2119, n.° 68).


53 —      Subsiste, é certo, a possibilidade de, na sequência de um exame de todas as circunstâncias do caso, o órgão jurisdicional considerar que não existem obras de construção civil, mas penso que, na quase totalidade dos casos, as operações já sujeitas a reverse charge continuariam a sê-lo, sem ser necessário proceder a retificação fiscal.


54 —      Não creio que as pessoas que realizam as prestações sofressem os danos referidos pelo Governo alemão. Para além do facto de a hipótese ser essencialmente teórica, faço notar que, de qualquer modo, seria aplicável o regime normal de cobrança do IVA a que as empresas estão habitualmente sujeitas. Os eventuais litígios poderiam, depois, ser facilmente resolvidos pelas partes em sede judicial, sem consequências para o fisco.


55 —      V. n.os 77 e 78.


56 —      A Decisão 2004/290 é de 30 de março de 2004.