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CONCLUSÕES DO ADVOGADO-GERAL

PAOLO MENGOZZI

apresentadas em 12 de junho de 2013 (1)

Processo C-181/12

Yvon Welte

contra

Finanzamt Velbert

[pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Finanzgericht Düsseldorf (Alemanha)]

«Livre circulação de capitais — Artigos 56.° CE, 57.° CE e 58.° CE — Imposto sobre as sucessões — De cujus e herdeiro residentes na Suíça — Investimentos diretos — Investimentos imobiliários — Cláusula de ‘standstill’ — Justificações»





I —    Introdução

1.        Devem os artigos 56.° CE e 58.° CE ser interpretados no sentido de que se opõem a um regime nacional de um Estado-Membro relativo à cobrança do imposto sobre as sucessões que apenas prevê uma isenção fiscal de 2 000 euros para a transmissão mortis causa de um prédio sito em território nacional, deixado por um não residente, e adquirido por um não residente, ao passo que é concedida uma isenção de 500 000 euros para uma transmissão mortis causa se, à data da transmissão, o autor ou o beneficiário da sucessão [residisse] no Estado-Membro em causa?

2.        Esta é a questão submetida pelo Finanzgericht Düsseldorf no âmbito de um litígio que opõe Y. Welte, cidadão suíço, com domicílio na Suíça, o Finanzamt Velbert (a seguir «Finanzamt»), a propósito da sucessão de F. I. Welte-Schenkel, falecida em 2009, na Suíça, que nascera na Alemanha mas adquirira a nacionalidade suíça e tinha domicílio na Suíça, na sequência do seu casamento com Y. Welte.

3.        Mais exatamente, Y. Welte, como único herdeiro da sua mulher, obteve, por sucessão desta, um prédio sito em Düsseldorf (2), cujo valor foi fixado, à data da morte da autora da sucessão, em 329 200 euros. A autora da sucessão era ainda titular de contas bancárias em dois bancos na Alemanha, que apresentavam um saldo total de 33 689,72 euros. Além disso, era titular de contas bancárias em bancos suíços que apresentavam um saldo total de 169 508,04 euros.

4.        Na Suíça, Y. Welte não foi sujeito a imposto sobre as sucessões.

5.        Através de aviso de liquidação de 31 de outubro de 2011, o Finanzamt fixou em 41 450 euros o imposto sobre as sucessões devido por Y. Welte. Este montante foi obtido aplicando à matéria coletável, determinada a partir unicamente do valor do prédio sito em Düsseldorf, do qual foi deduzido um montante global para despesas de sucessão (10 300 euros), uma isenção no montante de 2 000 euros.

6.        Com efeito, por um lado, segundo a Lei do Imposto sobre as Sucessões e Doações (Erbschaftsteuer- und Schenkungsteuergesetz, a seguir «ErbStG») (3), o imposto sobre as sucessões, nas situações em que nem o de cujus nem o herdeiro tenham domicílio na Alemanha, deve incidir sobre os bens que integram o «património interno» do autor da sucessão na aceção do artigo 121.° da Lei de avaliação dos bens («Bewertungsgesetz») (4), que abrange os imóveis sitos na Alemanha, mas não os créditos bancários (5). Por outro lado, em aplicação do artigo 16.° da ErbStG, as transmissões a favor do cônjuge beneficiam de uma isenção de imposto sobre a matéria coletável até 500 000 euros, salvo se, como no processo principal, o autor da sucessão e o adquirente forem ambos não residentes, caso em que esta isenção é fixada em 2 000 euros, de acordo com o n.° 2 deste artigo. Tal diferença é explicada pelo facto de, nos casos em que o autor da sucessão ou o herdeiro resida na Alemanha, a obrigação fiscal é aplicável à totalidade da devolução patrimonial, nos termos do artigo 2.°, n.° 1, da ErbStG.

7.        Por decisão de 23 de janeiro de 2012, o Finanzamt indeferiu a reclamação apresentada por Y. Welte tendo em vista beneficiar de uma isenção de 500 000 euros.

8.        Y. Welte interpôs recurso desta decisão no Finanzgericht Düsseldorf, alegando que a desigualdade de tratamento entre os devedores de imposto sobre as sucessões residentes e não residentes viola a livre circulação de capitais consagrada no Tratado CE.

9.        Segundo o órgão jurisdicional de reenvio, é duvidoso que o artigo 16.°, n.° 2, da ErbStG esteja em conformidade com os artigos 56.°, n.° 1, CE e 58.° CE. Com efeito, nos termos do artigo 16.°, n.° 2, da ErbStG, uma vez que é um contribuinte limitadamente sujeito a imposto, Y. Welte beneficia apenas de uma isenção de 2 000 euros sobre a sucessão. Ora, se a autora da sucessão ou Y. Welte residissem na Alemanha no momento da morte, este beneficiava de uma isenção no montante de 500 000 euros e, portanto, não devia pagar nenhum imposto sucessório.

10.      O órgão jurisdicional de reenvio salienta que, no acórdão Mattner (6), o Tribunal de Justiça declarou que os artigos 56.°CE e 58.° CE se opõem ao artigo 16.°, n.° 2, da ErbStG, que prevê, para o cálculo do imposto sobre as doações, que, quando o doador e o donatário residam noutro Estado-Membro, à data da doação, a isenção no caso de doação de um imóvel situado no território desse Estado é inferior à isenção que teria sido aplicada se, nessa mesma data, pelo menos um deles residisse no primeiro Estado-Membro.

11.      Este órgão jurisdicional observa, no entanto, que o presente litígio se distingue, em dois aspetos, do processo que deu lugar ao acórdão Mattner, já referido. Por um lado, na data da morte, a autora da sucessão e Y. Welte não tinham o seu domicílio num Estado-Membro, mas num país terceiro. Por outro lado, a herança adquirida pelo recorrente compreendia não só o prédio da autora da sucessão mas também saldos bancários em bancos alemães e suíços. Podia portanto justificar-se a não concessão a Y. Welte da totalidade da isenção de 500 000 euros uma vez que só uma parte da massa da herança situada na Alemanha foi tributada.

12.      O órgão jurisdicional de reenvio duvida, contudo, que estes argumentos possam justificar a diferença de tratamento em causa no processo principal entre pessoas residentes e não residentes, reportando-se aos acórdãos A (7) e Mattner, já referido. Em especial, considera que conceder a Y. Welte apenas uma isenção de 2 000 euros vai além do que é necessário para estabelecer a igualdade de tratamento com os residentes. Com efeito, no presente caso, o valor de 329 200 euros do prédio sito em Düsseldorf, que foi o único bem tributado, corresponde a aproximadamente 62% do valor total da herança, de 532 397 euros. Assim, a não tributação de cerca de 38% do valor da herança dificilmente pode servir de justificação para se conceder uma isenção de 2 000 euros em vez de uma isenção de 500 000 euros.

13.      Nestas condições, o órgão jurisdicional de reenvio suspendeu a instância e submeteu a questão prejudicial reproduzida no n.° 1 das presentes conclusões. Foram apresentadas observações escritas ao Tribunal de Justiça pelo recorrente no processo principal, pelo Governo alemão e pela Comissão Europeia. Estas partes e o Governo belga participaram na audiência de 13 de março de 2013.

II — Análise

A —    Quanto ao objeto da questão prejudicial

14.      Nas suas observações, Y. Welte sugeriu que a resposta à questão prejudicial devia tomar em consideração o acordo entre a Comunidade Europeia e os seus Estados-Membros, por um lado, e a Confederação Suíça, por outro, sobre a livre circulação de pessoas, que entrou em vigor em 1 de junho de 2002 (8) (a seguir «acordo sobre a livre circulação de pessoas»).

15.      É verdade que, apesar de o órgão jurisdicional de reenvio não submeter ao Tribunal de Justiça nenhuma questão relativa à interpretação do referido acordo, este, para dar uma resposta útil ao órgão jurisdicional na origem do reenvio prejudicial, face ao quadro factual e jurídico do processo principal, pode tomar em consideração normas do ordenamento jurídico da União que o referido órgão jurisdicional não referiu na sua questão prejudicial (9).

16.      No entanto, em minha opinião, é com justeza que o órgão jurisdicional de reenvio não questiona o Tribunal de Justiça sobre a livre circulação de pessoas que vincula a União Europeia e os seus Estados-Membros à Confederação Suíça, dado que a situação de Y. Welte não recai no âmbito de aplicação do mesmo.

17.      A este propósito, recorde-se que o acordo sobre a livre circulação de pessoas, nos termos do seu artigo 1.°, alíneas a) a d), tem por objetivo, a favor dos nacionais das partes contratantes, conceder um direito de entrada, de residência, de acesso a uma atividade económica assalariada e de estabelecimento enquanto independentes, bem como o direito de residir no território das referidas partes contratantes, facilitar a prestação de serviços no território destas Partes, conceder um direito de entrada e de residência às pessoas sem atividade económica no seu país de acolhimento, e conceder as mesmas condições de vida, de emprego e de trabalho que as concedidas aos nacionais.

18.      Ora, é facto assente que Y. Welte, com domicílio na Suíça, não procura trabalhar nem estabelecer-se no território de um Estado-Membro da União, a qualquer título, nem beneficiar de uma prestação de serviços, na aceção do artigo 1.°, alíneas a) a c), do acordo sobre a livre circulação de pessoas, mas pretende que os benefícios fiscais atribuídos na Alemanha às sucessões se, no momento da morte, o autor da sucessão ou o herdeiro residam neste Estado-Membro, abranjam a herança que lhe foi transmitida pela sua mulher.

19.      Quanto ao acesso às mesmas condições de vida que as concedidas aos nacionais, previsto no artigo 1.°, alínea d), do referido acordo — e ainda que Y. Welte não tenha precisado nas suas observações as disposições deste acordo que considera pertinentes para efeitos da resposta à questão prejudicial -, em minha opinião, só o artigo 25.° do anexo I do referido acordo, intitulado «Aquisição de bens imóveis», é suscetível de ter conexão com o objeto do processo principal.

20.      Este artigo, no entanto, visa como titular do direito de aquisição de bens imóveis em situação de igualdade com os nacionais do Estado de acolhimento, as pessoas singulares nacionais de uma parte contratante «que tenham direito de residência» no território do Estado de acolhimento ou que sejam «trabalhadores fronteiriços» (10), isto é, que exerçam a sua atividade económica no território do referido Estado sem, no entanto, aí residirem. Nenhum elemento do presente processo me leva a crer que Y. Welte preenche uma destas condições. Além disso, no que respeita à categoria dos nacionais que beneficiam de um direito de residência no Estado de acolhimento, sem que aí tenham a sua residência principal, bem como à dos trabalhadores fronteiriços, o artigo 25.° do anexo I do acordo sobre a livre circulação de pessoas especifica que este último «não afeta as normas em vigor no Estado de acolhimento em matéria de investimentos de capitais», princípio que a fortiori deve aplicar-se, sem prejuízo do respeito das disposições do Tratado CE, às situações não abrangidas pelo âmbito de aplicação do referido acordo.

21.      Proponho, então, ao Tribunal de Justiça que, na sua resposta à questão prejudicial do órgão jurisdicional nacional, não tome em consideração o acordo sobre a livre circulação de pessoas.

22.      Em contrapartida, parece-me útil, em razão do domicílio na Suíça, e, portanto, num país terceiro, de Y. Welte, bem como da jurisprudência do Tribunal de Justiça relativa à livre circulação de capitais, incluir nesta resposta considerações respeitantes à interpretação do artigo 57.°, n.° 1, CE, não referido expressamente pelo órgão jurisdicional de reenvio, mas que, no entanto, é objeto de observações pelas partes interessadas.

23.      Como é sabido, o artigo 57.°, n.° 1, CE autoriza, segundo as condições nele enumeradas e sem prejuízo da proibição das restrições à livre circulação de capitais entre os Estados-Membros e os países terceiros prevista no artigo 56.°, n.° 1, CE, a manutenção das existentes em 31 de dezembro de 1993 ao abrigo da legislação nacional e quando os movimentos de capitais em questão envolvam «investimento direto, incluindo o investimento imobiliário, estabelecimento, prestação de serviços financeiros ou admissão de valores mobiliários em mercados de capitais».

24.      É verdade que as sucessões transfronteiriças, enquanto movimentos de capitais «de caráter pessoal», segundo a nomenclatura anexa à Diretiva 88/361/CEE (11) — que, segundo a jurisprudência, mantém o seu valor indicativo na falta de definição, no Tratado, do conceito de «movimentos de capitais» (12) — não estão incluídas entre as categorias que figuram na enumeração do artigo 57.°, n.° 1, CE, e que os Estados-Membros não estão autorizados a alargar o âmbito de aplicação material desta disposição para além das operações nela mencionadas (13).

25.      Cumpre, no entanto, à semelhança da Comissão nas suas observações, questionar as implicações que pode ter para a solução do presente litígio o raciocínio seguido pelo Tribunal de Justiça no acórdão Scheunemann (14), no qual este último, no essencial, considerou que a qualificação jurídica do tratamento fiscal de uma sucessão como sendo abrangida pelo âmbito de aplicação do artigo 63.°, n.° 1, TFUE (ex-artigo 56.°, n.° 1, CE) não é automática, dado depender dos bens que constituem o objeto da sucessão. Ora, se, como no acórdão Scheunemann, já referido, o objeto da sucessão se torna um critério decisivo para determinar a liberdade de circulação aplicável, é possível pensar que, a fortiori, este critério se torna igualmente pertinente no que respeita à aplicação, numa mesma liberdade de circulação, das exceções a esta liberdade.

26.      Noutros termos, se as sucessões transfronteiriças constituem movimentos de capitais, na aceção do artigo 56.°, n.° 1, CE, e, em princípio, não estão abrangidas pelo âmbito de aplicação material do artigo 57.°, n.° 1, CE, ter em conta o objeto da sucessão, no caso em apreço, um bem imóvel, é suscetível de acionar a aplicação desta última disposição.

27.      Nestas circunstâncias, parece-me útil examinar no presente processo a aplicabilidade do artigo 57.°, n.° 1, CE, depois de verificar previamente se a medida nacional em questão constitui uma restrição à livre circulação na aceção do artigo 56.°, n.° 1, CE.

B —    Quanto à existência de uma restrição aos movimentos de capitais na aceção do artigo 56.°, n.° 1, CE

28.      As medidas proibidas pelo artigo 56.°, n.° 1, CE, enquanto restrições aos movimentos de capitais, incluem designadamente as que são suscetíveis de dissuadir os não residentes de fazerem investimentos num Estado-Membro e as que têm por efeito diminuir o valor da sucessão de um residente de um Estado — incluindo, portanto, de um Estado terceiro —, que não seja o Estado-Membro em que se encontram os bens em causa e que impõe a sucessão dos referidos bens (15).

29.      No caso vertente, uma regulamentação fiscal nacional, como a que está em causa no processo principal, que prevê uma isenção num montante fixo de 2 000 euros sobre o valor tributável da devolução patrimonial se, no momento da morte de uma pessoa, o autor e o beneficiário da sucessão residissem num Estado distinto do Estado-Membro em que se encontram os bens tributados, ao passo que esta isenção era de 500 000 euros se o autor ou o beneficiário da sucessão residisse no referido Estado-Membro, tem por efeito, como no processo principal, submeter a uma carga fiscal total mais elevada a sucessão dos não residentes (16).

30.      Por conseguinte, tal desvantagem fiscal é suscetível de dissuadir os não residentes de procederem a investimentos no Estado-Membro em que se encontram os bens tributados, em particular, à semelhança do processo principal, de adquirirem um bem imóvel ou de o manterem no seu património. Constitui, pois, uma restrição à circulação de capitais, na aceção do artigo 56.°, n.° 1, CE.

31.      Esta restrição pode, no entanto, ser admitida no direito da União se a diferença de tratamento em que assenta for respeitante a situações que não sejam objetivamente comparáveis (17), como aliás alegaram, neste caso, os Governos alemão e belga. Com efeito, estes governos sustentam que só o Estado de residência do de cujus, em que é iniciada a sucessão, tem condições para tomar em consideração a totalidade da massa da herança. Noutros termos, porque, contrariamente à situação dos seus próprios residentes, a Alemanha exerce apenas uma competência fiscal limitada sobre as sucessões relativamente às quais, no momento da morte, nem o de cujus nem o herdeiro residem no seu território, este Estado-Membro não pode, logicamente, conceder senão uma isenção reduzida neste último caso.

32.      Importa realçar que o Tribunal de Justiça já rejeitou uma argumentação análoga nos seus acórdãos, já referidos, Eckelkamp e o., Arens-Sikken e Mattner, relativos, os dois primeiros, à compatibilidade com a livre circulação de capitais de regras nacionais em matéria de imposto sobre as sucessões aplicáveis a um imóvel, que estabeleciam uma diferença de tratamento em função da residência do de cujus, e, o terceiro, à legislação fiscal alemã em causa no presente processo no caso de uma doação de um imóvel entre vivos.

33.      Independentemente das especificidades de cada um destes processos, o Tribunal de Justiça adotou um raciocínio, no essencial, similar para verificar o caráter objetivamente comparável das situações dos residentes e dos não residentes nos três processos, que se baseia na coerência da regulamentação nacional e que pode ser resumido do seguinte modo: dado que o Estado-Membro aplica, em princípio, ao bem que é objeto da sucessão ou da doação regras e condições de tributação idênticas, independentemente do critério da residência no seu território das pessoas em causa (18), este critério não pode pois justificar a aplicação de uma diferença de tratamento entre residentes e não residentes apenas na fase da determinação e da concessão de uma vantagem fiscal, quer esta assuma a forma de uma dedutibilidade dos ónus que recaem sobre o imóvel (caso dos acórdãos Eckelkamp e o. e Arens-Sikken) ou de uma isenção fiscal (acórdão Mattner) (19).

34.      É verdade que, no presente processo, o órgão jurisdicional de reenvio salientou que a massa da herança de F. I. Welte-Schenkel inclui tanto um bem imóvel como ativos mobiliários, circunstância que pode parecer estabelecer uma distinção relativamente aos três processos referidos, que eram todos respeitantes a um contencioso relativo à devolução patrimonial de um único bem imóvel.

35.      Não creio, contudo, que seja necessário retirar deste elemento a consequência da ausência de comparabilidade objetiva entre a situação de não residentes e a de residentes alemães no presente processo.

36.      Com efeito, este tipo de consideração parece-me tributário de contingências processuais ou da delimitação do litígio no processo principal pelo órgão jurisdicional nacional. Assim, embora seja certo que, no processo Arens-Sikken, já referido, as questões prejudiciais incidiam exclusivamente sobre o tratamento fiscal da quota-parte de um imóvel pertencente ao de cujus, não residente no Estado-Membro onde estava situado esse imóvel (Países Baixos), a sucessão do de cujus, enquanto tal, incluía contudo outros bens cujo tratamento fiscal não era objeto do reenvio prejudicial (20). Além disso, a competência fiscal do Reino dos Países Baixos era tão limitada como a da República Federal da Alemanha em debate no presente processo. Com efeito, no que respeita à sucessão de um de cujus não residente nos Países Baixos à data da sua morte, como no caso do marido de D. M. M. A. Arens-Sikken, a competência fiscal deste Estado-Membro estava limitada à «posse interna», isto é, aos bens imóveis situados no seu território ou aos direitos sobre estes (21). Contudo, esta circunstância não impediu o Tribunal de Justiça de considerar que os sujeitos passivos não residentes, parcialmente tributados nos Países Baixos, se encontravam numa posição objetivamente equiparada à dos sujeitos passivos residentes, integralmente tributados neste Estado-Membro, para efeitos da solução do litígio no processo Arens-Sikken, já referido.

37.      No processo principal, é facto assente que os bens imóveis incluídos na herança de F. I. Welte-Schenkel não foram tidos em consideração na matéria coletável na Alemanha, por força da regulamentação alemã, e que, portanto, o litígio está circunscrito ao tratamento fiscal do prédio herdado pelo seu marido.

38.      Em minha opinião, no fundamental, esta situação não difere fundamentalmente da da tributação de uma herança na qual participa um residente alemão, integralmente tributado na Alemanha seja como cônjuge do autor da sucessão ou como herdeiro, e que incide apenas sobre um único bem imóvel sito na Alemanha. Ora, ainda que, neste caso, a massa da herança seja restrita, a isenção litigiosa de 500 000 euros será contudo concedida a esse residente alemão.

39.      Em quaisquer circunstâncias, mesmo que o Tribunal de Justiça considere que importa tomar em consideração o facto de a herança recebida por Y. Welte incluir vários bens de natureza distinta, é também certo, como salientou o órgão jurisdicional de reenvio, que o terreno em questão representa cerca de 62% do valor total da herança e que os outros componentes desta não foram tributados. Ora, mesmo supondo que, contrariamente ao raciocínio exposto pelo Tribunal de Justiça nos acórdãos, já referidos, Eckelkamp e o., Arens-Sikken e Mattner, se subscreva a argumentação do Governo alemão segundo a qual o presente processo, por analogia, pode inscrever-se no contexto da jurisprudência Schumacker (22) e D (23), nos termos da qual, em matéria de imposto sobre o rendimento e sobre a fortuna, a situação do residente e a do não residente, regra geral, não são comparáveis (24), contudo, no processo principal, o essencial, ou mesmo a quase totalidade da herança tributada encontra-se no Estado-Membro no qual se situa o terreno que é objeto da sucessão e, em minha opinião, é este Estado-Membro, que está melhor colocado para tomar em consideração a situação pessoal e familiar do contribuinte para efeitos da aplicação da isenção fiscal litigiosa (25). Com efeito, o facto, referido pelo órgão jurisdicional de reenvio, de a herança não ter sido sujeita a nenhum imposto ao abrigo da legislação fiscal do Estado de residência de Y. Welte, devia, por analogia com a jurisprudência desenvolvida em matéria de imposto sobre o rendimento (26), ser equiparado a uma situação de ausência de «rendimento» sucessório neste Estado, que leva a que seja o Estado-Membro em que está situado o imóvel — que, portanto, representa a quase totalidade do valor da herança tributável — que deve tomar em consideração a situação pessoal e familiar do contribuinte, sem o que esta última não seria tida em conta em nenhum dos Estados-Membros (27).

40.      Por conseguinte, em minha opinião, independentemente da maneira como analisa a questão da comparabilidade objetiva das situações entre residentes e não residentes no presente processo, o Tribunal de Justiça deve chegar ao mesmo resultado e, portanto, considerar que a medida em causa no processo principal constitui uma restrição à livre circulação de capitais que só pode ser tolerada se for abrangida pela cláusula de «standstill» prevista no artigo 57.°, n.° 1, CE ou se puder ser justificada por uma razão imperiosa de interesse geral.

C —    Quanto à aplicabilidade do artigo 57.°, n.° 1, CE

41.      Como já referi, o artigo 57.°, n.° 1, CE habilita os Estados-Membros a manter, em relação a países terceiros, restrições, existentes em 31 de dezembro de 1993, aos movimentos de capitais que envolvam «investimento direto, incluindo o investimento imobiliário».

42.      Se não existe nenhuma dúvida de que a Confederação Suíça deve ser qualificada de país terceiro na aceção desta disposição (28), já não é tão fácil determinar se a regulamentação alemã em causa no processo principal recai no âmbito de aplicação temporal e material desta cláusula de «standstill».

43.      No que respeita ao âmbito de aplicação temporal do artigo 57.°, n.° 1, CE, importa salientar que a versão do ErbStG em causa no presente processo é posterior a 31 de dezembro de 1993.

44.      No entanto, o Tribunal de Justiça já decidiu que uma medida nacional adotada posteriormente a esta data não fica, por este simples facto, automaticamente excluída do regime derrogatório instituído pelo direito da União. Com efeito, uma disposição essencialmente idêntica à legislação anterior ou que se limite a reduzir ou suprimir um obstáculo ao exercício dos direitos e das liberdades da União que constam da legislação anterior beneficia da derrogação. Pelo contrário, está excluída da mesma derrogação uma legislação que assente numa lógica diferente da do direito anterior vigente em 31 de dezembro de 1993 e institua novos procedimentos. Em tal caso, esta legislação não pode ser equiparada a uma legislação existente na referida data (29).

45.      No caso em apreço, resulta da resposta do órgão jurisdicional de reenvio ao pedido de esclarecimentos remetido pelo Tribunal de Justiça, que, com a exceção do montante das isenções concedidas nos termos do ErbStG, a diferença de tratamento em causa no presente processo já existia na versão desta lei publicada em 19 de fevereiro de 1991 e alterada em 21 de dezembro de 1993.

46.      Em consequência, a versão do ErbStG posterior a 31 de dezembro de 1993 era, salvo quanto ao montante das isenções, na substância e na lógica, idêntica à vigente anteriormente a esta data. O facto de o montante das isenções ter sido alterado e, como salientou a Comissão, a diferença entre as isenções concedidas ter aumentado, não significa, contudo, que a lógica desta lei tenha sido alterada após 31 de dezembro de 1993 ou que tenham sido instituídos novos procedimentos relativos aos nacionais de países terceiros, a contar desta data, na aceção da jurisprudência já referida.

47.      À luz dos elementos apresentados pelo órgão jurisdicional de reenvio, a condição ratione temporis prevista no artigo 57.°, n.° 1, CE parece-me pois preenchida.

48.      Em contrapartida, considero que esta legislação não recai no âmbito de aplicação material deste artigo. Esta posição baseia-se nas considerações que se seguem.

49.      Podem, antes de mais, manifestar-se dúvidas legítimas quanto ao facto de movimentos de capitais, como as sucessões de nacionais de países terceiros regulamentadas por uma legislação fiscal de um Estado-Membro, envolverem, na aceção do artigo 57.°, n.° 1, CE, «investimento direto, incluindo o investimento imobiliário».

50.      Com efeito, como já referi, na ausência de definição do conceito de movimentos de capitais, o Tribunal de Justiça, até ao presente, tanto para a apresentação do artigo 56.° CE como para a do artigo 57.° CE, baseou-se sistematicamente nas definições constantes da nomenclatura do anexo I da Diretiva 88/361 e das respetivas notas explicativas (30). Ora, enquanto as sucessões figuram na categoria XI desta nomenclatura, intitulada «Movimentos de capitais de caráter pessoal», os investimentos diretos, que, segundo as notas explicativas, se entendem como «investimentos de qualquer natureza […] que servem para criar ou manter relações duradouras e diretas entre o investidor e o empresário ou a empresa a que se destinam esses fundos com vista ao exercício de uma atividade económica», figuram na categoria I da mesma nomenclatura.

51.      Além disso, enquanto derrogação a um regime de liberdade previsto pelo direito da União, que é especialmente amplo, o artigo 57.°, n.° 1, CE, deve ter uma interpretação estrita (31).

52.      Em seguida, ainda que se subscrevesse a tese da Comissão, desenvolvida, por analogia, com fundamento no acórdão Scheunemann, já referido, segundo a qual o regime jurídico de uma sucessão transfronteiriça é tributário do objeto desta, a saber, no caso em apreço, um bem imóvel (32), em minha opinião, esta argumentação não implicava a aplicação do artigo 57.°, n.° 1, CE numa situação como a do processo principal.

53.      A este respeito, importa remeter de novo para a nomenclatura e para as respetivas notas explicativas.

54.      Segundo a nomenclatura, os investimentos imobiliários referidos na categoria II, que são definidos pelas notas explicativas como «[a]s aquisições de propriedades construídas e não construídas bem como a construção de edifícios por pessoas privadas com fins lucrativos ou pessoais», são investimentos «não incluídos na categoria I», a saber, a categoria dos investimentos diretos.

55.      Por conseguinte, quando o artigo 57.°, n.° 1, CE refere «investimento direto, incluindo o investimento imobiliário» (33), há que compreender esta parte da frase como abrangendo os investimentos imobiliários que constituam investimentos diretos, isto é, para parafrasear as notas explicativas, investimentos imobiliários que servem para criar ou manter relações diretas com um empresário ou uma empresa com vista ao exercício de uma atividade económica.

56.      Em contrapartida, investimentos imobiliários de tipo patrimonial, sem conexão com o exercício de uma atividade económica, não recaem no âmbito de aplicação do artigo 57.°, n.° 1, CE.

57.      Esta interpretação parece-me apoiada por três considerações suplementares.

58.      Em primeiro lugar, é justificada pela necessidade de proceder a uma leitura restrita da derrogação prevista pelo artigo 57.°, n.° 1, CE, de modo a não privar o regime de liberdade muito amplo previsto pelo artigo 56.°, n.° 1, CE de grande parte do seu efeito útil.

59.      Em segundo lugar, é explicada pela exigência de interpretar o artigo 57.°, n.° 1, CE (ex-artigo 73.° C, do Tratado CE) de maneira coerente com outras disposições de direito primário, em particular o protocolo relativo à aquisição de bens imóveis na Dinamarca, anexo ao Tratado da União Europeia, assinado em Maastricht em 7 de fevereiro de 1992 (34), e o Ato de Adesão à União Europeia da Áustria, da Finlândia e da Suécia (35). Com efeito, resulta destes atos que, apesar das disposições dos Tratados, os referidos Estados-Membros foram autorizados a manter, de maneira transitória para os três últimos, as suas legislações nacionais em vigor em matéria de aquisição de residências secundárias (36). Ora, é evidente que a negociação e adoção de tais atos seriam inúteis se o artigo 73.° C, do Tratado CE abrangesse os investimentos imobiliários de natureza patrimonial sem conexão com o exercício de uma atividade económica.

60.      Por último, em terceiro lugar, ainda que a interpretação restritiva do conceito de investimentos imobiliários aqui proposta não se apoie em nenhuma jurisprudência do Tribunal de Justiça (37), não é contudo incompatível com esta última.

61.      Com efeito, nem o acórdão Fokus Invest, nem o acórdão Prunus e Polonium, já referidos, que, é certo, foram ambos relativos à aquisição de bens imobiliários por nacionais de países terceiros, são, em minha opinião, decisivos quanto à interpretação do âmbito de aplicação material do artigo 57.°, n.° 1, CE ou, sequer, dirimiram a questão da exclusão dos investimentos imobiliários patrimoniais, sem conexão com o exercício de uma atividade económica, do âmbito de aplicação desta disposição.

62.      Assim, quanto ao processo na origem do primeiro acórdão supramencionado, importa recordar que o mesmo era relativo à aquisição, por uma sociedade austríaca de investimento imobiliário, de uma quota-parte de um bem imobiliário que lhe conferia a propriedade de um grande número de apartamentos destinados a habitação e de lugares de estacionamento que foram arrendados, sendo a totalidade das participações sociais nessa sociedade detidas, na época dos factos de processo principal, por sociedades anónimas de direito suíço (38). Ainda que o Tribunal de Justiça tenha considerado o regime de autorização prévia deste tipo de aquisição imobiliária, instaurado na Áustria, abrangido pelo âmbito de aplicação do artigo 64.°, n.° 1, TFUE (ex-artigo 57.°, n.° 1, CE) e, portanto, admissível em relação a estas sociedades estabelecidas no território da Confederação Suíça, o processo principal tinha uma conexão inegável com o exercício de uma atividade económica exercida por pessoas coletivas estabelecidas num país terceiro no território de um Estado-Membro.

63.      É verdade que certas passagens do acórdão Fokus Invest podem levar a crer que o Tribunal de Justiça estava pronto para validar o regime de autorização prévia, independentemente da situação na origem do processo principal. No entanto, estas apreciações não me parecem inteiramente conclusivas e a precisão com que o Tribunal de Justiça descreveu as circunstâncias na origem deste processo leva-me a pensar que não teria chegado a uma conclusão idêntica se o investimento imobiliário em questão apenas abrangesse a aquisição de um único bem para fins puramente patrimoniais.

64.      Do mesmo modo, no que respeita ao acórdão Prunus e Polonium, cuja questão principal era relativa ao âmbito de aplicação pessoal do artigo 64.°, n.° 1, CE, a saber, se um país e território ultramarino de um Estado-Membro, em relação a outro Estado-Membro, devia ser considerado como um país terceiro, na aceção desta disposição, o processo era relativo à cobrança de um imposto sobre a propriedade de imóveis que, no caso, eram objeto de uma exploração económica através da sociedade de direito francês Prunus, a qual se tinha tornado um instrumento para a realização de um investimento direto imobiliário pelas suas sociedades-mãe, estabelecidas nas ilhas Virgens britânicas (39). Em minha opinião, foi à luz destas circunstâncias que o Tribunal de Justiça pôde concluir, aliás sem fundamentar de maneira específica o seu acórdão quanto ao âmbito de aplicação material do artigo 64.°, n.° 1, TFUE, que as restrições resultantes do imposto controvertido eram admitidas, em relação aos países e territórios ultramarinos, ao abrigo desta disposição (40).

65.      Pelo conjunto das considerações precedentes, considero que a legislação alemã em causa no processo principal, que rege o tratamento fiscal de uma sucessão entre nacionais de países terceiros cujo objeto é um bem imobiliário situado no território alemão, não preenche a condição material prevista no artigo 57.°, n.° 1, CE.

66.      Nestas condições, importa verificar se tal legislação pode contudo ser justificada por razões imperiosas de interesse geral.

D —    Quanto à justificação da restrição ao abrigo das razões imperiosas de interesse geral

67.      O Governo alemão sustenta que a regulamentação em causa no processo principal responde tanto à preservação da coerência fiscal como à necessidade de assegurar a eficácia dos controlos fiscais.

68.      No que respeita ao primeiro fundamento de justificação que alega, o Governo alemão recorda que, enquanto no regime da sujeição parcial, a vantagem do valor tributável reduzido é compensada pelo inconveniente de uma isenção reduzida, no regime da sujeição integral, a vantagem de uma isenção superior é compensada pelo inconveniente de um valor tributável mais amplo. O acórdão Mattner, já referido, não dizia nada diferente. Com efeito, os factos que deram lugar a este acórdão apresentavam-se de outro modo, pois, no caso de uma transmissão por via de doação, que, regra geral, incide apenas sobre um único bem, as diferenças entre os regimes de sujeição parcial e integral ao imposto não se fazem sentir.

69.      Esta argumentação não é convincente.

70.      Embora seja certo que a salvaguarda da coerência fiscal foi reconhecida pelo Tribunal de Justiça como sendo suscetível de justificar uma restrição à livre circulação de capitais (41), a admissibilidade deste fundamento de justificação está subordinada à existência de um nexo direto entre a vantagem fiscal em causa e a compensação dessa vantagem pela liquidação de um determinado imposto (42).

71.      Ora, em minha opinião, esta condição não está preenchida. Com efeito, como já indiquei, a isenção de 500 000 euros é concedida aos residentes alemães, independentemente do valor da massa da herança. Portanto, não existe um nexo direto entre esta isenção e a liquidação de um determinado imposto. Além disso, a isenção de 500 000 euros é também atribuída a um residente alemão herdeiro de um único bem imóvel ainda que, em razão do domicílio do autor da sucessão no momento da morte, a massa da herança se situe no estrangeiro, sem que, por diversas razões, a República Federal da Alemanha possa tributá-la. Como tal, não existe neste caso um nexo direto e lógico de simetria entre a vantagem fiscal e uma alegada liquidação de um determinado imposto.

72.      Cumpre, pois, excluir a justificação resultante da necessidade de salvaguardar a coerência fiscal do regime em causa no processo principal.

73.      O segundo fundamento invocado pelo Governo alemão, a saber, a exigência de assegurar a eficácia dos controlos fiscais (43), em minha opinião, deve ter um tratamento idêntico.

74.      É certo que, como indicou este governo, a Diretiva 77/799/CEE do Conselho, de 19 de dezembro de 1977, relativa à assistência mútua das autoridades competentes dos Estados-Membros no domínio dos impostos diretos (44) não é aplicável nas relações entre os Estados-Membros e as autoridades competentes dos países terceiros.

75.      No entanto, mesmo no âmbito das relações entre as administrações fiscais dos Estados-Membros, a cooperação que estabelece não se estende às informações relativas à liquidação do imposto sobre as sucessões, mas apenas ao imposto sobre os rendimentos e, desde 2004, ao imposto sobre os prémios de seguro.

76.      Cumpre, além disso, salientar que as informações referidas pelo Governo alemão, que pretende reivindicar, em primeiro lugar, a comunicação ao beneficiário de uma herança e cuja fiabilidade considera dever ser controlada com o auxílio da cooperação das autoridades fiscais do Estado em que é iniciada a sucessão, são, no essencial, relativas à certidão de óbito e aos outros documentos emitidos pelos conservadores do registo civil do Estado de residência do de cujus que, ainda que se possa legitimamente duvidar que possam eficazmente incluir-se numa cooperação entre autoridades fiscais, podem contudo ser obtidas, como adequadamente alegou a Comissão, no âmbito da aplicação do artigo 13.° da Convenção entre a República Federal da Alemanha e a Confederação Suíça, de 30 de novembro de 1978, para evitar a dupla tributação em matéria de impostos sobre as sucessões.

77.      Independentemente desta circunstância, estes tipos de informações e de documentos oficiais, que, regra geral, não exigem apreciação complexa, podem perfeitamente ser comunicados pelo herdeiro, sem que, para conceder uma isenção fiscal, seja necessário recorrer à cooperação sistemática das autoridades competentes do país terceiro em causa. De resto, recorde-se que, segundo a regulamentação em litígio no processo principal, a isenção fiscal de 500 000 euros é concedida ao herdeiro, residente na Alemanha, que beneficia da transmissão sucessória de bens situados num país terceiro de uma pessoa que, no momento da morte, residia no território do referido país. Ora, é no mínimo paradoxal que as autoridades alemãs não vejam obstáculo em conceder essa isenção, quando dependem tanto da cooperação do herdeiro para a obtenção das informações relativas à morte e à sucessão do cônjuge não residente que, na situação em que, como é o caso no processo principal, recusam conceder essa isenção fiscal.

78.      Nestas circunstâncias, nenhum dos dois objetivos de interesse geral aduzidos pelo Governo alemão pode, em minha opinião, ser acolhido.

79.      Assim, não há que questionar a proporcionalidade das disposições nacionais em causa no processo principal.

80.      Se, no entanto, o Tribunal de Justiça considerar necessário pronunciar-se sobre esta questão, subscrevo as observações da Comissão segundo as quais as disposições nacionais em causa no processo principal vão além do que é necessário para a realização dos objetivos de interesse geral invocados. Em particular, enquanto, no processo principal, a massa da herança situada na Alemanha e tributada neste Estado-Membro representa mais de 60% do valor da herança, a isenção de montante fixo de 2 000 euros atribuída ao recorrente no processo principal corresponde apenas a 0,4% da isenção de que teria beneficiado se residisse na Alemanha no momento da morte da sua mulher. Tal desigualdade de tratamento é manifestamente desproporcionada à luz de todos os fundamentos de interesse geral invocados pelo Governo alemão.

81.      A questão da determinação do nível ou da taxa adequada a que deve ser fixada a isenção fiscal no caso de alemães não residentes, com o objetivo de assegurar a proporcionalidade das disposições nacionais em causa no processo principal, é da responsabilidade das autoridades competentes do Estado-Membro de tributação.

82.      No que respeita à situação do recorrente no processo principal, não está excluído que o próprio órgão jurisdicional de reenvio, ao qual incumbe dirimir o litígio que lhe foi submetido, no âmbito de uma competência que excede a simples anulação da decisão impugnada, deva afastar a aplicação da isenção de montante fixo.

83.      Presumindo que detém essa competência, a dificuldade que teria consiste em saber se a igualdade de tratamento entre residentes e não residentes lhe impõe que conceda a isenção integral de 500 000 euros, apesar de a quota-parte da herança recebida por Y. Welte e tributada na Alemanha, diferentemente, regra geral, das situações puramente internas dos contribuintes a título integral, não corresponder ao montante total da herança.

84.      Em minha opinião, deve dar-se uma resposta afirmativa a esta questão. Com efeito, como já indiquei, a situação de Y. Welte não me parece sensivelmente diferente da de um residente alemão que beneficie da sucessão, iniciada na Alemanha, do seu cônjuge, igualmente residente na Alemanha no momento da morte, quando esta herança é unicamente composta por um só bem imóvel. Ora, dado que todas as outras coisas são iguais, teria sido atribuída a isenção integral a esse residente e ele não teria tido que pagar imposto sucessório sobre a transmissão deste bem.

85.      Além disso, tendo em conta as circunstâncias do processo principal, em particular, a importância que assume o bem imobiliário herdado por Y. Welte no valor total da sucessão iniciada no seguimento da morte da sua mulher, parece que a República Federal da Alemanha é a melhor colocada para tomar em consideração a situação pessoal e familiar do contribuinte. Neste caso, e por analogia com a proposta que apresentei nas minhas conclusões no processo que deu lugar ao acórdão Beker e Beker (45), avalizada pelo Tribunal de Justiça no n.° 60 do referido acórdão, a isenção fiscal devia ser integralmente efetuada na quota-parte da sucessão recebida nesse Estado-Membro.

III — Conclusão

86.      À luz das considerações precedentes, proponho ao Tribunal de Justiça que responda à questão prejudicial submetida pelo Finanzgericht Düsseldorf do seguinte modo:

«Os artigos 56.° CE, 57.° CE e 58.° CE devem ser interpretados no sentido de que se opõem a um regime de imposto sobre as sucessões de um Estado-Membro que prevê uma isenção fiscal de 2 000 euros para os residentes de um país terceiro que, na sucessão de outro residente deste mesmo país terceiro, recebam um prédio sito neste Estado-Membro, ao passo que seria concedida uma isenção fiscal de 500 000 euros se, na data da morte, o de cujus ou o herdeiro tivesse domicílio no referido Estado-Membro.»


1 —      Língua original: francês.


2 —      Refira-se que, na audiência no Tribunal de Justiça, as partes no processo principal indicaram que, no terreno, estava construída a casa de família dos pais de F. I. Welte-Schenkel, que ela própria herdou alguns meses antes do seu falecimento.


3 —      Na versão publicada em 27 de fevereiro de 1997 (BGBl. 1997 I, p. 378), na redação que lhe foi dada pelo artigo 1.° da Lei da reforma do direito do imposto sobre as sucessões e da avaliação de bens (Gesetz zur Reform des Erbschaftsteuer- und Bewertungsrechts), de 24 de dezembro de 2008 (BGBl. 2008 I, p. 3018).


4 —      Na versão resultante da lei fiscal anual (Jahressteuergesetz) de 20 de dezembro de 2006 (BGBl. 2006 I, p. 2049), na redação que lhe foi dada pelo artigo 2.° da Lei da reforma do direito do imposto sobre as sucessões e da avaliação de bens, de 24 de dezembro de 2008.


5 —      A tributação sucessória dos créditos bancários parece também abrangida pela competência do Estado de domicílio do de cujus, nos termos do artigo 8.° da Convenção entre a República Federal da Alemanha e a Confederação Suíça, de 30 de novembro de 1978, para evitar a dupla tributação em matéria de impostos sobre as sucessões (BGBl. 1980 II, p. 594).


6 —      Acórdão de 22 de abril de 2010, Mattner (C-510/08, Colet., p. I-3553, n.° 56).


7 —      Acórdão de 18 de dezembro de 2007, A (C-101/05, Colet., p. I-11531, n.os 27 e 31).


8 —      JO L 114, p. 6.


9 —      V., designadamente, neste sentido, acórdãos de 23 de fevereiro de 2006, van Hilten-van der Heijden (C-513/03, Colet., p. I-1957, n.os 25 e 26 e jurisprudência aí referida), e de 15 de julho de 2010, Hengartner e Gasser (C-70/09, Colet., p. I-7233, n.os 27 e 28).


10 —      V., neste sentido, acórdão de 11 de fevereiro de 2010, Fokus Invest (C-541/08, Colet., p. I-1025, n.os 35 e 36).


11 —      V. rubrica XI do anexo I da Diretiva 88/361/CEE do Conselho, de 24 de junho de 1988, para a execução do artigo 67.°do Tratado [artigo revogado pelo Tratado de Amesterdão] (JO L 178, p. 5) que tem designadamente por objeto as operações pelas quais é transmitido, no todo ou em parte, o património de uma pessoa, seja em vida ou após a morte. Com esta base, o Tribunal de Justiça confirmou a qualificação de movimentos de capitais, na aceção do artigo 56.°, n.° 1, CE, as sucessões em que os elementos que as integram não se situem no interior de um só Estado-Membro: v., designadamente, acórdãos van Hilten-van der Heijden, já referido (n.° 42); de 11 de setembro de 2008, Eckelkamp e o. (C-11/07, Colet., p. I-6845, n.° 39) e Arens-Sikken (C-43/07, Colet., p. I-6887, n.° 30); de 12 de fevereiro de 2009, Block (C-67/08, Colet., p. I-883, n.° 20), e de 15 de outubro de 2009, Busley e Cibrian Fernandez (C-35/08, Colet., p. I-9807, n.° 18).


12 —      V., especialmente, acórdãos, já referidos, Eckelkamp e o. (n.° 38); Arens-Sikken (n.° 29); e Block (n.° 19).


13 —      V., neste sentido, acórdão de 14 de dezembro de 1995, Sanz de Lera e o. (C-163/94, C-165/94 e C-250/94, Colet., p. I-4821, n.os 35 a 37).


14 —      Acórdão de 19 de julho de 2012, Scheunemann (C-31/11, n.os 21 a 23). Neste processo, o objeto da herança transmitida a uma residente na Alemanha era uma participação, como sócio único, numa sociedade de capitais com sede no Canadá, para a qual a legislação alemã excluía certos benefícios fiscais. O Tribunal de Justiça entendeu (v. n.os 31 a 34 do acórdão) que esta situação implicava a detenção de uma participação permitindo assegurar uma influência efetiva sobre as decisões e a determinação das atividades da sociedade e, portanto, devia ser analisada ao abrigo da liberdade de estabelecimento, a qual não está vocacionada para ser aplicável às relações entre os Estados-Membros e os países terceiros. Refira-se que o Tribunal de Justiça já tinha aplicado a liberdade de estabelecimento a uma regulamentação fiscal em matéria de imposto sobre as sucessões aplicável a uma sociedade familiar cujo capital social era detido, pelo menos, em 50%: v. acórdão de 25 de outubro de 2007, Geurts e Vogten (C-464/05, Colet., p. I-9325, n.os 13 e 14).


15 —      V., neste sentido, designadamente, acórdãos, já referidos, Hilten-van der Heijden (n.° 44) e Block (n.° 24), e acórdão de 10 de fevereiro de 2011, Missionswerk Werner Heukelbach (C-25/10, Colet., p. I-497, n.° 22). O processo na origem do acórdão Hilten-van der Heijden era relativo à sucessão de um nacional neerlandês com domicílio fiscal na Suíça no momento da sua morte.


16 —      V., igualmente, neste sentido, acórdão, já referido, Arens-Sikken (n.os 38 e 40), a propósito de uma regulamentação nacional que aplicava um método de cálculo diferente para determinar o imposto sucessório efetivamente devido quando da devolução patrimonial consoante, no momento da sua morte, o de cujus residia ou não no Estado-Membro do lugar onde estava situado o imóvel objeto da sucessão.


17 —      V., designadamente, acórdãos, já referidos, Mattner (n.° 30) e Missionswerk Werner Heukelbach (n.° 29).


18 —      Designadamente, os laços de parentesco e o valor dos bens que determinam a matéria coletável e a taxa do imposto.


19 —      V., respetivamente, acórdãos, já referidos, Eckelkamp e o. (n.os 62 e 63); Arens-Sikken (n.os 56 e 57); e Mattner (n.os 36 a 38).


20 —      V. acórdão Arens-Sikken, já referido (n.° 17).


21 —      Ibidem (n.os 7 e 8).


22 —      Acórdão de 14 de fevereiro de 1995, Schumacker (C-279/93, Colet., p. I-225, n.os 31, 32 e 34). V., igualmente, acórdão de 14 de setembro de 1999, Gschwind (C-391/97, Colet., p. I-5451, n.os 22 e 23).


23 —      Acórdão de 5 de julho de 2005, D (C-376/03, Colet., p. I-5821, n.° 38).


24 —      Pode, no entanto, duvidar-se de tal analogia porque, contrariamente ao imposto sobre o rendimento ou a fortuna, o imposto sucessório não depende da capacidade contributiva do contribuinte, mas do nexo de parentesco com o de cujus e do valor da sucessão.


25 —      V., por analogia, em matéria de imposto sobre o rendimento, acórdãos já referidos Schumacker (n.os 36 e 37) e Gschwind (n.° 27).


26 —      V., designadamente, acórdãos de 1 de julho de 2004, Wallentin (C-169/03, Colet., p. I-6443, n.os 17 e 18); de 25 de janeiro de 2007, Meindl (C-329/05, Colet., p. I-1107, n.° 26); e de 10 de maio de 2012, Comissão/Estónia (C-39/10, n.° 53).


27 —      V., por analogia, acórdãos, já referidos, Wallentin (n.° 17) e Comissão/Estónia (n.° 53).


28 —      Note-se que o artigo 57.°, n.° 1, CE não é aplicável aos três outros Estados da Associação Europeia de Comércio Livre (AECL), a saber, a Islândia, a Noruega e o Liechtenstein, partes contratantes do Acordo sobre o Espaço Económico Europeu (EEE), dado que, nas relações entre eles e com os Estados-Membros da União, a circulação de capitais rege-se pelo artigo 40.° do referido acordo, que, no essencial, é idêntico ao artigo 56.°, n.° 1, CE: v. acórdão de 23 de setembro de 2003, Ospelt e Schlössle Weissenberg (C-452/01, Colet., p. I-9743, n.os 30 a 32) e despacho de 24 de junho de 2011, projektart e o. (C-476/10, Colet., p. I-5615, n.os 36 a 38), que opõe precisamente a situação da Confederação Suíça à dos três outros Estados da AECL, partes no acordo EEE.


29 —      V., neste sentido, acórdão de 24 de maio de 2007, Holböck (C-157/05, Colet., p. I-4051, n.° 41) e acórdãos, já referidos, A (n.° 49) e Fokus Invest (n.° 42). V., igualmente, acórdão de 5 de maio de 2011, Prunus e Polonium (C-384/09, Colet., p. I-3319, n.° 36).


30 —      V., designadamente, acórdão Holböck, já referido (n.° 34 e jurisprudência aí referida).


31 —      V., igualmente, neste sentido, n.° 64 das conclusões do advogado-geral P. Cruz Villalón, no processo que deu origem ao acórdão Prunus e Polonium, já referido.


32 —      Para quaisquer efeitos úteis, importa salientar que, contrariamente à transmissão sucessória de participações numa sociedade, que, segundo a jurisprudência Geurts e Vogten, assim como, Scheunemann, já referida, recai no âmbito de aplicação da liberdade de estabelecimento, o Tribunal de Justiça sempre considerou até ao presente que as sucessões transfronteiriças relativas tanto a bens mobiliários como imobiliários ou aquelas que tinham por objeto exclusivamente bens imobiliários recaiam no âmbito da livre circulação de capitais: v., a este respeito, designadamente acórdão Busley e Cibrian Fernandez, já referido (n.° 18 e jurisprudência aí referida).


33—      O sublinhado é meu.


34 —      JO 1992, C 224, p. 104 (versão consolidada).


35 —      JO 1994, C 241, p. 21.


36 —      V., respetivamente para a Áustria, a Finlândia e a Suécia, os artigos 70.°, 87.° e 114.° do Ato de Adesão.


37 —      Esta interpretação é, no entanto, partilhada por vários órgãos jurisdicionais administrativos franceses: v., designadamente, acórdão da cour administrative d’appel de Paris, de 7 de outubro de 2011, Caisse autonome des travailleurs salariés de Monaco, Droit fiscal, 2011, n.° 49, comm. 616, concl. Ph. Blanc; acórdão da cour administrative d’appel de Marseille, de 13 de março de 2012, Min. c. M. Graetz, Droit fiscal, 2012, n.° 25, comm. 342 Ch. Laroche, concl. G. Guidal. No entanto, até ao presente, nenhum órgão jurisdicional francês colocou qualquer questão prejudicial ao Tribunal de Justiça sobre este assunto. Além disso, uma grande parte da doutrina fiscal francesa parece subscrever a interpretação adotada pelos tribunais referidos: v., a este respeito, em particular, Maitrot de la Motte, A., «La libre circulation des capitaux et l’imposition des plus-values de cessions immobilières par des résidents d’États tiers à l’UE», Droit fiscal, 2011, n.° 18, comm. 338; Dinh, E., «Les investissements immobiliers sont-ils des investissements directs au sens de l’article 64.° TFUE (‘clause de gel’)? À propos de TA Montreuil, 8 décembre 2011, Mme Beaufour», Droit fiscal, 2012, n.° 25, 339 e Laroche, Ch., «Article 164 C du CGI et liberté de circulation des capitaux: ça chauffe pour la clause de gel!», Droit fiscal, 2012, n.° 25, comm. 342.


38 —      Acórdão Fokus Invest, já referido (n.° 18).


39 —      V., a este respeito, n.° 44 das conclusões do advogado-geral P. Cruz Villalón no processo que deu origem ao acórdão Prunus e Polonium, já referido.


40 —      Acórdão Prunus e Polonium, já referido (n.° 37).


41 —      V., designadamente, acórdãos de 17 de setembro de 2009, Glaxo Wellcome (C-182/08, Colet., p. I-8591, n.° 77), e de 1 de dezembro de 2011, Comissão/Bélgica (C-250/08, Colet., p. I-12341, n.° 70).


42 —      Acórdãos, já referidos, Glaxo Wellcome (n.° 78) e Comissão/Bélgica (n.° 71).


43 —      O Tribunal de Justiça reconheceu que esse motivo é suscetível de justificar uma restrição ao exercício das liberdades de circulação garantidas pelo direito da União: v., designadamente, acórdão de 11 de junho de 2009, X e Passenheim-van Schoot (C-155/08 e C-157/08, Colet., p. I-5093, n.° 45 e jurisprudência aí referida).


44 —      JO L 336, p. 15. Esta diretiva foi alterada diversas vezes, tendo a última alteração sido adotada em 20 de novembro de 2006 (JO L 363, p. 129). A cooperação instituída por esta diretiva compreende igualmente os impostos sobre os prémios de seguro, como indica a sua denominação desde a alteração de 16 de novembro de 2004.


45 —      V. n.° 54 das conclusões que apresentei em 12 de julho de 2012 no processo que deu origem ao acórdão de 28 de fevereiro de 2013 (C-168/11).